Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
514/12.0TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TJ SANTA COMBA DÃO 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 287º E) DO CPC
Sumário: I. Extinta a execução pelo pagamento voluntário da quantia exequenda e demais acréscimos, pode a acção executiva ser renovada a requerimento de credor que haja reclamado para ser pago pelo produto dos bens penhorados que não chegaram a ser vendidos nem adjudicados, desde que o seu crédito se encontre vencido e o requeira no prazo prescrito no n.º 2 do art.º 920.º do CPC.

II. Basta o impulso de um dos credores reclamantes -cujo crédito se encontre vencido- para que a execução extinta se renove, sendo os outros credores e o executado notificados do requerimento (art.º 920.º, n.º 4).

III. Renovada a instância executiva, a execução prossegue quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente, aproveitando-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução.

IV. O credor reclamante que não haja promovido a renovação da execução extinta não perde a garantia do seu crédito, posto que pelo produto da venda serão pagos, não só o novo exequente, mas também os credores para o efeito graduados, que não podem deixar ser satisfeitos pelo produto da venda ou adjudicação do bem que os garante.

Decisão Texto Integral: Nos autos de acção executiva que A..., S.A.”, move a B... com residência na ..., Espinho, para cobrança da quantia de € 1 072,73, de que estes são apenso, foi efectuada penhora sobre um imóvel pertença do executado.
Cumprido o disposto no artigo 864.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foram reclamados créditos pelo ISS, IP, e também pela CGD, esta na qualidade de credora hipotecária, encontrando-se o seu crédito garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel penhorado.
Nenhum dos créditos foi impugnado.
Na sentença, tendo julgado tempestivas as reclamações apresentadas, a Mm.ª juíza, conhecendo a título prévio da denominada “impossibilidade superveniente da lide quanto à reclamação de créditos apresentada pela CGD”, julgou extinta a instância nos termos do art.º 287.º, al. e) do CPC, no que concerne a esta credora, a qual condenou nas custas do apenso no concernente à reclamação por si apresentada, mais tendo julgado reconhecido o crédito reclamado pelo ISS, determinando o prosseguimento da execução para pagamento do mesmo.
Notificada, veio a reclamante CGD requerer, ao abrigo do disposto no art.º 669.º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do CPC, a reforma da sentença proferida, de modo a que dela passasse a constar, verificado e graduado no lugar que lhe competisse, o crédito reclamado pela requerente, mais pedindo a sua reforma quanto a custas. O assim requerido foi indeferido, mantendo a Mm.ª juíza “a quo”, na íntegra, o decidido, mais tendo condenado a requerente nas custas do incidente.
Irresignada com a sentença, dela interpôs a reclamante CGD o presente recurso e, tendo apresentado alegações, delas extraiu as seguintes relevantes conclusões:
“1. À ora recorrente a Sentença de Graduação de Créditos proferida no âmbito do apenso da Reclamação de Créditos não se afigura correcta, uma vez que não teve em consideração o crédito por si reclamado na qualidade de credora com garantia real.
2. No exercício da sua actividade creditícia a credora Caixa celebrou com o executado um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 7 de Outubro de 1997, conforme Doc. 1, já ínsito nos autos.
3. Para garantia do capital mutuado no montante € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), referente ao contrato supra identificado, dos respectivos juros até à taxa anual de 9,544% acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal, a parte devedora constituiu a favor da ora reclamante, que aceitou, hipoteca sobre o prédio urbano, correspondente a casa de cave, rés do chão e sótão, sito em ...Mortágua, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua sob o n.º ..., da mencionada freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., hipoteca que se encontra registada a seu favor pela inscrição Ap. 1 de 1999/08/11.
4. A credora reclamante Caixa Geral de Depósitos, foi citada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 865.º do Código Processo Civil, no sentido de reclamar os seus créditos com garantia real sobre o imóvel penhorado nos autos principais.
5. A credora reclamou tempestivamente o seu crédito, que goza de garantia real de hipoteca sobre o imóvel penhorado, limitando-se, tão só e apenas, na sua qualidade de credora com garantia real, a exercer os direitos que lhe são conferidos pela sua garantia.
6. O que fez, ainda que o seu crédito não se encontrasse vencido, em virtude de beneficiar de garantia real sobre o bem penhorado nos autos, a qual se extinguiria no caso de venda judicial, que transmitiria o bem livre dos direitos de garantia que o oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao da penhora registada nos autos (artigo 824.º do Código Civil).
7. Assim, a credora apresentou a sua reclamação de créditos, a qual foi deduzida nos termos legais e para os devidos efeitos, não tendo esta sido impugnada, considerando-se assim o seu crédito aceite e verificado.
8. No entanto, o Tribunal a quo, na Sentença de Graduação de Créditos, não procedeu à graduação do crédito reclamado no lugar que legalmente lhe compete e conforme decorre da sua preferência legal que beneficia - hipoteca.
9. Ora, o Tribunal a quo entendeu que, não estando a credora reclamante em condições de requerer a renovação da instância, o seu crédito não pode ser graduado na Sentença de Graduação.
10. Salvo o devido respeito, não podemos deixar de manifestar a nossa total discordância quanto ao facto de o Tribunal a quo não proceder à graduação do crédito reclamado pela Caixa, no valor de € 16.530,68, o qual goza de garantia real de hipoteca, que confere ao seu credor o direito de ser pago o seu crédito, com preferência sobre os demais credores, que não gozem de privilégios especiais.
11. Encontrando-se o devedor a cumprir o contrato de mútuo celebrado com a credora, e tendo esta sido notificada no âmbito da execução para no prazo de 10 dias requerer o prosseguimento da execução, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 920.º do Código de Processo Civil, a credora não poderia vir aos autos requerer o prosseguimento, sem que os requisitos se encontrassem preenchidos nomeadamente que o crédito se encontrasse vencido.
12. Assim sendo, a credora Caixa Geral de Depósitos declarou que não pretendia prosseguir com a execução, uma vez que o seu crédito se encontra a ser pontualmente cumprido pelo devedor, no entanto a recorrente não declarou desistir do pedido formulado na sua reclamação de créditos “Graduar tal crédito no lugar que, pela sua preferência, legalmente lhe competir para ser pagos pelo produto da venda do bem penhorado.”
13. Assim, foi pois com manifesta surpresa que a credora reclamante constatou que na Sentença de Verificação e Graduação Créditos não foi tido em consideração o crédito por si reclamado.
14. Ora, o credor reclamante só intervém na ação executiva, através da reclamação de créditos, a fim de tutelar a sua garantia real, sendo que é esta que lhe garante a preferência em ser pago sobre o produto da venda.
15. Caso a reclamante não interviesse na reclamação de créditos esta perderia a garantia real, uma vez que esta se extingue com a transmissão do bem penhorado em venda judicial, nos termos do artigo 824.º n.º 1 e 2 do Código Civil.
16. Em face disto, a sua intervenção no processo encontra-se limitada à garantia real que incide sobre o bem penhorado, sendo sobre este bem em concreto que o reclamante goza de preferência no pagamento relativamente ao credor comum, podendo assim na reclamação de créditos agir, a fim de defender o seu direito real de garantia.
17. Ora, não tendo sido considerado nem graduado o crédito da reclamante que usufrui de garantia real, no caso do imóvel penhorado ser vendido nos autos da execução, será extinta a sua garantia real, pelo que a credora reclamante não concorrerá ao produto da venda, não sendo ressarcida do seu crédito.
18. Foi nessa perspectiva que a credora apresentou a sua reclamação de créditos, uma vez que pretende que o seu crédito seja graduado no lugar que, pela sua preferência legalmente lhe competir, a fim de ser pago pelo produto da venda do bem penhorado, não podendo a credora ser excluída do concurso.
19. Ora, a credora declarou não pretender prosseguir com a ação executiva, todavia não desistiu da sua reclamação de créditos ou da garantia que usufrui sobre o imóvel penhorado.
20. A declaração de não renovação da execução não pode afectar o reconhecimento e graduação do seu crédito que goza de garantia real de hipoteca, tendo este de ser consignado e graduado na Sentença de Reclamação de Créditos necessariamente, uma vez que no caso do imóvel ser vendido no âmbito da acção executiva, tendo a credora apresentado a sua reclamação de créditos tem de ver assegurado o direito a ser pago em primeiro lugar conforme preferência que decorre da lei.
21. Aliás, o prosseguimento da execução não foi requerido, uma vez que tal não lhe era permitido por lei, pois o seu crédito encontra-se a ser pontualmente cumprido, não podendo por isso ser considerado vencido, no entanto, tal não obsta a que na Sentença de Graduação dos Créditos não conste o crédito reclamado pela credora.
22. A lei apenas admite o prosseguimento da execução a pedido do credor reclamante cujo crédito esteja vencido (Cfr. Ac. T.R.C., de 24-04-2007, Proc. 728- A/2001.C1), e não a qualquer credor reclamante.
23. Possibilidade esta que lhe é concedida por estar em condições de instaurar imediatamente a competente ação executiva contra o executado, o que implicaria uma (desnecessária) repetição de actos já praticados na instância de reclamação de créditos.
24. Assim, não podendo a credora reclamante cujo crédito não está vencido requerer o prosseguimento da execução, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade pela extinção do apenso de reclamação de créditos, por não lhe poder ser imputada a impossibilidade superveniente da lide.
25. A prolação de sentença de graduação de créditos não inibe o credor reclamante de requerer o prosseguimento desta, mas inibe-o o facto de o seu crédito não se encontrar vencido.
26. Não podendo ser responsabilizado, por não lhe ser permitido requerer o prosseguimento da execução, não lhe podendo ser imputada a impossibilidade superveniente, que se deve à extinção, pelo pagamento, da execução por apenso à qual reclamou o seu crédito.
27. Não se verificando os requisitos legais impostos pelo artigo 920º do CPC, não pode o credor reclamante ser condenando em custas por não praticar um acto cujo exercício lhe está vedado por lei.
28. Aliás, foi o incumprimento da obrigação do devedor para com o exequente que deu causa ao processo de execução e consequentemente ao apenso de reclamação de créditos. E ao não pagar a sua dívida para com o credor ISS deu causa ao pedido de prosseguimento dos autos por parte deste credor.
29. Assim, são da responsabilidade do executado as custas, pois que foi ele quem, com a sua conduta de incumprimento para com os seus credores deu causa à execução e consequentemente à necessidade de citação de credores, logo ao apenso de reclamação de créditos, e à necessária a prolação de decisão de verificação e graduação de créditos, tudo conforme expressamente dispõe o artigo 446º do CPC “1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Com os aludidos fundamentos pugna pela revogação da sentença proferida.
Os apelados não contra alegaram.
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Sabido que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (cfr. art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A do CPC), a única questão colocada à apreciação deste Tribunal é saber se o credor reclamante que não pediu a renovação da execução extinta nos termos e prazos previstos no n.º 2 do art.º 920.º pode (deve) ser excluído do concurso de credores.
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II. Fundamentação
De facto
São os seguintes os factos a considerar, com relevo para a decisão a proferir:
1. “ A..., S.A.”, instaurou contra Edgar Rodrigues Lopes Martins, com residência na ..., Espinho, a acção executiva de que os presentes autos são apenso, tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de € 1 072,73 (mil e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos).
2. No âmbito dos autos de execução foi efectuada penhora sobre o prédio urbano correspondente a casa de cave, rés do chão e sótão, sito em ...Mortágua, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua sob o n.º ..., da mencionada freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....
3. No exercício da sua actividade creditícia a credora Caixa celebrou com o executado um contrato de mútuo com hipoteca no montante de € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), formalizado por escritura pública datada de 7 de Outubro de 1997, conforme Doc. 1, já ínsito nos autos.
4. Para garantia do capital mutuado no montante € 24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), referente ao contrato identificado em 3. dos respectivos juros até à taxa anual de 9,544% acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano, a título de cláusula penal, a parte devedora constituiu a favor da ora reclamante, que aceitou, hipoteca sobre o prédio urbano correspondente a casa de cave, rés do chão e sótão, sito em ...Mortágua, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mortágua sob o n.º ..., da mencionada freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., hipoteca que se encontra registada a seu favor pela inscrição Ap. 1 de 1999/08/11.
5. Cumprido o disposto no artigo 864.º, n.º 3, foram reclamados os seguintes créditos:
a) pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.”, Centro Distrital de Viseu, com sede na ..., em Viseu, no montante de € 1.755,86 (mil setecentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), respeitante a contribuições devida pelo executado e referentes ao período compreendido entre Novembro de 2010 a Maio de 2011 e de Novembro de 2011 a Dezembro de 2011, quantia que inclui juros de mora calculados até Setembro de 2012 (em conformidade com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º73/99, de 16.03, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º3-B/2010, de 28 de Abril);
b) pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, tendo por referência a data de 11 de Setembro de 2012, o montante global de € 16.530,68 (dezasseis mil, quinhentos e trinta euros e sessenta e oito cêntimos), ao qual acresce, diariamente, o montante de €  4,70, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, que inclui uma sobretaxa de 2% ao ano, prevista no artigo 7º do DL n.º 344/78, de 17 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 83/86, de 6 de Maio, crédito proveniente do contrato de mútuo referido em 3.
6. Nenhum dos créditos reclamados foi impugnado.
7. O executado procedeu entretanto ao pagamento da quantia exequenda e custas do processo e, tendo a Sr. Solicitadora de execução procedido à notificação dos credores reclamantes nos termos do n.º 2 do art.º 919.º do CPC, declarou a reclamante CGD que o seu crédito se encontrava a ser pontualmente cumprido, não se verificando os requisitos para promover os termos da execução.
8. O credor reclamante ISS, ip requereu o prosseguimento da execução para ser pago pelo produto dos bens penhorados.
9. Nestes autos apensos, reconhecida a tempestividade dos créditos reclamados, que não foram impugnados, a Mm.ª juíza “a quo” proferiu a seguinte decisão:
 “Questão Prévia: Impossibilidade Superveniente da lide – Reclamação de Créditos apresentada pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”
Por requerimento entrado em juízo a 30 de Novembro, CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., credora reclamante, tendo sido notificada da extinção da instância executiva com fundamento no pagamento da quantia exequenda, veio comunicar que não irá prosseguir com a execução nos termos do disposto no artigo 920.º, n.º 2 e 4 do CPC.
Por requerimento entrado em juízo a 23 de Novembro de 2012, havia o credor reclamante ISS, por seu turno, ao abrigo do disposto no 920.º do CPC, requerer o prosseguimento da execução para efectivo pagamento do crédito reclamado. Mais requer que, para o efeito, seja ordenada a realização da venda do(s) bem(ns) penhorado(s).
A 2 de Novembro de 2012 foi proferido despacho no apenso de reclamação no qual se consignou que o dia 11 de Setembro de 2012, para além de ser a data de entrada em juízo da reclamação de créditos apresentada pela Caixa Geral de Depósitos, correspondente à data pela credora reclamante indicada como sendo o último dia relativamente ao qual contabiliza os juros remuneratórios de capital cujo pagamento entende ser devido, sendo que não resulta claro dos autos qual a data de início do incumprimento por parte do executado, a qual releva, desde logo, para efeitos da contagem do limite de 3 anos atinente ao privilégio de que gozam os juros.
Por via do então exposto, determinou-se que se notificasse a credora reclamante para, no prazo de 10 dias, esclarecer quanto à data de início de incumprimento (não pagamento de prestação) por parte do executado, bem como para clarificar porque peticiona o pagamento/reconhecimento de juros remuneratórios entre os dias 7 de Setembro e o dia 9 de Setembro de 2012.
Resulta documentado nos autos principais que a Sr.ª S.E., na sequência de pagamento voluntário, extinguiu a execução e comunicou tal extinção, por ofícios de 10 de Novembro de 2012, além do mais, aos credores reclamantes.
Conforme resulta expresso na comunicação pela Sr.ª S.E. dirigida aos autos em 26 de Novembro de 2012, atento o requerimento apresentado pelo ISS e em face do disposto no artigo 920.º do CPC, a execução haverá que prosseguir para efectiva verificação, graduação e pagamento do crédito do ISS, e apenas deste, atenta a posição assumida pela CGD; prosseguimento limitado ainda quanto aos bens sobre os quais incida a garantia real invocada pelo requerente ISS, que assume a posição de exequente.
Com efeito, sendo a reclamação de créditos (e sua verificação e graduação), como é, uma fase da acção executiva que tem lugar numa acção declarativa de carácter incidental, visando o mesmo fim que a execução, reveste uma natureza instrumental, sendo caracterizada como um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinada ao processo executivo (neste sentido vide, Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, pág. 315, 5ª ed., Coimbra Editora).
Ora, extinta a execução, a mesma pode ser renovada nos termos previstos no artigo 920.º do CPC, incluindo a requerimento de credor cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, estatuindo o n.º 2 do normativo citado que tal requerimento pode ser apresentado no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução.
Tem assim o credor reclamante que vir requerer o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito, fazendo o seu requerimento prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente; não se repetindo as citações e aproveitando-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, e sendo os outros credores e o executado são notificados do requerimento.
Ora, não tendo a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” requerido a renovação da instância executiva, e dependendo a reclamação de créditos da pendência da execução, verifica-se uma impossibilidade superveniente de prosseguimento da lide, a qual é causa de extinção da instância (cfr. artigo 287.º, al. e) do CPC), no que concerne à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.
Uma vez que a impossibilidade superveniente da lide resulta de, não obstante ter sido notificada da extinção da execução, a credora reclamante não ter vindo – como podia – requerer a renovação da execução extinta, para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito, responde a credora reclamante pelas custas da sua reclamação (cfr. artigo 450.º, n.º3 do CPC).
9. Com tais fundamentos, julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (cfr. art.287.º, alínea e) do Código de Processo Civil) no que concerne à credora reclamante “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, a quem condenou nas custas relativas à reclamação apresentada, mas julgou reconhecido o crédito reclamado pelo ISS, determinando o prosseguimento da execução quanto ao imóvel penhorado para pagamento do crédito reclamado.
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De Direito
Sendo estes os factos que interessam à decisão a proferir, e antecipando a conclusão, desde já se afirma ser de reconhecer razão à recorrente. Vejamos:
O concurso de credores consubstancia-se na intervenção de um ou mais credores do executado em acção executiva pendente, com vista à realização de créditos revestidos de determinadas garantias, assumindo-se como um procedimento declarativo naquela acção enxertado e a ela funcionalmente subordinado[1]. O fundamento último da admissão destes outros credores encontra-se no art.º 601.º do Código Civil, nos termos do qual o património do devedor constitui a garantia geral de todos os credores. Todavia, atendendo ao sistema da execução singular adoptado pela nossa lei processual civil, a convocação dos credores visa essencialmente expurgar os bens objecto da execução dos direitos reais de garantia que os onerem, sobretudo no interesse do exequente, do executado e dos respectivos adquirentes, posto que, conforme prescreve o n.º 2 do art.º 824.º do CC, os bens penhorados são vendidos livres e desonerados, caducando aqueles direitos com o acto da venda. Porque assim é, os créditos reclamados só podem ser pagos pelo produto dos bens que os garantem e são pagos ainda que não se encontrem vencidos.
No caso em apreço, reclamados créditos pela apelante e pelo credor ISS, ip., procedeu o executado ao pagamento da quantia exequenda, o que determinou a extinção (automática) da execução. Tal extinção foi também notificada aos credores reclamantes, em obediência ao disposto no art.º 919.º, n.º 2 do CPC, sendo que apenas o ISS requereu o prosseguimento da execução, declarando a CGD que o seu crédito estava a ser pontualmente cumprido, pelo que lhe estava vedado promover a renovação da execução.
Conforme resulta do disposto no art.º 920.º do CPC, depois de extinta, a acção executiva pode renovar-se no mesmo processo por iniciativa de um credor que pretenda prosseguir com a execução (vide n.ºs 2, 3 e 4).
Nos termos das aludidas disposições legais, quando a extinção da execução tiver lugar após a reclamação de um crédito já vencido, mas antes da venda ou adjudicação dos bens que o garantam, pode o credor requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção, o prosseguimento dos autos para que o seu crédito seja satisfeito pela venda de tais bens. Trata-se de uma excepção ao princípio de que a acção executiva só funciona em benefício do exequente, sendo todavia necessário que o(s) crédito(s) do(s) requerente(s) esteja(m) vencido(s) e deva(m) ser pago(s) pelo produto dos bens penhorados que, em razão da causa de extinção da execução, não foram vendidos. A execução, todavia, só prossegue quanto aos bens que devam ser liquidados, por garantirem o crédito do(s) credor(es) reclamante(s), que passa (m) a assumir a posição do exequente.
A solução legal assim consagrada filia-se na circunstância de tais credores poderem instaurar de imediato acções executivas para cobrança dos seus créditos, o que conduziria à inevitável repetição de actos já praticados no processo onde assumiram a qualidade de credores reclamantes. Por assim ser, e em homenagem aos princípios da racionalidade e economia de meios, permite-se o aproveitamento deste processo.
Face ao que se deixou referido, assiste razão à apelante quando defende que lhe não era permitido promover o prosseguimento da execução, uma vez que o seu crédito não estava vencido nem era exigível, dado que vinha sendo regularmente cumprido. Com efeito, constituindo a exigibilidade um (dentre outros) pressuposto específico da acção executiva, da sua verificação depende a exequibilidade do direito à prestação que se pretende seja coercivamente satisfeita. Ora, se à reclamante estava vedado, por ausência deste específico pressuposto, instaurar acção executiva, vedado estava também requerer a renovação da execução extinta, uma vez que, por via da substituição que se opera, passaria a ter a posição de exequente. Todavia, daqui não resulta que, prosseguindo a execução a requerimento de outro credor, titular de um crédito vencido, não possa, “rectius”, não deva, o crédito da apelante ser considerado na sentença de verificação e graduação que haja de ser proferida.
“Prima facie”, cabe fazer notar que, a seguir-se o entendimento perfilhado na decisão recorrida, todos os credores reclamantes ficavam vinculados a requerer o prosseguimento da execução, sob pena de perda da garantia de que gozam os seus créditos, exigência que a lei não faz e consequência que não associa à omissão. Pelo contrário, conforme resulta do disposto no n.º 4, bastará o impulso de um dos credores reclamantes -cujo crédito se encontre vencido-  para que a execução extinta se renove, o que justifica a solução aqui consagrada: aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento (é nosso o destaque).
Assim, apresentado o requerimento do credor reclamante cujo crédito se encontre vencido e garantido pelos bens penhorados que não hajam sido vendidos ou adjudicados, aquele assume a posição de exequente e a execução prossegue quanto a tais bens. Pelo produto da venda serão pagos, não só o novo exequente, mas também os credores para o efeito graduados, que não podem deixar ser satisfeitos pelo produto da venda ou adjudicação do bem que os garante. Aliás, a referência no n.º 2 do preceito em análise “à graduação …do seu crédito” não pode deixar de significar a existência (ou possibilidade de existência) de vários créditos.
Não pode assim sancionar-se o entendimento expresso na decisão recorrida, que atribuiu à declaração da apelante no sentido de não promover os termos da execução o valor de renúncia à garantia do seu crédito, que obviamente não comportava. Daí que não possa subsistir, devendo ser substituída por outra que proceda à verificação do crédito reclamado pela CGD e, julgando-o verificado, o gradue no lugar que lhe competir.
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III. Decisão
Em face do exposto, julgo procedente o recurso interposto pela reclamante Caixa Geral de Depósitos e revogo a sentença proferida, na parte em que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide no que se refere ao crédito reclamado pela apelante e a condenou nas custas respectivas, devendo em sua substituição ser proferida outra que proceda à verificação do crédito e, julgando-o verificado, o gradue no lugar que, pela sua preferência, legalmente lhe competir para ser pago pelo produto da venda do bem penhorado.
Sem custas.
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Maria Domingas Simões


[1] V. Salvador da Costa, “O Concurso de credores”, Almedina 1998, pág. 7, e Lebre de Freitas, A acção executiva, depois da reforma da reforma” 5.ª ed., pág. 315.