Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
286/10.2JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CRIME DE COAÇÃO SEXUAL
ATO SEXUAL DE RELEVO
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO163.º, N.º1CP
Sumário: O arguido que, procurando um local isolado, sem casas nem pessoas por perto, dentro do seu automóvel agarra com força o braço da ofendida, beija-a na cara ao mesmo tempo que, com a sua mão livre, lhe acaricia os seios, pratica, por meio de violência, ato sexual de relevo e, assim, o crime de coação sexual.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova, pela prática de um crime de coação sexual, do art. 163º, nº 1, do Código Penal.

2.
Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1. Do depoimento prestado pela ofendida, constantes do suporte digital (CD, de 10.13:32 a 10:28:40), ressalta que "não foi intenção dele" (1:22), "ele começou-me a apalpar e depois como eu não gostei, eu vi-me embora para casa" (1:27), "eu disse A... pára e consegui empurra-lo para trás e depois vim a correr por aquela rampa" (2:24), "empurrei assim um bocadinho" (14:17) e, quando perguntada sobre para onde foi responder que foi para "casa da mãe dele" (14:26), que era de onde vinham.
2. Mais, desde logo, a ofendida não revela qualquer constrangimento e revela um à-vontade para falar do assunto e na presença do arguido, tendo recusado que este saísse da sala (00:16).
3. Quanto aos depoimentos das testemunhas B..., C... e D..., estas não tem qualquer conhecimento directo dos factos dos quais o arguido vinha acusado.
4. Assim, o arguido entende que não há elementos de prova que leve a que se dêem como provados os factos f) e k), pelo que merecem análise e avaliação os elementos probatórios supra referidos, devendo proceder-se, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 4 e 430º, CPP, à sua renovação, o que se requer.
5. É manifesta e exigida nos autos a aplicação do princípio in dubio pro reo, pois, avaliando-se a prova segundo as regras da experiência e atento o princípio da liberdade de apreciação da prova, revela-se uma dúvida no espírito do tribunal a quo sobre a existência dos factos dados como provados e aqui postos em crise.
Sem prescindir,
6. Não existe qualquer facto concreto provado que permita extrair a conclusão de que o arguido tivesse praticado os factos de f) a k), pelo que tais factos, dados como provados, são mero juízo conclusivo.
7. Existe quanto a estes elementos o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410º, nº 2, al. a), do C.P.P.
Sem prescindir,
8. O arguido, ora recorrente, entende ainda que a sua conduta, dada como provada, não se subsume no tipo legal de crime p.p, pelo artigo 163º, nº 1, do Código Penal, por não preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo.
9. A violência tem de considerar-se "... idónea, segundo as circunstâncias do caso nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência efectiva ou esperada da vitima."
10. Mesmo que os factos tivessem ocorrido, agarrar o braço não é um acto de violência que impeça a ofendida de reagir, tocar os seios uma vez, não é acto sexual de relevo, pois não põe em causa quer a inocência, quer a autodeterminação sexual da arguida.
11. O arguido não agiu com dolo.
Sem prescindir,
12. Os factos praticados, a serem dados como provados, não são de tal forma graves que imponham pena superior ao mínimo legal, nem existe especial carácter intenso do dolo.
13. Pelo que, ao arguido deve ser fixada pena de prisão não superior a 12 meses, suspensa por igual período, sem necessidade de qualquer regime de prova, pois tal pena afigura-se suficiente para as exigências de prevenção geral e especial do caso em concreto, uma vez que o arguido está bem inserido na sociedade.
14. Foram violadas as seguintes normas: art. 32º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, art. 14º, nº 1 e art. 163º, nº 1 do Código Penal, art. 53º, nº 1 e 71º, nº 1 e 2 do Código Penal».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido.

Nesta Relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido. Relativamente ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, lembra que o arguido não refere, como lhe competia, que mais devia o tribunal ter indagado e que não indagou em relação ao crime imputado. Quanto ao erro notório na apreciação da prova, resulta haver confusão entre este vício e o erro de apreciação da prova. No entanto, avança, nenhum dos dois vícios se verifica pelo que, e consequentemente, não se pode falar de violação do princípio in dubio pro reo.
Finalmente, e sobre a pena, defende a sua adequação ao caso.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«a) À data dos factos a seguir narrados, o arguido vivia em união de facto com a irmã da ofendida E....
b) Sabia, por isso, não só a sua idade e que encontra-se a frequentar um curso profissional na APPACDM.
c) A E... nasceu a … 1994.
d) No dia 08 de Junho de 2010, ao final do dia, o arguido convidou a ofendida E...a ir com ele dar um passeio a pé desde a residência do arguido sita em W..., até à estação de comboios daquela localidade, a fim de irem os dois esperar pela irmã da ofendida e companheira do arguido, que ali chegaria, ao final do dia, vinda do trabalho e para casa, sita naquela localidade.
e) A ofendida E...acedeu a ir com o arguido esperar a irmã à estação.
f) No caminho de casa do arguido, sita em W..., para a referida estação, num local isolado, sem casas nem pessoas por perto o arguido, de repente, agarrou com força o braço da ofendida E..., causando-lhe dores na zona atingida e beijou-a na cara ao mesmo tempo que, com a sua mão livre, lhe ia desferindo carícias na zona do peito.
g) Esta contorceu-se e sacudiu-se, esquivando-se ao contacto indesejado com o arguido, tendo-lhe dito que se este não parasse ia contar tudo à irmã.
h) Aproveitando o facto do arguido ter abrandado a pressão no braço, com o qual a mantinha agarrada, a ofendida libertou-se e empurrou o arguido e fugiu.
i) Em data concretamente não determinada mas certamente há menos de dez anos, o arguido solicitou à ofendida que esta lhe desse umas fotos despida, sendo que esta não acedeu a tais solicitações.
j) O arguido, ao agir pelo modo descrito, quis e conseguiu satisfazer os seus instintos libidinosos e usando para com a ofendida a força física para imobilizar a ofendida, causando-lhe dores na zona atingida e levá-la a suportar a sua conduta sem e contra a vontade da mesma, adoptando actos que, quando não desejados por quem os recebe, como era o caso, são idóneos a afectar o sentimento de recato sexual de qualquer cidadão médio e da ofendida, fins que representou e logrou alcançar.
k) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta estava vedada por lei.
l) O arguido não tem antecedentes criminais.
Frequenta um curso de formação profissional em tornaria mecânica.
Recebe uma bolsa de €:150,00 e subsídio de transporte de €:50,00.
Tem o 6º ano de escolaridade.
Vive com a mãe, em casa desta».
7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente que:
«1) o arguido levou a ofendida para um local isolado, sem casas nem pessoas por perto depois de a agarrar pelo braço.
2) o arguido manteve a ofendida firmemente agarrada pelo braço e começou a beijá-la na boca e, em movimentos ritmados, lhe ia desferindo carícias na zona genital.
3) A ofendida tem dificuldades de percepção».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«Como é sabido e como bem se nota no Ac RC de 7/7/2010, in www.dgsi.pt, a cuja argumentação aderimos, “a prova nos crimes de natureza sexual, por força das circunstâncias, é particularmente difícil, na medida em que escasseia a prova directa, e regra geral só têm conhecimento da maioria dos factos o arguido e a vítima.
Assim quem quer que seja que pratique estes factos, pelo melindre que envolvem e a conotação que lhes está associada, que vai muito para além do próprio processo crime, rodeia-se de cautelas, no sentido de não ser observado por ninguém e no que concerne à prática dos factos, uma vez instaurado o processo criminal, trata de os negar e procurar descredibilizar o depoimento da vítima – é um clássico para quem julga há muito este tipo de criminalidade.”
Ora, é precisamente este o caso dos autos: o sucedido não foi por ninguém presenciado e apenas foi relatado pela ofendida, já que o arguido não quis prestar declarações.
E foi sobretudo com fundamento no depoimento da ofendida E..., que o tribunal formou a sua convicção. Efectivamente, tratou-se de um depoimento sincero, espontâneo, coerente e consistente, tendo descrito os factos em conformidade com os factos provados.
Mas foram também importantes os depoimentos das testemunhas B..., C... e D..., por terem contextualizado os factos e relatado qual a relação que o arguido mantinha com a ofendida e ainda por terem contado qual era o estado psicológico da ofendida depois destes factos terem ocorrido e a história que esta contava, credibilizando assim o depoimento da ofendida.
Assim, a testemunha B..., mãe da ofendida, contou que foi chamada à APPACDM de W..., num determinado dia, porque a filha E...estava a chorar e tinha contado à monitora o sucedido. Foi buscá-la, a E...contou-lhe o ocorrido e apresentaram queixa.
A testemunha C..., irmã da ofendida, prestou um depoimento credível e contou que o arguido “se metia” com ela e com a irmã, elogiando-lhes o corpo e dizendo designadamente que a E...tinha uns “peitos grandes, muito giros”. Contou que em determinada altura recebeu uma mensagem de telemóvel do arguido, com uma fotografia do pénis deste.
A testemunha D..., colega da E...no curso da APPACDM, contou que o arguido também lhe enviou mensagens de telemóvel cujo teor a incomodou e que ela apagou.
Ora, da valoração e conjugação de todos estes depoimentos o tribunal concluiu, acima de todas as dúvidas às quais possam ser dadas razões, no sentido dado como provado.
Os factos referentes às circunstâncias pessoais e económicas do arguido provaram-se com base nas declarações a este respeito por este prestadas e com base nos depoimentos das testemunhas Manuel, Nuno e Adelino, que abonaram do arguido.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, valorou-se o teor do CRC junto aos autos.
O tribunal deu como não provados os factos assim descritos porquanto não foi feita em audiência de julgamento prova dos mesmos».
*
*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados
III – Impugnação da pena aplicada

*

I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A propósito da matéria de facto dada como provada o arguido diz que da prova produzida nada resulta que permita dar como provados os factos constantes das alíneas f) e k) pelo que, conclui, verifica-se insuficiência da matéria de facto dada como provada e erro notório na apreciação da prova quanto aos mesmos.
Não obstante, a verdade é que a única questão colocada a propósito dos referidos factos é o erro de julgamento que, defende o arguido, esteve na base da sua consideração como provados.
Quanto aos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e do erro notório na apreciação da prova, sendo erros da sentença teriam que emergir do seu texto. Ora, no caso, a sua alegação aparece não só desgarrada do texto da sentença, como ainda está ligada à conclusão de que os vícios radicam na falta de provas, ou seja, no erro de julgamento e não, como se diz, no erro notório na apreciação da prova gerador da invocada insuficiência.

Vejamos, então.

Como se disse o arguido impugna os factos constantes das alíneas f) e k) da matéria provada e as provas que indica como demonstrativas dos erros de julgamento cometidos consistem nos depoimentos da ofendida E...e das testemunhas C..., B... e D....
Os factos em causa são os seguintes:
«f) No caminho de casa do arguido, sita em W..., para a referida estação, num local isolado, sem casas nem pessoas por perto o arguido, de repente, agarrou com força o braço da ofendida E..., causando-lhe dores na zona atingida e beijou-a na cara ao mesmo tempo que, com a sua mão livre, lhe ia desferindo carícias na zona do peito.
k) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta estava vedada por lei».

Relativamente ao primeiro depoimento diz o arguido que «do depoimento prestado pela ofendida, constantes do suporte digital (CD, de 10.13:32 a 10:28:40), ressalta que "não foi intenção dele" (1:22), "ele começou-me a apalpar e depois como eu não gostei, eu vi-me embora para casa" (1:27), "eu disse A... pára e consegui empurra-lo para trás e depois vim a correr por aquela rampa" (2:24), "empurrei assim um bocadinho" (14:17) e, quando perguntada sobre para onde foi responder que foi para "casa da mãe dele" (14:26), que era de onde vinham». E continuou: «… a ofendida não revela qualquer constrangimento e revela um à-vontade para falar do assunto e na presença do arguido, tendo recusado que este saísse da sala (00:16)».

Mostrando-se satisfeitos os requisitos do art. 412º, nº 3, do C.P.P. cumpre conhecer da prova produzida para apurar se os factos impugnados não respeitam, tal como o arguido refere, a prova produzida em audiência.

A E..., ofendida, declarou que na altura andava a frequentar um curso em W... e para não ir e vir para ... ficava em casa da irmã, que na altura vivia com o arguido naquela localidade.
No dia em questão o arguido disse-lhe para ir consigo buscar a irmã ao comboio. E continuou: «nós fomos para um monte, não sei se aquilo é um monte. Depois aí é que, mas não foi intenção dele».
Perguntada sobre o que tinha acontecido respondeu: «ele começou só a apalpar, depois como eu não gostei vim embora para casa».
Perguntada onde é que o arguido tinha mexido respondeu «só no peito». E reafirmou, logo de seguida, que o arguido só lhe mexeu no peito.
Perguntada como é que ele fez, disse que o arguido a agarrou por trás, no braço, para mexer. Disse «A..., pára» e conseguiu empurrá-lo para trás e foi a correr pela rampa.
Perguntada se contou à irmã disse que foi para o curso, como era normal, e que estava na cozinha quando começou a chorar: as colegas estavam a falar de uma rapariga que contou um caso do cunhado, ela não gostou e começou a chorar. Quando isto sucedeu a dona Vitória, a monitora, chamou-a a uma sala, perguntou-lhe o que tinha e então contou-lhe o que tinha acontecido. Ela, depois, chamou a mãe e a irmã e contou-lhes.
Perguntada se o arguido parou quando ela o mandou parar disse que sim, mas que se não o empurrasse ele não pararia.
Depois do sucedido foram para casa mas não aconteceu mais nada. Na altura não estava ninguém em casa.
Disse, ainda, que antes ele também lhe mandou umas mensagens, «mas nada de mais». Perguntada que mensagens tinham sido essas, disse que não se lembrava. Disse, ainda, que ele tinha mandado mensagens à colega B...e que ela não gostou. Disse que foi a amiga que lhe contou: ela disse-lhe que ele não era uma pessoa boa porque mandava mensagens «um bocado coisas». Depois acrescentou que o cunhado também lhe mandou a si mensagens parecidas, a pedir fotografias de cuecas e soutien.
Perguntada se o cunhado que lhe dizia alguma coisa contou que ele também lhe costumava dizer que ela tinha «mamas boas».
Perguntada porque é que, apesar disso, foi com o cunhado no dia em causa respondeu que foi porque nunca imaginou que ele, que era seu cunhado, lhe fizesse aquilo.

B..., mãe da ofendida, disse que estava em casa quando recebeu um telefonema da APP para lá ir com urgência, porque a filha E...estar a chorar.
Então foi e lá e ela contou-lhe que o A... a tinha agarrado «para fazer pouco dela». Foi por isto que decidiu apresentar queixa.
Perguntada se sabia de outros casos do A... com a E...respondeu que não, que nunca ouviu dizer nada.

A testemunha C..., irmã da ofendida, sobre os factos disse que sabia aquilo que a E...lhe contou: que ele tentou abusar dela, mas que não explicou como tinha sido.
Perguntada se estranhou respondeu que sim, mas acrescentou que o cunhado tinha certos comportamentos, mas de outro género, por exemplo mandar mensagens. E então contou que o arguido uma vez lhe mandou uma fotografia dos órgãos genitais dele.
Perguntada se o arguido também mandava mensagens desse género à E...respondeu que soube quando ela lhe contou.
Disse que por vezes ia passar fins de semana a casa da … e do arguido e ouvia o arguido dizer para a E...que ela «tinha uns peitos muito grandes, muito giros, que ela era muito gira». Perguntada se ele não dizia para a E...«tens as mamas boas» respondeu que nunca o ouviu falar assim.
Contou, ainda, que ele às vezes também lhe mandava piropos do mesmo género: que «tinha um rabo muito grande, uma padaria muito grande».

Finalmente, D... disse que o arguido lhe pediu uma foto sua nua e que lhe mandava mensagens «porcas» mas que não tinha provas nenhumas, porque quando as recebeu apagou logo as mensagens.
Depois explicou que a E...lhe tinha dado o número do telemóvel do cunhado. Nessa altura não o conhecia, nunca o tinha visto.
Houve uma troca de mensagens entre ambos e depois ele pediu-lhe a tal fotografia. Reconheceu que a primeira mensagem entre ambos foi enviada por ela, mas depois, devido às mensagens que ele lhe mandou, apagou o número dele e as mensagens. Disse que a … soube do sucedido.
*

Esta é, então, a prova especificada pelo arguido, demonstrativa, na sua tese, dos erros de julgamento cometidos.
E houve, efetivamente, erros de julgamento?
Entendemos que não.
Bem sabemos a dificuldade da prova nos chamados crimes sexuais. Conforme refere a sentença recorrida, em regra as únicas pessoas que têm conhecimento direto destas situações são os envolvidos, o agente e a vítima, pelo que, e em última instância, é a palavra de um contra a palavra da outra.
Mas, sendo certo que o depoimento da vítima tem que ser tomado com cautelas – aliás, com as cautelas inerentes à apreciação de qualquer prova testemunhal -, isto não significa que uma decisão não possa ser tomada, validamente tomada, apenas com base num tal depoimento, do mesmo modo que uma decisão pode assentar apenas no depoimento do agente.
E no caso a ofendida E...prestou um depoimento que merece toda a credibilidade. Ouvindo-a conclui-se, como o fez a sentença recorrida, que se tratou de «um depoimento sincero, espontâneo, coerente e consistente». E o facto de ela dizer, mais do que uma vez, que não queria que acontecesse nada ao arguido e ter começado a chorar quando o dizia ainda dão mais peso àquela apreciação.
A nossa apreciação é a seguinte: a ofendida disse, na altura dos factos, o que sucedeu entre ambos mas não queria, conclusão nossa, que o arguido viesse a ser condenado por isso.

Para além deste depoimento direto temos a prova indireta.
Conforme a mãe da E...referiu, um dia foi chamada à escola e lá tomou conhecimento do sucedido. Também a C... também soube do que se passou, porque a E...lhe contou.

Toda esta prova aponta, pois, no sentido decidido pela sentença recorrida.
Perante esta decisão, tomada com toda a segurança, não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis. Esta dúvida impõe ao juiz que decida de modo a favorecer o arguido.
Não havendo dúvida sobre a prática dos tais factos desfavoráveis não há lugar à aplicação de um tal princípio.
*

II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

Sobre o enquadramento legal dos factos provados no tipo do art. 163º, nº 1, do Código Penal, é a seguinte a fundamentação constante da sentença recorrida:
«De acordo com o disposto no art.º 163º n.º 1 do CP, comete o crime de coacção sexual "quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo" …
Por acto sexual entende-se todo aquele acto que, de um ponto de vista objectivo, assume uma natureza, um conteúdo e um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aí, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica, independentemente da motivação do agente (neste sentido, vide Comentário ao Código Penal Conimbricence, Tomo I., p. 227 e ss). O critério para distinguir os actos sexuais bagatelares e insignificantes há-de buscar-se na perspectiva do bem jurídico protegido. Serão assim, de relevo, aqueles actos que, de um ponto de vista objectivo, representam um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima.
Ora, tendo em vista tal critério, há que concluir pelo carácter sexual do acto praticado pelo arguido e consistente em apalpar o peito da assistente e pela sua relevância para os efeitos de subsunção no disposto no art.º 163º do Código Penal …
Neste crime a acção do agente traduz-se em constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar consigo própria ou com terceiro acto sexual de relevo, por uma das formas descritas no tipo: com violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir. Constranger é obrigar, submeter à sua vontade, sem que a vítima tenha liberdade de determinação …
Ora, no caso em análise foi com violência, agarrando o braço da ofendida, que o arguido acariciou os seios da ofendida, submetendo-a aos seus intentos libidinosos.
E a ofendida manifestou inequivocamente resistência à atitude do arguido, acabando por empurrar o arguido e conseguir fugir …».

O arguido insurge-se contra a decisão de incriminar a conduta porque, diz, «agarrar o braço não é um acto de violência que impeça a ofendida de reagir, tocar os seios uma vez, não é acto sexual de relevo, pois não põe em causa quer a inocência, quer a autodeterminação sexual da arguida».
Nos termos do nº 1 do art. 163º do Código Penal comete o crime de coação sexual, punível com prisão de 1 a 8 anos, «quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo …».
Estando este tipo legal inserido no capítulo relativo aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, é líquido que ele visa a tutela da liberdade sexual ou, nas palavras de Figueiredo Dias Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, tomo I, 1999, pág. 445., a «autoconformação da vida e da prática sexuais das pessoas … se e quando esta liberdade sexual for lesada de forma importante a intervenção penal encontra-se legitimada …».
Na realidade, intervindo o direito penal sempre em última ratio, só em casos contados, excecionais e devidamente ponderados é que ele poderá intervir.

O que está em causa é apurar se o ato do arguido integra o conceito de ato sexual de relevo, primeiro, e se o mesmo foi cometido com violência.
Para Figueiredo Dias ato sexual Obra citada, pág. 447., por referência a esta norma, é o comportamento que, de um ponto de vista objetivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por isso, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica.
Mas a norma, para intervir, não se basta com prática de um ato sexual: o tipo legal exige um ato sexual de relevo?
Ultrapassando a dificuldade de delimitação do conceito aderimos à tentativa de definição avançada por Sénio Alves Crimes Sexuais, 1995, pág. 11 e segs., que defende que o acto sexual de relevo é todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais, mesmo que não envolva os órgãos genitais de qualquer dos intervenientes, que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas. A relevância ou irrelevância derivará do sentir geral da comunidade, dependendo de se considerar que ofende com gravidade, ou não, o sentimento de vergonha e timidez relacionado com o instinto sexual da generalidade das pessoas.
Portanto, ato sexual de relevo é o ato que tenha uma relação objetiva com o sexo e que seja considerado pela comunidade geral como gravemente ofensivo da intimidade sexual.
Em suma, são actos de natureza sexual ou actos com fim sexual Sénio Alves, obra citada..

Ora, acariciar os seios de uma mulher é, claramente, um ato sexual de relevo: para qualquer pessoa trata-se de um ato relevante para o envolvimento sexual, é praticado com esse fim e é ofensivo da intimidade e sentimento de pudor de qualquer mulher quando praticado sem ou contra a sua vontade.
O primeiro requisito está, pois, preenchido.

Como segunda nota, temos que o agente tem que constranger a vítima – a praticar ou a sofrer o ato -, com violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter posto inconsciente ou impossibilitada de resistir.
Para o direito penal constranger é coagir, é obrigar outrem a algo sem lhe dar a liberdade de escolha.

No caso em análise o ato do arguido – acariciar os seios -, foi levado a cabo depois de ele ter agarrado «com força o braço da ofendida E...».
Esta ação é suficiente para configurar a violência exigida na norma?
Pensamos que sim porque o arguido não se limitou a agarrar o braço da ofendida. Isto sucedeu quando estavam dentro do seu veículo e «num local isolado, sem casas nem pessoas por perto …».
Ou seja, existiu a corporalidade da violência que, embora não tenha sido pesada nem grave, foi desenvolvida num circunstancialismo tal que se revelou suficiente para alcançar os intentos pretendidos.
Concluindo, entendemos, pois, que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado.
*

III – Impugnação da pena aplicada

Finalmente, o arguido insurge-se contra a pena que lhe foi aplicada – 18 meses de prisão, suspensa com regime de prova -, dizendo que à gravidade dos factos é suficiente uma pena de prisão coincidente com o mínimo legal e sem sujeição a regime de prova.

As finalidades das sanções penais são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, constituindo a medida da culpa o limite inultrapassável da medida da pena - art. 40º, nº 1 e 2, do Código Penal.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, é a finalidade primeira no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente.
Partindo destas considerações gerais as regras da escolha e medida da pena são-nos dadas pelos art. 70º e segs. do Código Penal.
Dispõe o art. 71º, sobre a determinação da medida da pena:
«1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena».
A fixação da pena faz-se percorrendo o disposto nesta norma e tendo presentes as finalidades próprias das sanções e o critério de determinação do seu máximo: a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva; encontrado este patamar, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas Anabela Rodrigues, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, pág. 147 e segs..


O tribunal recorrido fixou em 18 meses de prisão a pena a aplicar com base nas seguintes considerações:
«Tendo em conta o princípio geral fornecido pelos arts. 40º e 71º e a enumeração exemplificativamente contida no art.73º do CP, deverá a pena ser concretamente determinada dentro da moldura legal fornecida, funcionando a culpa como limite inultrapassável e as exigências da prevenção geral e especial como vectores determinantes da medida a aplicar …
Ora, nesta sede há que valorar, em desfavor do arguido, o facto de a vítima ser irmã da sua companheira e ser menor, ou seja, em relação à qual existia um especial ascendente e um acrescido dever de respeito, e que o arguido sabia que ia especialmente perturbar com uma aproximação amorosa e sexual.
Em desfavor do arguido há também que valorar o carácter intenso do dolo enquanto elemento subjectivo da ilicitude (o dolo do-facto ou dolo-do-tipo), que se apresentou na sua modalidade directa, a indiciar uma culpa dolosa igualmente intensa e, como tal, passível de especial reprovação.
Contudo, já com sentido atenuante haverá que valorar a ausência de antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral positiva, atenta a idade da vítima, são particularmente expressivas.
Já as exigências de prevenção especial não são significativas, uma vez que o arguido está familiar e profissionalmente inserido.
Considerando tudo o que exposto fica, julga-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 18 meses de prisão».
Agora, e quanto à suspensão da pena acompanhada com regime de prova, foi a seguinte a fundamentação: «considerando que ambos o arguido se encontra a trabalhar e que não tem antecedentes criminais, julgamos possível concluir que a simples censura do facto, servindo ao arguido de reflexão suficiente, será bastante para os afastar da criminalidade, não se justificando, do ponto de vista da prevenção especial, a execução da pena de prisão, desde que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. Pelo exposto, e considerando o disposto no n.º 5 do art.º 50º do CP, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 18 meses, com regime de prova».

Quanto à duração da pena, diremos que o ato em si, constituindo embora um ilícito penal, tem uma gravidade pouco significativa, tem uma ilicitude diminuta, mesmo considerando o facto de a vítima ser irmã da então companheira do arguido e ser menor.
Por isso temos por adequada a pena de 14 meses de prisão.
Quanto à suspensão da pena, sendo seguro que o caso não impõe prisão efetiva, cumpre averiguar se, porém, reclama o regime de prova a que se subordinou a suspensão.
Nos termos do nº 1 do art. 53º do Código Penal, cuja epígrafe é “suspensão com regime de prova”, «o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade».
Acrescenta o nº 2 que «o regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de suspensão, dos serviços de reinserção social».
Portanto, o regime de prova consiste na execução de um plano de reinserção social/socialização do agente, previamente elaborado pelos serviços de reinserção social e acompanhada por estes mesmos serviços.
Trata-se, como frisamos, de um plano de readaptação social, que é «antes de mais e essencialmente um plano de articulação do cumprimento dos deveres e regras de conduta impostos pelo tribunal … com as tarefas de vigilância e apoio que ao oficial de prova … incumbem … desta articulação deriva um verdadeiro plano de condução de vida social e profissional do delinquente …» Figueiredo Dias, Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 403/404..

Face aos elementos dos autos não nos parece que o caso e a ressocialização do arguido exijam um tal acompanhamento: o arguido está inserido social e profissionalmente e não há factos que demonstrem que ele carece, por alguma qualquer circunstância, daquele acompanhamento. Para além disso os factos também não o exigem, pois têm uma gravidade diminuta: o ato, embora ilícito, foi ténue e logo terminou quando a ofendida repeliu o arguido.
É certo que a lei impõe o regime de prova a agentes menores de 21 anos sem consideração pela gravidade do caso, mas isto tem a ver com a circunstância de, em tais idades, a personalidade se estar, ainda, a formar e precisar, por isso mesmo, de acompanhamento.

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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência parcial do recurso, vai o arguido A... condenado pela prática de um crime de coação sexual, do art. 163º do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão, suspensa por igual período.

Sem custas.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

..., 2012-06-27