Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4397/18.8T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: REGIME JURÍDICO DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
LPCJP
OBJETIVO
CONCEITO DE CRIANÇA OU DE JOVEM EM PERIGO
MEDIDAS DE PROTEÇÃO
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 147/99, DE 01/09; ARTº 1918º DO C. CIVIL.
Sumário: I – A Lei nº. 147/99, de 1/9, que aprovou a lei ou o regime jurídico de proteção de crianças e jovens em perigo (designada por LPCJP) teve e tem precisamente como objetivo a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artº. 1º), aplicando-se a todas as crianças e jovens que se encontrem em tal situação e residam ou se encontrem em território nacional (artº. 2º).

II - Visando legitimar ou justificar tal intervenção, dispõe o artº. 3º, nº. 1, que “a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

III - Como é sabido, o conceito de “criança ou jovem em perigo” adotado em tal normativo foi inspirado no artº. 19º da OTM (entretanto revogado) e no artº 1918º do C. Civil (CC).

IV - Como decorre de tal preceito legal, para que situação de perigo ali prevista ocorra não se torna sequer necessário que tenha havido lugar a uma efetiva lesão de alguns dos “bens ou valores” ali referidos, bastando tão só que esteja criada uma situação de facto que seja realmente potenciadora desse perigo de lesão, ou seja, tal normativo basta-se com a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério.

V - Num esforço de concretização, o legislador, embora de forma exemplificativa ou não taxativa, passou, através do nº. 2. do citado artº. 3º, a elencar algumas das situações que devem ser consideradas como configurando uma situação em que a criança ou jovem está perigo, reclamando a intervenção do Estado (direta ou indiretamente) com vista a removê-lo.

VI - Entre elas, e com interesse para o caso sub júdice, encontram-se aquelas situações em que a criança ou jovem “não recebe os cuidados ou afeição adequados a sua idade e situação pessoal” (al. c)) ou “está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional” (al. f)).

VII - As situações de perigo ali contempladas tanto podem provir de culpa (no sentido lacto sensu) dos pais, do representante legal, daquele que tenha a criança ou jovem à sua guarda de facto ou de ação ou omissão de terceiros (além da própria criança), como resultar inclusive de simples impotência ou incapacidade daqueles.

VIII - Convém ainda sublinhar que no artº. 4º se encontram enunciados os diversos princípios porque se deve nortear ou orientar qualquer intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo, aparecendo acima de todos eles o interesse superior da criança e do jovem, e ao qual se deve atender prioritariamente. Princípio esse que, aliás, já se encontra plasmado na acima aludida Convenção sobre os Direitos da Criança (cfr. artºs 3º, nº. 1, e 9º, nº. 1).

IX - Com vista, por um lado, a remover a situação de perigo em que se encontre o menor, e, por outro, a atingir o tal interesse superior do mesmo, foram criadas uma série de medidas (de promoção e proteção), que tanto podem ser aplicadas a título definitivo como a título provisório, e que se encontram elencadas no artº. 35º, e dais quais destacamos, por ter a ver com o caso em apreço, “a confiança (…) a instituição com vista a futura adoção” (nº. 1 al. g)). Em sintonia, e com vista à aplicação dessa medida, vide ainda o artº. 1978º do CC, e particularmente os seus nºs. 1, al. d) e e), 2 e 3.

X. O ideal é que as crianças cresçam sempre no seio de uma família, e sobretudo ao lado dos seus pais e dos seus irmãos (quando existem).

XI . Mas tal princípio (que não é absoluto) pressupõe não só que exista essa família (e estamos agora a referirmo-nos à família biológica, pois que a outra legal, que poderá advir da adoção, neste momento ainda não existe) mas, e sobretudo, também que exista um ambiente familiar propício a permitir a integração e o crescimento dos menores no seu seio, e muito particularmente que os pais disponham de condições (quer ao nível afetivo, quer ao nível psicológico, quer ao nível económico) para tratar e cuidar deles e lhe proporcionar esse crescimento/desenvolvimento em termos harmoniosos (ainda que porventura com a ajuda/apoio do Estado, através das suas instituições vocacionadas para o efeito, sendo certo que foi justamente para esse efeito que entre o elenco das medidas legais de promoção e proteção se encontra a do “apoio junto dos pais” – cfr. al. a) do nº. 1 do citado artº. 35º, nº. 1).

Decisão Texto Integral:





Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

1- Relatório


1. Em 11/12/2018 o Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (Juízo de Família e Menores de Pombal), ao abrigo da LPCJP, aprovada pela Lei nº. 147/99, de 01/09, e do Código Civil (nas suas versões atualizadas então vigentes e à luz dos respetivos dispositivos legais que aí citados), requereu a abertura de processo judicial de promoção e proteção em favor das menores C... (nascida em S. Paulo, Brasil, em 11/03/2017), filha de L... e de J..., acolhida desde 24/11/2017 no CAT “O ...”, sito na ...  e F... (nascida em 05/09/2018), filha de L... e de J..., então acolhida no CAT “A...”, sito em ..., desde 12/9/2018.

Para o efeito, e em súmula, alegou que as menores se encontravam numa situação de perigo potenciada pelos seus progenitores - pelas razões que descreve no articulado da petição/requerimento inicial (e que adiante melhor se verão aquando da descrição dos factos apurados, pois que, na sua essência, com eles coincidem) - e que coloca em causa o seu desenvolvimento futuro, dado os mesmos não reunirem as indispensáveis condições (vg. ao nível afetivo, psicológico e económico) para delas tratarem e cuidarem.

Pelo que terminou, em síntese, pedindo que sejam tomadas medidas de promoção e proteção que definam os projetos de vida individuais das menores, e particularmente com a sua entrega a instituição para a sua futura adoção.

2. Entretanto fora aplicada pela CPJP às menores a medida provisória de acolhimento residencial, a qual desde então tem sido mantida.

3. Aberta a fase da instrução, foram nomeados patronos às menores e realizadas várias diligências instrutórias tidas por necessárias e oportunas.

4. Foram juntos relatórios/informações sociais e realizadas perícias psiquiátricas e psicológicas aos progenitores das menores.

5. Encerrada a instrução, sem quem tenha sido possível alcançar acordo de promoção e proteção, foi dado cumprimento ao disposto no artº. 114º LPCJP.

6. Procedeu-se à realização de debate judicial - com a participação de juízes sociais –, com a tomada de declarações aos progenitores e inquirição das testemunhas arroladas.

7. Seguiu-se depois a prolação de acordão que, a final, decidiu nos seguintes termos:

« (…) Aplicar às menores C... e F... a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à futura adoção, indicando-se para o efeito a instituição Centro de Acolhimento “O ...” onde já se encontram acolhidas.

- De acordo com o disposto no artigo 1978º A do Cód. Civil, ficam os progenitores L... e J... inibidos do exercício das responsabilidades parentais.

- Cessam também as visitas às menores por parte da família natural (artigo 62º-A, nº 6 da LPCJP).

- Nos termos do artigo 62º-A, nº 3 da LPCJP, nomeia-se como curador provisório o/a Diretor /a do Centro de Acolhimento “O ...”.

- A presente medida dura até ser decretada a adoção.

- Solicite à Equipa Técnica da Adoção da Segurança Social que de 6 em 6 meses preste a informação relativamente à adoção das menores C... e F...

(…). »

8. Não se conformando com tal decisão do acórdão, o progenitor/pai das menores dele apelou, tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

Entende o Recorrente que no caso sub judice é possível a aplicação da medida proposta por se encontrarem reunidas as condições necessárias à sua aplicação.

Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja o acórdão recorrido revogado, aplicando-se em substituição da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, a medida proposta de manutenção das menores em acolhimento em instituição pelo período de um ano, com estipulação de regime de visitas à família paterna.

9. Contra-alegaram o Digno Magistrado do Mº Pº junto daquele tribunal, e a menor C... (através da sua patrona), defendendo ambos a improcedência total do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

II- Fundamentação

A) De facto

Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se sua a ordem descrição, a sua numeração e sua ortografia):

1. C... nasceu no dia 11/3/2017 em S. Paulo, Brasil e é filha de L... e de J..., o qual a perfilhou no dia 4/3/2020 no âmbito de processo ... deste Juízo de Família e Menores de Pombal.

2. Encontra-se acolhida no CAT “O ...”, sito na ..., com o acordo da mãe, por acordos de promoção e proteção emergentes da CPCJ de 24/11/2017 e de 21/5/2018, tendo a medida vindo a ser sucessivamente renovada judicialmente pelo Tribunal desde então.

3. F... nasceu no dia 5/9/2018 e encontra-se registada como filha de L... e de J..., o qual a perfilhou no âmbito da AOP, que correu termos na PR junto dos JFM de Pombal, o que foi averbado na respetiva CAN a 23/11/2018.

4. Encontra-se igualmente acolhida no CAT “A...”, sito em ..., por acordo de promoção e proteção da mãe e da CPCJ de 12/9/2018, data em que a sua paternidade estava ainda omissa, medida que tem vindo a ser sucessivamente renovada judicialmente pelo Tribunal desde então.

5. L... manteve a partir de 2001 uma relação com V..., tendo em 2005 o casal mudado residência para o Luxemburgo, do qual se separou de facto em 2008.

6. A progenitora é ainda mãe de mais quatro crianças, ..., as quais foram em 17/3/2016 acolhidas no Refúgio ..., após um procedimento de urgência executado pela CPCJ de Tavira.

7. L... e J... conheceram-se no Luxemburgo e a relação existente entre ambos foi sempre de desentendimentos e de sucessivas reaproximações, com episódios de violência doméstica.

8. A mãe das crianças veio para Portugal em 2008, residiu em Tavira e mais tarde veio residir para o concelho de Pombal.

9. Os seus familiares residem no Brasil e em Portugal não tem ela nenhuma rede de suporte familiar, restrita ou alargada, ou equiparada.  

10. Em Novembro de 2017 a mãe das crianças contactou a CPCJ de Pombal, dando-lhe conta das dificuldades da sua vida pessoal e familiar e do acolhimento dos quatro filhos menores acima referidos e da falta de condições pessoais e materiais para ter a C... consigo, a qual nessa data tinha apenas 8 meses de idade.

11. Não tinha então emprego, nem rendimentos, vivendo de prestações sociais pontuais, insuficientes para satisfazer as necessidades básicas da C...

12. Até aos 8 meses de idade não lhe prestou a mãe qualquer acompanhamento médico, nem fez o plano de vacinação recomendado, o que apenas veio a ter lugar a 20/11/2017 no âmbito da intervenção da rede local dos técnicos do Lar da ..., sito em ..., apresentando a mãe das crianças elevada instabilidade emocional e psiquiátrica.

13. A mãe da C... revelou-se negligente com a sua supervisão, tendo permitido que a mesma tocasse num ferro de engomar quente, sofrendo uma queimadura no braço direito.

14. Interveio, então, a CPCJ local em seu benefício, vindo a aplicar-lhe, por acordo, a medida de acolhimento residencial, a 24/11/2017, tendo sido acolhida no CAT “O ...”, sito na ..., onde se encontra desde então.

15. Já depois do acolhimento da C... e sem criar condições pessoais e materiais para a receber no seu agregado familiar, a mãe das crianças envolveu-se ocasionalmente com o referido J..., pai da F..., da qual veio a engravidar.

16. Também a gravidez da F... não foi planeada nem inicialmente vigiada, a qual sempre ocultou perante terceiros, tendo apenas recorrido ao SU da Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, a 23/5/2018, sob imposição / orientação do dito Lar da ..., obtendo a confirmação da gravidez com 24 semanas.

17. Reconhecendo não reunir condições pessoais e materiais para assegurar as suas necessidades básicas, ademais com uma gravidez com risco clínico, veio a mãe das crianças a ser acolhida na Comunidade de Inserção ..., onde esteve até nascer a F..., a 5/9/2018.

18. A criança foi acolhida uma semana depois, a 12/9/2018, no CAT “ A...”, sito em ..., no âmbito de medida de promoção e proteção aplicada, por acordo e por 6 meses, pela CPCJ local, no qual apenas interveio a mãe, pois que a respetiva paternidade estava então omissa. 

19. As crianças são genericamente saudáveis e integraram-se bem nas rotinas e na dinâmica das instituições, com um desenvolvimento adequado para as suas idades.

20. J... tem uma filha de um outro relacionamento, que se encontra a residir com a mãe no Luxemburgo.

21.O progenitor revela sinais de descompensação psicológica.

22. O progenitor após ter declarado nos autos em 13/2/2019 ter dúvidas sobre se seria o pai biológico da menor F..., foi submetido a exame hematológico, com a criança e a mãe, no INML de Coimbra, que concluiu por uma probabilidade de 99,9999999999991% de o J..., ali perfilhante e pai registral, ser igualmente o pai biológico da criança F...

23. A mãe revela negligência, inércia, inação e inaptidão pessoal para o exercício das Responsabilidades Parentais sobre as crianças, assumindo o seu acolhimento como projeto de vida futuro.

24. Da informação junta pelo Refúgio ... ao PPP nº ..., com data de 28/4/2016, referente aos outros quatro menores filhos de L..., consta que:

- aquando do acolhimento todas as quatro crianças apresentavam marcas no corpo (hematomas, escoriações, dentadas, arranhões e exibiam comportamento de apreensão, vigilância, parecendo estarem com medo e assustadas.

- os objetos pessoais e roupa das crianças “escondiam alhos” nos bolsos.

(…)

- Durante as visitas e na presença da mãe as crianças ficam muito alteradas, transmitem grande tensão psíquica, comportamento de intensa angustia, ansiedade, hipervigilância, com nível elevado de alerta, medo, pânico, sendo que petrificam, bloqueiam e chegam a chorar face às investidas extremamente intrusivas, forçadas, ameaçadoras e agressivas por parte da mãe, realizadas de forma a que os técnicos presentes na visita “não vejam e não oiçam”, tornando-se quase impossível os técnicos protegerem a segurança e estabilidade psicológica e emocional destes quatro irmãos.

- O técnico só se apercebe do efeito nefasto e perturbador do comportamento da mãe nas crianças, quando estas choram, sobretudo o P... e a A... E, quando questionadas nada respondem, evidenciando pânico/ medo. Na primeira visita a A... chegou a pedir para sair do espaço das visitas, aproximando-se do técnico em choro e pânico, confidenciando que “a mãe é má”.

- Só através dos diálogos com as crianças, sobretudo com o P... e a A... e da intervenção para tranquilizar o bem-estar, segurança e integridade física das mesmas é que estas relatam aos técnicos o que atrás foi referenciado e o porquê de chorarem.

- Na ausência da mãe (ou porque saiu mais cedo da visita ou não compareceu para visitar) as crianças exibem um comportamento emocional e psíquico “descomprimido”, mais natural e espontâneo, significativamente menos tenso, menos vigilante, baixando os níveis de alerta, de ansiedade e medo.

- Na presença da mãe, as crianças petrificam, bloqueiam, não se defendem e não conseguem pedir ajuda, pois “tudo acontece e ninguém viu”, mesmo com a supervisão dos técnicos. As crianças só conseguem falar/relatar após a visita terminar.

Por vezes a mãe faz-se acompanhar de um individuo (J...) afirmando que é o pai da Y... e da G..., exigindo que o mesmo possa também visitar as filhas.

25. No Lar “O ...”, a mãe embora visite a menor C... regularmente, por vezes altera a hora da visita ou cancela-a sem aviso prévio e à revelia da direção e da equipa técnica do CAT.

26. As visitas da mãe à criança não têm qualidade, pois aquela interage com a mesma de modo dominante com recurso a um telemóvel e a um tablet, sem manter contacto visual com a criança, não mostrando interesse pela evolução e desenvolvimento da criança, nem tem iniciativa para lhe prestar os cuidados básicos de higiene ou alimentação em contexto residencial.

27. Embora a criança reconheça a imagem da mãe, não a reconhece nem se dirige a ela como tal, não manifesta o desejo preferencial de estar com a mesma, não chora quando se separa da mãe nem apela ao seu colo.

28. A menor chama-lhe “mãe”, mas ainda não integrou o significado da palavra, pois também chama “mãe” às progenitoras de outras crianças da casa que ouça serem tratadas assim.

29. Durante as visitas, a menor procura com frequência outras pessoas da casa para interagir, principalmente se estiverem a trabalhar nessa altura as figuras cuidadoras com quem já estabeleceu uma relação preferencial. Em situações em que quer mais atenção e colo (quando se aleija por exemplo) ou para pedir ajuda é aos cuidadores da casa que apela, como está habituada.

30. A menina despede-se da mãe com naturalidade e regressa imediatamente à sua rotina. Não chama pela mãe entre as visitas, não se encontrando estabelecida uma relação de vinculação entre a menor e a mãe.

31. A progenitora contactou telefonicamente o CAT pela última vez em 19 de Maio, agendou uma visita para 22 de Maio à qual não compareceu. A equipa técnica diligenciou no sentido de estabelecer contacto com a progenitora posteriormente, não tendo atendido nem devolvido as diferentes chamadas.

32. A mãe nada tem feito com consistência no sentido de reintegrar a criança no seu agregado familiar.

33. O progenitor estabeleceu no período em avaliação um contacto telefónico junto do Centro de acolhimento no dia 3 de junho de 2020.

34. Além da mãe, ninguém mais procurou ou visitou a C... no CAT.

35. As visitas da mãe à menor F... decorrem satisfatoriamente (periocidade semanal na maioria das vezes) com acompanhamento e monotorização da equipa técnica, sem que exista a criação de relações familiares e afetivas dada a reduzida interação da bebé devido à sua idade e capacidades para além dos diminutos contactos pessoais realizados sempre com a presença de adultos cuidadores que a criança reconhece como protetores e presentes com frequência no seu meio ambiente.

36. A vinculação segura da bebé com a progenitora é frágil e pouco consistente, não existindo da bebé o reconhecimento da progenitora como elemento distinto, único e protetor.

37. O último contacto da progenitora foi por email datado de 26 de Maio a solicitar informação sobre plano de visitas aos utentes da instituição.

38. O pai nunca visitou nenhuma das menores nas residências de acolhimento apesar de saber aonde estão acolhidas.

39. As menores encontram–se ambas desde 9/9/2020 acolhidas no Lar “O ...”, sito na ... para onde a menor F... foi transferida.

40. L... iniciou em Janeiro de 2019 contrato de emprego inserção por um período de um ano no Lar da ... e atualmente encontra-se a trabalhar na Associação de ..., desde o dia 10 de Janeiro de 2020, auferindo cerca de €700,00, com contrato de substituição até Dezembro de 2020, mas irá efetivar antes, tendo comparecido sempre ao serviço, cumprindo o serviço com assiduidade, zelo, tolerância e eficácia.

41. J... iniciou formação profissional na C... em Março de 2018 e atualmente encontra-se na fase de estágio, recebendo uma bolsa e ajudas de refeição, que perfazem cerca de 300€ mensais e €189,64 a titulo de Rendimento de Inserção social.

42. Apesar de se tratar de um curso de “Empregado de Mesa”, a equipa técnico-pedagógica considerou que o formando não reunia condições ao nível do perfil psicológico e de competências sócio-relacionais para realizar estágio na área da restauração, pelo que ajustou o local de estágio com vista a possibilitar uma maior adequação a uma futura inserção profissional.

43. O estágio tem decorrido sem incidentes, sendo que tal se deve ao facto de passar bastante tempo sozinho, não havendo margem para os frequentes conflitos relacionais e disrupções comportamentais que costumavam acontecer em contexto grupal, na turma.

44. Em Janeiro de 2019, quando os progenitores ainda se encontravam a residir na mesma habitação, viviam numa moradia sita em ..., constituída ao nível do rés-do-chão, por uma cozinha, com acesso a garagem, um wc, um quarto destinado ao casal, uma sala. Ao nível do 1º andar existem 3 quartos e dois wc. A casa encontrava-se organizada e suficientemente higienizada, mas muito parca em mobiliário. o 1º andar não dispunha de luz elétrica, por opção do casal, uma vez que não faziam uso daquelas divisões.

45. Em Julho de 2020 a progenitora encontrava-se a residir em Pombal, tendo “trocado” de residência com pessoas amigas, cujo agregado era mais extenso e beneficiavam mais da dimensão da moradia de L... Esta em contrapartida beneficia da localização em Pombal.

46. Em Agosto de 2020 os progenitores não residiam no mesmo agregado familiar, estando J... a residir na Rua de ... e a progenitora no Largo ...

47. O progenitor está incompatibilizado quer com a sua família restrita, quer com a sua família alargada.

48. Da perícia psiquiátrica realizada à progenitora consta que:

- A examinanda apresenta uma condição clinica compatível com o diagnóstico de Doença Ativa Bipolar, tipo I, em comorbilidade com Perturbação de Personalidade SOE (sem outra especificação).

- A examinanda teve dois internamentos prévios em serviços de psiquiatria, por descompensação clinica, em 2015 e 2016, sem que contudo tivesse demonstrado capacidade de adesão ao tratamento, tendo abandonado quer o tratamento psicofarmacológico, quer o acompanhamento em consulta. Posteriormente, em 2017, reiniciou o acompanhamento em consulta de psiquiatria, mas mantendo um “acompanhamento errático das mesmas” e mantendo não adesão a qualquer tratamento psicofarmacológico. Não apresenta adequada critica para a sua situação clinica, que não compreende, nem aceita e desvaloriza, colocando-a vulnerável a futuros episódios de descompensação.

- A examinanda, revela uma significativa instabilidade e imaturidade, não só em termos afetivo-emocionais, mas também com prejuízo na sua capacidade de ser autónoma e funcional numa vertente sócio-familiar e profissional.

- Não é expectável que no futuro próximo venha a ser capaz de reunir as necessárias competências parentais para poder assumir e garantir de forma responsável, as necessidades inerentes ao adequado crescimento, desenvolvimento, educação e formação das suas filhas menores.

- A examinanda deverá manter acompanhamento em consulta de psiquiatria de forma regular e a longo prazo, tentando-se promover a adesão a um esquema de tratamento psicofarmacológico de manutenção.

49. Da avaliação psicológica realizada à progenitora consta que:

- A examinanda não evidenciou durante a sua avaliação desarmonia emocional; no entanto tendo em conta o seu historial clinico e as características que o mesmo revela, relativamente à condição emocional e afetiva comuns em quem padece destas patologias, que consistem em vulnerabilidade para instabilidade emocional e afetiva, oscilações de humor e comportamentais frequentes e acentuados, afetos débeis, capacidade empática comprometida, egocentrismo e tendência à desresponsabilização, associado à falta de estrutura familiar de apoio e condições habitacionais, faz com que não seja possível considerar de forma segura que a avaliada seja possuidora de estrutura, recursos e competências pessoais, parentais, mentais e psicológicas para poder assumir e garantir, com elevado grau de segurança, de forma responsável as necessidades decorrentes de um adequado crescimento, desenvolvimento, educação e formação das crianças, caso estas lhe sejam entregues.

Demonstrou saber quais os comportamentos e atitudes a ter com as suas conviventes com as competências parentais necessárias para um bom desenvolvimento de um menor, no entanto a prática diária de todo este saber e sua eficaz aplicabilidade necessitam de outros fatores importantes como a consistência e estabilidade emocional, que não podem ser garantidos devidos à sua fragilidade emocional e afetiva recorrentes da sua situação clinica.

50. Da perícia psiquiátrica realizada ao progenitor J... consta que:

O examinando tem história de pelo menos dois internamentos em serviços de psiquiatria, último em Maio de 2010, com o diagnóstico de perturbação esquizofrénica.

Recentemente, reiniciou acompanhamento em consulta de psiquiatria, que abandonara em 2010.

O examinando apresenta clinicamente um funcionamento mental caracterizado por uma pobreza generalizada, que dificultam o planeamento e execução de um projeto de vida organizado, coerente e harmónico.

Em avaliação clinica em relação às competências parentais, o examinando possui recursos internos muito limitados, essencialmente para captar e atender as necessidades de uma criança e assim assegurar de forma plena a função parental, tanto mais, que a menor aparentemente não é investida de forma significativa, quer ao nível afetivo, quer ao nível educacional.

51. Do certificado de registo criminal do progenitor nada consta.

52. Do certificado de registo criminal da progenitora, consta que a mesma já foi condenada pela prática de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, por sentença de 4/2/2011 transitada em julgado, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário por sentença de 23/5/2016, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa. 

B) De direito.

1. Como é sabido, são as conclusões das alegações dos recursos que fixam e delimitam o objeto dos mesmos.

Ora, compulsando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que a única questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se verificam ou não dos pressupostos legais que justifiquem a medida de promoção e proteção que foi aplicada pelo tribunal a quo a favor das menores/crianças C... e F... ou então aquela outra que é preconizada pelo apelante/pai (nas suas alegações/conclusões de recurso).

Com supra se deixou exarado, no acórdão da 1ª. instância decidiu-se, à luz disposto nos artºs. 35°, nº. 1, alínea g), 38º-A e 62º-A da LPCJP, aplicar a ambas as referidas menores a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à sua futura adoção (tendo-se indicado para o efeito a instituição Centro de Acolhimento “O ...”, onde se encontram atualmente acolhidas).

Contra tal medida se insurge o apelante/pai, por entender não se justificar no caso em apreço, antes defendendo que a medida a aplicar às referidas menores/suas filhas se deve ficar, por ser a mais adequada, pela medida (transitória) de manutenção das menores na situação de acolhimento na instituição onde se encontram, com a duração de um ano, com a estipulação de um regime de visitas a seu favor e demais família paterna (a decorrer no moldes que se deixaram referenciados nas acima transcritas conclusões de recurso), por forma a permitir que, decorrido esse período de tempo, e feita uma avaliação positiva desse regime, fosse depois aplicada a medida (definitiva) de promoção e proteção de apoio junto si/enquanto pai (entregando-se-lhe as menores).

Como deixámos atrás referenciado (e como ressalta das suas contra-alegações), o Mº Pº e a representante da menor C... (a patrona representante da menor F... não apresentou contra-alegações), insurgem-se contra a medida preconizada pelo pai/apelante, pugnando pela manutenção daquela que foi aplicada pelo tribunal a quo.

2. Apreciando

2.1 Como é sabido, depois de um longo período de obscurantismo e laxismo, em que as crianças e os seus direitos foram praticamente ignorados, o mundo, sobretudo a partir de meados do século passado, começou a acordar para uma nova realidade, passando, paulatinamente, a considerá-las também como “atores sociais”, e, como tal, portadoras de direitos que devem ser reconhecidos e protegidos. Esse despertar foi surgindo à medida que o mundo civilizado começou a preocupar-se também com as questões relacionadas com a dignidade da pessoa humana, tendo na Declaração Universal dos Direitos do Homem o seu pontapé da saída (onde a Organização das Nações Unidas proclamou que a infância tem direito a uma ajuda e assistência especiais), e que depois se foi desenvolvendo à medida que ia surgindo uma cada vez maior consciencialização, por um lado, do papel que estava no futuro reservado às crianças (pois sendo elas os “Homens” de amanhã, o mundo, melhor ou pior, terá muito a ver com a forma como as mesmas forem sendo tratadas ao longo de todo o seu processo de desenvolvimento físico e psico-intelectual), e, por outro, dos constantes “atropelamentos” que iam sendo cometidos aos seus direitos. E daí toda uma panóplia de legislação que foi e vem sendo, sucessivamente, publicada desde então e das quais destacamos aqui a Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança, às quais o nosso país aderiu, sempre com o objetivo de um maior reforço de proteção das crianças e, concomitantemente, dos seus direitos. A partir de então, e cada vez mais, a criança passou a ser vista como individualidade que deve ser considerada só por si e para si. E de tal forma que a nossa Carta Fundamental (Constituição) consagrou (no artº. 69º) o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral; direito de proteção esse que é mesmo especial em relação às crianças orfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. Consagração essa que não é, aliás, mais senão do que uma decorrência ou emanação do estatuído naquela última Convenção sobre os Direitos da Criança, onde já se prevê que os Estados adotem todas as medidas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração (artº. 19º) e bem assim na aludida Declaração dos Direitos da Criança onde se consagra que, além do mais, a criança deve beneficiar de proteção especial, de modo a poder desenvolver-se física, intelectual, moral e socialmente de forma sã e normal, em condições de dignidade e liberdade, devendo a sociedade e os poderes públicos consagrar cuidados especiais às crianças sem família (Princípio VII).

E foi na sequência de tal (e com vista a dar concretização aos princípios e preocupações enunciados em tais “Cartilhas”) que foi publicado no nosso ordenamento jurídico a já acima citada Lei nº. 147/99, de 1/9, que aprovou a lei ou o regime jurídico de proteção de crianças e jovens em perigo (designada por LPCJP, e à qual nos referiremos sempre que mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte), e que tem vindo a ser sucessivamente alterada/atualizada, sempre com a preocupação de dar resposta aos constantes e novos problemas que entravam o harmonioso desenvolvimento das crianças e jovens.

Lei essa que teve e tem precisamente como objetivo a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (artº. 1º), aplicando-se a todas as crianças e jovens que se encontrem em tal situação e residam ou se encontrem em território nacional (artº. 2º).

Visando legitimar ou justificar tal intervenção, dispõe o artº. 3º, nº. 1, que “a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”. (sublinhado nosso)

Como é sabido, o conceito de “criança ou jovem em perigo” adotado em tal normativo foi inspirado no artº. 19º da OTM (entretanto revogado) e no artº 1918º do C. Civil (CC).

Como decorre de tal preceito legal, para que situação de perigo ali prevista ocorra não se torna sequer necessário que tenha havido lugar a uma efetiva lesão de alguns dos “bens ou valores” ali referidos, bastando tão só que esteja criada uma situação de facto que seja realmente potenciadora desse perigo de lesão, ou seja, tal normativo basta-se com a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério. (Vide, a propósito e nesse sentido, Tomé d´Almeida Ramião, in “Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo, Comentada e anotada, 9ª. Ed., Quid Juris, págs. 31/36”). Perigo esse que, todavia, tem de ser atual (cfr. artºs. 4º al. e) e 111º).

Num esforço de concretização, o legislador, embora de forma exemplificativa ou não taxativa, passou, através do nº. 2. do citado artº. 3º, a elencar algumas das situações que devem ser consideradas como configurando uma situação em que a criança ou jovem está perigo, reclamando a intervenção do Estado (direta ou indiretamente) com vista a removê-lo (pois só perante uma situação objetiva de perigo é que se justifica ou legitima tal intervenção). E entre elas, e com interesse para o caso sub júdice, encontram-se aquelas situações em que a criança ou jovem “não recebe os cuidados ou afeição adequados a sua idade e situação pessoal” (al. c)) ou “está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional” (al. f)).

As situações de perigo ali contempladas tanto podem provir de culpa (no sentido lacto sensu) dos pais, do representante legal, daquele que tenha a criança ou jovem à sua guarda de facto ou de ação ou omissão de terceiros (além da própria criança), como resultar inclusive de simples impotência ou incapacidade daqueles.

Convirá, por ora, ainda sublinhar que no artº. 4º se encontram enunciados os diversos princípios porque se deve nortear ou orientar qualquer intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo, aparecendo acima de todos eles o interesse superior da criança e do jovem, e ao qual se deve atender prioritariamente. Princípio esse que, aliás, já se encontra plasmado na acima aludida Convenção sobre os Direitos da Criança (cfr. artºs 3º, nº. 1, e 9º, nº. 1).

Tal princípio está, todavia, consubstanciado num conceito vago e genérico/indeterminado, por forma a permitir ao julgador concretizá-lo casuisticamente, ou seja, deixando ao julgador margem de discricionariedade com vista a poder alcançá-lo ou persegui-lo perante as circunstâncias concretas de cada caso. Todavia, e como escreve Almiro Rodrigues (in “Interesse do Menor, Contributo para uma Definição, Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18/19”), ele só poderá definir-se através de uma perspetiva sistemática e interdisciplinar, mas sem nunca poder esquecer e deixar de ponderar o grau de desenvolvimento sócio-psicológico do menor, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias. Mesmo assim, vem, todavia, constituindo entendimento prevalecente que o interesse superior da criança deve reportar-se ao direito da mesma “ao seu desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” (Vide, por todos, o autor e obra acabados de citar; o Ac. do STJ de 05/04/2018, proc. 17/14.8T8FAR.E.S2, e o Ac. da RC de 25/06/2019, proc. 239/14.1TMCBR-C.C1, disponíveis em www.dgsi.pt).

E com vista, por um lado, a remover a situação de perigo em que se encontre o menor, e, por outro, a atingir o tal interesse superior do mesmo, foram criadas uma série de medidas (de promoção e proteção), que tanto podem ser aplicadas a título definitivo como a título provisório, e que se encontram elencadas no artº. 35º, e dais quais destacamos, por ter a ver com o caso em apreço, “a confiança (…) a instituição com vista a futura adoção” (nº. 1 al. g)) - sublinhado nosso. Em sintonia, e com vista à aplicação dessa medida, vide ainda o artº. 1978º do CC, e particularmente os seus nºs. 1, al. d) e e), 2 e 3.

E em reforço de tal ideia preceitua o artº. 34º que as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo visam:

“a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.

Estabelecendo ainda o artº. 37º que “a título cautelar, pode o tribunal aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do artigo 35º, nos termos do n.º 1 do artigo 92.º ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente (…)”, as quais, todavia, não podem ultrapassar a duração de seis meses (nº. 3).

E do que fica exposto pode concluir-se, assim, que são três os grandes princípios em que assenta a citada LPCJP:

- O do interesse superior da criança (cujo alcance atrás deixámos enunciado).

- O da intervenção precoce: entendido no sentido de que intervenção das entidades competentes para o efeito (cfr. artºs. 4º, al. c), e 6º) deverá ter lugar logo que a situação de perigo (de que supra falámos) seja detetada ou noticiada.

- O da atualidade e proporcionalidade: entendidos no sentido de que a medida adotada deverá ser necessária e adequada à situação concreta de perigo em que o menor se encontra (cfr. artº. 4º al. e)).
Por fim, e nesta análise que vimos fazendo, nunca nos poderemos esquecer que esse tipo de processos têm a natureza de jurisdição voluntária (cfr. artº. 100º).
Significa tal, e antes de mais, que neste tipo de processos não existe um verdadeiro conflito de interesses a compor, mas tão só um interesse a proteger – o da criança ou jovem em perigo -, muito embora possa existir um conflito de representações ou de opiniões acerca desse mesmo interesse.
Assim, neste tipo de processos, e ao contrário do que sucede nos processos de jurisdição contenciosa, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes e sempre, adotar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para o caso concreto, sempre com os olhos postos nos reais interesses das crianças ou jovens envolvidos (em termos do seu futuro desenvolvimento físico-psicológico, intelectual e moral, que se pretende o mais harmonioso e equilibrado possível, e que, no fundo, consubstancia o tal interesse superior e o desenvolvimento integral de que atrás se falou), e sem nunca esquecer que, por isso, neste domínio as decisões nunca são definitivas, já que podem ser alteradas ou modificadas sempre que circunstâncias supervenientes o justifiquem.

2.2 Postas tais considerações de cariz teórico-técnico, e tendo-as sempre presentes, debrucemo-nos agora, mais de perto, sobre o caso em apreço.

Dado que a C... e F... (e são tão somente os seus reais interesses que estão aqui em jogo, e os únicos que verdadeiramente devem preocupar, como vimos, toda a atuação do tribunal) nasceram respetivamente, em 11/03/2017 e em 05/09/2018, é manifesto que as mesmas se encontram sob a “alçada” da citada LPCJP (cfr. artº. 5 al. a)), tendo como progenitores registados a acima identificada L... (como mãe) e o ora apelante/recorrente (como pai).

O quadro fáctico factual acima descrito é, infelizmente, demasiado eloquente no sentido de nos mostrar as menores se encontram numa situação de perigo, criada quer por via de ação, quer por via da omissão, pelo comportamento seus pais – que levou à rápida intervenção do Estado, no sentido de providenciar pelo seu temporário, e até que a sua situação fique clarificada definida, acolhimento em instituições vocacionadas para o efeito -, e que conduziu a que o seu harmonioso desenvolvimento futuro pudesse vir a ficar seriamente hipotecado (não fosse a referida intervenção institucional), nomeadamente em termos de segurança, saúde, formação e educação.

E daí que imponha a aplicação às mesmas de uma medida (agora com caráter mais definitivo) de promoção e proteção.

E que medida?

Privar um progenitor do seu filho é sempre uma medida que se revela ou pode revelar, a todos os níveis, dolorosa e que, por isso, não pode ser tomada de ânimo leve.

Privação essa que só poderá ser justificada pelos reais interesses da criança, ou seja, só e quando o tal interesse superior do menor assim o impuser.

É certo que a prevalência da família é também um dos princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens em perigo, e que se consubstancia na prevalência que devem ser dadas às medidas que os integrem em família, sobretudo na sua família a biológica (cfr. artº. 4º al. g)).

O ideal é que as crianças cresçam sempre no seio de uma família, e sobretudo ao lado dos seus pais e dos seus irmãos (quando existem).

Mas tal princípio (que não é absoluto) pressupõe não só que exista essa família (e estamos agora a referirmo-nos à família biológica, pois que a outra legal, que poderá advir da adoção, neste momento ainda não existe) mas, e sobretudo, também que exista um ambiente familiar propício a permitir a integração e o crescimento dos menores no seu seio, e muito particularmente que os pais disponham de condições (quer ao nível afetivo, quer ao nível psicológico, quer ao nível económico) para tratar e cuidar deles e lhe proporcionar esse crescimento/desenvolvimento em termos harmoniosos (ainda que porventura com a ajuda/apoio do Estado, através das suas instituições vocacionadas para o efeito, sendo certo que foi justamente para esse efeito que entre o elenco das medidas legais de promoção e proteção se encontra a do “apoio junto dos pais” – cfr. al. a) do nº. 1 do citado artº. 35º, nº. 1).

A par disso, ou seja, a prevalência da família biológica pressupõe não só, como vimos, que esta reúna as indispensáveis de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança, como também ainda, e necessariamente, que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objetivamente criada e em que vive ou vivia a mesma quando se encontrava no seu seio ou sob a sua guarda ou tutela, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, essa preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa selecionada ou a instituição para adoção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.

Ora, basta uma simples leitura da matéria factual apurada para facilmente se concluir que as referidas menores não dispõem agora (e nem desde que nasceram) dessa família parental.

Importa antes de mais referir a esse respeito (e sobretudo o no que concerne ao próprio) que o progenitor/apelante - para justificar a medida que preconiza, em detrimento daquela que foi aplicado pelo tribunal a quo -, tal como dá nota o MºPº nas suas contra-alegações, “ficciona” uma realidade factual que não está vertida (neles não encontrando qualquer eco/respaldo) nos factos apurados, isto é, dados como provados (os quais nem sequer questiona, pois que não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal a quo, afirmando mesmo expressamente, no artigo 3 do corpo das sua alegações, que “nada tem a apontar à mesma”).

Como decorre da referida matéria factual apurada, desde o acolhimento das menores pelas instituições acima identificadas (o que aconteceu praticamente quasi após o seu nascimento, e particularmente no que concerne à F...) têm sido elas (instituições), e não os seus pais, que tem providenciado pela sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento integral, desempenhando, a final, o papel que natural e legalmente estava reservado àqueles seus progenitores.

Desde o referido acolhimento, a participação dos progenitores na formação e desenvolvimento das menores tem-se, no fundo, resumido, no concerne à progenitora, a breves visitas ou “aparições”, - sem qualquer “qualidade”, revelando-se incapaz de interagir com elas e de estabelecer vínculos de afetividade e de fazer com que as mesmas a interiorizem como figura de sua “real” mãe -, as quais, após um período inicial de maior regularidade, têm vindo, paulatinamente, a tornar-se mais intermitentes/irregulares, se não mesmo esfumando-se (como decorre do ponto 31, o último contacto que a mesma estabeleceu com o CAT ocorreu, por via telefónica, em 19/05/2020, para agendar nova visita e à qual não compareceu, nem na data agendada e nem posteriormente, ficando incontactável).

Já como que concerne ao pai/ora apelante, essa participação tem-se mostrado de todo inexistente, nunca tendo visitado/ou contactado aquelas suas filhas naquelas instituições que as acolheram, apesar de saber onde se encontravam, sendo certo que atualmente (e desde 09/09/2020) as mesmas se encontram recolhidas na mesma instituição.

Progenitores esses que se encontram atualmente separados.

No fundo, podemos dizer que, na realidade, estamos perante uns “pais ausentes”, totalmente divorciados dos deveres legais ou das responsabilidades parentais a que estavam obrigados, numa “família” completamente destruturada.

Pais esses que não têm feito até aqui qualquer esforço de investimento no relacionamento afetivo com aquelas suas filhas, e daí a inexistência de qualquer relação de vinculação afetiva entre os progenitores e esses filhos.

Mas para além dessa ausência de investimento e vinculo afetivo, a matéria de facto apurada revela-nos ainda - de forma abundante e cristalina – todo um manancial de factos e circunstâncias (e que, devido à sua abundância e clareza, nos dispensamos de aqui reproduzir) que nos permitem concluir que os referidos progenitores não dispõem igualmente de capacidade (quer ao nível psico-psiquiátrico, quer ao nível se estabilidade emocional – as perícias psiquiátricas e psicológicas falam de per si - quer o nível económico) para exercer as suas responsabilidades parentais em relação àquelas suas filhas.

É, pois, a nosso ver, ostensivamente patente que os progenitores (nenhum deles) não dispõem de condições para, com um mínimo de segurança, poder ter consigo as referidas menores suas filhas e de modo proporcionar-lhe um desenvolvimento futuro harmonioso, e nas viárias vertentes de que supra deixámos referenciadas.

Diga-se ainda que no que concerne à restante família biológica alargada nada se pode concluir a esse propósito.

No que respeita à família materna apenas se sabe que os seus familiares residem no Brasil (os quais se desconhecem), não vivendo qualquer elemento no nosso país.

E quanto à família paterna – que igualmente se desconhece - apenas se sabe que o progenitor/aqui apelante se encontra com ela incompatibilizado (quer com a mais restrita, quer com a mais alargada).

Para além desse desconhecimento quanto aos elementos que integram essas famílias maternas e paternas, também, naturalmente, não se sabe se os mesmos reúnem o não em si das indispensáveis condições para ter à sua guarda as menores, nomeadamente ao nível psico-sociológico e económico, nem sequer se sabe se estariam ou não na disponibilidade de desempenhar tal tarefa. Nada ressaltando também dos autos – tudo apontando que não, como transparece do atrás referenciado -  que tenham qualquer ligação afetiva às menores.

Só que o tempo de crescimento e de desenvolvimento futuro harmonioso ou integral das menores não se compadece com esse futuro incerto que o apelante procura para criar condições de poder vir a ser “pai”.

Conforme ressalta a materialidade factual apurada, e decorre daquilo que supra já se deixou expresso a esse propósito, as menores têm passado praticamente toda a sua curta vida nas instituições que as acolheram, que lhe têm dispensando todo o “carinho” que os seus progenitores não quiseram ou souberam dar-lhe, encontrando-se ali bem integradas e adaptadas, tendo vindo a providenciar no sentido da satisfação dos seus cuidados nomeadamente ao nível da sua alimentação, higiene, conforto, saúde e formação.

Como bem se enfatizou na sentença recorrida, o tempo urge, urgindo, no entanto, integrar as menores numa família (em futura adoção) por forma a fomentar e promover, o mais cedo possível, as suas capacidades e competências com vista a, desse modo, obviar ao comprometimento futuro do seu desenvolvimento integral que a permanência numa instituição poderá provocar de forma irreversível.

E sendo assim, e em jeito de conclusão, afigura-se-nos, para além de legal, ajustada a medida que foi aplicada pelo tribunal a quo às menores C... e F... – sendo ela que na atualidade melhor realiza os seus superiores interesses -, em relação à quais se, por um lado, e atenta a sua atual idade, o tempo urge, por outro, estarão ainda a tempo de encontrar uma nova família que as possa fazer felizes e proporcionar-lhe tudo aquilo que até ao momento não puderam disfrutar (e isto claro se vierem a ser encontradas as condições ideais para que tal suceda, fora da instituição que atualmente as acolhe e à qual foram confiadas visando tal futuro desiderato).

Como já escrevemos em outras alturas, a família terá que ser algo mais do que uma mera rede de vínculos genéticos ou biológicos.

Termos, pois, em que, face ao exposto, se decide julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a douta sentença da 1ª. instância.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.
Sem custas (artº. 4, nºs. 1, al. a), e 2, al. f), do RCJ).

          Coimbra, 2021/03/23