Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
149/12.7EACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROVA PERICIAL
PENAS CUMULATIVAS DE PRISÃO E MULTA
PENA DE PRISÃO SUBSTITUIDA POR MULTA
CÚMULO JURÍDICO
Data do Acordão: 05/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INST. LOCAL – SEC. COMP. GEN. – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 151.º E SS. DO CPP; ART. 6.º, DO DL N.º 48/95, DE 15-03
Sumário: I - É prova pericial a análise incidente sobre discos rígidos de máquinas apreendidas, donde se extrai o conteúdo da informação depositada naqueles, porquanto a percepção e/ou apreciação do conteúdo dos mesmos só é realizável por quem detém especiais conhecimentos técnicos, concretamente na área informática.
II - Na actividade desenvolvida pelo perito tanto podem estar presentes a percepção, como a apreciação/valoração, ou ambas, de todos os factos juridicamente relevantes desde logo, mas não só, para a existência ou inexistência do crime.

III - No âmbito desse desempenho, não está, de modo algum, vedado ao perito socorrer-se de deduções e induções, as quais, associadas aos seus especiais conhecimentos, lhe vão permitir retirar conclusões.

IV - De acordo com o disposto no artigo 6.º, n.º 2, do DL n.º 48/95, de 15-03, em caso de condenação por crime punível com pena mista - ou compósita cumulativa -, a substituição da prisão por multa conduz à aplicação de uma pena única de multa - desaparecendo, em termos definitivos, a prisão -, a que se aplica, na totalidade, o disposto no artigo 49.º do CP.

V - As penas de multa assim encontradas, referidas à verificação de dois ou mais crimes - no caso dos autos, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 2.12, republicado pelo D.L. n.º 114/2011, de 30.11, por referência aos artigos 1.º, 3.º e 4.º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma, e de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º, ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos – cf. D.L. n.º 63/85, de 14.03, alterado pelas Leis n.ºs 45/85, de 17.09, 114/91, de 03.09, pelos D.L. n.ºs 332 a 334/97, de 27.11, pela Lei n.º 24/2006, de 30.06 e ainda pela Lei n.º 16/2008, de 01.04 – por referência aos artigos 68º, 111º, 176º, 178º e 184º do dito compêndio legislativo -, todos punidos com pena de prisão e multa, são cumuláveis entre si, verificados os condicionalismos previstos nos artigos 77.º e 78.º, do CP, daí decorrendo a fixação de uma pena única da mesma natureza.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 149/12.7EACBR da Comarca de Viseu – Inst. Local – Sec. Comp. Gen. – J1, mediante acusação pública, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso real de: um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 2.12, republicado pelo D.L. n.º 114/2011, de 30.11, por referência aos artigos 1º, 3º e 4º, n.º 1, al. g) do mesmo diploma; um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195º, nº 1 e 197º, ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos – cf. D.L. nº 63/85, de 14.03, alterado pelas Leis n.ºs 45/85, de 17.09, 114/91, de 03.09, pelos D.L. n.ºs 332 a 334/97, de 27.11, pela Lei n.º 24/2006, de 30.06 e ainda pela Lei n.º 16/2008, de 01.04 – por referência aos artigos 68º, 111º, 176º, 178º e 184º do mesmo diploma; uma contraordenação p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, al. b) do D.L. n.º 113/2006, de 12.06, por referência ao artigo 5º, nº 1 do Regulamento (CE) n.º 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.04.2004; uma contraordenação p. e p. pelo artigo 16º, nº 1, al. a), por referência aos artigos 13º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do D.L. n.º 521/99, de 10.12, em conjugação com o disposto no Anexo I à Portaria n.º 362/2000, de 20.06, artigo 3º, nº 2, al. a) conjugado com o n.º 4 e artigo 4º, nº 1.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 05.12.2014, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

«Pelo exposto, decido julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) Absolvo o arguido A... da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 6º, n.º 1, alínea b) do Decreto – lei n.º 113/2006, de 12 de junho, por referência ao artigo 5.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004;

b) Absolvo o arguido A... da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 16º, n.º 1, alínea a) por referência aos artigos 13º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do Decreto-lei n.º 521/99, de 10 de Dezembro, em conjugação com o disposto no Anexo I à Portaria n.º 362/2000, de 20 de Junho, artigo 3º, nº 2 alínea a) conjugado com o n.º 4 e artigo 4º, n.º 1.

c) Condeno o arguido B... , pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 108º, n.º 1, 3º e 4º, n.º 1, al. g), do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro na pena de quatro meses de prisão, substituída por uma pena de multa correspondente a 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e na pena cumulativa de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos);

d) Ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 1 do Decreto – lei n.º 48/95, de 15 de Março, fixo o quantitativo global da pena de multa em 190 (cento e noventa) dias, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um total de € 1.425,00 (mil e quatrocentos e vinte e cinco euros);

e) Condeno o arguido B... , pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido pelos artigos 195º, nº 1 e 197º, ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, por referência aos artigos 68.º, 111.º, 176º, 178º e 184º do mesmo diploma, na pena de seis meses de prisão, substituída por uma pena de multa correspondente a 180 (cento e oitenta) dias, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e na pena cumulativa de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos);

f) Ao abrigo do disposto no artigo 6º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março, fixo o quantitativo global da pena de multa em 360 (trezentos e sessenta) dias, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um total de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros);

(…)

h) Declaro perdidas a favor do Estado as máquinas de jogo apreendidas nos autos, ordenando a sua oportuna destruição, nos termos do artigo 116.º do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;

i) Declaro perdida a favor do Fundo de Turismo a quantia apreendida nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 117º do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;

j) Declaro perdidos a favor do Estado os CD`s apreendidos e examinados nos autos, ordenando a sua oportuna destruição, nos termos do disposto no artigo 201º, n.ºs 1 e 2 do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

(…)».

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido A... , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

A. Em primeiro lugar, cumpre referir que a douta Sentença ora recorrida está inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C.P.Penal), relativamente aos factos dados como provados nos pontos 1 (na sua parte final quando refere «duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características»), 3 a 12, 14 a 40, 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da factualidade tida como provada, sendo certo que tal factualidade se apresenta como fulcral para a decidida condenação da ora Recorrente.

- DO CRIME DE EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO

B. Entende modestamente o Recorrente, no que se refere à factualidade tida como provada, no que ao crime de exploração ilícita de jogo diz respeito, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, estar a douta Sentença ora recorrida inquinada do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem assim, do vício do erro na apreciação da prova relativamente aos factos dados como provados pontos 1 (na sua parte final quando refere «duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características»), 3 a 12, 14 a 40, 44, 45, e 49, factualidade fulcral para a condenação do Recorrente, a qual parece decorrer de uma interpretação pessoal e própria, alheada da prova produzida, ou não produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento.

C. Na verdade, e no que à Motivação da matéria de facto se refere, sempre temos que, fundando-se a mesma num alegado “Relatório Pericial” que, salvo melhor opinião, se mostra eivado de presunções e já não como suportado em juízos técnicos, para além de totalmente inconclusivo, hipotético e incerto em termos fácticos, sem qualquer análise, concreta e objetiva, como impõe qualquer perícia, do computador que lhe foi entregue para esse mesmo fim, não bastando por isso, poder-se concluir por qualquer especial aptidão criminal do mesmo ou uma qualquer exploração efetiva e consciente por parte do ora Recorrente de uns quaisquer jogos de fortuna ou azar, como aqueles que agora surgem na factualidade tida como provada.

D. Nesta sequência, desde logo se refira que o “Relatório Pericial” de fls. 113 a 122 dos autos, nunca poderia concluir por uma qualquer exploração de jogos ilícitos por recurso aos computadores dos autos, na medida em que, dos mesmos, sempre resulta estarmos desde logo perante simples e vulgares computadores, mas que se aventa (sem qualquer certeza) que para o desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar exigirá a introdução de um “código” ou uma “chave de validação”, que também não se identificam, nem tão pouco se sabe as regras de execução dos alegados jogos de fortuna e azar, nunca tendo sido feita qualquer descrição de funcionamento dos alegados jogos por recurso ao constatado em sede “pericial”.

E. Donde, e apesar de, estranhamente, ou talvez não, porque tais tipos de “Relatórios” se afiguram, cada vez mais, como absolutamente parciais, as conclusões presentes afirmam que os jogos “visualizados” correspondem a jogos de fortuna ou azar, a verdade é que, durante a realização do dito Exame, não foi colocado em funcionamento, desenvolvimento ou execução um qualquer jogo de fortuna ou azar, pelo que muito se estranha como se descreveram jogos que “não se jogaram”, muito mais estranho é o facto de o Dign.º Tribunal “a quo” designadamente nos pontos 1 (na sua parte final quando refere «duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características»), 3 a 12 (descrição e funcionamento de um dos computadores e “seus jogos”) e 14 a 40 (descrição e funcionamento de outro computador e “seus jogos”), da matéria de facto dada como provada, considerar como provado a descrição e funcionamento de vários jogos de fortuna ou azar do tipo “slot machine”, “vídeo póquer” e “Bingo”, se os mesmo nunca foram desenvolvidos, executados ou jogados por quem quer que fosse.

F. O que surge nos referidos “Relatórios” baseiam-se apenas na experiência do respetivo subscritor, e em presunções e conclusões suas, e já não num qualquer facto objetivo verificado e observado pelo mesmo aquando da realização da Perícia, como fosse o acesso aos jogos e a sua colocação em funcionamento, ou mesmo a verificação do modo como se efetuaria a aludida validação e quanto terá efetivamente ocorrido a mesma (através da análise do respetivo histórico), as regras de execução dos jogos, ou, pelo menos se alguma vez os alegados ficheiros executáveis foram alguma vez acedidos e/ou utilizados no estabelecimento comercial identificado nos autos e sob a égide do aqui Arguido.

G. Resultando desse mesmo “Relatório” a existência de muitas dúvidas, e nenhumas certezas, por parte do seu subscritor, pois que se alude a “códigos” e “parâmetros de validação” que se desconhecem mesmo se existem, logo desconhecendo a concreta identificação dos mesmos, pelo que, dos mesmos [Relatórios] nunca poderá resultar a própria suscetibilidade dos computadores dos autos desenvolverem quaisquer jogos de fortuna ou azar, muito menos que tivesse sido levado a cabo no local da sua apreensão.

H. Acresce ainda que, as imagens contidas ao longo dos referenciados “Relatórios Periciais”, encontram-se apresentados de forma isolada e singular, não estando as mesmas interligadas, nem demonstrando qualquer exequibilidade, funcionamento ou operacionalidade de qualquer jogo de fortuna ou azar, pelo que, a isto se relacionam as “imagens de arquivo” aí presentes, não tendo sido visualizadas, constatadas ou extraídas dos computadores apreendidos à ordem dos presentes autos.

I. Também é imperial realçar que os alegados ficheiros extraídos dos discos rígidos dos computadores apreendidos à ordem dos presentes autos, não sabemos, por qualquer forma, se efetiva e concretamente os mesmos foram alguma vez executados, desenvolvidos ou jogados no estabelecimento comercial melhor identificado nos autos e sob a égide do Arguido, ora Recorrente, para tanto e de forma cristalina basta atentarmos a forma vaga, presuntiva e conjeturável com que um tais “Relatórios” são elaborados.

J. Por fim, apenas importa aqui fazer um pequeno apartado ao que é referido em sede de «Conclusões», dos “Relatórios” de fls. 113 a 122 dos autos, seja, de que não foi possível colocar qualquer “jogo” em funcionamento, por falta de quaisquer e supostos “códigos”, para se afirmar em jeito de conclusão que os computadores desenvolviam jogos de fortuna e azar! Tendo em conta tudo o supra exposto, questiona-se o Arguido, aqui recorrente: SERÃO OS DOCUMENTOS DE FLS. 113 a 122, EXAMES PERICIAIS?

K. No sentido de tudo o supra exposto, quanto ao “valor”, ou não, dos Relatórios de fls. 113 a 122, enquanto juízos técnicos e insuscetíveis de serem afastados, haverá que referir aqui o douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 26.03.2014 (proferido no âmbito do Proc. 22/12.9GBPRD.P1., da 1.ª Secção), porque “trata” também de um mesmo tipo de “Relatórios”, também ele fundado em experiências anteriores do seu subscritor e não em algo concreto pelo mesmo verificado e colocado em funcionamento,

L. Sendo que, naquele Acórdão, conclui-se que a um tal “Relatório”, como ao dos presentes autos, não poderá ser atribuído o valor de prova pericial, «porquanto tudo o que dali consta, relativamente à descrição do computador não requer conhecimentos técnicos específicos e a conclusão reproduz o que anteriormente se disse, quanto à existência de jogos naquele computador, baseada na experiência (1.ª linha de folhas 66 onde se plasmou: «face à experiência sabe-se que máquinas deste tipo …)».

M. Donde, atento o exposto, conclui-se que a assunção dos factos em causa como provados teve por base, não provas concretas e legalmente passíveis de valoração, ou conclusões irrefutáveis e decorrentes obrigatoriamente de factos tidos como provados, mas sim, verdadeiras deduções e juízos de valor que não deveriam e não poderiam ter tido lugar, e que culminaram em conclusões possíveis e, aos olhos daquele Tribunal, mais suscetíveis que outras.

N. Com efeito, nunca o Dign.º Tribunal “a quo” poderia haver fundado a sua convicção nos “Relatórios” de fls. 113 a 122, dos quais nada de concreto se poderá retirar, pois que eivados de presunções e fundados em experiências com quaisquer outras máquinas, que não as dos autos, e já não pela constatação direta e efetiva da existência e desenvolvimento dos jogos identificados no computador dos autos, aventando-se cenários como de códigos que nem sequer se sabe se existiam, pois que em concreto nada foi visto ou mencionado, de caminhos de validação de códigos que nunca são explicitados e, pior que tudo, são descritos jogos que nunca foram vistos em funcionamento ou desenvolvimento nos referidos computadores.

O. Concluindo-se, assim, por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida (cf. art. 125.º do C.P.Penal), atribuindo valor de prova pericial a algo que não o poderia ter, porquanto não revela quaisquer especiais aptidões dos ditos “Relatórios” de fls. 113 a 122, bem como, do supra aludido vício do Erro Notório na Apreciação da Prova.

P. Ademais, e sem conceder, entende ainda o Recorrente não existir prova bastante e suficiente que suportasse os factos tidos como provados que fundamentam a douta Sentença ora recorrida, pelo que, foram incorretamente julgados os pontos de facto vertidos na douta sentença recorrida, vertidos nos pontos 1 (na sua parte final quando refere «duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características»), 3 a 12, 14 a 40, 44, 45 e 49 da factualidade tida como provada pelo Digníssimo Tribunal “a quo”.

Q. De toda a prova produzida, sempre resulta que, ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, nunca se poderia concluir que os computadores apreendidos nos autos fosse aptos e destinados a desenvolver jogos de fortuna ou azar, que alguma vez desenvolveram, em algum momento, no estabelecimento comercial identificado nos autos e sob a égide do aqui Recorrente, um qualquer jogo de fortuna ou azar e, ainda, que o aqui Recorrente tivesse a efetiva consciência de que tais computadores eram mais do que simples pontos de acesso público à Internet.

R. Na verdade, tais jogos só seriam acessíveis alegadamente, após uma série de procedimentos que se desconhecem (!), mas que, para além de serem apresentados como eventuais, possíveis e habituais (seja, não certos e sem margem para dúvidas), sempre temos que, no local, aquando da apreensão, nada foi apreendido ou sequer referido quanto a uns quaisquer códigos de acessos a jogos e mesmo quanto ao respetivo conhecimento pelo ora Recorrente.

S. Por outro lado, os agentes apreensores, inquiridos como testemunhas, apenas resulta do respetivo depoimento que quando iniciaram a fiscalização ao estabelecimento, que não constataram qualquer ilicitude nos computadores apreendidos, que os mesmos encontravam-se na cozinha, onde o acesso era proibido ao público, foram testadas várias “passwords” e nenhuma deu, e tendo os mesmos computadores sido apreendidos apenas como medida cautelar.

T. Isto para concluir também que efetiva, concreta e objetivamente, não existiu qualquer fator impeditivo da realização de qualquer exame pericial, tão pouco qualquer fator que restringisse a respetiva elaboração, tendo em conta os factos e argumentos supra referidos, donde, de toda a prova produzida, sempre se deveria ter concluído pela total ausência de um qualquer elemento válido e bastante de conexão entre uns quaisquer jogos ilícitos que pudessem ser desenvolvidos por recurso aos computadores ora em causa nos autos, o que levaria a concluir em sentido absolutamente diverso do que fez o Digníssimo Tribunal “a quo”, seja, pela não responsabilização do ora Recorrente no que à exploração de tais “computadores” num qualquer modo de ilícito diz respeito, e consequentemente pela sua absolvição quanto ao crime de exploração ilícita pelo qual vinha acusado.

- DO CRIME DE USURPAÇÃO

U. Por outro lado, entende modestamente o Recorrente, no que se refere à factualidade tida como provada, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, estar a douta Sentença ora recorrida inquinada do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem assim do vício do erro na apreciação da prova relativamente aos factos dados como provados nos pontos 46, 47, 48 e 49, factualidade fulcral para a condenação do Recorrente, a qual parece decorrer de uma interpretação pessoal e própria, alheada da prova produzida, ou não produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento.

Isto porque,

V. Não obstante, as parcas palavras resultantes da douta Sentença recorrida, pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, no que à fundamentação da sua convicção sob tais pontos e dos factos a que se refere, a verdade é que, a assunção da matéria de facto dada como provada, teve por base, não uma qualquer prova concreta e objetiva, ou mesmo conclusões irrefutáveis e decorrentes, mas sim, única e exclusivamente, verdadeiras deduções e juízos de valor que, entende modestamente o Recorrente não deveriam e não poderiam ter tido lugar, e culminaram em conclusões prováveis.

W. De modo que, no caso presente, e atento todo o circunstancialismo supra, verdade seja dita, nada ficou demonstrado nos autos que o aqui Recorrente tivesse efetivamente se aproveitado de qualquer obra usurpada e/ou contrafeita, não se tendo verificado qualquer ato ou conduta, praticada pelo Arguido, seja “difusão em estabelecimento comercial” de obra usurpada.

X. O Recorrente insurge-se assim contra a matéria de facto dada como provada nos referenciados pontos 46, 47, 48 e 49, porquanto, da matéria de facto dada como provada não resulta, por qualquer forma, a referência a qualquer ato de difusão de obra usurpada levada a cabo pelo Arguido, ou sequer, qualquer proveito que o mesmo beneficiou, pelo que questiona-se desde logo o Recorrente que os atos, ou tipos de atos, de difusão de obra usurpada e/ou contrafeita o mesmo praticou perante os clientes do supra mencionado estabelecimento comercial? Foi verificado qualquer ato de exposição comercial das referidas obras? Que proveito económico retirou o Arguido?

Y. Conforme é do conhecimento geral, o crime em análise é um crime de dano, seja, é um crime de verificação concreta, diferente dos crimes de perigo, que são de verificação abstrata, sendo que, de forma e modo absolutamente espantoso o Dig.º Tribunal, na douta Sentença ora recorrida, refere que (no ponto 48 da matéria de facto dada como provada): «Assim, ao deter tais CD`s nos moldes atrás descritos, agiu o arguido com o propósito concretizado de os difundir no seu estabelecimento, bem sabendo tratarem-se de obras de criação musical e artística, fixadas em tais formatos e sem autorização dos respetivos autores e produtores.» (negrito e sublinhado nosso).

Z. Com todo o respeito, que é muito, o douto Acórdão recorrido “dá uma no cravo outra na ferradura”, partindo da certeza que o crime de usurpação é um crime de dano, de verificação concreta (seja, não é um crime de perigo, de verificação abstrata), para depois referir a folhas 24, e bem assim, para considerar como provado no ponto 48 da matéria de facto dada como provada, que o Arguido «detinha tais CD`s» para os “difundir”.

AA. Ora, como é que o Dig.º Tribunal refere que o Arguido detinha os CD`s para os difundir? O destino que se dá a qualquer coisa, é um evento futuro, incerto e contingente, pelo que, ainda por cima, tendo referido, em sede de matéria de facto dada como provada, no supra ponto “48”, que o Arguido detinha para difusão?

BB. Assim, salvo o devido respeito, temos para nós certo que, tal factualidade, culminada no ponto 48 tido como provado pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, decorre da interpretação pessoal e própria, da Meritíssima Juiz de Direito, que elaborou o aludido Acórdão, não porque, sustentados por um qualquer meio de prova legal e de passível aplicação/subsunção ao caso concreto, parecendo, isso, sim, como verdadeira dedução e juízo de valor que, entende modestamente o Recorrente, não deveria, e não poderia mesmo, ter tido lugar, até porque, tendo em conta que, não foi visualizada e constatada uma qualquer reprodução, exposição, divulgação, distribuição, muito menos difusão de qualquer obra usurpada e/ou contrafeita pelo ora Recorrente, e no estabelecimento comercial por si explorado.

CC. Do que, parece-nos claro incorreu a douta Sentença ora recorrida no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem assim, do erro notório na apreciação da prova, na medida em que, para ter como assentes os factos em referência, baseou-se o Digníssimo Tribunal “a quo” não em provas concretas e legalmente passíveis de valoração, ou conclusões irrefutáveis e decorrentes obrigatoriamente de factos tidos como provados,

DD. Sendo que, do depoimento concreto das Testemunhas C... e D... apenas resulta que:

- Nenhum dos CD`s apreendidos estava a tocar, presume que fossem para serem utilizados no estabelecimento comercial, não tendo visto nenhum em funcionamento, bem experimentou quaisquer CD`s (Cf. minutos 10:36, 11:45, 24:00 e 24:26 da testemunha C... , e supra melhor discriminados);

- Aquando da fiscalização estava a tocar música no estabelecimento, mas que, não podia precisar se era algum dos CD`s apreendidos (Cf. minutos 4:18 e 4:22, do depoimento da testemunha D... , e supra melhor discriminados);

- Aquando da fiscalização estava a tocar música no estabelecimento, mas que, não podia precisar se era algum dos CD`s apreendidos, nem se recorda se foi experimentado qualquer CD (Cf. minutos 4:18, 4:22 e 12:13, do depoimento da testemunha D... , e supra melhor discriminados);

EE. Motivo pelo qual, não alcança o Recorrente como foi possível o Dig.º Tribunal “a quo” capaz de o condenar por um crime de usurpação, quando e na verdade não se verificam preenchidos todos os elementos típicos das correspondentes normas incriminatórias, devendo a factualidade constante nos pontos 46, 47, 48 e 49 da matéria de facto dada como provada, ser eliminada, considerando-se a mesma como não provada, para todos os devidos e legais efeitos, designadamente, absolvendo-se o aqui Recorrente do crime de usurpação pelo qual foi condenado.

- CUMPRIMENTO DO ARTIGO 412.º, Nº 4 DO C.P.P., RELATIVAMENTE AOS DOIS CRIMES PELOS QUAIS O RECORRENTE É CONDENADO

FF. Consequentemente, a convicção do Digníssimo Tribunal “a quo” está alicerçada numa prova parcial e incompleta, pois que, apenas se poderia haver concluído pela existência de “meros” factos instrumentais, e nada mais para além disso, dos quais apenas resulta, sem margem para dúvidas, a apreensão dos computadores em causa no estabelecimento dos autos, os quais permitiriam o acesso livre à Internet, com tudo o que no mesmo existe e o mesmo disponibiliza, mediante a compra de tempo de utilização com a introdução de moedas para o efeito, bem assim, pela simples presença dos aludidos CD`s no estabelecimento comercial, e nada mais se podendo concluir.

GG. Pelo que, quanto aos elementos do tipo, ao seu preenchimento, socorreu-se então o Dign.º Tribunal “a quo” de uma presunções erradas, que extravasam os limites da normalidade ou das regras da experiência comum, até porque, da prova produzida, documental e testemunhal, nada existe ou foi produzida que permitisse concluir no sentido em que o foi.

HH. Pelo que, se conclui pela total ausência de um qualquer elemento válido e bastante de conexão entre uns quaisquer jogos ilícitos que pudessem ser desenvolvidos por recurso aos computadores dos autos, mormente na respetiva ilícita utilização, ou qualquer difusão em estabelecimento comercial de qualquer CD o que levaria a concluir pela não responsabilização do Recorrente no que aos crimes pelos quais vinha acusado diz respeito.

II. Sendo diversas as provas que “impõem” decisão nesse sentido, seja, decisão diversa da proferida, relativamente à matéria de factual supra, destacando-se, aqui, os depoimentos das testemunhas C... , D... e E... – cujos concretos trechos se encontram já identificados em sede de motivação, com a referência à ata de julgamento, e, para os quais legalmente nos remetemos para todos os devidos e legais efeitos.

JJ. Assim, e porque da correta valoração dos depoimentos das testemunhas inquiridas, mormente, dos trechos supra referidos e enunciados, e de toda a demais prova dos autos, nomeadamente documental e “pericial”, sempre deveria concluir-se, ao contrário do decidido, bastando, para tal, “atentar-se” no facto não haver sido referida a existência de um qualquer código, conhecido ou facultado pelo ora Recorrente, tão pouco ter sido visualizado qualquer jogo ilegal em funcionamento, quer em sede de fiscalização, quer em sede “Pericial”, nem de se ter verificado qualquer ato efetivo de difusão de obra usurpada.

KK. Devendo, por isso, a matéria factual em causa ser alterada, por forma a ser eliminada da matéria de facto provada, e, com uma tal alteração, concluir-se pela absolvição do Recorrente relativamente aos crimes pelos quais vinha acusado.

LL. Sem descurar, sempre se entende por verificada a existência de uma verdadeira dúvida razoável, insuscetível de ser “ultrapassada”, e, nessa medida, conclui-se pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 127º do C.P.Penal, efetuada nos autos, por violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, por se confundir aquela livre apreciação “conferida” pela lei com uma clara subjetividade e desvirtuação do princípio constitucional de presunção de inocência, na sua vertente “in dubio pro reo”.

SEM PRESCINDIR, DA MEDIDA DA PENA

MM. Delimitando-se a pena a aplicar ao Recorrente na culpa deste, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar as penas aplicadas, na medida em que, extravasam claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não têm, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.

NN. São de todo incompreensíveis, porque exageradas e desproporcionadas, relativamente ao crime de exploração ilícita de jogo, as penas de 04 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, e, cumulativamente, 70 (setenta) dias de multa, o que perfaz um total de 190 (cento e noventa) dias de multa,

OO. Com efeito e por aplicação ao presente caso, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4.ª Secção no âmbito do Proc. n.º 311/10.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social

PP. São também de todo incompreensíveis, porque exageradas e desproporcionadas, relativamente ao crime de usurpação, as penas 06 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa, e, cumulativamente, 180 (cento e oitenta) dias de multa, o que perfaz um total de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, porque se distanciam do seu limite mínimo.

QQ. Até porque, por um lado se tratavam de apenas simples computadores com acesso à internet, desconhecendo-se em concreto qualquer pessoa que os tenha utilizado, bem assim, e por outro lado, existe efetivamente uma dúvida mais do que razoável relativamente ao facto se alguma vez os referenciados CD`s foram reproduzidos e difundidos no estabelecimento comercial melhor identificado nos autos, acrescendo ainda o facto de o Arguido, à data da prática dos factos, ser primário em termos penais, tão pouco o facto de não existir uma qualquer notícia posterior de factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, da sua parte, bem assim, quanto ao facto de se encontrar familiar e socialmente inserido, encontrando-se sem catividade profissional desde o mês de Março do ano de 2014.

RR. Ademais que, e na sequência da recentemente decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efetivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior.

SS. Também o quantitativo diário, de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte do Recorrente, na medida em que, ao fixar tal valor, sem ter com todo o devido e merecido respeito, verdadeiramente presente as verdadeiras e reais condições económico financeiras do Arguido, designadamente pelo facto de o Recorrente se encontrar sem atividade profissional (último registo de salário é datado de Março de 2014), não se encontra a receber qualquer subsídio de desemprego, paga mensalmente cerca de € 300,00, a título de empréstimo bancário resultante do crédito à habitação.

TT. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas substancialmente inferiores, na medida em que, das mesmas sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, bem assim, deverá ser reduzido o quantitativo diário aplicado.

UU. Um último apartado para referir que foi violado o disposto no previsto no artigo 77.º do Código Penal, na medida em que tendo o arguido sido condenado por vários 02 crimes diferentes, e tendo ambos resultado numa pena de multa, deveria ter sido realizado cumulo jurídico por forma a lhe ser aplicada uma “única pena”, o que malogradamente não se verificou.

VV. Por tudo o supra exposto, o Dign.º Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 40.º, 43.º, 47º, n.º 2, 71º, n.ºs 1 e 2 e 77º do nosso Código Penal, os artigos 125.º, 127º, 410º, n.º 2, alínea c), e 374º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, os artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, os artigos 195º e 197º, ambos do CDADC, e ainda os artigos 13º, 18º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ter-se por verificado a existência de um Erro Notório na Apreciação da Prova, bem como, por padecer a douta Sentença proferida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida, com todas as consequências legais daí advenientes, e, sem conceder, deverá decidir-se pela revogação da douta Sentença ora recorrida, e pela sua substituição por outra que absolva o Recorrente da prática dos crimes pelos quais foi condenado, ou, caso assim não se entenda o que por mera hipótese se admite, decidir-se pela aplicação ao Recorrente de penas substancialmente inferiores, com o que, modestamente se entende, V.as Ex.as farão, como sempre, inteira e sã Justiça.

4. O recurso foi admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito [cf. fls. 508].

5. Ao recurso respondeu o Digno Procurador-Adjunto, concluindo:

I. O tribunal pronunciou-se sobre todos os factos que devia apreciar, designadamente os vertidos na acusação e contestação apresentada pelo arguido bem como aqueles que eram relevantes para a decisão da causa, pelo que a sentença não padece do vício da «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada»;

II. Não resulta do teor da decisão recorrida que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação da prova manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios que salta aos olhos do homem médio, pelo que a sentença não padece do vício do «erro notório na apreciação da prova»;

III. A matéria de facto provada nos pontos 1, 3 a 12, 14 a 40, 44, 45 e 49, foi corretamente julgada porque assentou na prova pericial, testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento;

IV. A análise dos discos rígidos das máquinas apreendidas constituiu uma verdadeira perícia, porquanto a perceção e/ou apreciação do conteúdo da informação depositada nos mesmos só é alcançável por quem detém especiais conhecimentos técnicos e científicos na área informática, razão pela qual o Tribunal socorreu-se desse meio de prova;

V. Apesar do perito não ter acesso à “password” que permitia o desenvolvimento dos jogos de fortuna e azar, a verdade é que nas máquinas em questão foram identificados os ficheiros executáveis dos jogos de fortuna e azar, os quais poderiam ser executados assim que fosse introduzido o respetivo código (conhecido unicamente pelo explorador da máquina);

VI. A crítica ao conteúdo dos relatórios periciais pelo Tribunal de 1ª instância foi feita apenas e tão só em sede de alegações de recurso, de acordo com convicções pessoais, ou seja, não foi acompanhada da referência a qualquer elemento de prova que tendo sido produzido em julgamento e que fosse suscetível de, em sede de recurso, abalar a valoração que o Tribunal “a quo” lhe atribuiu;

VII. A perícia é um meio de prova válido – artigo 151º e seguintes do C.P.P., sendo certo que o arguido a aceitou, ou pelo menos não logrou fazer qualquer prova que pusesse em causa o juízo pericial;

VIII. Os elementos de natureza subjetiva relativos ao crime, porque fazem parte da “vida interior”, quando os arguidos não se disponham a abrir-se perante o tribunal, só podem ser apercebidos e dados como provados por ilações, retiradas de outros factos materiais provados, em conformidade com as regras da experiência;

IX. Considerando que o arguido explorava um estabelecimento comercial, as máquinas estavam num lugar de acesso reservado (cozinha) cheio de beatas pelo chão, o acesso às máquinas era feito através de uma “password”, as máquinas estavam aptas a desenvolverem jogos de fortuna e azar e tinham dinheiro no interior dos seus cofres, facilmente se extrai destas circunstâncias que o arguido representou os factos que preenchem o tipo legal do crime de exploração ilícita de jogo e atuou com intenção de o realizar;

x. Os factos vertidos nos pontos 46, 47 e 48, da matéria de facto provada foram corretamente julgados, sendo certo que no que diz respeito aos factos que constam dos pontos 46 e 47, o recorrente não indicou a prova produzida em julgamento que impunha decisão diversa, situação que acaba de ser contraditória perante a ausência de impugnação da matéria de facto provada vertida no ponto 42;

XI. Quanto ao ponto 48 da matéria de facto provada, ou seja, que o arguido tinha os CD`s na sua posse e que agiu com o propósito concretizado de os reproduzir/difundir no seu estabelecimento, o mesmo assentou nas declarações da testemunha D... que confirmou que na altura da fiscalização estava a ser tocado na aparelhagem um dos CD`s que foi apreendido (cf. passagens dos minutos 4:00 a 5:23 e 10:30 a 12:00 do seu depoimento);

XII. Acresce que, de acordo com as regras da experiência comum, sendo o arguido o explorador de um Disco Bar, tendo sido apreendidos mais de cem CD`s num móvel onde estava instalada a aparelhagem de som e tendo conhecimento que não se tratavam de CD`s originais, forçoso será concluir que o arguido procedia à sua reprodução/difusão de obras protegidas no seu estabelecimento comercial e não os tinha para uso pessoal;

XIII. Não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz da experiência e da sua livre convicção retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados;

XIV. O crime de usurpação p. e p. pelos artigos 195º e 197º do CDADC, tutela o exclusivo de exploração económica da obra, que a lei reserva ao respetivo autor. Este tipo de crime verifica-se, independentemente de qualquer resultado material, desde que ocorra uma utilização não autorizada, independentemente de o agente se propor obter qualquer vantagem económica;

XV. A sentença recorrida foi objetivada e motivada e, por conseguinte, suscetível de se impor a terceiros, razão pela qual não merece qualquer censura, não tendo sido violado o disposto no artigo 127º do C.P.P.;

XVI. As exigências de prevenção geral dos crimes em questão são expressivas, atenta a generalização de condutas como a do arguido e o sentimento de impunidade que reina na sociedade; as necessidades de prevenção especial são medianas e a ilicitude também se fixa num patamar médio visto que o arguido preencheu dois tipos de crime; o arguido atuou ainda com dolo direto;

XVII. As penas parcelares e as penas únicas aplicadas são justas e equilibradas, porquanto estão abaixo de ¼ dos limites máximos das molduras penais em causa;

XVIII. Na aferição do quantitativo diário o Tribunal “a quo” considerou todo o património do arguido, designadamente o valor de 26.232,20€ apurado na sua última declaração de IRS bem como o facto de residir em casa própria, pelo que o montante diário de 7,50 € afigura-se adequado e proporcional;

XIX. Não há lugar à realização do cúmulo jurídico de penas ao abrigo do disposto no artigo 77º do C.P., porquanto o artigo 6º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 prevê que: “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e de multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”, sendo que não é possível efetuar o cúmulo de penas únicas que na sua génese englobam penas de multa de diferente natureza;

XX. A decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 40º, 43º, 47º, n.º 2, 71º, n.ºs 1 e 2 e 77º do Código Penal.

Termos em que, não deve o recurso interposto pelo ora recorrente merecer provimento, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão Justiça.

6. Na Relação, o Exmo. Procurador-Geral Ajunto emitiu parecer no sentido de não merecer o recurso provimento.

7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP reagiu o recorrente, pugnando pela procedência do recurso.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso presente as questões que o recorrente submete a apreciação traduzem-se em saber se:

- Padece a sentença de nulidade;

- Foi valorada prova proibida;

- Ocorre «erro de julgamento»;

- Enferma a decisão dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e/ou de erro notório na apreciação da prova;

- Foi violado o artigo 127.º do CPP, sendo inconstitucional a interpretação da norma levada a efeito na sentença;

- Se verifica violação do pro reo;

- Foram violados os artigos 108.º, n.º 1, 3º e 4º do D.L. n.º 422/89, de 02.12 e /ou os artigos 195.º, nº 1 e 197º do CDADC;

- São excessivas as penas encontradas, bem como a taxa diária correspondente;

- Ao não proceder ao cúmulo jurídico das penas violou a sentença o artigo 77.º do C. Penal.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

A. Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 28 de Julho de 2012, pelas 00h15m, no decurso de uma ação de fiscalização da ASAE ao estabelecimento comercial designado “ K... ”, sito na Rua (...) , em Satão, explorado pelo arguido A... , foram encontradas em funcionamento duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características.

2. A primeira, uma máquina sem designação, com estrutura preta e vermelha, constituída por monitor, teclado, cpu, rato e com mecanismo de introdução de moedas e notas incorporados.

3. Uma vez realizado exame pericial ao disco rígido foram identificados vários ficheiros executáveis correspondentes aos seguintes jogos: Pantanal III, Trevo da Sorte e Halloween III.

4. Foi igualmente detetado o ícone do menu de apresentação e a aplicação do jogo Duende da Sorte.

5. Os jogos com a designação Pantanal III, Trevo da Sorte, Halloween III e Duende da Sorte são todos jogos do tipo “slotmachine” (v.g. rolos).

6. O que os distingue é a apresentação gráfica ao nível dos símbolos utilizados na apresentação do jogo, símbolos associados ou relacionados com a designação do jogo.

7. No que diz respeito ao desenvolvimento dos jogos é igual em todos eles, ou seja, o objetivo é obter uma combinação de símbolos premiada.

8. Após a introdução de créditos, o jogador decide o número de créditos a apostar por jogada através do teclado, e dá início ao jogo.

9. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas, à semelhança do que acontece nas máquinas em exploração nas salas de jogo autorizadas – casino.

10. Em todos estes jogos é possível visualizar no topo do ecrã o número/valor de créditos introduzidos (“créditos”), o número/valor de prémios obtidos (“prémio”) e o número/valor de créditos apostados por jogada (“aposta”).

11. Portanto, o seu sistema de funcionamento era igual ao das vulgares “slotmachines” dos casinos e consistia em tentar-se, mediante o arriscar de dinheiro, convertido em créditos, obter aleatoriamente combinações com direito a prémio.

12. Assim, os jogos acima descritos apresentavam resultados dependentes exclusivamente da sorte, sendo certo que o evoluir dos mesmos em nada era influenciado pela destreza, perícia ou habilidade do jogador, decorrendo, sim, de modo automático, aleatório e incontrolável, estando o resultado dependente em exclusivo da álea.

13. Uma segunda máquina, também sem designação, com estrutura preta, constituída por monitor, teclado, cpu, rato e com mecanismo de introdução de moedas e de notas incorporados.

14. Efetuado exame pericial ao disco rígido da máquina de jogos foi possível constatar a existência de:

- Uma aplicação de ligação à internet – online.exe. Esta é uma aplicação que é copiada através de um dispositivo USB que quando é executada efetua uma ligação automática à internet, nomeadamente ao servidor DGTGames. Validada que esteja no servidor (com introdução de user e password) a máquina passa a poder desenvolver uma aplicação responsável pela comunicação e controlo da contabilidade da máquina

- Cinco aplicações de jogos (1.exe, 2.exe, 3.exe, 4.exe e 5.exe) que correspondiam ao desenvolvimento dos seguintes jogos: Poker Mania, El Duende de la Sorte, Halloween III, Show Max e Poker Classic.

15. Os jogos com a designação El Duende de la Sorte e Halloween são jogos do tipo “slotmachine” (v.g. rolos).

16. O que os distingue é a apresentação gráfica ao nível dos símbolos utilizados na apresentação do jogo, símbolos associados ou relacionados com a designação do jogo.

17. No que diz respeito ao desenvolvimento dos jogos é igual em todos eles, ou seja, obter uma combinação de símbolos premiada.

18. Após a introdução de créditos, o jogador decide o número de créditos a apostar por jogada através do teclado, e dá início ao jogo.

19. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas, à semelhança do que acontece nas máquinas em exploração nas salas de jogo autorizadas - casinos.

20. Em todos estes jogos é possível visualizar no topo do ecrã o número/valor de créditos introduzidos (“créditos”), o número/valor de prémios obtidos (“prémio”) e o número/valor de créditos apostados por jogada (“aposta”).  

21. O sistema de funcionamento destes jogos era igual ao das vulgares “slot machines” dos casinos e consistia em tentar-se, mediante o arriscar de dinheiro, convertido em créditos, obter aleatoriamente combinações com direito a prémio.  

22. Estes jogos apresentavam resultados dependentes exclusivamente da sorte, sendo certo que o evoluir do jogo em nada era influenciado pela destreza, perícia ou habilidade do jogador, decorrendo, sim, de modo automático, aleatório e incontrolável, estando o resultado dependente em exclusivo da aléa.  

23. Os jogos com a designação Poker Mania e Poker Classic são jogos do tipo “vídeo poker” e o seu objetivo é o de conseguir combinações premiadas tais como: Sequência real, Sequência numérica, Sequência de cor, Fullen, Trios, Pares, tudo dependendo da sorte, independentemente da perícia do jogador.

24. O jogo de vídeo poker inicia-se com a marcação de créditos que se pretende apostar na jogada.

25. Após o registo da aposta o jogador dá início ao jogo, e surge em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha no ecrã, cinco cartas de face voltada.

26. Cada uma delas pertence a um baralho, podendo por conseguinte aparecer qualquer uma das 52 cartas e 5 Joker’s.

27. O jogador pode, nesta fase do jogo, e se assim o pretender, fixar alguma das cartas de modo a tentar obter uma sequência premiada. De seguida, dá-se prosseguimento à jogada, aparecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas.

28. O utilizador pode apostar em diversas sequências, designadamente na sequência de 5 figuras da mesma cor (Cor), como na escolha de 3 (Trio) ou 4 (Poker) figuras com o mesmo número mas de cores diferentes, ou em qualquer outra combinação admitida neste tipo de jogo.

29. Quando tem uma combinação premiada, o jogador pode optar por fazer a coleta dos pontos – “creditar” (ficando registado os pontos ganhos no visor identificado por “ganho”) – ou “dobrar” os pontos obtidos.

30. Caso o jogador opte por “dobrar”, aparece no ecrã apenas uma carta com a face voltada e deverá selecionar se pretende apostar no vermelho (qualquer carta de naipe vermelho) ou preto (qualquer carta de naipe preto).

31.Se apostar em preto e a carta for de naipe preto é-lhe dada a possibilidade de dobrar novamente ou creditar os pontos obtidos, caso seja uma carta de naipe vermelho então perde os créditos obtidos.

32. O processo é igual se o jogador apostar em vermelho.

33. O jogo acima descrito apresentava, como resultados, pontuações dependentes da sorte, ou seja, para qualquer resultado, o jogador estava impossibilitado de controlar, de forma relevante para a condução do jogo, os fatores determinantes do resultado, sendo a sorte e o acaso que o determinavam.

34. Por sua vez, o jogo com a designação Show Max é um jogo do tipo “bingo”.

35. O jogador pode utilizar de 1 a 4 cartões para jogar e escolhê-los através da tecla referenciada para o efeito.

36. O objetivo do jogo é tentar obter uma das combinações premiadas de acordo com os cartões referenciados no canto superior direito do ecrã e cujas combinações estão demarcadas a azul sendo a pontuação variável de 1 a 1500 pontos.

37. Após a introdução dos créditos é dado início ao jogo, saindo aleatoriamente 30 esferas numeradas.

38. Consoante os números que vão saindo é marcado o cartão dos números que têm correspondência.

39. A intervenção do jogador fica restringida à verificação dos números que vão saindo e respetiva marcação.

40. O resultado deste jogo dependia exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

41. Por outro lado, ainda no decurso da ação inspetiva da ASAE foram encontrados no estabelecimento comercial explorado pelo arguido, no móvel onde estava instalada a aparelhagem sonora do bar (mesa de mistura e amplificador) 142 fonogramas com obras musicais no formato Compact Disc Recordable (CD-R).

42. Submetidos a exame pericial, constatou-se que todos os exemplares eram de duplicação artesanal, sendo o respetivo suporte material idêntico aos que se vendem ao público em geral, como virgens, apresentando as seguintes características:

- No que diz respeito à fixação de sons e imagens, os referidos exemplares são de mediana qualidade técnica;

- As faces dos CD-R contrárias às de leitura não contêm impressões ou estampagens (label’s), com ‘trabalho’ gráfico e, nomeadamente, título genérico da obra, nomes de intérprete(s) e editor/etiqueta discográfica, mas sim manuscritos;

- Os CD-Rs não contêm, na face de leitura e na área central, o código I.F.P.I. (International Federation of the Phonografic Industry), chamado SID (Source Identification Code), o qual ao ficar inscrito em caracteres microscópicos permite identificar a entidade identificável pela masterização e fabrico do exemplar em causa, característica esta sempre presente no “produto” das multinacionais e mais importantes editoras portuguesas.

43. Ainda no decurso do ato inspetivo, verificou-se que o arguido, no seu estabelecimento comercial, não dispunha de um processo baseado nos princípios HACCP respeitante à análise dos perigos e controlo dos pontos críticos no que tange à higiene dos géneros alimentícios comercializados, nem tinha promovido a realização de inspeções periódicas à rede de gás executada por uma entidade inspetores reconhecida pela Direção Geral de Energia.

44. As máquinas de jogo acima referidas estavam em funcionamento para serem utilizadas pelo público, sem que houvesse sido concedido ao arguido qualquer autorização para o efeito, sendo que o estabelecimento comercial “ K... " não é um estabelecimento de casino.

45. O arguido previu e quis explorar os descritos jogos no local acima referenciado com o intuito de obter os lucros que tal exploração lhe proporcionasse, bem sabendo que os jogos levavam a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza do jogador, mas tão só na sorte e no acaso e que não estava autorizada a desenvolver tal atividade.

46. Por outro lado, o arguido não tinha autorização dos autores, produtores e/ou editores das obras constantes dos CD’s acima referidos para os deter e proceder à sua reprodução.

47. Mais sabia que os fonogramas apreendidos não tinham sido editados por quem legitimamente detinha esse direito.

48. Assim, ao deter tais CD’s nos moldes atrás descritos, agiu o arguido com o propósito concretizado de os difundir no seu estabelecimento, bem sabendo tratarem-se de obras de criação musical e artística, fixadas em tais formatos e sem autorização dos respetivos autores e produtores. 

49. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

50. O estabelecimento identificado em 1. possuía sistema de acesso à internet.

51. Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular, com o n.º 179/11.6EACBR, que correu termos neste Tribunal, a 26.11.2012, e transitada em julgado a 08.01.2013, o arguido foi condenado pela prática, a 29.05.2011, de um crime de usurpação (direito de autor), previsto e punido pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º do CDADC, na pena de 20 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento.

52. O arguido reside em casa própria.

53. Paga cerca de € 300,00 mensais a título de empréstimo bancário.

54. Concluiu o 9.º ano de escolaridade.

55. Consta como último registo de salário o mês de Março do ano transato.

56. Não se encontra a receber qualquer subsídio através da Segurança Social, nem nenhuma pensão através do Centro Nacional de Pensões.

57. A última declaração de IRS do arguido reporta-se ao ano de 2013, altura em que obteve rendimentos de prestação de serviços de atividades hoteleiras, restauração e bebidas no montante de € 26.232,30.

B. Factos não provados

a) O arguido não é proprietário e/ou explorador de quaisquer máquinas ou jogos que soubesse de carácter ilícito e que se encontrassem expostos/presentes em qualquer estabelecimento comercial.

b) O arguido nunca utilizou as máquinas e os demais materiais apreendidos nos autos, desconhecendo, por absoluto, os seus concretos modos de funcionamento e/ou finalidades das respetivas utilizações.

c) Tanto quanto é conhecimento do arguido as máquinas descritas supra não desenvolvem, nem nunca desenvolveram um qualquer tipo de jogo de fortuna ou azar.

d) Os jogos supra referidos podem/são utilizados, executados e jogados online através da internet por qualquer utilizador.

e) Os jogos supra elencados podem ser descarregados online em qualquer computador que se encontre acessível ao público em estabelecimento comercial, à completa revelia do respetivo explorador.

f) O arguido é pessoa humilde, honesta e trabalhadora.

g) É respeitado e respeitador no meio social em que se encontra inserido.

h) O arguido nunca agiu com intenção de violar a lei, uma vez que sempre a considerou e considera, como um pilar essencial de um bom Estado de Direito.

i) O arguido sabia que no seu estabelecimento comercial era obrigatório a existência de um processo baseado em princípios HACCP e que tinha de promover a realização de inspeções periódicas à rede de gás por entidades certificadas e, não obstante esse conhecimento, não adotou os procedimentos que legalmente lhe eram exigidos.

C. Motivação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção conjugando os vários meios de prova, designadamente os documentos juntos aos autos e o teor dos depoimentos prestados, em sede de audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas C... , D... e E... .

Todos estes elementos de prova foram apreciados à luz do preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, isto é, segundo a livre convicção do julgador, de acordo com as regras da vida e da experiência comum. Senão vejamos.

Foi crucial a conjugação do teor dos depoimentos das testemunhas C... e E... , ambos Inspetores da ASAE que procederam à ação de fiscalização, percecionando, por conseguinte, de forma presencial, os factos elencados em 1. a 2.

O mesmo se diga relativamente ao depoimento prestado pela testemunha D... , também Inspetor da ASAE que realizou a ação inspetiva nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1., e cujo teor do depoimento foi essencial para a prova do facto inserto em 41.

O teor depoimento prestado pelas referidas testemunhas foi corroborado pelo teor do auto de notícia de fls. 68 e 69, do auto de apreensão junto a fls. 87 e 88 e das fotografias juntas a fls. 71 a 82 dos autos.

Fundamos, ainda, a nossa convicção nos relatórios periciais juntos a fls. 113 a 122, cuja análise se revelou preponderante para a prova dos factos relativos ao funcionamento das referidas máquinas e jogos por elas disponibilizados elencados nos pontos 3. a 12. e 14. a 40.

Mais concretamente, no referido relatório conclui-se que as máquinas permitiam acesso a jogos de fortuna ou azar, mediante a sua ativação através de um determinado procedimento, o qual não foi possível determinar concretamente.

Através da análise do disco rígido da máquina referida em 2., foi possível identificar diversos ficheiros, localizados em pastas escondidas no sistema, que evidenciavam o facto de a máquina desenvolver jogos de fortuna ou azar.

Realce-se que, pese embora não tenha sido possível efetuar um acesso direto aos jogos em virtude de não ser conhecida a password, essas referências foram encontradas no disco, o que permitiu, por conseguinte, identificar os ficheiros executáveis e dele extrair imagens donde se concluiu que a mesma esteve apta a desenvolver quatro jogos de slotmachine.

Quanto à classificação dos jogos como sendo de fortuna e azar facilmente se conclui pela análise do relatório pericial, nomeadamente, através da verificação do conteúdo de cada uma das aplicações, a identificação dos jogos Pantanal III, Trevo da Sorte, Halloween III e Duende da Sorte, que se encontravam exemplificados no relatório, resultando dos mesmos que o objetivo é conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado pelo jogo, tudo dependendo exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

Relativamente à máquina identificada em 13. foram identificados vários ficheiros responsáveis pelo desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar. Não tendo sido possível reproduzir, em pleno, a execução dos ditos ficheiros, por falta de validação, uma análise mais exaustiva ao seu conteúdo permitiu extrair diversa informação, maioritariamente, em formato de imagem, que possibilitou identificar e classificar os jogos como sendo El Duende de la Sorte, Halloween, Poker Mania, Poker Classic e Show Max.

A compilação dos elementos recolhidos do disco rígido que se encontrava no interior da máquina permite concluir que o mesmo contém instalado software referente aos cinco jogos de fortuna ou azar supra elencados, estando o seu acesso condicionado à introdução de um conjunto de códigos.

Dúvidas não podem existir no sentido das referidas máquinas de jogo se encontrarem em funcionamento para serem utilizadas pelo público.

Na verdade, pelas testemunhas C... e E... foi referido que as máquinas se encontravam ligadas à corrente elétrica e a solicitar um código, o que também se pode constatar das fotografias juntas a fls. 73 a 75.

Acresce que o equipamento se encontrava no estabelecimento comercial K... , na cozinha/arrecadação, apenas e só para o tornar impercetível aquando da realização de eventuais ações de fiscalização, inexistindo dúvidas que o mesmo se destinava a ser utilizado pelos clientes do referido espaço, adesão essa que era controlada pelo arguido através de um botão que acionava junto à cabine de som (cf. fotografia junta a fls. 72).

Mais se verificou do registo fotográfico constante de fls. 77 e 78, cujo teor foi corroborado pelo depoimento das testemunhas referidas, a existência de inúmeras beatas e dinheiro nos cofres das máquinas de jogo, o que conjugado com as regras da experiência comum nos leva a concluir que as máquinas estavam acessíveis ao público, com as limitações supra referidas. Sem descurar ainda que, pela testemunha C... foi afirmado, quando confrontado com os documentos manuscritos apreendidos nos autos a fls. 83, os quais se encontravam na caixa registadora do estabelecimento comercial em causa, de forma perentória, que os códigos numéricos aí evidenciados correspondiam a password de acesso a máquinas de jogo de fortuna e azar, sobejamente conhecidas pelas autoridades fiscalizadoras. Sendo certo que, também adiantou, face ao aumento das ações de fiscalização que os exploradores, frequentemente, alteram os referidos códigos de forma a impossibilitar o acesso direto às máquinas por parte dos inspetores, in loco.

 A prova da inexistência de licença de exploração das máquinas de jogo e diversão resulta do facto de estarmos perante um estabelecimento comercial que não é um estabelecimento de casino consonante, portanto, com as mais elementares regras da experiência da vida.

Da prova produzida pode, assim, concluir-se que o sistema montado no K... tinha por objetivo a obtenção de lucros derivados da disponibilização aos clientes da utilização de jogos de fortuna e azar sem que as autoridades o conseguissem detetar facilmente.

No que concerne ao dolo do arguido quanto à exploração da máquina e suas características, cabe atentar, para além do já elencado supra, mais uma vez, às regras da experiência comum, uma vez que é do conhecimento geral que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida.

É, assim, plena convicção do Tribunal que o arguido não podia desconhecer a existência das máquinas, suas características e funcionamento, e a sua ilegalidade, atenta a forma como geria todo esse negócio.

A tomada de posição quanto ao facto inserto em 41. resultou, no essencial, do teor do depoimento prestado pela testemunha D... , que percecionou diretamente os mesmos.

Revelou-se, igualmente, essencial, e no que tange à prova dos factos elencados em 42., o teor do relatório pericial junto a fls. 153 a 173 donde resultou que todos os cd’s continham obras musicais, de duplicação artesanal, sendo o respetivo suporte material idêntico aos que se vendem ao público em geral, como virgens. Acresce que, e no que diz respeito à fixação de sons e imagens, os referidos exemplares são de qualidade técnica mediana.

Por outro lado, as faces dos cd-r contrárias às de leitura não contêm impressões pu estampagem (label’s), com trabalho gráfico e, nomeadamente, título genérico da obra, nomes de intérpretes e editor/etiqueta discográfica, mas sim manuscritos.

Por último, os cd-rs não contêm, na face de leitura e na área central, o código I.F.P.I (International Federation of the Phonografic Industry), chamado SID (Source Identification Code), o qual ao ficar inscrito em caracteres microscópicos permite identificar a entidade identificável pela masterização e fabrico do exemplar em causa, característica esta sempre presente no “produto” das multinacionais e mais importantes editoras portuguesas.

O arguido não tinha qualquer autorização dos autores, produtores ou editores das obras constantes dos cd’s apreendidos, e sabia, atentas as características elencadas dos mesmos, que aqueles não tinham sido editados por quem tinha legitimamente tal direito.

Assim, e no que concerne ao dolo, urge considerar, para além do já elencado supra, as regras da experiência comum no sentido de o arguido ter ainda o propósito de proceder à sua difusão no seu estabelecimento comercial – o que se alcança, desde logo, pelo facto de estarmos perante um Disco Bar, associado ao número de cd’s apreendidos e à sua localização (no móvel onde estava instalada a aparelhagem sonora do bar, vulgo mesa de mistura) – sabendo que não se tratavam de cd’s originais.

Para a prova do facto mencionado em 43. consideramos, no essencial, o teor do depoimento prestado pelas testemunhas C... e E... . Esta última testemunha foi ainda preponderante para a prova do facto inserto em 50.

A prova dos antecedentes criminais do arguido resultou do certificado de registo criminal, junto a fls. 210 a 212.

Quanto aos factos elencados em 52. a 54. os mesmos resultaram provados atendendo ao teor das declarações prestadas pelo arguido.

Para a prova dos factos elencados em 55. e 57. relevou o teor dos documentos juntos a fls. 225, 226 a 232, respetivamente, devidamente submetidos a contraditório em sede de audiência de julgamento.

A tomada de posição relativamente aos factos vertidos nas alíneas a) a e) ficou a dever-se à prova do contrário conforme melhor explanado supra. A não prova dos factos elencados nas alíneas f) a i) ficou a dever-se à total ausência de prova que permitisse sustentar o aí vertido.

3. Apreciação

a.

Do teor da decisão recorrida, constata-se ocorrer lapso material nas alíneas c) e e) do dispositivo enquanto se refere a « B... » quando manifesto se torna querer reportar-se ao arguido « A... », motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, do CPP, se procede à correção do erro de escrita, passando a constar das identificadas alíneas, em substituição de « B... » o nome « A... ».

b.

Embora, dispensando-se da desejável concretização, não deixa o recorrente de indicar como disposição violada o n.º 2 do artigo 374.º do CPP.

Contudo, da análise da fundamentação – de facto e de direito – da sentença em crise, alcança-se não lhe assistir razão uma vez que ali se elencam os factos provados, os não provados, a necessária identificação das provas consideradas na formação da convicção do tribunal e respetiva análise crítica, de forma que nenhuma dificuldade pode subsistir – muito menos no espírito do recorrente, como, aliás, se retira da «impugnação da matéria de facto» - sobre as provas, mas, também, relativamente aos elementos que em consequência das regras da experiência e/ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a dita convicção se tivesse formado em determinado sentido.

Em suma, o dever constitucional de fundamentação (artigo 205.º, n.º 1 da CRP), com expressão, entre outros no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, mostra-se cabalmente satisfeito, carecendo, pois, de fundamento, a alegação.

c.

Ressuma das conclusões uma evidente divergência relativamente ao acervo factual dado por assente.

Neste campo, crendo-se estar o recorrente ciente do diferente significado, desde logo pelo universo que, em cada caso, pode ser convocado, socorre-se o mesmo de três vias, a saber: valoração de prova proibida; vícios do artigo 410.º, n.º 2 do CPP e, por fim, «erro de julgamento».

Certo, porém, terem todos eles em comum a afronta da matéria de facto, a respetiva concretização, ou seja o procedimento tendente a pô-los em prática, bem como a base de incidência são insuscetíveis de ser confundidos.

Com efeito, enquanto no âmbito do n.º 2 do artigo 410.º, o que está em causa são vícios ao nível da lógica jurídica da decisão de facto, da sua confeção técnica, apreensíveis a partir do seu texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, com exclusão, portanto, de qualquer elemento à mesma estranha, a denunciar lacunas, contradições, apreciações ilógicas, irrazoáveis, ao arrepio do senso comum, de um nível de tal forma ostensivo que impedem uma decisão criteriosa ou tão patentes que se torna evidente que as coisas nunca poderiam ter ocorrido desse modo, o «erro de julgamento», cuja sindicância por parte do tribunal de recurso exige o cumprimento dos ónus contemplados nos n.ºs 3 e 4, do artigo 412º do CPP, só pode ser afirmado quando a prova produzida – vg. pessoal, documental, pericial – imporia decisão diversa da acolhida pelo julgador.

Já a problemática da prova proibida, prende-se com a respetiva proibição, absoluta ou relativa, ou com a sua valoração fora dos termos e condicionalismos, quer de natureza substantiva quer adjetiva, definidos por lei.

c.a.

Iniciemos, então, pela invocada violação de proibição de prova, na vertente da respetiva valoração, pelas eventuais consequências que daí poderão advir na conformação da decisão.

Vem a alegação dirigida à valoração dos relatórios de fls. 113 a 122, designados por «EXAME PERICIAL A MATERIAL DE JOGO DE FORTUNA OU AZAR», os quais, ao longo das conclusões [cf. v.g. pontos C; D; E; F; G; H; I; J; K; L; M] merecem a reação do recorrente, com os fundamentos bem sintetizados no ponto N., onde se lê: «Com efeito, nunca o Dign.º “Tribunal “a quo” poderia haver fundado a sua convicção nos “Relatórios” de fls. 113 a 122, dos quais nada de concreto se poderá retirar, pois que eivados de presunções e fundados em experiências com quaisquer outras máquinas, que não a dos autos, e já não pela constatação direta e efetiva da existência e desenvolvimento dos jogos identificados no computador dos autos, aventando-se cenários como de códigos que nem sequer se sabe se existiam, pois que em concreto nada foi visto ou mencionado, de caminhos de validação de códigos que nunca são explicitados e, pior que tudo, são descritos jogos que nunca foram vistos em funcionamento ou desenvolvimento nos referidos computadores», para, de seguida, concluir «… por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida (cf. art. 125.º do C.P.Penal,), atribuindo valor de prova pericial a algo que não o poderia ter, porquanto não revela quaisquer especiais aptidões dos ditos “Relatórios” » - [cf. ponto O.].

Debrucemo-nos, pois, sobre o que, a propósito, consignado ficou na sentença, da qual se extrata:

«Fundamos, ainda, a nossa convicção nos relatórios periciais juntos a fls. 113 a 122, cuja análise se revelou preponderante para a prova dos factos relativos ao funcionamento das referidas máquinas e jogos por eles disponibilizados elencados nos pontos 3. a 12. e 14. a 40.

Mais concretamente, no referido relatório conclui-se que as máquinas permitiam acesso a jogos de fortuna ou azar, mediante a sua ativação através de um determinado procedimento, o qual não foi possível determinar concretamente.

Através da análise do disco rígido da máquina referida em 2., foi possível identificar diversos ficheiros, localizados em pastas escondidas no sistema, que evidenciavam o facto de a máquina desenvolver jogos de fortuna ou azar.

Realce-se que, pese embora não tenha sido possível efetuar um acesso direto aos jogos em virtude de não ser conhecida a password, essas referências foram encontradas no disco, o que permitiu, por conseguinte, identificar os ficheiros executáveis e dele extrair imagens donde se concluiu que a mesma esteve apta a desenvolver quatro jogos de slotmachine.

Quanto à classificação dos jogos como sendo de fortuna ou azar facilmente se conclui pela análise do relatório pericial, nomeadamente, através da verificação do conteúdo de cada uma das aplicações, a identificação dos jogos Pantanal III, Trevo da Sorte, Halloween III e Duende da Sorte, que se encontravam exemplificados no relatório, resultando dos mesmos que o objetivo é conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado pelo jogo, tudo dependendo exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

Relativamente à máquina identificada em 13. foram identificados vários ficheiros responsáveis pelo desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar. Não tendo sido possível reproduzir, em pleno, a execução dos ditos ficheiros, por falta de validação, uma análise mais exaustiva ao seu conteúdo permitiu extrair diversa informação, maioritariamente, em formato de imagem, que possibilitou identificar e classificar os jogos como sendo El Duende de la Sorte, Halloween, Poker Mania, Poker Classic e Show Max.

A compilação dos elementos recolhidos do disco rígido que se encontrava no interior da máquina permite concluir que o mesmo contém instalado software referente aos cinco jogos de fortuna ou azar supra elencados, estando o seu acesso condicionado à introdução de um conjunto de códigos.

Dúvidas não podem existir no sentido das referidas máquinas de jogo se encontrarem em funcionamento para serem utilizadas pelo público».

Ora, atentando nos ditos relatórios que constituem fls. 113 a 122, nenhuma dúvida subsiste que os inspetores subscritores dos mesmos, procederam, em ambos os casos, à análise do respetivo disco, tendo, então, identificado os ficheiros executáveis, dos quais foi possível extrair imagens que compõem graficamente os jogos de fortuna ou azar ali identificados e, cujo modo de funcionamento vem descrito, bem como os ícones que surgem no menu de apresentação e seleção dos mesmos.

Argumenta o recorrente que os relatórios em causa assentam em suposições, em experiências advindas da análise a outras máquinas, uma vez que os subscritores não colocaram os jogos em funcionamento.

Pois bem, apesar de ter correspondência com a realidade que efetivamente em função de ser desconhecida a password de acesso (necessária para o efeito) não foi possível colocar os jogos em desenvolvimento – como, ademais, desde logo decorre do relatório respeitante a cada uma das máquinas em questão -, o certo é que a análise do respetivo disco rígido e dos elementos supra identificados do mesmo extraídos, designadamente as correspondentes aplicações, tornaram possível as conclusões ali vertidas e acolhidas na sentença.

Nesta medida assiste razão ao Ministério Público quando na resposta apresentada aduz: «A análise dos discos rígidos das máquinas apreendidas constitui uma verdadeira perícia, porquanto a perceção e/ou apreciação do conteúdo da informação depositada nos mesmos só é alcançável por quem detém especiais conhecimentos técnicos e científicos na área informática …».

Com efeito, concedendo, embora, que os relatórios em causa assumem – como se nos afigura ter de ser - uma natureza mista, ou seja uma vertente de «perícia» e uma outra de «exame», é inquestionável não se mostrar aquela excluída, pois que não se limitam os mesmos a traduzir o resultado de uma mera observação de vestígios e de indícios relativos ao modo como foram praticados os factos.

Referia Manuel de Andrade que a perícia se traduz « … na perceção, por meio de pessoas idóneas (…), de quaisquer factos presentes, quando não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» - [cf. “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 261] – destaque nosso.

Também, a propósito, escreve Germano Marques da Silva «a perícia é a atividade de perceção ou apreciação de factos probandos efetuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos», adiantando ser seu objeto «a perceção dos factos ou a sua valoração» e, bem assim, que «o perito pode descobrir meios de prova, recorrendo a métodos científicos (…) para permitirem a sua apreensão ou pode exigir-se ao perito não a descoberta dos factos mas apenas a sua apreciação» - [cf. “Curso de Processo Penal”, T. II, pág. 152].

Ainda sobre o fim da prova pericial lê-se no Código de Processo Penal, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, a págs. 403/404 «Através da prova pericial introduzem-se no processo critérios ou regras valorativas próprias de uma profissão ou atividade especializada, com os quais se poderá vir a compreender certos factos alegados e as suas consequências. A atividade que o perito desenvolve caracteriza-se pela observação, recolha de dados, análise própria decorrente dos seus conhecimentos especiais, bem como nas subsequentes deduções e induções que permitirão retirar conclusões, devendo plasmar todas as operações e conclusões no respetivo relatório pericial que constitui o meio de prova» - destaque nosso.

Em síntese, diremos que:

i. Os relatórios contra os quais o recorrente se insurge, na medida em que refletem a análise levada a efeito aos discos rígidos das máquinas apreendidas, donde foi possível extrair o conteúdo da informação nos mesmos depositada assume a natureza de perícia uma vez que a perceção e ou apreciação do conteúdo daquele só é realizável por quem detém especiais conhecimentos técnicos, concretamente na área informática;

ii. Na atividade desenvolvida pelo perito tanto podem estar presentes a perceção, como a apreciação/valoração, ou ambas, de todos os factos juridicamente relevantes desde logo, mas não só, para a existência ou inexistência do crime;

iii. Não lhe estando nesse seu desempenho, de modo algum, vedado socorrer-se de deduções e induções, as quais associadas aos seus especiais conhecimentos, lhe vão permitir retirar conclusões,

Donde, não ocorre valoração de prova proibida, violação do artigo 125.º do CPP, a invocada nulidade e/ou nesta sede «erro notório na apreciação da prova», o qual, apenas poderia ser afirmado se o juiz tivesse decidido contra prova legalmente tarifada, ainda assim sem que justificasse a divergência.

 

c.b.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas na audiência de julgamento, pode o tribunal de recurso conhecer de facto [artigos 363.º e 428.º do CPP], posto que se mostrem cumpridos os ónus previsto no artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto, que considera incorretamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas, prescrevendo, por sue turno o n.º 4 que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se pro referência ao consignado na ata, nos termos do n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

O nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido á luz do entendimento, sobejamente, afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, neste sentido os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª].

A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida (…) que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova (…) [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que (…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (…) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida – [cf. acórdão do STJ de 24.10.2002 (proc. n.º 2124/2)].

Aspeto que não se confunde com a eventualidade de uma outra aproximação à prova, pois caso a mesma consinta duas ou mais decisões de facto e o julgador fundamentadamente optar por uma delas em detrimento das outras, a decisão que proferir sobre a matéria de facto é, em princípio, inatacável.

Assim delineadas, no que tange ao recurso de facto, as coordenadas essenciais relativas ao respetivo sentido e procedimento, foquemo-nos no caso concreto.

Em sede de conclusões, o erro na apreciação da prova vem dirigido aos factos provados descritos nos pontos 1. (na parte em que refere «duas máquinas de jogo eletrónicas ligadas à corrente elétrica com as seguintes características», 3 a 12, 14 a 40, 44, 45, 46, 47, 48 e 49 – [cf. os pontos B., P., U., X. e EE.].

Constata-se, porém, tratar-se, no essencial, de uma indicação genérica, diríamos mesmo que apresentada em «bloco», longe, portanto, de satisfazer o ónus que sobre o recorrente impendia, na dimensão atrás assinalada, no sentido de individualizar o «concreto ponto de facto».

Efetivamente, perscrutadas as conclusões, não vislumbramos a necessária concretização dos pontos em crise, assistindo-se, antes, a um ataque desferido aos relatórios que constituem fls. 113. a 122 [sobre os quais já acima nos pronunciámos], conforme resulta dos pontos B., C., D., E., F., G., H., I., J., M., P., Q., R., S., T., ao longo dos quais se insurge o recorrente contra o que designa por deduções, juízos de valor, conclusões, insuscetíveis, por isso – aduz – de suportar o acervo factual provado – [cf. o ponto N. anteriormente reproduzido], acrescentando, por um lado, que «no local, aquando da apreensão, nada foi apreendido ou sequer referido quanto a uns quaisquer códigos de acessos a jogos e mesmo quanto ao respetivo conhecimento pelo ora Recorrente» e, por outro lado, que até do depoimento dos agentes apreensores, apenas resultaria «que quando iniciaram a fiscalização ao estabelecimento, (…) não constataram qualquer ilicitude nos computadores apreendidos» tendo, então, testado «várias “passwords” e nenhuma deu (…)» - [cf. pontos R. e S.], para, após, rematar «Tudo isto para concluir também, que efetiva, concreta e objetivamente, não existiu qualquer facto impeditivo da realização de qualquer exame pericial, tão pouco qualquer fator que restringisse a respetiva elaboração, tendo em conta os factos e argumentos supre referidos, donde, de toda a prova produzida, sempre se deveria ter concluído pela total ausência de um qualquer elemento válido e bastante de conexão entre uns quaisquer jogos ilícitos que pudessem ser desenvolvidos por recurso aos computadores em causa nos autos, o que levaria a concluir em sentido absolutamente diverso do que fez o (…) Tribunal “a quo”, seja pela não responsabilização do ora Recorrente no que à exploração de tais “computadores” num qualquer modo ilícito diz respeito, e consequentemente pela sua absolvição quanto ao crime de exploração ilícita pelo qual vinha acusado» - [cf. ponto T.].

E o panorama não diverge no que concerne aos factos descritos nos pontos 46., 47. e 49. da matéria de facto provada, relativamente aos quais adianta «O Recorrente insurge-se assim contra a matéria de facto dada como provada (…), porquanto, da matéria de facto dada como provada não resulta, por qualquer forma, a referência a qualquer ato de difusão de obra usurpada levada a cabo pelo Arguido, ou sequer, qualquer proveito que o mesmo beneficiou (…)» [ponto X.], ressalvando-se, contudo, o facto inscrito no ponto 48. no segmento de haver o arguido, ao deter os CD`s em questão, agido com o propósito concretizado de os difundir no seu estabelecimento, o qual surgindo suficientemente identificado, resultaria, no entender do recorrente contrariado pelos depoimentos das testemunhas C... e D... , cujas passagens indica.

Por outro lado, centrando-nos na correspondente motivação, em lado algum, resulta, na dimensão legalmente exigida, o cumprimento dos referidos «ónus», limitando-se o recorrente – intercalando considerações tributárias de outra realidade, qual seja a da aplicação do direito aos factos - a indicar, de forma genérica, o manancial de factos que tem por incorretamente julgados e, a espaços, a transcrever segmentos de depoimentos sem que, contudo, cuide de traçar a relação entre o concreto ponto de facto e a concreta prova que imporia, no que àquele específico ponto respeita, decisão diversa.

Como tal, exceção feita ao ponto 48. dos factos provados, a não observância nem nas conclusões, nem na motivação donde aquelas emergem, nos termos – apertados, é certo – impostos por lei dos ónus de impugnação, arredado que está pela simples razão de constituir a motivação o limite do aperfeiçoamento qualquer convite neste sentido [cf. v.g. os acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, II, S., de 13.12 e 140/2004, DR, II, S, de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. n.º 05P58), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. 06P1940), de 04.01.2007 (proc. n.º 40/93/06.3.ª)], prejudicada se mostra no que aos demais pontos concerne a sindicância alargada [artigo 412.º do CPP] da matéria de facto.

Vejamos, então, o ponto 48 no que tange à concretização do propósito do arguido, com referência às concretas provas indicadas.

Apela o recorrente, além do mais, ao depoimento da testemunha D... , Inspetor-adjunto Especialista da ASAE, do qual extrata passagens donde ressaltam algumas hesitações relativamente ao CD que na ocasião da ação de fiscalização se encontraria a «tocar» na aparelhagem sonora [mesa de mistura e amplificador] existente no estabelecimento.

Contudo, da audição integral do respetivo depoimento, não deixa a testemunha de ser clara quando refere [10:30 – 12:00] que o CD que se encontrava nessa situação – ou seja a ser difundido – fazia parte do lote dos 142 CD`s [fonogramas] que, então, foram apreendidos, não podendo, porém, identificar concretamente qual.

Se a tal aliarmos o teor do exame pericial de fls. 153 a 173, do qual decorre constituírem todos (142) duplicações artesanais, com o respetivo suporte idêntico aos que se vendem ao público em geral, cujas características se mostram descritas no ponto 42. da matéria de facto provada, impõe-se concluir que a prova efetivamente produzida, designadamente o depoimento da identificada testemunha não impõe - bem pelo contrário – decisão diversa da recorrida no que tange à concretização/difusão no estabelecimento dos ditos CD`s.

É quanto basta para manter inalterado o referido ponto.

c.c.

Na vertente da matéria de facto, não obstante o que se acaba de decidir fica-nos a respetiva sindicância por via dos vícios do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, a apreciação da alegada violação do princípio in dubio pro reo, bem como do artigo 127º do mesmo diploma legal.

c.c.a.

Já em momento anterior, em termos gerais, procedemos à configuração dos vícios, dedicando-lhes agora maior concretização.

A propósito escreve Germano Marques da Silva «… tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se, ainda, que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece» - [cf. “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, págs. 338/339].

No que respeita ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, invocado, mas não concretizado pelo recorrente nos pontos B., U., CC. das conclusões, não se colhe resultar da decisão a omissão de quaisquer factos relevantes que da mesma devessem constar, e que estivessem ao alcance do julgador apurar, inviabilizadores de uma decisão jurídica criteriosa.

A circunstância de, na perspetiva do recorrente, os factos provados não poderem levar a uma condenação por serem insuscetíveis de se reconduzir à tipicidade prevista na norma ou normas em questão não constitui um problema de vício, antes – a verificar-se – de erro de direito.

Por outro lado, é de concluir por erro notório na apreciação da prova «… Sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no art.º 127º do CPP, quando afirma que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência» - [cf. Maria João Antunes, “Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP”, pág. 120].

O que significa que o aludido vício só será de convocar quando for detetado um erro de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, realidade que não pode ser confundida com a errada apreciação e valoração da prova não obstante terem como denominador comum a afrontar a matéria de facto.

No mesmo sentido se pronunciam Simas Santos e Leal Henriques quando realçam «… não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º 127.º”» - [cf. “Recursos em Processo Penal”, 6.ª edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 74].

Apesar de nos pontos A., O. [enfrentado a propósito da proibição de valoração de prova] e CC. das conclusões vir invocado o aludido vício, o certo é que resulta cristalino não passar a alegação de uma patente discordância em termos de matéria de facto, circunstância que, obviamente, conduz à respetiva improcedência – [cf. acórdão do STJ de 18.06.2006, proc. n.º 2536/06 – 3.ª].

Bem vistas as coisas, com o objetivo de contrariar a matéria de facto, o recorrente pretende enfrentar por intermédio dos três identificados caminhos – valoração de prova proibida; impugnação alargada da matéria de facto; vícios do artigo 410.º, n.º 2 do CPP – as mesmas realidades, isto como se o percurso para lá chegar fosse comum a todos eles, num exercício onde, com o devido respeito, parece pontificar a ideia de que «se a decisão não cair por um cairá por outro».

Em suma, dos próprios termos da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência, não se extrai que o julgador tenha dado como provado algo que notoriamente, aos olhos do observador comum, para a generalidade das pessoas, se torne evidente não podia ter sucedido, tão pouco resultando que haja sido violada prova legalmente tarifada, não se verificando, assim, o dito vício.

c.c.b.

Intimamente relacionado surge a preconizada violação do artigo 127º do CPP, decorrendo das conclusões entroncar a mesma – conforme refere o recorrente - no «processo de convicção», eivado de deduções, presunções, conclusões, juízos de valor puramente subjetivos, falho das necessárias certezas, o que conduziria à inconstitucionalidade da interpretação que da referida norma levou a efeito o tribunal, na medida em que teria confundido a livre apreciação com uma clara subjetividade e desvirtuação do princípio constitucional da presunção de inocência.

Olvida, contudo, o recorrente que «A garantia de legalidade da «livre convicção» a que alude o artigo 127º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objetiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou …» - [cf. acórdão do STJ de 11.11.2004 (proc. n.º 04P3182)], bem como que a valoração das provas cabe, em primeira linha ao tribunal perante o qual foram produzidas, não estando, nesse exercício, vedado o recurso à prova indireta, baseada em indícios, indícios esses que são todas as provas conhecidas e apuradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém conclusão firme, segura e sólida.

Com efeito, na livre convicção, subordinada à razão e à lógica desempenham um papel relevante as presunções naturais – que mais não são do que «o produto das regras da experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro» - [cf. acórdão do STJ de 09.02.2005 (proc. n.º 04P4721)], não sendo demais assinalar o que a propósito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, tal como, a título exemplificativo, decorre do acórdão de 23.11.2006 (proc. n.º 06P4096) ao dispor que «As normas dos artigos 126.º e 127.º do CPP podem ser interpretadas de modo a que possam ser provados factos sem que exista prova direta deles. Basta a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo», acrescentando que tal interpretação «não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art. 32º, n.ºs 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto …».

Ora, no caso concreto, a fundamentação evidencia de modo suficientemente claro, quais as provas – diretas e indiretas – de que o tribunal se socorreu para chegar à responsabilidade do recorrente, como as conjugou entre si – com recurso a juízos de concordância, os quais não se revelam arbitrários, absurdos ou infundados, bem pelo contrário.

Até mesmo quanto aos elementos concernentes ao dolo – aspeto que, igualmente, suscita a reação do recorrente - considerando fazerem os mesmos parte da vida interior só podendo ser percetíveis e dados como assentes por intermédio de ilações, retiradas de outros factos materiais provados, em conformidade com as regras da experiência, nenhum reparo merece a decisão recorrida. Na verdade, como referido no acórdão do TRP de 01.04.2009, disponível em www.dgsi.pt «… uma situação factual dada como provada pode ser suficientemente expressiva e abrangente para permitir afirmar, com segurança e segundo as máximas da experiência comum, a realidade de outro facto (…). As situações de funcionamento da prova indireta são particularmente [inevitavelmente] frequentes no domínio da prova dos elementos de estrutura psicológica da vontade. Como diz Nicola Framarino Dei Mlatesta, reportando-se à generalidade das situações em juízo: “excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas” (“A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 17)».

Em síntese: Não se mostra violado o artigo 127.º do CPP, nenhuma inconstitucionalidade, mormente por derrogação dos preceitos constitucionais indicados, resultando da interpretação que do mesmo levou a efeito a sentença recorrida.

c.c.c.

Reserva o recorrente o ponto LL. das conclusões à invocada preterição do princípio da presunção de inocência, na vertente do pro reo.

Como ensina Cavaleiro de Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, respeita o princípio ao direito probatório, implicando a presunção de inocência que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal para decidir da condenação do arguido, decisão que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Significa, pois, que um non liquet na questão da prova tem de ser valorado a favor do arguido, conforme escreve Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213.

Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – [cf. Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997].

A propósito da derrogação do princípio em questão, entre muitos outros, pronunciou-se o acórdão do STJ de 17.10.2012 [proc. n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1], do qual se extrata: «Só se verifica quando, seguindo o processo decisório, se chega à conclusão que o tribunal, tendo ficado na dúvida, decidiu contra o arguido ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, ficam afastados os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova ou o ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame livre das provas produzidas em audiência, como impõe o n.º 1 do art. 355.º do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme dispõe o n.º 1 do art. 32.º da CRP» - [vide no mesmo sentido os acórdãos do STJ de 15.10.2003, (proc. n.º 1882/03-3.ª), 20.10.2005 (proc. n.º 2431/05-5.ª), 11.04.2007, (proc. n.º 3193/06 -3.ª)].

Isto é, como se lê no acórdão do TRC de 09.09.2009 (proc. n.º 564/07.8PAVCD.P1), «Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste».

Neste campo, é de realçar revelar-se a fundamentação da decisão [processo de convicção do tribunal] suficientemente consistente, racional, clara, com respeito pelas regras da experiência comum, refletindo uma tomada de posição inequívoca relativamente aos factos que, em qualquer das suas dimensões, suportam a responsabilidade do arguido.

Não ficou o julgador em estado de dúvida, tão pouco este tribunal de recurso, o qual, em função da prova produzida, suficientemente dissecada, partilha daquela convicção, ou seja, também, não é assolado por qualquer dúvida, muito menos irremovível.

É quanto basta para afastar a alegada violação da presunção de inocência, na vertente do pro reo.

Concluindo: Não tendo vingado a sindicância alargada da matéria de facto, não se detetando omissão relevante, juízos contraditórios, arbitrários, formulados contra as regras da experiência, comum, a denunciar incoerência interna na decisão, tão pouco valoração de prova proibida ou em violação das regras sobre prova vinculada, sequer que o julgador haja sido invadido por uma dúvida razoável – ou que assim devesse ter sido - dúvida, essa, que também este tribunal de recurso não tem, mostrando-se a decisão fundamentada, devidamente objetivada com recurso às diferentes provas produzidos, área, na qual – embora a contragosto do recorrente – assumem um papel relevante as presunções decorrentes das regras da experiência, no seio das quais tem lugar as induções, deduções, inferências, é de manter imodificado o acervo factual.

d.

No que tange à alegada violação dos artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02.12, vindo a mesma exclusivamente sustentada na divergência relativamente ao correspondente acervo factual, face ao insucesso da preconizada alteração, é manifesta a improcedência do recurso, posto que se mostram presentes os elementos típicos – objetivos e subjetivos – do crime em questão.

e.

Foi, ainda, o arguido condenado pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º do CDADC, defendendo, agora, que a matéria de facto provada não preenche os elementos objetivos do tipo legal em apreço.

Cumpre, assim, remeter para o que a propósito ficou a constar nos pontos 41., 42., 46., 47., 48. e 49. dos factos provados, assentando-se no seguinte:

i. Ao invés do que defende o recorrente o tipo em questão reveste natureza formal, verificando-se, portanto, independentemente de qualquer resultado material.

Com efeito, sendo o autor o titular do direito exclusivo de utilização e exploração da obra, das quais resultarão as vantagens patrimoniais inerentes a tais atividades, entende-se que o tipo previsto no n.º 1 do artigo 195.º se mostra preenchido quer o agente se proponha, ou não, obter vantagem económica, pois com vem referido no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. II, Universidade Católica Editora, pág. 247 e ss. «Basta pensar que aqui se visa proteger os direitos patrimoniais do autor, pelo que a divulgação ou publicação, mesmo que sem o intuito de obter lucro, retira ao autor os proventos que lhe seriam devidos pela mencionada divulgação ou publicação»;

ii. O tipo objetivo do crime de usurpação previsto no n.º 1 do artigo 195.º do CDADC «analisa-se através das seguintes vertentes: - bem jurídico protegido (é o exclusivo da exploração económica da obra, reservada ao seu autor); objeto da ação (é a obra protegida); sujeito passivo do crime (é o titular do bem jurídico); utilização da obra (é a conduta típica); e inexistência de autorização (trata-se de um elemento negativo do tipo e que só em relação à utilização públicas se exige autorização)» - [cf. acórdão do TRP de 08.10.97, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido v.d. o acórdão do TRL de 25.01.2007, proc. n.º 106/2007 – 9].

No que ao elemento subjetivo respeita mostra-se necessário que o agente conheça a exigência legal de prévia autorização para utilizar a obra ou a prestação e, não obstante esse conhecimento, não deixe de agir dolosamente sob qualquer das formas previstas de dolo;

iii. Significa, pois, que um terceiro que utilizar a obra ou prestação alheia, em qualquer das suas modalidades [artigo 68.º do CDADC] – reprodução, transformação, distribuição ou comunicação da obra ao público – necessita do consentimento do autor, sob pena de incorrer na prática do crime de usurpação.

Isto posto, provado que está:

iv. Terem sido, nas circunstâncias descritas [no estabelecimento “ K... ”, explorado pelo arguido, junto ao móvel onde se encontrava instalada a aparelhagem sonora do bar (mesa de mistura e amplificados)], apreendidos ao ora recorrente 142 fonogramas com obras musicais no formato Compact Disc Recordable (CD-R), com as características descritas no ponto 42. da matéria de facto, procedendo, então, o mesmo, através da dita aparelhagem, à difusão/comunicação ao público de um dos referidos CD´S, os quais bem sabia consubstanciarem duplicações artesanais, que não tinham sido editados por quem detinha o respetivo direito, ciente de que não possuía autorização dos autores, produtores e/ou editores das obras constantes dos fonogramas para proceder à sua comunicação ao público, por um lado, presente que está o dolo, por outro lado, nenhuma censura merece a sentença recorrida.

f.

f.a.

Não se conforma, ainda, o recorrente com as penas aplicadas por cada um dos crimes, considerando que extravasam claramente a culpa e as próprias necessidades de prevenção.

Por outro lado, também o quantitativo diário mereceria reprovação, já que encontrado ao arrepio das suas condições socioeconómicas.

Pois bem:

No que concerne à escolha e graduação da pena é a medida da culpa que condiciona decisivamente a pena concreta a aplicar.

Para além de ser seu fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca razões de prevenção poderão determinar uma pena que ultrapasse essa culpa concreta – [cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, pág. 283 e ss].

Deve, contudo, a pena assumir-se como sanção adequada, proporcionada aos factos e ao agente, procurando-se através dela satisfazer os fins de prevenção ressocialização do agente, procurando, ainda, evitar o cometimento de semelhantes infrações por parte de terceiros.

São de ponderar em cada situação como elementos ou fatores a refletirem-se na culpa, a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, as condições pessoais do agente e a sua situação económica e, bem assim, todas as demais circunstâncias referidas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do C. Penal.

Na presente situação, tendo presente a respetiva moldura penal abstrata: prisão até 2 anos e multa até 200 dias relativamente ao crime de exploração ilícita de jogo; prisão até 3 anos e multa de 150 a 250 dias no que se reporta ao crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º do CDADC, discerniu o tribunal:

«No presente caso, são elevadas as exigências de prevenção geral positiva mais premente no que concerne à exploração ilícita de jogo, atento o crescente número de infrações que se verificam nesta comarca. Isto sem descurar que as condutas delituosas objeto dos presentes proliferam por todo o País e constituem uma importante fonte de avultados rendimentos, que, por não serem declarados ao Fisco nem legalmente controlados, podem minar o regular desenvolvimento da economia interna e propiciar o crescimento de uma economia paralela. São, igualmente, prementes as necessidades de prevenção geral atenta a crescente proliferação de cópias não autorizadas de obras artísticas a que assistimos nos dias de hoje e os avultados prejuízos daí decorrentes para os titulares dos direitos de autor.

Por seu turno, as exigências de prevenção geral positiva ou de ressocialização já são medianas, uma vez que não resultou dos autos que o arguido se encontre profissionalmente inserido, sendo que já foi condenado pela prática de um crime de usurpação, por factos praticados no ano de 2011, pese embora a sentença apenas tenha sido proferida já depois dos factos em análise nos presentes autos.

Podemos situar o domínio da culpa num plano médio, porquanto não se afigura que o arguido tenha desenvolvido a atividade de exploração de jogo ilícito com uma dimensão elevada, não tendo resultado provado quais os concretos proventos económicos obtidos pela conduta perpetrada.

O arguido agiu com dolo direto, a sua intensidade é elevada.

Deverá, pois, ser aplicada ao arguido uma pena suficientemente dissuasória de futuros comportamentos delituosos, motivando-o a agir de acordo com as normas.

Ponderando todos estes fatores, em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, entendo adequado aplicar ao arguido:

- pela prática do crime de exploração ilícita de jogo (…), a pena de 4 (quatro) meses de prisão e, ainda, a pena de 70 (setenta) dias de multa;

- pela prática do crime de usurpação (…) uma pena de 6 (seis) meses de prisão e 180 (cento e oitenta) dias de multa

(…)».

Entendeu, ainda, o julgador substituir as penas de prisão aplicadas ao arguido por penas de multa, no caso fixadas em 120 [cento e vinte] e 180 [cento e oitenta] dias, respetivamente, o que originou as penas de 190 [cento e noventa] e 360 [trezentos e sessenta] dias multa – equivalentes, por conseguinte, à soma da multa diretamente imposta e à que resultou da substituição da prisão – [cf. artigo 6.º, n.º 1 do D.L. n.º 48/95, de 15.03].

No caso concreto, à luz das circunstâncias apuradas, têm-se por proporcionais à culpa do agente e às exigências de prevenção as penas parcelares, quer no que concerne ao tempo de prisão, quer no que respeita aos dias de multa [tratam-se de penas mistas ou compósitas], não assistindo, como tal, razão ao recorrente, o qual, certamente, não deu a devida atenção à moldura abstrata correspondente aos crimes em questão.

f.b.

Não se entende, ainda, a argumentação do arguido quando parece pretender ver na «conversão» da prisão em multa uma afronta ao AFJ n.º 8/2013 [cf., DR, 1.ª série – N.º 77 – 19 de abril de 2013] enquanto fixou jurisprudência nos seguintes termos:

«A pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída».

Neste domínio ficou a constar da sentença:

«Nos termos o preceituado no artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (…).

Assim, nestes termos, as penas de prisão aplicadas ao arguido, serão substituídas por penas de multa, que se fixa em período correspondente às penas de prisão aplicadas – 120 (cento e vinte) dias e 180 (cento e oitenta) dias, respetivamente pela prática dos crimes de exploração ilícita de jogo e de usurpação – à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos)», não deixando, contudo – embora se reconheça que não no local mais apropriado – de fazer referência ao dito AFJ n.º 8/2013, apelando aos critérios constantes do artigo 71.º do C. Penal, sobre os quais em momento anterior se havia pronunciado.

Donde, decorre não haver o julgador ignorado a fixação de jurisprudência em referência, que não exclui que, num caso concreto, os dias de multa de substituição possam corresponder ao tempo de prisão substituída, limitando-se a afastar que tal relação de proporcionalidade tenha necessariamente de ocorrer, sendo de realçar a seguinte passagem do aresto de valor reforçado: «Note-se, a propósito, que o «sacrifício» imposto pelo cumprimento de um dia de prisão não tem qualquer correspondência com o que resultaria de se impor um dia de multa, pelo que se pode concluir que a equivalência de 1 dia de prisão por 1 dia de multa só parece resultar de uma utilidade prática na operação de conversão. Na verdade, se tivesse de existir qualquer correspondência, seria a de por cada dia de prisão corresponderiam muitos mais dias de multa …».

Em conclusão: Caso a substituição da prisão por multa obedeça aos limites impostos pelo artigo 47.º do C. Penal e seja fixada de acordo com os critérios do artigo 71.º, nº 1 do mesmo diploma – o que resulta respeitado - não se antolha como é que a correspondência que veio a ser concretizada entre um dia de prisão um dia de multa possa militar em desfavor do arguido; mais, tendo presente o segmento de todo pertinente supra transcrito, diríamos nós, que, antes, concorreu em seu benefício.

f.c.

Consabidamente, a fixação da pena de multa faz-se através de duas operações sucessivas: na primeira, determina-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e na segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente.

Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 47.º do C. Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

«O montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respetivo agregado familiar» - [cf. acórdão do STJ 02.10.1997, CJ, ASTJ, 1997, III, pág. 183].

Isto dito, ponderados os factos relativos à situação socioeconómica do arguido, mostra-se ajustada a fixação em € 7,50 [sete euros e cinquenta cêntimos] do montante diário da multa, assim sustentado na decisão recorrida: «(…) não tendo sido possível apurar o concreto rendimento mensal obtido pelo recorrente, fazendo apelo às regras da experiência comum, mais concretamente ao facto de o mesmo ter tido rendimentos, no ano de 2013, no montante global de € 26.232,30, residindo em casa própria, e não resultando dos autos que o mesmo arque com despesas extraordinárias, para além da quantia de € 300,00 euros que paga mensalmente pelo empréstimo que contraiu, entendemos ser adequada a aplicação do quantitativo diário de € 7,50 (…)».

Em síntese, dir-se-á não resultarem violadas as normas constitucionais e materiais penais, a respeito, convocadas, designadamente os artigos 13.º e 18.º da CRP e 40.º, 43.º, 47.º, e 71.º do C. Penal.

f.d.

Manifesta-se o recorrente contra o facto de o tribunal a quo não ter procedido, como determina o artigo 77.º do C. Penal, ao cúmulo jurídico das penas parcelares correspondentes aos crimes de jogo ilícito e de usurpação.

Dispõe o n.º 1 do dito normativo que: «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena (…)».

Analisada a decisão recorrida, embora não o afirme de forma expressa, intui-se radicar a não realização do cúmulo no artigo 6.º do D.L. n.º 48/95, de 15 de Março, posição sustentada, na resposta apresentada ao recurso, pelo Ministério Público, quando refere: «Não há lugar à realização do cúmulo jurídico de penas ao abrigo do disposto no artigo 77º do C.P., porquanto o artigo 6º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 prevê que: “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e de multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”, sendo que não é possível efetuar o cúmulo de penas únicas que na sua génese englobam penas de multa de diferente natureza».

Afigura-se-nos, contudo, não constituir esta a correta interpretação da lei e, nessa medida, verificados que estão os pressupostos do n.º 1 do artigo 77º do C. Penal, assistir razão ao recorrente.

Com efeito, a leitura conjugada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do D.L. n.º 48/95, de 15 de Março, enquanto estipulam que:

«1- Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.

2- É aplicável o regime previsto no artigo 49º do Código Penal à multa única resultante do que dispõe o número anterior, sempre que se tratar de multas em tempo», não pode deixar de significar que em caso de condenação por crime punível com pena mista – ou compósita cumulativa – a substituição da prisão por multa conduz, à aplicação de uma pena única de multa, desaparecendo, em termos definitivos, a prisão, a que se aplica na totalidade o disposto no artigo 49.º do C. Penal.

Neste sentido pronunciou-se o acórdão do TRL de 11.02.2014, proferido no âmbito do processo n.º 340/10.0ECLSB-A.L1-5, do qual se respiga:

«Porém, na legislação avulsa subsistem, ainda, crimes puníveis com pena de prisão e multa, o que o legislador não só não ignorou como teve o cuidado de fixar critérios para a determinação da pena, suspensão da execução da pena e dispensa da pena, como se alcança dos artigos 6.º, 7.º e 8º, todos do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.

Nestas penas compósitas cumulativas ou mistas que ainda subsistem, a multa não constitui uma pena autónoma, mas antes um mero complemento da prisão, no âmbito de uma única pena, que é mista ou compósita.

(…)

Como se diz no mencionado acórdão de 24 de Junho de 2010 [reportando-se o aresto ao ac. do TRL, proferido no processo 68/08.1ECLSB.L1 -9]: «É certo que o não pagamento das multas de substituição da prisão, tal como se prevê no n.º 2 do art.º 43.º, implica o cumprimento desta, do mesmo modo que o não pagamento da pena de multa aplicada pela como pena principal pode conduzir ao cumprimento da prisão subsidiária, cuja execução total ou parcial, contudo, pode ser evitada com a efetivação do referido pagamento, a ter lugar a todo o tempo.

Porém, isto só assim é quando as referidas penas foram consideradas individualmente, pois que em todos os demais casos em que se preveja, nas respetivas normas, a cumulação de penas de prisão e multa, com a conversão daquela a implicar a aplicação de uma pena única de multa, fixada em dias, como também se prevê no art. 47.º, n.º 1, do Cód. Penal, não poderá deixar de haver lugar ao cumprimento do disposto no atrás citado art.º 6.º do DL n.º 48/95, cujo n.º 2 remete, sem quaisquer restrições, como já se referiu, para o regime previsto no art. 49.º».

(…) tratando-se de condenação por crime punível com uma pena mista de prisão e multa, a substituição da prisão por multa determina, nos termos do citado artigo 6.º, a aplicação de uma pena única de multa (desaparece definitivamente a prisão) que se aplica, na totalidade, o artigo 49.º do Código Penal».

Retomando o caso concreto, significa, pois, que a pena encontrada para cada um dos crimes em referência, ou seja a pena parcelar, traduzindo-se, embora, numa «pena única de multa» – determinando, enfatiza-se, a eliminação definitiva da pena de prisãonão pode constituir obstáculo à determinação da «pena unitária», ou «pena única», resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares também elas, mas por razões de diversa ordem, «penas únicas de multa», não se verificando, por outro lado, a previsão do n.º 3 do artigo 77.º do C. Penal, pela simples razão de que as «penas em concurso» não são já «umas de prisão e outras de multa», mas sim ambas de multa, inexistindo espaço para tornar a falar em penas de prisão.

Como assim, uma vez verificados os respetivos pressupostos, impõe-se acionar a regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, resultando pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares» [cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

Em face de tais vetores, apreciemos o caso concreto.

A pena unitária terá assim de englobar as seguintes penas parcelares:

- A pena de 190 [cento e noventa] dias de multa, à taxa diária de € 7,50 pela prática de um crime de jogo ilícito;

- A pena de 360 [trezentos e sessenta] dias de multa, à mesma taxa diária, pela prática de um crime de usurpação.

Significa, pois, à luz do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, que a moldura penal abstrata a atender para efeitos do concurso de crimes, no seio da qual há-de ser encontrada a pena conjunta, se situa entre um limite mínimo de 360 (trezentos e sessenta) dias [correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos crimes em concurso] e um limite máximo de 550 (quinhentos e cinquenta) dias [correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos crimes].

Assim, tendo presente que as condutas delituosas são contemporâneas, ocorreram no mesmo espaço [estabelecimento comercial explorado pelo arguido], e protegendo, embora, diferentes bens jurídicos, são crimes que frequentemente surgem associados à exploração de estabelecimentos comerciais, denotando apetência pelo lucro fácil, circunstância que auxilia na compreensão dos traços de personalidade do arguido, o qual, não obstante, se mostra socialmente inserido e à data dos factos não registava antecedentes criminais, mostra-se ajustado fixar a pena conjunta em 400 [quatrocentos] dias de multa, à taxa diária de € 7,50 [sete euros e cinquenta cêntimos].

III. Decisão

Termos em que, na parcial procedência do recurso, acordam os juízes que compõem este tribunal em:

a. Proceder à correção da sentença recorrida nos termos supra referidos em II.3.a.;

b. Condenar o arguido A... , operando o cúmulo jurídico das penas de multa cominadas nos pontos d) e f) do dispositivo da sentença recorrida, na pena única de 400 [quatrocentos] dias de multa, à taxa diária de € 7,50 [sete euros e cinquenta cêntimos];

c. No mais, manter a decisão recorrida.

Sem tributação.

Coimbra, 20 de Maio de 2015

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)