Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/12.0GBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FURTO QUALIFICADO
COISA MÓVEL ALHEIA COLOCADA EM VEÍCULO
COMBUSTÍVEL DO VEÍCULO
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (SECÇÃO CRIMINAL DA INST. CENTRAL DE LEIRIA - J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 204.º, N.º 1, AL. B), DO CP
Sumário: I - A extensão normativa “colocada em veículo”, introduzida na al. b) do n.º 1 do artigo 204.º do CP pela Lei n.º 59/2007, 04-09, deve ser tida como manifestação do propósito de conferir protecção acrescida a todas as coisas que se encontrem em veículo, isto é, coisas móveis alheias ali deixadas.

II - Contudo, essa protecção não abrange o combustível existente no depósito de veículo, porquanto não é coisa naquele colocada, sendo, isso sim, substância estritamente necessária ao funcionamento da viatura.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do PCC n.º 61/12.0GBMGR da Comarca de Leiria, Leiria – Inst. Central – Secção Criminal – J3, mediante acusação pública, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em coautoria, na forma consumada e em concurso real, de (i) um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alíneas b) e f) e n.º 2, alínea a) do C. Penal; (ii) um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do C. Penal; e (iii) um crime de dano p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do C. Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi produzida e comunicada a alteração não substancial dos factos, por acórdão de 03.06.2015, deliberou o Coletivo [transcrição parcial do dispositivo]:

Nos termos expostos, Acordam os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo em:

i) Julgar a acusação – com a alteração não substancial dos factos verificada no decurso da audiência – procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido A... pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso real de:

a) um crime de furto qualificado, p. e p. nos artºs 203º nº 1, 204º nº 1 als. b) e f) e nº 2 al. a), e 202º al. b), todos do Cod. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

b) um crime de roubo, p. e p. no artº 210º nº 1 do Cod. Penal, na pena de três anos de prisão;

c) um crime de dano, p. e p. no art.º 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de seis meses de prisão.

d) Operando o respetivo cúmulo jurídico, condenam o arguido na PENA ÚNICA de quatro anos e seis meses de prisão efetiva.

e) Mais condenam o arguido em 5 Ucs de taxa de justiça, consequentemente, nas custas.

f) Determinam que o arguido continue a aguardar o trânsito em julgado do presente acórdão sujeito às obrigações decorrentes do TIR, que, nesta fase, se consideram adequadas e suficientes, tanto mais que o arguido se encontra preso em cumprimento de pena à ordem de outros autos.

g) Nos termos do disposto no art.º 109º nº 1 do Cod. Penal, declaram-se perdidos a favor do estado os seguintes objetos apreendidos nos autos; o x-ato, o gorro de cor preta e os dois tubos em ferro; e, após trânsito, ordenam a sua destruição, lavrando-se o competente auto.

h) Nos termos do disposto no art.º 186º do Cod. Proc. Penal, determinam o levantamento da apreensão incidente sobre o veículo de matrícula (...) SP e respetivo documento único automóvel, junto a fls. 90 e, após trânsito, ordenam a restituição ao seu legal proprietário, ou a quem validamente comprove representá-lo.

(…)

ii) Julgam o pedido de reembolso deduzido pelo Centro Hospitalar de Leiria, E.P.E., totalmente procedente e provado e, consequentemente, condenam o demandado A... a pagar àquele a quantia de € 1.827,14, acrescida de juros de mora, contados à taxa anula de 4%, vencidos desde a notificação, e vincendos, até integral pagamento, a título de reembolso das despesas médicas, medicamentosas e hospitalares suportadas com o ofendido C... em consequência da conduta daquele.

Custas da instância cível a cargo do demandado.

(…)»

3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso visa seja apreciado por Vv. Exas. a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, a violação do princípio in dubio pro reo, e a determinação da medida da pena.

2. O recorrente impugna a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido nos pontos a.1) a a.19).

3. No que se refere a esta matéria de facto, o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção essencialmente nos depoimentos das testemunhas de acusação inquiridas em audiência, concatenados com elementos documentais juntos aos autos.

4. Por seu turno o arguido prestou declarações negando terminantemente a prática de todos os factos.

5. quanto aos factos ocorridos no dia 17 de abril de 2012, elencados no Acórdão de a.4) a a.19), entende a Defesa que foram incorretamente julgados como provados, porquanto,

6. a testemunha B... apenas viu indivíduos de cara tapada, não consegui identificar ninguém dentro do carro que passou, logo, nunca conseguiu identificar os seus agressores.

7. a testemunha C... declarou que reconheceu o arguido apenas como uma das pessoas que viu em momento anterior dentro do Armazém, nunca o tendo sequer chegado a ver entrar para a carrinha que depois perseguiram, colocando assim em crise o Teor do auto de fls. 99-100 na parte que respeita a “agressões”.

8. a testemunha viu o arguido no armazém mas nem sequer confirma que a carrinha que depois perseguiram seria a mesma que estava perto do armazém.

9. A testemunha inclusive aponta a possibilidade de se encontrarem mais pessoas no local além das duas que viu junto do armazém e que nunca chegou a ver o arguido ao pé da carrinha.

10. De facto, a testemunha não sabe se o arguido ia dentro da carrinha e nunca chegou a perceber quem foram os seus agressores.

11. Donde se retira que, ao invés do que conclui a decisão ora impugnada, nenhuma das testemunhas identificou ou reconheceu o arguido como um dos autores das agressões no pinhal junto à BA nº 5, nem essa conclusão sequer se alcança mediante qualquer concatenação com algum dos restantes meios de prova, por insanável contradição entre as explicações dadas pela testemunha em sede de Audiência de julgamento (só reconheceu o arguido de o ter visto apenas no armazém) e o teor do auto de reconhecimento (quando refere “agressões”).

12. Pois que, inclusive, o x-ato apreendido nenhum vestígio tinha, e o gorro apreendido nem sequer poderia ter sido utilizado para tapar a cara, pois não tem nenhuma abertura para os olhos. Além do que, ambos os objetos são iguais a tantos outros do mesmo género, e nenhuma correspondência se alcança com os objetos descritos nesses factos.

13. Com efeito, tais apreensões e depoimentos não demonstram os factos ocorridos no dia 17 de Abril de 2012, indicados no acórdão de a.4) a a.19), pelo que esta matéria de facto foi incorretamente julgada, como provada, porquanto nunca foi feita prova cabal e suficiente dessa factualidade, devendo, pelo contrário, passar a integrar o elenco dos factos não provados.

14. Quanto aos factos ocorridos no dia 14 de maio de 2012, elencados no Acórdão de a.1) a a.3), entende igualmente a Defesa que foram incorretamente julgados como provados, já que,

15. Dos depoimentos das testemunhas D... , E... , F... e G... , apenas se conclui que nada sabem sobre a identidade dos autores dos furtos, e que quem se preparava para retirar o gasóleo não conseguiu transportar nenhum recipiente para longe do exterior das instalações da L....

16. O arguido, logo na abertura da primeira sessão da Audiência de Julgamento, prestou declarações explicando que os contentores que lhe foram apreendidos se destinavam a melhor proteger o combustível dos carros e camionetes dele e do seu irmão que ficavam estacionados à porta de casa,

17. logo, subsistem dúvidas sérias e inultrapassáveis que os bidões apreendidos ao arguido pudessem corresponder ao produto desse crime.

18. Com efeito, tais apreensões e depoimentos não demonstraram os factos ocorridos no dia 14 de maio de 2012, elencados no Acórdão de a.1) a a.3), pelo que esta matéria de facto foi incorretamente julgada como provada, porquanto não foi feita prova cabal e suficiente dessa factualidade, devendo, pelo contrário, passar a integrar o elenco dos factos não provados.

19. No essencial, entende a defesa, com o devido respeito por opinião diversa, que não foi produzida prova suficientemente consistente e credível capaz de conduzir a um grau de certeza compaginável com as exigências do nosso ordenamento jurídico-penal e assim não ultrapassando a barreira imposta pelo princípio in dubio pro reo.

20. A fundamentação fáctica do douto acórdão – única que permite reconduzir a motivação do julgador a critérios objetivos e suscetíveis de controlo pelas instâncias superiores – assenta exclusivamente na errada interpretação do depoimento das testemunhas e errada concatenação com os demais elementos documentados nos autos.

21. De facto, a análise cuidada, ponderada e atenta de toda a prova produzida não pode deixar de, pelo menos, causar no espírito do julgador a séria dúvida sobre a autoria daqueles factos e, logo, sobre a culpabilidade do arguido. In dubio pro reo.

22. No caso em apreço, não se trata de existirem versões díspares ou contraditórias sobre os factos relevantes mas, antes, da prova produzida resulta um inevitável estado de dúvida, não ficando minimamente demostrado, na douta decisão, como pode o julgador ultrapassar essa dúvida (aliás, não o pode ter sido), sendo flagrante que o Tribunal a quo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido, violando pois o princípio in dubio pro reo.

23. Em nosso modesto entender, salvo o devido respeito, não assiste razão ao Digníssimo Coletivo de Juízes, pois, limitou-se a valorar a prova segundo a sua livre convicção e a aplicar o direito correspondente.

24. Ora, salvo o devido respeito pelo Tribunal, que é elevado, mas o art.º 374.º n.º 2 do CPP, quando interpretado e aplicado, como o foi no caso sub iudice, em termos de possibilitar que a fundamentação do acórdão dispense o enunciado das provas e o exame crítico das mesmas, que permitisse apreender o processo mental seguido no acórdão final, é materialmente inconstitucional, por violação dos art.ºs 32º nº 1 e 205º da Constituição da República Portuguesa.

25. Amplamente demonstrado o erro e injustiça da condenação do arguido, deverão Vv. Exas. modificar a douta decisão recorrida, absolvendo-o dos crimes de que vem acusado e do respetivo pedido cível.

26. Desta forma, a decisão do Tribunal a quo, respaldada na livre apreciação da prova prevista no art.º 127.º do CPP, ultrapassou os limites constitucionalmente impostos principalmente pelos art.ºs 18.º n.º 2, 32º n.º 2 e 205.º da CRP e violou, entre outros, os art.ºs 97.º n.º 5, 127.º, 340.º, 365.º n.º 3 e 374.º n.º 2 todos do CPP.

27. Ao optar pela aplicação de tal sanção o Tribunal “a quo” olvidou em absoluto a vertente preventiva e ressocializadora, finalidade essencial que deve presidir à aplicação de qualquer pena optando apenas pela vertente punitiva/repressiva. A correta e ponderada apreciação de todas as atenuantes que militam a favor do recorrente, deveria ter conduzido à aplicação de pena concreta, que se quedasse sempre abaixo dos 4 anos de prisão.

28. De facto, salvo o devido respeito, entende o recorrente que o Acórdão de que se recorre, viola os n.º 1 e 2 do art.º 40.º, o art.º 71.º e o n.º 1 do art.º 77.º, todos do Código Penal, pois a pena fixada mostra-se desadequada ao caso concreto do Recorrente, e desconforme a tais normativos penais, desrespeitando igualmente o princípio da proporcionalidade, igualdade e da Justiça.

29. Já que, pelas condições pessoais do recorrente, manifestamente concluímos pela não existência de um alarme social significativo, pelo que o tipo de comportamento conduz à conclusão que a medida concreta da pena se terá de situar perto do mínimo da moldura legal,

30. Pois o recorrente, conforme confirma o relatório social do arguido, tem mantido, em meio prisional, um comportamento consentâneo com as regras instituídas. Ascendeu ao regime aberto, à data de 04 de julho, adere às propostas de ocupação laboral. Por ora encontra-se a trabalhar nas oficinas, na montagem de frigideiras, revelando motivação para dar continuidade a esta ocupação. Já beneficiou de medidas de flexibilização de pena que decorrem dentro da normalidade.

31. Quando restituído à liberdade, A... pretende regressar à sua anterior residência, onde residirá sozinho, mas terá o apoio de uma irmã e cunhado que residem próximo da sua habitação. O relacionamento com estes familiares é próximo e estão disponíveis para o apoiar no que for necessário. Irá trabalhar com estes familiares, que são proprietários de uma empresa de reciclagem, e estão disponíveis para assegurar a sobrevivência do arguido, quer seja com a alimentação, quer seja com o tratamento de roupa. Estes familiares visitam-no com regularidade no estabelecimento prisional.

32. No meio de residência da família de origem o arguido é conotado como educado, sociável e trabalhador.

33. Inclusive, em julgamento foram prestadas declarações por um conjunto muito expressivo de testemunhas, arroladas pela defesa, que depuseram sobre a personalidade e comportamento do recorrente, e que o colocam no patamar da normalidade do homem perfeitamente integrado na sociedade.

34. O recorrente defende que procede um juízo de prognose favorável à sua reinserção social, e por isso, face à personalidade do recorrente, às condições da sua vida e à sua conduta, entende que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada.

35. Bem ponderados os fatores supra expostos tais circunstâncias devem limitar a pena em patamar inferior aos 4 anos, por se afigurar medida adequada e suficiente, face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, e atenta a culpa do arguido, para imprimir ao arguido a reprovação social da sua conduta e a necessidade de manter uma conduta lícita.

36. Salvo melhor opinião, é entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar os 4 anos, por se considerar que assim se realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos, a reintegração do agente na sociedade e não excede a medida da culpa.

37. Com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não respeitou os art.ºs 40.º n.º 1 e 2, 71.º n.º 1 e 2, e 77.º do Código Penal e ainda violou os art.ºs 32.º da CRP.

Pelo que, com os termos e fundamentos supra elencados, e sem prescindir do Douto suprimento de Vv. Exas.,

Deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser revogado o, aliás douto, Acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido dos crimes de que vem acusado e respetivo pedido de indemnização civil, e sempre,

Mesmo que assim não se entenda, deve a dosimetria da pena ser reduzida para próximo do limite mínimo e nunca superior a 4 anos.

Assim fazendo a habitual e necessária justiça!

4. Por despacho exarado a fls. 569, foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

5. O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou a resposta ao recurso que se mostra a fls. 581 a 587, da qual se extrata:

«- O Tribunal fez uma correta apreciação da prova produzida, incluindo sobretudo o depoimento das testemunhas de acusação e as apreensões, baseando-se nas regras da experiência.

- Não padece o acórdão recorrido do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.

- Perante os factos apurados, não poderiam subsistir quaisquer dúvidas, pelo menos, dúvidas sérias, quanto à prática dos crimes que levaram à condenação do arguido/recorrente.

- A pena aplicada – 4 anos e 6 meses de prisão efetiva tem-se por justa e acertada, face aos critérios enunciados no art.º 71.º do Código Penal.

(…)

O arguido tem gravíssimos antecedentes criminais.

As condutas são graves, sobretudo no que respeita ao crime de roubo.

A ilicitude e culpa manifestada pelo arguido são muito elevadas.

As demais circunstâncias apuradas, designadamente as elevadíssimas exigências de prevenção especial.

Assim, tendo em conta os critérios do art.º 71º do Cod. Penal, o limite máximo da respetiva pena concreta a aplicar é feito de acordo com a culpa manifestada pelo arguido (cf. art.º 28º e 29º), o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral, e a pena efetiva, dentro da moldura penal assim fixada, de acordo com as exigências de prevenção especial.

Pelo exposto, atento o grau de culpa do arguido (elevado), as exigências de prevenção – existindo elevadas exigências a nível de prevenção geral, e elevadíssimas exigências a nível de prevenção especial -, bem como as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido circunstancialismo que subjaz à prática dos factos, deficiente enquadramento familiar, profissional, e social, idade/grau elevado de ilicitude, graves antecedentes criminais, as consequências dos factos praticados e o valor dos bens subtraídos, intensidade de dolo, na modalidade de dolo direto em todos os casos, circunstâncias em eu o arguido agiu, acompanhado de outro indivíduo, natureza dos bens jurídicos violados, e intensidade de tal violação e ainda a personalidade do arguido, com traços de indiferença de valores e a ausência de espirito crítico perante a consequência das suas condutas, temos por acertada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva.

Termos em que deverá o recurso ser declarado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos».

6. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever improceder, afigurando-se-lhe, não obstante, e no que ao crime de furto concerne não funcionar a qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, alínea b) já que – aduz - «a gasolina não é transportada, ou colocada, mas é inerente ao funcionamento do veículo», aspeto que «todavia não deverá relevar em termos desta pena, pois se encontra perto do limite mínimo da moldura relativamente ao furto de valor consideravelmente elevado pelo qual se aferiu a pena aplicada – n.º 3 do cit. preceito – e existe outra qualificativa».

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que importe oficiosamente conhecer e ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No presente caso submete o recorrente à apreciação deste tribunal:

- A inconstitucionalidade, por violação dos artigos 205.º e 32.º, n.º1, ambos da CRP, a norma do n.º 2 do artigo 374.º do CPP na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal;

- O erro de julgamento;

- O vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP;

- A violação do princípio in dubio pro reo;

- A medida da pena.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão recorrido [transcrição parcial]:

a) Factos provados

a.1) No dia 14 de Maio de 2012, cerca das 03h00m, o arguido A... , acompanhado de indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, dirigiu-se no veículo da marca Citroen, modelo Berlingo, com a matrícula (...) Sp, à sede da sociedade L... SA, sita na Rua (...) na Marinha Grande com vista a apoderar-se de bens e objetos que ali se encontrassem.

a.2) Aí chegados, de forma não concretamente apurada, lograram a entrada nas referidas instalações e dali retiraram dois moldes de caixas quadradas avaliados em € 8500,00 (oito mil e quinhentos euros), dois moldes de tampas de caixas quadradas avaliados em € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros), um molde de bacia avaliado em € 6500,00 (seis mil e quinhentos euros) e um molde de balde avaliado em € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros).

a.3) Retiraram ainda do interior do depósito de combustível do veículo pesado de mercadorias de matrícula (...) GB, pertença da sociedade L... SA e que ali se encontrava parqueado, trezentos e cinquenta litros de gasóleo com o valor de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros).

a.4) No dia 17 de Abril de 2012, cerca das 17h00m, o arguido A... conduzia o veículo de marca Citroen, modelo Berlingo, com a matrícula (...) SP em Pilado, Marinha Grande, seguindo como passageiro indivíduo do sexo masculino cuja identidade não se logrou apurar.

a.5) Nesse momento o arguido e acompanhante aperceberam-se que, imediatamente atrás do seu veículo, seguia o veículo com a matrícula (...) GB.

a.6) Ato contínuo, o arguido e o indivíduo que o acompanhava acordaram em abordar os indivíduos que seguiam no interior do referido veículo e com recurso à violência apoderarem-se de objetos e bens que possuíssem.

a.7) Dando aplicabilidade prática ao planeado imobilizaram o veículo em que seguiam na faixa de rodagem impedindo a passagem do veículo (...) GB, conduzido por B... e onde seguia como passageiro C... .

a.8) Após, um deles muniu-se de um x-ato e o outro de um tubo em ferro com cerca de um metro de comprimento, não se tendo apurado de qual destes objetos se muniu o arguido, após o que o arguido e o outro indivíduo se dirigiram à viatura em que seguiam os ofendidos.

a.9) Ato contínuo o indivíduo que empunhava o ferro desferiu com o mesmo uma pancada no vidro da porta do lado do condutor, enquanto o outro, utilizando o x-ato, cortou o pneu traseiro do lado direito.

a.10) Em seguida dirigiram-se aos ofendidos e ordenaram que lhes entregassem as carteiras e os telemóveis.

a.11) Perante a recusa destes, um deles desferiu um murro na face do lado esquerdo de B... enquanto o outro desferiu uma pancada com o ferro no braço direito de C... .

a.12) Ato contínuo, o primeiro indivíduo abeirou-se também do C... e desferiu-lhe um golpe com o x-ato no queixo junto ao lábio inferior.

a.13) O arguido e o indivíduo que o acompanhava abandonaram em seguida o local levando consigo a chave do veículo onde seguiam os ofendidos, que previamente retiraram da ignição, de valor não concretamente apurado.

a.14) Em consequência da atuação do arguido e do indivíduo cuja identidade não se logrou apurar o ofendido B... sofreu equimose arroxeada bipalpebral esquerda com seis por três centímetros, escoriação linear superficial na face anterior da axila esquerda com quatro centímetros, o que lhe determinou 12 (doze) dias de doença, um dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

a.15) Por seu turno, o ofendido C... sofreu ferida incisa profunda no lábio inferior transversal mediana direita atingindo plano muscular e transfixiva num ponto com 2cm e fratura do cúbito esquerdo, o que lhe determinou 74 (setenta e quatro) dias de doença, com igual período de afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

a.16) ainda em consequência da atuação do arguido e do indivíduo cuja identidade não se logrou apurar o veículo do ofendido B... ficou com o vidro da porta do lado do condutor partido, amolgado na porta da frente do lado do passageiro e com um pneu cortado, prejuízos avaliados em € 300,00 (trezentos euros).

a.17) O arguido A... atuou, nas duas situações, de forma livre e em comunhão de esforços com indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, e mediante planos previamente delineados, que consistiam em apoderarem de objetos de valor que se encontrassem no interior das instalações da sociedade L... Lda e ainda através do uso da violência subtraírem bens que se encontrassem na posse dos ofendidos C... e B... , o que lograram.

a.18) O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de causar prejuízos no veículo do ofendido B... , o que logrou da forma supra descrita, atuando sempre em comunhão de esforços com o individuo cuja identidade não se logrou apurar.

a.19) O arguido sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou:

a.20) O processo de desenvolvimento de A... decorreu no seio de uma família numerosa e economicamente desfavorecida.

a.21) Frequentou a escola que abandonou aos 13 anos, após várias reprovações no 2º ciclo consequência do absentismo e falta de aproveitamento, habilitando-se apenas com a 4.ª classe.

a.22) Iniciou de imediato o seu percurso laboral como servente da construção civil e seguidamente na indústria vidreira, onde se manteve até aos 16 anos, altura em que sofre a primeira condenação e reclusão. Repetindo-se esta situação várias vezes, por períodos mais ou menos longos, o seu percurso profissional foi desenvolvido de forma irregular e em diferentes setores de atividade.

a.23) Com cerca de 19 anos estabeleceu um relacionamento marital do qual nasceu o seu único filho, relação que se tornou efémera face ao modo de vida do arguido e consequentes períodos de reclusão. Alguns anos mais tarde (com 34 anos) estabeleceu um novo relacionamento com uma jovem com problemas de toxicodependência, igualmente caraterizado pelo insucesso. Alegadamente, é durante esta relação que inicia o consumo de heroína, que foi mantendo com alguns períodos de abstinência. Antes destes consumos, não são mencionadas problemáticas aditivas.

a.24) A... regista vários contactos com o sistema judicial e prisional desde os 16 anos de idade, manifestando uma crescente incapacidade de orientar o seu quotidiano de forma socialmente ajustada. Tendo já cumprido várias reclusões, durante o cumprimento das penas de prisão manifestou-se de forma geral cumpridor das regras institucionais (embora com alguns incidentes) e obteve algumas competências profissionais através de formação. Beneficiou de medidas de flexibilização da pena, nomeadamente liberdade condicional, sendo o último período de março a junho de 2011. Mantinha uma relação privilegiada com a mãe, elemento estruturante da família e falecida já após a sua reclusão, junto de quem residia.

a.25) Pese embora a saturação face aos comportamentos e reclusões do arguido, que originavam algumas discórdias e desentendimentos, alguns familiares foram-lhe prestando apoio durante e após o cumprimento das penas, assumindo alguns dos irmãos uma atitude mais desculpabilizante e de maior disponibilidade.

a.26) Antes da atual reclusão, o arguido e alguns dos irmãos e respetivos agregados, residiam num aglomerado habitacional construído a partir da casa e terreno dos pais. O espaço habitacional ocupado pelo arguido nunca foi acabado sendo parcas as condições de habitabilidade e conforto. Durante certo tempo dedicou-se ao comércio de ferro velho assegurando as suas necessidades básicas. Contudo, manifestava dificuldade de organizar o seu quotidiano de forma ajustada, segundo alguns dos familiares na sequência de consumos de drogas, problemática que não assume referindo-se abstinente e sem necessidades de intervenção especializada.

a.27) Quando restituído à liberdade, A... pretende regressar à sua anterior residência, onde residirá sozinho, mas terá o apoio de uma irmã e cunhado que residem próximo da sua habitação. O relacionamento com estes familiares é próximo e estão disponíveis para o apoiar no que for necessário. Irá trabalhar com estes familiares, que são proprietários de uma empresa de reciclagem, em nome individual, “Recivi”; pese embora não se perspetive a elaboração de um contrato de trabalho, mas estão disponíveis para assegurar a sobrevivência do arguido, quer seja com a alimentação, quer seja com o tratamento de roupa. Estes elementos visitam-no com regularidade no estabelecimento prisional.

a.28) A... tem mantido, em meio prisional, um comportamento consentâneo com as regras instituídas. Ascendeu ao regime aberto, à data de 04 de julho, adere às propostas de ocupação laboral. Por ora encontra-se a trabalhar nas oficinas, na montagem de frigideiras, revelando motivação para dar continuidade a esta ocupação. Já beneficiou de medidas de flexibilização de pena que decorreram dentro da normalidade.

a.29) O arguido manifesta uma crescente incapacidade de orientar o seu quotidiano de forma socialmente ajustada; e a persistência de comportamentos inadequados condiciona o seu processo de reinserção social que se afigura cada vez mais problemático e com elevadas necessidades ao nível pessoal, social e laboral.

a.30) O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 414-436 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), tendo sido condenado pela prática de crimes de furto e furto uso de veículo, recetação, furtos qualificados, evasão, roubos, introduções em casa alheia, tráfico de estupefacientes p. e p. no art.º 21º da Lei 15/93, condução de veículo em estado de embriaguez, tráfico de menor gravidade, desobediência, furtos simples, burla qualificada na forma tentada, na sua grande maioria em penas de prisão efetiva.

b) Factos não provados

Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa, designadamente que:

i) Que fosse o arguido quem empunhava o “x-ato” e quem desferiu com o mesmo um golpe no lábio do C... .

c) Fundamentação da Matéria de Facto

Para a delimitação positiva e negativa do quadro factual “supra” traçado foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente, e ponderada no seu conjunto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e balizada pelas regras da experiência comum e pelos limites legais de proibição de prova.

Assim, com vista ao desiderato de apuramento e descoberta da verdade material foram apreciados e ponderados os elementos documentais relevantes juntos aos autos, concretamente o auto de notícia, os autos de apreensão de fls. 6, 86, 88-89, fotogramas de fls. 29-31, 92-97, informação clínica de fls. 159-166, 173-180, 242-249 e 304-311, informação de fls. 326, certidão hospitalar de fls. 390, do relatório social de fls. 460 e segs., e do CRC atualizado do arguido, junto a fls. 414-436, o teor dos relatórios periciais de fls. 65-67, 122-124, 127-129, 171-172, 282-283 e 302-303; o teor do auto de reconhecimento pessoal de fls. 99-100 [prova por reconhecimento pessoal], concatenados com os depoimentos das testemunhas de acusação inquiridas em audiência, B... , C... , D... , E... , F... e G... [respetivamente, os dois ofendidos que “perseguiram” o veículo do arguido, e acabaram por ser agredidos por este e pelo indivíduo que o acompanhava no pinhal junto à BA nº 5 (sendo que o C... , a fls. 99-100, reconheceu o arguido como tendo sido um dos indivíduos que o agrediu, exigiu a entrega das carteiras e telemóveis e se apoderou da chave do veículo do B... ); a administrativa da “ L... ”, um trabalhador desta empresa e vizinho do arguido, que, pelas 4 horas da manhã, a cerca de 200 metros de distância da empresa “ L... ”, ajudou o indivíduo que acompanhava o arguido, que se encontrava ferido e caído no chão, a entrar para a carrinha branca (berlingo), e reconheceu o arguido – “pareceu-me o meu vizinho A... ” – como a pessoa que lhe pediu ajuda; o motorista da “ L... ” que chegando às instalações da empresa de madrugada, ainda viu os dois indivíduos (que não conseguiu identificar) a fugir do local, deixando junto ao camião os jerrycans com gasóleo; o diretor de produção da empresa, que identificou os objetos subtraídos, e o valor dos mesmos, por referência ao documento já apresentado a fls. 326];

Sendo que as supra referidas testemunhas efetuaram relatos claros, credíveis e desassombrados, mereceram inteira credibilidade por parte deste Tribunal Coletivo.

Os depoimentos das testemunhas de defesa H... , I... e J... [respetivamente, o cunhado e uma irmã do arguido, e o dono da sucateira onde foram encontrados parte dos materiais subtraídos pelo arguido], foram fundamentalmente ponderados e valorados em sede da situação pessoal do arguido, sendo que o J... nada sabia em concreto quanto aos bens móveis em questão dizendo que “devia ter sido o seu filho” a fazer a compra da mesma, porque “já passava das 5 horas e a engenheira já se tinha ido embora”.

Tudo meios de prova que, ponderados em conjunto, e analisados criticamente, permitiram a este Tribunal Coletivo formular o juízo global da factualidade supra descrito.

Com efeito, se é certo que o dolo, pela sua própria natureza subjetiva, é um fenómeno da vida interior do indivíduo e, por isso, insuscetível de apreensão direta, só sendo possível captar a sua existência, na falta de confissão (como é o caso), através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir; no caso concreto em apreço, consideram os juízes que integram este Tribunal Coletivo que a prova produzida em audiência, nos termos, com os esclarecimentos e precisão com que o foi, supra descritos, e, por reporte às regras da experiência, e às circunstâncias verificadas em concreto aquando da ocorrência dos factos, supra descriminadas e escalpelizadas, foi segura, permitindo a este Tribunal Coletivo concluir com segurança, e “para além de qualquer dúvida razoável”, pela imputação ao arguido dos factos cuja prática resultou provada, de acordo com as regras da experiência e o princípio da livre apreciação da prova, conduzindo à cristalização factual nos termos e que “supra” foi julgada provada.

Quanto às declarações prestadas pelo arguido – que negou terminantemente a prática de todos os factos -, as mesmas não mereceram credibilidade, porque em absoluta e manifesta oposição com a globalidade da demais prova produzida.

Assim:

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.1) a a.3), fundamentalmente, do teor do auto de apreensão, do documento de fls. 326 e dos depoimentos das testemunhas D... , E... , F... e G... .

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.4) a a.13) e a.16), fundamentalmente nos depoimentos das testemunhas B... e C... , e no auto de reconhecimento de pessoas de fls. 99-100, e ainda no auto de apreensão dos objetos existentes no interior da carrinha Berlingo, designadamente o gorro e o x-ato.

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.14 e a.15), fundamentalmente, nos depoimentos das testemunhas B... e C... e no teor dos relatórios periciais médicos, juntos aos autos.

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.17) a a.19) na globalidade da prova produzida em audiência.

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.20) a a.29) nos depoimentos das testemunhas de defesa e no teor do relatório social junto aos autos.

O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.30) fundamentalmente no teor do CRC do arguido, junto aos autos a fls. 414-436.

O facto julgado não provado no ponto i) resultou da circunstância de, da globalidade da prova produzida em audiência, não se ter produzido prova direta, necessária e bastante relativamente aos mesmos, conforme já supra escalpelizado».

3. Apreciação

a.

Questiona o recorrente o modo como o tribunal a quo teria encarado o dever de fundamentação, decorrente do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, pois que se haveria limitado a valorar a prova segundo a sua livre convicção, dispensando-se de enunciar as provas e o respetivo exame crítico, inviabilizando, assim, a apreensão do processo mental seguido no acórdão, interpretação que, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP, conduziria à inconstitucionalidade material do citado normativo.

Em causa, portanto, o dever de fundamentação que, desde logo por imperativo constitucional, se impõe ao julgador.

Conforme decorre da lei, o dever constitucional de fundamentação da sentença, basta-se com a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam a decisão, bem como com o exame crítico das provas de que o tribunal se socorreu para formar a sua convicção, incluindo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido, ou a que o julgador valorasse de determinada forma os meios de prova produzidos e analisados em audiência – [cf. acórdão do STJ de 14.06.2007, proc. n.º 1387/07 – 5.ª].

Sucede que, perscrutado o acórdão, se constata revelar o mesmo a explicitação objetiva e motivada do processo de formação da convicção do Coletivo, resultando claro não só o acervo probatório em que assentou, como o processo lógico desenvolvido para o tribunal chegar onde chegou, nomeadamente a valoração efetuada dos diferentes meios de prova – pessoais e documentais -, apreciados de forma articulada e criticamente analisados, não resultando desprezada a razão da credibilidade atribuída às testemunhas, tudo em execução de um exercício que resulta ponderado, coerente, consistente, em perfeita harmonia com as regras da experiência comum, em suma do normal acontecer das coisas da vida.

Como assim, manifesto se torna não se verificar a inconstitucionalidade material da norma em questão [artigo 374.º, n.º 2 do CPP] na interpretação perfilhada no acórdão, porquanto – enfatiza-se - resulta cabalmente cumprido o dever de fundamentação, o qual, por suficientemente esclarecedor, não belisca minimamente as garantias de defesa [cf. artigo 32.º, n.º 1 da CRP].

b.

É patente o dissídio do recorrente com o acervo factual dado por assente nos pontos a.1) a a.19), ou seja com a totalidade dos aspetos que conformam a sua responsabilidade, requerendo, então, a sindicância, aparentemente na vertente alargada, da sobredita matéria, já que em execução de semelhante propósito convoca, senão nas respetivas conclusões, pelo menos na motivação o teor de declarações, depoimentos, bem como o conteúdo de outros meios de prova, que vão para além do texto do acórdão recorrido, a denunciar, portanto, extravasar a impugnação de eventuais vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confeção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão [cf. acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, T. III, pág. 224].

E porque assim é, impõe-se deixar expressas determinadas coordenadas.

Assim:

1. Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento – pode, efetivamente, este tribunal conhecer de facto [cf. artigos 363.º e 428.º do CPP], posto que se mostrem cumpridos os ónus previstos no artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas [sublinhados nossos], prescrevendo, por seu turno o n.º 4 [artigo 412.º do CPP] que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

2. O nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sistematicamente, afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª];

3. A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que « … o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida - [cf. Acórdão do STJ de 24.10.2002 (proc. n.º 2124/2)] (destaque nosso).

Aspeto que não se confunde com a eventualidade de uma outra aproximação à prova, pois caso a mesma consinta duas ou mais decisões de facto e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento das outras, a decisão que proferir sobre a matéria de facto é, em princípio, inatacável.

4. A não observância nem nas conclusões nem na correspondente motivação, na dimensão legalmente exigível, dos ónus de impugnação [cf. n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP], inviabiliza o «convite ao aperfeiçoamento», pois tal conduziria à distorção/violação do equilíbrio/paridade processual, traduzida na faculdade de o sujeito processual «incumpridor» vir a apresentar um novo recurso, sabido como é que a motivação constitui o limite do aperfeiçoamento [cf. vg. os Acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, II. S., de 13.12 e 140/2004, DR, II S, de 17.04, bem como, entre outros, ao Acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), de 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06.3.ª)]

Dito isto, atentando quer nas conclusões, quer na correspondente motivação, impõe-se reconhecer não haver dado o recorrente cumprimento aos ónus que sobre ele impendiam, tendo, antes, enveredado por uma impugnação em bloco [de todo o acervo factual dado como provado], num exercício que mais não traduz do que o seu julgamento, numa tentativa de sobrepor a sua convicção àquela – de sinal contrário - que resulta suficientemente esclarecida ter sido a do Coletivo, sem cuidar, por conseguinte, de estabelecer a correlação entre o concreto ponto de facto que em cada momento pretende afrontar e o concreto meio de prova que, na relação com cada um daqueles, imporia decisão diversa da recorrida.

Com efeito, em momento algum o recorrente, prossegue, na dimensão legalmente exigida, o procedimento conducente à impugnação alargada, socorrendo-se, ao invés, de extratos, desgarrados, de depoimentos com vista a retirá-lo do palco das operações, visando, pois, atingir, nesta sede, o objetivo último do recurso, qual seja induzir a ideia de ser alheio à totalidade das condutas delituosas ou, na pior das hipóteses, suscitar neste tribunal a dúvida quanto à sua participação nas mesmas.

Ora, assim colocadas as coisas – circunstância transversal a todo o recurso -, por inobservância, na dimensão legalmente exigida, dos ónus de impugnação – [cf. artigo 412.º, n.º 3 do CPP], prejudicada fica a sindicância alargada da matéria de facto, rejeitando-se, em conformidade, nesta parte, o recurso.

c.

Logo no ponto 1. das respetivas conclusões, enuncia o recorrente constituir a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão um dos fundamentos do recurso, asserção que não se alcança haja sido objeto de concretização, não detetando este tribunal qualquer lacuna, omissão relevante no acervo factual, capaz de comprometer a bondade da decisão e, assim, o invocado vício.

Porventura, a questão será, antes, a da alegada insuficiência de prova consistente e credível capaz de conduzir a um grau de certeza compaginável com as exigências do nosso ordenamento jurídico-penal …, aspeto tributário de uma outra realidade que não se confunde com o vício [al. a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP], o qual, se corretamente configurado, não decorre do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

d.

Ainda na vertente da conformação da matéria de facto, fica-nos a violação do pro reo, convocada, designadamente nos pontos 21. e 22. das conclusões.

Decorrência da presunção de inocência, o in dubio pro reo – limite normativo do princípio da livre apreciação da prova - é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza - antes, persistindo a dúvida - sobre factos essenciais à decisão da causa. Dúvida que não resulta necessariamente de ocorrerem versões distintas e até contraditórias sobre factos relevantes, mas sim de se ter gerado no espírito do julgador semelhante estado que, de forma lógica e objetivamente convincente, aponte para uma ausência de certeza.

Delineado, pois, na sua essência o princípio, basta atentar na fundamentação da decisão de facto para concluir por não ter o Coletivo mergulhado num estado de dúvida, muito menos razoável, nem se vê, à luz da prova produzida e ao grau de confiança que lhe foi devotado, que assim devesse ter sido, o mesmo é dizer que, também, a este tribunal - intervindo, embora, numa segunda linha, com as naturais limitações daí decorrentes – nenhuma dúvida se coloca.

Semelhante assertividade decorre, ainda, da audição integral dos registos de prova, circunstância que nos habilitou a corroborar, sem a mínima reserva, a correção da apreciação levada a efeito da prova documental e pessoal produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, mormente do modo como foi, entre si, articulada, v.g. o auto de reconhecimento pessoal [no âmbito do qual a testemunha C... reconheceu o arguido], os autos de apreensão de fls. 86, 88, 89 [respeitantes, além do mais, ao veículo, identificado pelas testemunhas, como sendo aquele em que o arguido se fazia transportar; ao x-ato [instrumento utilizado para desferir o golpe no queixo da testemunha C... e, bem assim, para cortar o pneu do veículo em que as vítimas seguiam]; aos recipientes em plástico, de cor azul, com gasóleo [apreendidos], tudo conjugado com os depoimentos de B... , C... [os quais – após o segundo ter visto o arguido (por si reconhecido) e o indivíduo não identificado a sair do armazém e a carrinha, já carregada com o material, no Parque das Termas, regressou ao armazém, desta feita acompanhado de B... , o que sucedeu cerca de 15 minutos depois, ocasião em que a mesma carrinha [berlinga branca, a qual – note-se – o arguido, em sede de julgamento, reconheceu pertencer-lhe, nunca a ter emprestado, tão pouco sentido a sua falta], saindo a alta velocidade, abandonava o local - perseguiram o arguido e o outro indivíduo que o acompanhava, vindo a ser, pelos mesmos, agredidos], D... , E... , F... e G... .

Também no que concerne aos factos de 14.05.2012, numa análise realista, com toda a sustentação na prova, adianta o acórdão:

«… a administrativa da “ L... ”, um trabalhador desta empresa e vizinho do arguido, que, pelas 4 horas da manhã, a cerca de 200 metros de distância da empresa “ L... ”, ajudou o indivíduo que acompanhava o arguido, que se encontrava ferido e caído no chão, a entrar para a carrinha branca (berlingo), e reconheceu o arguido – “pareceu-me o meu vizinho A... ” – como a pessoa que lhe pediu ajuda; o motorista da “ L... ”, que, chegando às instalações da empresa de madrugada, ainda viu dois indivíduos (que não consegui identificar) a fugir do local, deixando junto ao camião os jerrycans com gasóleo; o diretor de produção da empresa, que identificou os objetos subtraídos, e o valor dos mesmos (…)».

E mais à frente: «O Tribunal Coletivo fundou a sua convicção no sentido de dar como provados os factos referidos em a.1) a a.3), fundamentalmente, do teor do auto de apreensão, do documento de fls. 326 e dos depoimentos das testemunhas D... , E... , F... e G... ».

Que dúvida, então, poderia ter assolado o espírito dos julgadores?

De tão esclarecedora que se apresentou a prova, apreciada, naturalmente, com recurso às regras da experiência, do normal acontecer, das inferências/presunções naturais [como produto das regras da experiência que permitem ao julgador, seguindo um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido, retirar daquele ilações para adquirir este, quando o segundo se apresenta como consequência típica do primeiro], razoável, nenhuma!

Efetivamente, como vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, «As normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a que possam ser provados factos sem que exista prova direta deles. Basta a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo», acrescentando que tal interpretação «não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art. 32º, n.ºs 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efetivo controlo da decisão» - [cf. acórdão STJ de 23.11.2006, proc. n.º 06P4096].

Acresce que em sede de apreciação pelo tribunal superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova, olvidando que «Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova» - [cf. Acórdão do STJ de 27.05.2010, proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1].

Mostra-se, por isso, de todo pertinente o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto quando, a propósito, escreve: «Com efeito, a pretensão do recorrente, como decorre do por si aludido, baseia-se numa diferente apreciação da prova (…) e, o por este mencionado, não tem em conta uma visão de conjunto da prova produzida. É que, quanto ao furto, a conjugação do referido pela testemunha E... com o que foi afirmado pelo diretor de produção da empresa, testemunha G... , designadamente no que se refere aos bidons de gasóleo, quer quanto aos abandonados nas instalações da firma, quer no que respeita à sua identificação e recuperação do conteúdo da carrinha do recorrente, bem como ao local onde se encontravam os moldes, leva a que lhe sejam imputados os factos como consta da decisão recorrida, contrariamente ao que pretende, pois na sua argumentação valora isoladamente estes depoimentos e não efetua a sua articulação, como ocorre naquela: e, no que respeita aos restantes factos, a testemunha C... é perentória no reconhecimento do recorrente, fazendo a interligação entre a pessoa que viu no armazém e que reconheceu e que depois saiu da carrinha e o agrediu, com menção de ida desta ao local onde aquela se encontrava estacionada, especificando que se tratava de pessoa com a mesma estrutura física e o mesmo tipo de vestuário, para além de não ter visto por ali mais ninguém, ultrapassando-se assim a dúvida colocada pelo recorrente do seu não visionamento, que a testemunha confirma pois refere que os atacantes tinham a cara tapada com um gorro, na altura da agressão».

Concluindo, não sendo caso de sindicância alargada da matéria de facto, não padecendo a sentença de qualquer vício que à mesma pertine, não se detetando, pois, omissões, lacunas, juízos contraditórios, apreciações ilógicas, irrazoáveis, tiradas ao arrepio das regras da experiência, sequer que na dúvida o tribunal a quo haja decidido contra o arguido, tão pouco a violação de prova vinculada, valoração de prova proibida, assentando, antes, a sua apreciação na livre convicção e nas regras do normal acontecer, em observância, por conseguinte, do artigo 127.º do CPP, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, que nenhuma ofensa encerra às normas convocadas.

e.

Nenhuma objeção, que não encontre origem na divergência quanto à matéria de facto, com o consequente reflexo no direito, vem colocado pelo recorrente à qualificação jurídico-penal dos factos, circunstância que, perante o decesso da premissa, levar-nos-ia, de imediato, à questão da dosimetria da pena, igualmente objeto do recurso.

Não obstante, no seu parecer, diverge o Exmo. Procurador-Geral Adjunto da decisão enquanto, no que respeita ao crime de furto qualificado, considerou a qualificativa da alínea b) do n.º 1, do artigo 204.º do C. Penal, com referência à subtração do combustível do depósito do veículo pesado e isto porque, aduz, «a gasolina não é transportada, ou colocada, mas é inerente ao funcionamento do veículo».

Sendo a matéria de indagação e aplicação do direito, nomeadamente a qualificação jurídica, de conhecimento oficioso, não deixaremos, neste domínio, de apreciar a questão, pese embora não constitua objeto direto do respetivo recurso – [cf. vg. os acórdãos do STJ de 19.04.2006 (proc. n.º 792/06 – 3.ª), 10.07.2008 (proc. n.º 103/06 – 5.ª), 25.02.2009 (proc. n.º 09P0097), do TRC de 13.11.2013 (proc. n.º 1560/11.6TACBR.C1), do TRE de 03.12.2015 (proc. n.º 379/14.7PAOLH.E1)].

Para tender a reconhecer o fundamento do dissídio, porquanto, também, nos parece não ser de configurar o combustível introduzido no interior do respetivo depósito como uma coisa «colocada ou transportada» em veículo.

Reportando-se à alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal, refere Maia Gonçalves: «abrange o transporte em quaisquer veículos, motorizados ou não, ainda que não estejam em movimento, como é o caso do furto de um fato de dentro de um automóvel estacionado na via pública”, acrescentando que «a questão sobre a colocação em veículos que não se encontrem em movimento suscitou algumas dúvidas, mas acabou por ser resolvida, no sentido que sempre defendemos, através do aditamento introduzido na aludida alínea b) de «colocada ou» pela Lei [n.º 59/2007]».

Por seu turno, escreve Pinto de Albuquerque: «Estão incluídas no âmbito da tipicidade três situações de facto: a subtração da coisa que é transportada dentro ou sobre um veículo; a subtração da coisa que se encontra dentro ou sobre um veículo com vista a ser transportada, encontrando-se o veículo parado; a subtração de coisa que foi colocada dentro ou sobre um veículo, não para transporte, mas para utilização (como, por exemplo, o GPS, o auto-rádio, os estofos, o triângulo de pré-sinalização ou o emblema da marca do veículo)».

Também na exposição de motivos da proposta de Lei 98/X se lê que: «em sede de qualificação do furto, equipara-se a colocação no interior de veículo ao transporte da coisa, por se tratar de condutas identicamente graves e censuráveis» e que «tal solução remove dificuldades de prova quase insuperáveis».

Afigura-se-nos, pois, que a extensão, introduzida pela Lei n.º 59/2007, do âmbito de aplicação da norma à coisa «colocada» em veículo deverá ser encarada como a manifestação do propósito de conferir proteção acrescida a todas as coisas que se encontrem em veículo, isto é a coisas móveis alheias nele deixadas.

E assim sendo, se podemos compreender a inclusão do auto-rádio ou do triângulo no âmbito de proteção da norma, já o mesmo não sucede no que respeita ao combustível existente no respetivo depósito, por não o concebermos como coisa nele colocada – deixada - mas sim, conforme assinala o Exmo Procurador-Geral Adjunto, como coisa imprescindível ao funcionamento do veículo, como coisa, diríamos, que não goza de perfeita «autonomia» relativamente ao veículo, ou seja sem a qual o mesmo não é capaz de desempenhar a sua função.

Não configurando um entendimento isento de dúvida – reconhece-se - não deixa de encontrar algum conforto no seio da norma, designadamente enquanto, por duas vezes, utiliza a expressão colocada, a segunda das quais colocada em lugar destinado ao depósito de objetos, circunstância que induz a ideia de reportar-se à coisa deixada, não se vendo motivo para no âmbito do mesmo preceito conceder uma diferente abrangência à expressão colocada, em primeiro lugar usada.

No mesmo sentido, embora não incidindo sobre o combustível existente no correspondente depósito do veículo – outra seria a apreciação caso se tratasse de combustível deixado, v.g. em recipiente autónomo, no veículo -, parece caminharem os acórdãos do TRG de 16.03.2009 e do TRC de 16.03.2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

f.

Por fim, reage o recorrente à pena fixada, a qual – defende – deveria situar-se em patamar inferior a quatro anos, assim se conferindo o peso devido à vertente preventiva e ressocializadora.

Colocada assim a questão, a análise terá de quedar-se na pena única, resultante do concurso de crimes.

Com efeito, o facto de se haver decidido no sentido de afastar o funcionamento da qualificativa prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 204.º do C. Penal no que ao crime de furto respeita, no caso em apreço, considerando o funcionamento das demais circunstâncias – na qualificação do crime ou na ponderação da medida concreta da pena - não deve a pena de dois anos e seis meses de prisão, encontrada em conformidade com os princípios vetores e normas aplicáveis, sofrer alteração, pois que persiste a respetiva necessidade, adequação e proporcionalidade, não se tendo produzido, através da supressão da qualificativa em questão – resistindo a mais gravosa em função do valor consideravelmente elevado (cf. artigo 204.º, n.º 2, alínea a) do CPP) da coisa subtraída -, um decréscimo das exigências de prevenção, quer geral, quer especial, atenuação relevante na ilicitude, tão pouco na culpa.

Nem se diga que desta forma se produz qualquer violação ao princípio da proibição da reformatio in pejus, porquanto para além de não se haver operado a desqualificação do crime, no caso concreto a qualificativa afastada, sopesadas todas as demais circunstâncias ponderadas na decisão em crise, não conduz, pelos motivos aduzidos, à desadequação e desproporcionalidade da medida concreta aplicada.

Adiante-se que, embora em situação que nos conduziria a outras reflexões, o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 04.12.2008 [CJ, ASTJ, T. III, pág. 239 e segs.] pronunciou-se no sentido de que «O princípio da proibição da reformatio in pejus, estabelecido no art. 409.º do CPP, apenas impede que o tribunal superior, no caso de recurso interposto pelo arguido ou pelo MP em benefício do arguido, agrave a pena, quer na sua espécie, quer na sua medida. O referido princípio não impede, no entanto, o tribunal superior de manter a medida da pena apesar de ter desqualificado o crime».

Seja como for, no caso que nos ocupa, afirmada que foi a adequação e proporcionalidade da pena, não sofre a mesma diminuição.

Isto dito, vejamos, então, a pena conjunta.

As penas parcelares em concurso situam-se em: (i) dois anos e seis meses de prisão [crime de furto qualificado]; (ii) três anos de prisão [crime de roubo] e (iii) seis meses de prisão [crime de dano].

Significa, pois, à luz do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, que a moldura penal abstrata a atender para efeitos do concurso de crimes, no seio da qual há-de ser encontrada a pena conjunta, se situa entre um limite mínimo de três anos de prisão [correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso] e um limite máximo de seis anos de prisão [correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes].

Dentro de tal moldura, ponderando todas as circunstâncias apuradas, destacando entre outras, os antecedentes criminais, as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as agravantes decorrentes dos crimes terem sido executados sempre por duas pessoas, num dos casos à noite, as consequências para os lesados, o alarme social e o sentimento de insegurança provocado, a débil inserção familiar, social e laboral do arguido, a sua personalidade, com traços de indiferença pelos valores e a ausência de espírito crítico perante as consequências da sua conduta, considerou o Coletivo ajustada a pena conjunta de 4 [quatro] anos e 6 [seis] meses de prisão efetiva, cuja não substituição assim justificou: «…por considerarmos, atentos os antecedentes criminais do arguido, e o seu desenraizamento e “empedernimento” social, ser a pena e efetivo encarceramento a única com a virtualidade de poder ainda satisfazer as fortes exigências de prevenção especial que no caso se verificam, e que, em nosso entender, não seriam suscetíveis de ser alcançadas pela mera suspensão da execução da pena e ameaça da prisão».

Pois bem, na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares [cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

Constituindo estes os vetores orientadores da fixação da pena única, a diversidade dos bens jurídicos protegidos pelos crimes em concurso, a descontinuidade temporal das ações praticadas no dia 17.04.2012 e 14.05.2012, os vastos e graves antecedentes criminais do arguido, no seio dos quais se contam crimes de roubo e de furto qualificado, sendo ainda de considerar, sem que tenham logrado provocar o seu afastamento da senda do crime, as penas de prisão já anteriormente sofridas, circunstância que aponta para uma personalidade particularmente propensa à criminalidade – afastando, por conseguinte, um juízo de pura ocasionalidade –, a fraca inserção social, profissional e familiar, as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, levam a que se considere de todo adequada, por necessária e proporcional, a pena única fixada, que não extravasando da culpa, foi encontrada de acordo com os princípios e normas que dispõem na matéria, os quais, em consequência, ao contrário do que refere, não resultam violados.

Falece, também, nesta parte o recurso.

III. Decisão

Termos em que se delibera:

a. Julgar integralmente improcedente o recurso;

b. Não obstante, suprimir da alínea a) do dispositivo do acórdão recorrido a referência à alínea b), do n.º 1, do artigo 204.º do C. Penal, circunstância qualificativa que se tem por inverificada;

c. Manter, em tudo mais, o acórdão recorrido.

Condena-se o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, 4 de Maio, de 2016

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)