Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2630/14.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: FIDEICOMISSO
RESÍDUOS
INTERPRETAÇÃO
TESTAMENTO
VONTADE DO TESTADOR
Data do Acordão: 01/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – JC CÍVEL – 2ª SEC.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2187º E 2295º, Nº 1, AL. B), DO C. CIVIL.
Sumário: I - Se, na ocasião da outorga do testamento, a testadora, sem herdeiros legitimários, aí declara deixar todos os seus bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, a X, referindo a possibilidade de este usufruir e alienar os ditos bens, mas acrescenta que os bens que ficarem aquando do falecimento dele pertencerão a Y, consagra uma substituição fideicomissária irregular, um fideicomisso de resíduo (artº 2295º, nº 1, b), do CC), em que X é fiduciário e Y é fideicomissário, e não a instituição de Y como herdeiro condicional, nos termos no art.º 2229º do CC.

II - A faculdade, referida pela testadora, de X alienar bens assim deixados, não descaracteriza o fideicomisso de resíduo, não desonerando, por isso, o fiduciário de, em conformidade com a lei, obter o consentimento do fideicomissário para proceder à alienação de tais bens, ou, na falta desse consentimento, a respectiva autorização judicial.

III – Nas condições acima descritas, a interpretação do testamento no sentido de afastar o fideicomisso de resíduo, quando a testadora, no documento, além do mais que se disse atrás, referiu, expressamente, que a deixa dos seus bens a X era feita em regime de fideicomisso, desrespeita os comandos interpretativos consagrados no artº 2187ºdo CC.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - A) - 1) - No processo que correu termos no Tribunal Judicial de São João da Pesqueira com o nº ... (a que foram apensos os processos n.º ...), foi, em 19/05/2014, proferida sentença, cujo relatório - com exclusão da matéria de facto provada e da enunciação das questões a resolver - se passa a transcrever:

«[…] M..., acompanhada de seu marido M..., com os sinais nos autos, instauraram a presente acção declarativa comum com a forma ordinária, nos termos que constam de fls. 2 e ss., contra:

1- CERTOS INCERTOS HERDEIROS DE A... (representados pelo Digno Magistrado do Ministério Publico);

2 – L... e sua mulher A...;

3 – T..., S.A.;

Terminam a sua petição inicial pedindo:

1- Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de ..., pela qual A... declarou vender ao 2.º Réu marido L..., o prédio rústico denominado Quinta de S..., composto por terra de cultivo de batata, centeio, vinha e pastagem, com amendoeiras, laranjeiras e oliveiras, com a área de 410.800 metros quadrados, sito na freguesia de ..., concelho de São João da Pesqueira, ...

2- Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º ...;

3- Que se declare a nulidade da escritura de 26 de Maio de 1999 outorgada perante o notário do 1.º Cartório Notarial de ..., pela qual os 2.ºs R.R. L... e mulher A... declararam vender à 3.ª Ré T..., S.A. o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

4- Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-3 efectuada na ficha n.º ...;

5- Que se declare perdido em benefício da autora, nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de M... relativamente ao prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

6- Que se condene a 3.ª Ré T..., S.A. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1, bem como a entregar-lho imediatamente;

7- Que se condene a 3.ª Ré T..., S.A. a entregar á A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que vier a perceber a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rustico identificado no antecedente pedido n.º 1;

8- Que se condenem os R.R. contestantes nas custas e condigna procuradoria.

Os R.R. foram citados.

O R. L... apresentou contestação nos termos que constam de fls. 170 e ss..

Em tal articulado o aludido Réu, em suma, invocou:

-A caducidade do direito da A. em pedir a anulação do negócio jurídico pela falta do consentimento da fideicomissária (cfr. artigos 4.º a 24.º da contestação);

-Que a A. era sabedora há muito, quer do negócio dos autos quer das razões que o originaram (cfr. artigos 46.º a 62.º da contestação);

-Que a escritura de 17-02-1999 foi celebrada em execução de um contrato-promessa de compra e venda, sendo que tal contrato-promessa havia sido celebrado também em função de uma procuração outorgada no dia 25-02-1993 em que a falecida M... conferia ao seu marido "poderes para comprar, vender, pelo preço e condições que entender, os prédios sitos em ..., São João da Pesqueira, pagar ou receber preços dar ou aceitar quitação, outorgar e assinar as necessárias escrituras, contratos promessa de compra e venda ou outros (...)". Do contrato-promessa de compra e venda ressalta a possibilidade de execução específica do contrato, sendo esta acção sempre de intentar, caso se entenda que ao falecido A... estava vedado o seu cumprimento voluntário (cfr. artigos 25.º a 40.º da contestação);

-Que o falecido A... não praticou qualquer acto de sonegação de bens (cfr. artigo 43.º da contestação)

-Que é o processo de inventário o próprio para a A. suscitar a questão da sonegação de bens, tendo-se presente que os meios comuns para que a A. foi remetida são os nos precisos termos do despacho judicial junto aos autos, mantendo-se o processo de inventário como o próprio para discutir e decidir todas as questões aí não incluídas (cfr. artigo 44.º da contestação).


***

A Ré T..., S.A. apresentou contestação/reconvenção nos termos que constam de fls. 180 e ss.

Em tal articulado a Ré:

-Alegou a caducidade do direito da A. (cfr. artigos 1.º a 12.º contestação);

-Invocou que a alienação da Quinta de S... por parte de A... foi efectuada em execução de um contrato-promessa por si outorgado como procurador da sua falada mulher, M... e, sendo assim, é aquela M... quem, sob o ponto de vista jurídico, aliena e não o fiduciário A..., despido desta qualidade (cfr. artigos 16.º a 18.º);

-Afirmou que está de plena e total boa fé no negócio em causa, desconhecendo, como sempre, qualquer vicio que ferisse ou fira a validade quer da compra que efectuou aos ditos L... e mulher, quer relativamente a qualquer negócio anterior, designadamente, a falada compra e venda outorgada pelo A..., desconhecendo, igualmente, a existência do alegado testamento outorgado pela M... (cfr. artigos 26.º da 31.º da contestação).

- Referiu que, após a compra do prédio, logo entrou na posse do prédio, actuando como sua dona, iniciando a execução no dito prédio de vultuosas benfeitorias, necessárias à natural aptidão agrícola do imóvel e à sua exploração (cfr. artigos 36.º a 73.º da contestação);

- Salientou que não se lhe afigura que A... tenha pretendido sonegar quaisquer bens à herança da sua mulher (cfr. artigo 76.º da contestação);

- Defendeu que os presentes autos não podem conhecer da questão da sonegação de bens, tendo em atenção que é no inventário judicial que tal assunto poderá ser invocado, discutido e decidido (cfr. artigo 78.º da contestação);

- Alegou que, admitindo, por hipótese, que a venda por si efectuada da Quinta de S... está ferida de vício que determina a sua nulidade ou anulabilidade certo é que só em consequência de partilha a efectuar se poderá determinar se o bem em causa será ou não totalmente adjudicado àquele A... (agora aos seus legítimos herdeiros), constituindo manifestamente tal adjudicação senão expressa, pelo menos tácita confirmação do negócio jurídico efectuado entre o dito A... e os 2.ºs R.R. (cfr. artigos 81.º e 82.º da contestação).

Termina tal articulado, a Ré T... nos seguintes termos:

a) Deve ser julgada procedente e provada a alegada excepção de caducidade do direito de accionar com todas as consequências legais, ou;

b) Caso assim se não entenda, deve a acção ser julgada improcedente por não provada com todas as consequências legais.

c) Se porém forem declarados e reconhecidos os alegados vícios na celebração do negócio referido nos autos, e a identificada Quinta de S... venha a ser adjudicada aos herdeiros ou a herdeiro de A... na partilha da herança aberta por óbito de M..., todos identificados nos autos, deve tal adjudicação ser considerada e reconhecida como confirmação expressa ou tácita do negócio celebrado entre o A... e os 2.ºs R.R. ora reconvindos (cfr. pedido de rectificação de fls. 260), mantendo-se plenamente válido e eficaz, nos termos do disposto no artigo 288.º do C.C.;

d) No caso da acção ser julgada parcialmente procedente e provada por virtude de não ser declarado perdido em beneficio dos Autores ora reconvindos o direito que o falecido tinha enquanto herdeiro legitimário de sua mulher e a identificada Quinta de S... não venha a ser adjudicada na sua totalidade aos herdeiros ou a herdeiro do falado A..., e, por via disso, não venha a ser declarada a confirmação do negócio jurídico anteriormente referido, devem os reconvindos herdeiros do referido A..., bem como os reconvindos M... e marido ser condenados a pagar à Reconvinte, na proporção das quotas partes que lhe forem adjudicadas na dita Quinta, a quantia de 127.326.000$00 (cento e vinte e sete milhões trezentos e vinte e seis mil escudos) a título das alegadas benfeitorias executadas pela reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente às alegadas benfeitorias futuras a liquidar em execução de sentença.

e) Por outro lado, no caso de a acção ser julgada totalmente procedente e provada, devem os Reconvindos M... e marido serem condenados a pagar á reconvinte o montante de 127.326.000$00 a titulo das alegadas benfeitorias executadas pela Reconvinte naquela Quinta, bem como o montante correspondente ás alegadas benfeitorias futuras a liquidar em execução de sentença;

f) No caso de se verificarem as hipóteses previstas nas als. d) e e) anteriores, devem os Reconvindos L... e mulher ser condenados a restituir á reconvinte a quantia de 110 milhões de escudos (cfr. pedido de rectificação de fls. 260) por si recebida como preço na compra e venda que celebraram com a Reconvinte relativa á Quinta de S...;

g) Devem ainda todos os Reconvindos ser condenados a pagar à Reconvinte juros á taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, juros esses que incidirão sobre as quantias que cada houver de pagar à Reconvinte;

h) Finalmente devem todos os reconvindos ser condenados em custas e mais despesas legais.

Na dita contestação/reconvenção suscita-se o incidente da intervenção principal provocada de herdeiros certos, incertos do identificado A... bem como de L... e mulher, A...

Os A.A. replicaram nos termos que constam de fls. 262 e ss..

Finalizam tal articulado pugnando pela improcedência de todas e de cada uma das excepções deduzidas, assim como pela improcedência da reconvenção no que aos A.A. replicantes respeita, concluindo como na petição inicial.

A Ré T..., S.A. treplicou nos termos que constam de fls. 286 e ss..

Em tal articulado a falada Ré sustenta que as benfeitorias cuja existência por si foi alegada em sede de contestação/reconvenção são necessárias, sendo todas elas efectuadas num critério de normal e cuidada gestão, que presumivelmente seria seguido se, eventualmente, os Reconvindos A.A. fossem os donos do prédio em causa.

No entanto, mesmo que parte ou a totalidade de tais benfeitorias fossem meramente úteis, elas não poderiam ser retiradas sem detrimento da coisa onde foram efectuadas (cfr. artigos 1.º a 7.º da Tréplica)

Termina concluindo como na contestação/reconvenção.

Notificados da Tréplica vieram os A.A. arguir a nulidade da apresentação do falado articulado para tanto invocando, em síntese, que se a Ré pretendia ver reconhecido o seu direito ao valor das benfeitorias que realizou e admite serem qualificáveis como úteis, teria que alegar os factos que permitiram essa conclusão jurídica na petição reconvencional, que nunca na tréplica, em resposta à impugnação que os A.A. fizeram de as benfeitorias por ela articuladas poderem ser qualificadas como necessárias (cfr. fls. 296 e ss.).

A Ré T..., S.A. pronunciou-se no sentido do indeferimento da apontada nulidade (cfr. fls. 313 e ss.).

Acção n.º 160/2001.

No âmbito da acção ordinária n.º ..., M..., acompanhada de seu marido M..., com os sinais nos autos, instauraram acção declarativa comum com a forma ordinária, nos termos que constam de fls. 2 e ss. daqueles autos, contra:

1- CERTOS INCERTOS HERDEIROS DE A... (representados pelo Digno Magistrado do Ministério Publico);

2- A... e sua mulher M....

Terminam a sua petição inicial pedindo:

1 - Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 8 de Setembro de 1997 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de ..., pela qual A... declarou doar ao 2.º Réu marido A..., o prédio rústico, denominado V..., composto por terra de cultura, oliveiras e amendoeiras, com a área de 15.000 metros quadrados, sito na freguesia de ..., concelho de S. João da Pesqueira, a confrontar de ...

2 - Que se ordene o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º...;

3 - Que se condenem os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da herança aberta por óbito de M... sobre o prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1, bem como a entregá-lo imediatamente.

4 - Que se condenem os R.R. a entregarem à referida herança todos os frutos, naturais e ou civis, pendentes e futuros, que vierem a perceber a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rústico identificado no antecedente pedido n.º 1;

5 - Que se condenem os R.R. contestantes nas custas e condigna procuradoria.

Os R.R. foram citados.

Os R.R. A... e mulher M... apresentaram contestação/reconvenção.

Em tal articulado invocaram:

- A ilegitimidade activa dos A.A. (cfr. artigos 1.º a 9.º da contestação);

- A faculdade de alienar os bens não foi atribuída ao marido pela lei, mas sim pela própria testadora, por vontade desta, no exercício da sua liberdade de testar (cfr. artigos 21.º a 24.º da contestação);

- Que a alienação foi perfeita e válida, não pertencendo o terreno à herança da falecida M... nem do falecido A...;

- Que na hipótese de se considerar que o negócio celebrado entre o falecido A... e o Réu é nulo ou anulável sempre existirá abuso de direito da A., pois que o tio da A. comunicou-lhe que ia alienar o prédio rústico em questão ao Réu, tendo a A. respondido que fizesse o que entendesse, visto que só depois da sua morte ela seria herdeira, o que foi confirmado pelo marido da A., ao Réu e ao filho deste (cfr. artigos 35.º e 36.º da contestação).

- A plantação da vinha e as construções sólidas incorporadas no terreno dos autos, feitas pelos R.R., conferiram ao mesmo terreno um valor muito superior ao que este tinha antes daquelas, sendo que o valor do terreno não era superior a dois milhões e quinhentos mil escudos e, após a plantação dos R.R., vale, pelo menos, vinte milhões de escudos. Assim, continuam os R.R., adquiriram eles o direito ao terreno por acessão industrial imobiliária (cfr. artigos 47.º a 51.º da contestação;

- Mesmo que tal não suceda, os R.R. realizaram no terreno em causa benfeitorias necessárias, na sua maior parte, que não podem ser levantadas, pelo que têm eles direito a ser indemnizados pelo respectivo valor (cfr. artigos 53.º e ss.º da contestação).

Terminam, pedindo que:

- Seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade da A. e de seu marido e os absolvidos da instancia, e, se assim não se entender;

- Seja a acção julgada improcedente e, em consequência, os R.R. sejam absolvidos dos pedidos;

- No caso de procedência da acção, que seja julgada procedente a reconvenção e, em consequência, se declare que os R.R. reconvintes adquirem, por acessão, a propriedade do prédio identificado nos autos, mediante o pagamento, por parte destes, da quantia de dois milhões e quinhentos mil escudos, à herança aberta por óbito de M... ou, se assim não se entender;

- Sejam a reconvinda e os chamados, solidariamente, a pagar aos R.R./Reconvintes, a titulo de indemnização por benfeitorias, a importância de 14.727.944$00 (catorze milhões setecentos e vinte e sete mil novecentos e quarenta e quatro escudos), acrescida dos juros, à taxa legal vencidos desde a citação até integral embolso;

- Que sejam a reconvinda e os chamados, solidariamente, a pagar aos R.R./Reconvintes a indemnização total, por benfeitorias, que se vier a liquidar em execução de sentença, de acordo com o alegado nos artigos 83.º a 85.º da contestação/reconvenção.

Os R.R. contestantes no dito articulado requerem também a intervenção principal provocada dos incertos herdeiros de A...

Os A.A. replicaram a fls. 180 e ss..

Em tal articulado os A.A., além do mais, requereram alteração do pedido, nos seguintes termos:

 Condenar os 2.ºs R.R. a reconhecerem a autora como sucessora testamentária da falecida D. M..., falecida no passado dia 25 de Julho de 1997.

Terminam tal articulado nos seguintes termos: "Nestes termos e nos mais de Direito:

1.º - Devem ser julgadas improcedentes as excepções deduzidas pelos réus na contestação;

2.º - Deve ser admitida a ampliação do pedido formulada (...);

3.º - Deve ser julgada inteiramente improcedente a reconvenção (...)",

4.º - Deve ser julgada inadmissível a pretendida intervenção principal dos herdeiros de A... para intervirem na instância reconvencional como associados dos autores, no mais se concluindo como na petição inicial".

Os R.R./Reconvintes Treplicaram nos termos que constam de fls. 196 e ss.

Finalizam, dizendo que "A) Devem ser julgadas improcedentes por não provadas as excepções arguidas pelos autores na Réplica, com as legais consequências; B) Quanto à ampliação do pedido formulada na réplica, conclui-se como na contestação-reconvenção.".

Acção n.º ...

No âmbito da acção ordinária n.º ..., M..., acompanhada de seu marido M..., com os sinais nos autos, instauraram acção declarativa comum com a forma ordinária, nos termos que constam de fls. 2 e ss. daqueles autos, contra:

1 - CERTOS INCERTOS HERDEIROS DE A... (representados pelo Digno Magistrado do Ministério Publico);

2 – L... e mulher A... e;

3 – N... e mulher B...;

Terminam a sua petição inicial pedindo:

1- Que se declare a nulidade ou a anulabilidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de ..., pela qual A... declarou vender ao 2.º Réu marido L..., os prédios urbanos identificados no artigo terceiro da petição inicial;

2- Que se ordene o cancelamento no registo predial das inscrições G-1 efectuadas nas fichas n.ºs ..., efectuados a favor dos 2.ºs R.R.;

3- Que se declare a nulidade da escritura de 28 de Março de 2000 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de ..., pela qual os 2.ºs

R.R. L... e mulher A... declararam vender ao 3.º Réu marido N... os prédios urbanos identificados sob os n.ºs 1 a 7 do artigo 3.º da petição inicial;

4- Que se ordene o cancelamento no registo predial das inscrições G-2 efectuadas nas fichas n.ºs ..., efectuadas a favor dos aqui 3.ºs R.R.;

5- Que se declare perdido em beneficio da A., nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de M... relativamente aos prédios urbanos identificados no artigo 3.º da petição inicial.

6- Que se condenem os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre os prédios identificados nos n.ºs 8 a 10 do artigo 3.º da petição inicial, bem como a entregar-lhos imediatamente;

7- Que se condenem os 2.ºs R.R. a entregarem á A. todos os frutos civis, pendentes e futuros, que vieram a perceber a partir da data da citação para a presente acção e até ao dia da sua efectiva entrega à A., em consequência do gozo e fruição dos prédios urbanos identificados nos artigos 8. a 10. do artigo 3.º da petição inicial;

8- Que se condenem os 3.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre os prédios urbanos identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial, bem como a entregar-lhos imediatamente;

9 - Que se condenem os 3.ºs R.R. a entregarem à A. todos os frutos civis, pendentes e futuros, que vierem a perceber a partir da data da citação para a presente acção e até ao dia da sua efectiva entrega à A., em consequência do gozo e fruição dos prédios identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial.

Os R.R. foram citados.

O R. L... apresentou contestação nos termos que constam de fls. 185 e ss..

Em tal articulado o aludido Réu, em suma, invocou:

- A caducidade do direito da A. em pedir a anulação do negócio jurídico pela falta do consentimento da fideicomissária;

- Que o falecido A... não praticou qualquer acto de sonegação de bens

- Que é o processo de inventário o próprio para a A. suscitar a questão da sonegação de bens, tendo-se presente que os meios comuns para que a A. foi remetida são os nos precisos termos do despacho judicial junto aos autos, mantendo-se o processo de inventário como o próprio para discutir e decidir todas as questões aí não incluídas;

- A A. era sabedora há muito, quer do negócio dos autos quer das razões que o originaram.

Finalizam pedindo a procedência da excepção peremptória da caducidade e a improcedência da acção, com a consequente absolvição do R. do pedido.

Os R.R. N... e mulher apresentaram contestação/reconvenção nos termos que constam de fls. 200 e ss..

Em tal articulado alegaram, em suma;

- A caducidade do direito dos A.A.;

- A ilegitimidade activa da A., uma vez que do testamento dos autos resulta que ela foi instituída herdeira nos bens que ficassem ao falecimento de A... e não ao falecimento de sua tia M..., sendo que esse direito só pode ser determinado em sede de Inventário aberto por óbito de A...;

- A vontade expressa e inequívoca da testadora é no sentido de que o marido podia alienar livremente todos os bens que recebesse da testadora, sem necessitar de consentimento alheio, tanto que em vida a M... mandatou o seu marido para proceder às vendas, sinal que não era determinante na vontade da testadora que esses prédios fossem conservados, para virem integrar, eventualmente, o património da sua sobrinha M...;

- O contrato-promessa celebrado sempre poderia ser objecto de execução especifica;

- O R. N... está de boa fé por desconhecer qualquer vicio que ferisse ou fira a validade quer da compra que efectuou aos RR. Luís Leal e mulher, quer relativamente a qualquer negócio anterior;

- A... não pretendeu sonegar quaisquer bens à herança de sua mulher;

- Nos presentes autos não se poderá conhecer da matéria de sonegação de bens, pois que tal questão deverá ser invocada, discutida e decidida em sede de inventário;

- Se a venda dos mencionados prédios se encontra ferida de nulidade ou anulabilidade só após a partilha a efectuar é que se poderá determinar se os bens em causa serão ou não adjudicados ao A..., constituindo tal adjudicação, senão expressa, pelo menos tácita confirmação do negócio jurídico efectuado entre o falecido A... e os 2.ºs R.R.;

- Os contestantes celebraram a escritura de compra e venda dos prédios urbanos em 28 de Março de 2000 e tinham entrado na posse dos mesmos em Fevereiro do mesmo ano, sendo que desde essa data iniciaram a execução nos ditos prédios de benfeitorias necessárias à natural aptidão dos imóveis e à sua exploração.

- De facto situando-se os ditos prédios junto à margem do rio Douro e na região demarcada do Douro têm eles especial aptidão para exploração turística, sendo que com a dita compra pretende o Réu N... transformar tais prédios num aldeamento turístico sendo que no âmbito desse projecto despendeu ele o montante global de Esc. 27.200.000$00.

- Acresce que tal dispêndio se enquadra num projecto global cujo investimento rondará os 150.000.000$00 que terá naturalmente várias fases de execução, cujos projectos foram já solicitados aos respectivos técnicos;

- Assim, têm os R.R. direito a ser indemnizados pelas benfeitorias necessárias executadas e que venham a executar nos prédios por eles comprados;

- E, sendo o negócio declarado inválido, têm direito a haver dos R.R. L... e mulher a obrigação de restituírem o preço por si recebido.

Terminam, pedindo que:

- Se julguem procedentes as alegadas excepções;

- Caso assim não se entenda deve a acção ser julgada improcedente;

- Sendo a acção julgada procedente e provada, devem os Reconvindos M... e marido ser condenados a pagar à Reconvinte o montante de 27.200.000$00, a titulo de alegadas benfeitorias executadas, bem assim como o montante das benfeitorias futuras, a liquidar em execução de sentença.

- Para a hipótese de se verificar o previsto na al. anterior, devem os 2.ºs R.R. L... e mulher ser condenados a restituir ao Reconvinte o montante de 20.000.000$00 por si recebido como preço na compra e venda que celebraram;

- Devem os reconvindos ser condenados a pagar ao reconvinte juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, juros esses que incidirão sobre as quantias que houverem de pagar.

Os A.A. apresentaram réplica nos termos que constam de fls. 265 e ss..

Terminam pedindo a improcedência de todas e cada uma das excepções deduzidas, assim como pela improcedência da reconvenção nos que aos A.A. replicantes respeita, concluindo como na petição inicial.

Em tal articulado os A.A. requereram também o confronto do documento junto com a contestação do R. L... com o original do documento arquivado sob o n.º ... no maço referente ao livro de notas para escrituras diversas n.º 101-B do 3.º Cartório Notarial do ...

Processo n.º ...

Por despacho proferido em 06-06-2003 foi, além do mais, determinada a apensação ao processo n.º ...

Foi agendada audiência preliminar em que se decidiu ser a selecção da matéria de facto feita por despacho a notificar às partes (cfr. fls. 487).

Em sede de pré-saneador (cfr. fls. 490 e ss.) foi decidido não suprimir da petição inicial expressões que os R.R. L... e mulher entendiam ser atentatórias da honra e do bom nome do falecido A...

Indeferiu-se também o pedido de suspensão da instância até que haja decisão definitiva do processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de M...

Além disso, em sede de pré-saneador foi também decidido:

1 - Rejeitar os pedidos de intervenção principal provocada dos co-R.R. herdeiros de A... e de L... e mulher deduzidos pelos R.R. T..., S.A. (proc. n.º ...), A... e mulher (proc. n.º ...) e N... e mulher (proc. n.º...) e, consequentemente;

2 - Rejeitar os pedidos reconvencionais deduzidos:

a) Pela R. T..., S.A. contra os herdeiros de A... e de L... e mulher (proc. n.º ...);

b) Pelos R.R. A... e mulher contra os herdeiros de A... (proc. n.º ...) e;

c) Pelos R.R. N... e mulher contra os herdeiros de A... e L... e mulher (proc. n.º ...).

Admitiu-se o pedido reconvencional formulado pela T..., S.A. contra os A.A. no processo ...

Admitiu-se também o pedido reconvencional formulado por N... e mulher contra os A.A. no processo ...

Fixou-se o valor da acção n.º ... em € 1.168.813,20 e o valor da acção n.º ... em €235.432,61.

Indeferiu-se o pedido de desentranhamento da tréplica apresentada pela Ré T...

Em sede de despacho saneador foi tabelarmente declarada a competência absoluta do Tribunal.

Foi conhecido erro da forma do processo quanto aos pedidos formulados pelos A.A. sob o ponto 5., nos autos n.ºs ..., tendo sido decidido que o pedido formulado pelos A.A. no sentido de ser declarado perdido a seu favor o direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro de M... pode ser apreciado nos presentes autos, assim se julgando improcedente a excepção dilatória de erro na forma do processo.

Foi afirmada a personalidade e capacidade judiciárias das partes.

Foi conhecida a questão da ilegitimidade activa da A., no sentido da respectiva improcedência e foi afirmado o inerente pressuposto processual.

Relegou-se para final o conhecimento da questão da caducidade do direito da A..

O processo foi condensado.

Não se conformando com o despacho que não admitiu parte dos pedidos reconvencionais formulados e a intervenção principal provocada a Ré T... interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto.

Os A.A. vieram requerer o esclarecimento da decisão de fls. 495 na parte em que se refere que "a A. invocou factos impeditivos ou extintivos do pedido reconvencional deduzido pela R. T..., S.A.. Defendeu-se, pois, por excepção.".

Por seu turno, vieram também os A.A. recorrer da parte do despacho de fls. 495 e 496 em que se refere que a não autorização da fideicomissária ou o respectivo suprimento judicial são factos essenciais constitutivos do direito que os A.A. se arrogam.

Além disso, apresentaram reclamação contra os factos assentes e a base instrutória.

Por despacho de fls. 603 e 604 e ss. foram admitidos os recursos interpostos pelos e pela Ré T..., S.A., como sendo de agravo e com subida diferida.

Foi também proferido despacho tendente ao esclarecimento das questões suscitadas pelos A.A..

Aclarou-se o despacho de fls. 495 na parte tocante a custas e relegou-se para o início da audiência final o conhecimento das reclamações apresentadas.

Realizou-se a instrução.

Os A.A. vieram interpor recurso de agravo do despacho de fls. 495 (item IV).

Os A.A. apresentaram alegações pugnando pela revogação do despacho recorrido no sentido de que a autorização ou o consentimento para a venda dos bens sujeitos a fideicomisso é elemento constitutivo do direito à alienação e não elemento do direito à declaração de nulidade e que o vício decorrente da falta de autorização ou de consentimento na alienação de um bem sujeito a fideicomisso de resíduo ou irregular é a nulidade e não a anulabilidade.

A Ré T..., S.A. apresentou também alegações a fls. 614 e ss. no sentido de ser revogada a decisão e ser admitido o incidente de intervenção principal provocada dos co-Réus e do consequente pedido reconvencional contra eles deduzido.

A Ré T... pronunciou-se também quanto á reclamação apresentada contra o despacho de condensação, defendendo o respectivo não atendimento.

A Ré T... apresentou contra-alegações relativamente ao recurso interposto pelos A.A..

Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto a fls. 614 pelos A.A., tendo sido declarado como de agravo e com subida diferida (cfr. fls. 699).

Por despacho de fls. 708 e ss. fixou-se o objecto da perícia.

Os A.A. apresentaram alegações a fls. 712 e ss..

A Ré T..., S.A. apresentou as suas contra-alegações.

Não se conformando com o despacho de fls. 708 e ss. que fixou o objecto da perícia veio a Ré T..., S.A. dela interpor recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto.

Tal recurso interposto a fls. 747 foi admitido com sendo de agravo com subida diferida, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A Ré T... apresentou as suas alegações de recurso a fls. 805 e ss..

Os A.A. contra-alegaram a fls. 822 e ss..

Em face do comprovado falecimento do A. M..., a A. M. deduziu o competente incidente de habilitação de herdeiros.

Por requerimento de fls. 1052 e ss. a T... veio, além do mais, declarar que ocorreu uma alteração da sua denominação social de T..., S.A. para The ... - Vinhos,S.A..

Foi declarada suspensa a instância por óbito do aludido A. M...

A fls. 1602 e ss. foi proferida decisão do incidente de habilitação de herdeiros, declarando ...


***

Após várias vicissitudes no agendamento da audiência de discussão e julgamento, decorreu o respectivo inicio no dia 10-09-2009. Nessa sessão de julgamento, além do mais;

- Foi rectificado o teor do artigo 74.º da B.I.;

- A Ré T..., S.A. apresentou reclamação contra a condensação e respondeu à reclamação apresentada pela A. no capitulo III do requerimento de fls. 520 e ss..

- Os R.R. L... e A... e N... e B... responderam à reclamação apresentada pela A..

A A. respondeu à reclamação contra a condensação apresentada pela Ré T..., pelos Réus A... e mulher.

Por despacho constante de fls. 2114 e ss. foram decididas as reclamações contra o despacho de condensação.

Nesse âmbito foi, ademais, decidido:

- Alterar a redacção inicial da al. A) da Matéria de Facto Assente;

- Alterar a redacção da al. O) da Matéria de Facto Assente de modo a eliminar-se dela a frase "para partilha de bens deixados por morte";

- Modificar a al. P) da Matéria de Facto Assente por forma a nela incluir a seguinte factualidade: "...o prédio descrito em C), com a indicação de que estava descrito na Conservatória do Registo Predial com os n.ºs ...

- Acrescentar na al. S) dos Factos Assentes, parte inicial, o seguinte: "Na sequência de reclamação á relação de bens apresentada pela ora A., em 26/04/1999, em que no tocante ás verbas n.ºs 38 e 39, pugnou para que fossem eliminadas e substituídas por outra englobando ambos os prédios, o cabeça de casal, em requerimento dirigido ao processo, declarou que: (...)" - docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i..

- Manter a formulação negativa do artigo 4.º da B.I.;

- Aditar os artigos 13.º-A, 13.º-B e 14.º-A, 63.º-A e 71.º-A à B.I.;


***

Ocorreu instrução relativamente aos factos aditados, como nova prova pericial que foi admitida com o objecto que lhe foi definido pelo despacho de fls. 2182 e ss.

Realizou-se então a audiência de discussão e julgamento com sessões realizadas nos dias...

Em audiência de julgamento foi, além do mais;

- Ordenada a rectificação do artigo 18.º e 22.º da B.I. (cfr. fls. 2617)

- Determinada a ampliação da B.I. pela inclusão nela do artigo 81.º com a seguinte redacção: "...";

...

O Tribunal respondeu à matéria de facto carecida de prova nos termos que constam de fls. 2831 a 2861.

A A. e suas filhas apresentaram alegações de direito por escrito (cfr. fls. 2864 a 2880), o mesmo fazendo os R.R.

II. SANEAMENTO

Mantém-se a validade e regularidade da instância afirmadas aquando da prolação do despacho de fls. 496 e ss..

Não subsistem, nem sobrevieram quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causal.[…]».

2) - Em 15-05-2014, como já se referiu, foi proferida sentença, em cuja parte dispositiva se consignou o seguinte:

«[…]decide-se:

A) Quanto á acção n.º ...;

A.1. No que toca à acção;

 a) - Declara-se a nulidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de ..., pela qual A... declarou vender ao 2.º Réu marido L..., o prédio rústico denominado Quinta de S..., composto por terra de cultivo ...

 b) - Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º ...;

 c) - declara-se a nulidade da escritura de 26 de Maio de 1999 outorgada perante o notário do 1.º Cartório Notarial de ..., pela qual os 2.ºs R.R. L... e mulher A... declararam vender à 3.ª Ré T..., S.A. o prédio rústico identificado em a) (Quinta de S...);

d) - Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-3 efectuada na ficha n.º ...;

e) Declara-se perdido em benefício da autora, nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de M... relativamente ao prédio rústico identificado;

f) - Condena-se a Ré T..., S.A. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico identificado, bem como a entregar-lho imediatamente;

g) - Condena-se a Ré T..., S.A. a entregar á A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que tiver percebido a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rustico identificado, a liquidar em posterior incidente de liquidação.

A.2. No que respeita à reconvenção:

a) - Condenam-se os A.A./Reconvindos a pagar à Ré/Reconvinte T..., S.A. o valor das benfeitorias indicadas em 63. a 76. dos factos provados, relegando-se o apuramento do respectivo valor para ulterior incidente de liquidação;

b) Julga-se improcedente o demais peticionado em sede reconvencional, nessa parte se absolvendo os A.A./Reconvindos dos pedidos.

B) Quanto á acção n.º...;

B.1. - No que toca á acção.

a) - Declara-se a nulidade da escritura de 8 de Setembro de 1997 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de ..., pela qual A... declarou doar ao 2.º Réu marido A..., o prédio rústico denominado V..., composto por terra de cultura, ...

b) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem a autora como sucessora testamentária da falecida D. M..., falecida no passado dia 25 de Julho de 1997.

c) Ordena-se o cancelamento no registo predial da inscrição G-2 efectuada na ficha n.º...;

d) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da herança aberta por óbito de M... sobre o prédio rústico identificado em B.1. a), bem como a entregá-lo imediatamente.

e) Condenam-se os R.R. A... e mulher M... a entregar á A. todos os frutos naturais e ou civis, pendentes e futuros, que tiverem percebido a partir da data da citação da presente acção e até ao dia da efectiva entrega á autora, em consequência do gozo e fruição do prédio rustico identificado em B.1.a), a liquidar em posterior incidente de liquidação.

B.2. - No que toca á reconvenção.

a) Não se conhecerá da reconvenção formulada pelos R.R. A... e mulher M... por se entender que ela foi totalmente rejeitada no despacho de fls. 491 e ss..

 C) No que toca à acção n.º...

C.1. - No que toca à acção.

a) Declara-se a nulidade da escritura de 17 de Fevereiro de 1999 outorgada perante o notário do 2.º Cartório da Secretaria Notarial de ..., pela qual A... declarou vender ao 2.º Réu marido L..., os prédios urbanos identificados no artigo terceiro da petição inicial;

b) Ordena-se o cancelamento no registo predial das inscrições G-1 efectuadas nas fichas n.ºs ...;

c) Declara-se a nulidade da escritura de 28 de Março de 2000 outorgada perante o notário do Cartório Notarial de ..., pela qual os 2.ºs R.R. L... e mulher A... declararam vender ao 3.º Réu marido N... os prédios urbanos identificados sob os n.ºs 1 a 7 do artigo 3.º da petição inicial;

d) Ordena-se o cancelamento no registo predial das inscrições G-2 efectuadas nas fichas n.ºs ..., efectuadas a favor dos aqui 3.ºs R.R.;

e) Declara-se perdido em beneficio da A., nos termos do disposto no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., o direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de M... relativamente aos prédios urbanos identificados no artigo 3.º da petição inicial daquela acção n.º ...

e) Condenam-se os 2.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre os prédios identificados nos n.ºs 8 a 10 do artigo 3.º da petição inicial da acção em referência, bem como a entregar-lhos imediatamente;

f) Condenam-se os 3.ºs R.R. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre os prédios urbanos identificados nos n.ºs 1. a 7. do artigo 3.º da petição inicial daquela acção, bem como a entregar-lhos imediatamente;

g) Julgar a acção improcedente no demais peticionado, absolvendo-se os R.R. dos demais pedidos contra eles formulados.

C.2 - No que toca à reconvenção.

a) Julga-se o pedido reconvencional formulado pelos R.R./Reconvintes N... e mulher B... totalmente improcedente, absolvendo-se concomitantemente os A.A./Reconvindos dos pedidos reconvencionais em mérito.


*

B) - Desta sentença interpuseram recurso os Réus N... e mulher, B..., a Ré “T..., S.A.” e os Réus A... e mulher, recursos esses admitidos como apelações, a subirem imediatamente e nos próprios autos.

1)-Os apelantes N... mulher, a findar a alegação de recurso ofereceram as seguintes conclusões:

...

2)-A Ré “T..., S.A.”, a findar a alegação de recurso de apelação, ofereceu as seguintes conclusões[2]:

...

3)-Os apelantes A... e mulher, a findar a alegação de recurso ofereceram as seguintes conclusões:

...

A Autora e herdeiros habilitados do Autor, apresentando resposta relativamente a cada um dos referidos recursos de apelação, pugnaram pela respectiva improcedência e pela confirmação da sentença impugnada.

Remetidos os autos ao Tribunal “a quo”, a título devolutivo, para pronúncia quanto à nulidade de sentença invocada nas alegações da Apelação dos Réus/Reconvintes A... e mulher, foi proferido o despacho de 23/10/2015, que a indeferiu.

C)-Convidados a pronunciarem-se quanto ao interesse na apreciação dos recursos de agravo interpostos e que subiram com as apelações, a Agravante ...

Nesses recursos, os respectivos agravantes apresentaram as seguintes conclusões:

...

2) - Os Autores, no recurso interposto a fls. 614, relativamente ao despacho saneador, na parte (fls. 495 e sob o nº IV)) em que indeferiu a arguição de nulidade do articulado de tréplica da “T..., S.A.”, no respeitante aos artigos 1º a 7º:

...

3) - A Ré “T..., S.A.”, relativamente ao recurso do despacho de fls. 494 dos autos que rejeitou o pedido de intervenção principal provocada dos co-RR herdeiros de A... e de L... e mulher, rejeitando, também, o pedido reconvencional deduzido pela Agravante contra os tais co-Réus:

...

4) - A Ré “T..., S.A.”, relativamente ao recurso interposto a fls 760, do despacho que “determinou a eliminação dos quesitos 2º, 3º, 4º, 5º, 8º, 11º, 20º, 23º e 24º” apresentados pela Agravante no âmbito da perícia por si requerida”:

...

Os agravos foram contra-alegados, tendo o Tribunal “a quo” sustentado as decisões agravadas.


*

II - O DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008 (nº 1, do respectivo artº 12) e (salvaguardados os preceitos indicados no nº 2 do artº 11º), as respectivas disposições não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (nº 1 do respectivo artº 11º)

Por sua vez, a Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o (novo) Código de Processo Civil a ele anexo (doravante, NCPC, para o distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC), código este entrado em vigor em 1 de Setembro de 2013 (artº 8º), estabelece, como regra, para a acção declarativa, a sua aplicação imediata (artº 5º, nº 1), estatuindo, quanto ao regime de recurso (artº 7º, nº 1): “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”.

Como este “artigo 671.º”, só pode ser o do NCPC, o que resulta da norma do nº 1 do referido artº 7º, é que, relativamente a todas as decisões proferidas - mesmo nos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008 - a partir de 1 de Setembro de 2013, o regime de recursos aplicável é o estabelecido no NCPC, havendo apenas que excepcionar, desse regime, no caso de a decisão ser proferida num processo instaurado antes de 01/01/2008, a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 671.º desse Código.

Assim, em temos sintéticos:

a)- Processo instaurado antes de 01/01/2008 e com decisão anterior a 1 de Setembro de 2013: aplica-se o regime de recurso do CPC de 1961, na versão, anterior àquela que foi introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, cabendo, portanto, em regra, quanto aos recursos das decisões da 1ª Instância, agravo ou apelação;

b)- Processo instaurado antes de 01/01/2008 e com decisão de 1 de Setembro de 2013, ou data posterior: aplica-se o regime de recurso do NCPC, exceptuada a matéria da dupla conforme, plasmada no n.º 3 do artigo 671.º desse Código;

c)- Processo instaurado em 01/01/2008, ou posteriormente, e com decisão de 1 de Setembro de 2013, ou data posterior: aplica-se, integramente, o regime de recursos do NCPC;

No processo ora em causa, anterior a 01/01/2008 (estamos a referir-nos ao processo que resultou da apensação das várias acções instauradas em 2001 pela ora Autora e pelo então seu cônjuge), foram impugnadas decisões interlocutórias anteriores a 1 de Setembro de 2013 - mediante os recursos de agravo acima referidos - e foi impugnada a sentença, proferida já depois de 1 de Setembro de 2013 (“rectius” em 15/05/2014), sendo, pois, quanto à impugnação desta última decisão, aplicável o regime de recurso do NCPC, excepcionada a norma do n.º 3 do artigo 671.º.

De referir, também, que, evidentemente, todas as decisões interlocutórias, que, sendo impugnáveis, não foram objecto de recurso, quer de agravo, quer de apelação autónoma, conforme a data da respectiva prolação, transitaram em julgado.

Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 690º, nº 1, do CPC (aplicáveis ao agravo, “ex vi” do art.º 749 do mesmo Código), 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos - tanto o do Agravo, como o da Apelação -, delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

De harmonia com o preceituado no n.º 1 do art.º 710 do CPC, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição. Contudo, de acordo com o n.º 2 deste artigo, os agravos só serão providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante.

Por sua via, o artº 660º do NCPC, preceitua que “O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente”.

Importará, pois, começar por analisar as Apelações e só em função do decidido quanto a estas apreciar as questões suscitadas nos agravos cujo conhecimento não se mostrar prejudicado.

Assim, as questões a que, para já, importa responder, consistem em saber:

- Se é de proceder a qualquer alteração da matéria de facto em que assentou a decisão de direito proferida pelo Tribunal “a quo”, tal como o requereram os RR;

- Se a sentença enferma da nulidade de omissão de pronúncia;

- Se deve ser revogado, quanto ao aditamento à B.I., o despacho proferido na audiência do julgamento de 12/03/2013;

- Se, em face da factualidade que se tenha como provada (e não se detectando insuficiência quanto a essa matéria), foi acertada a decisão de direito proferida na sentença impugnada.

III - Comecemos pelo vício de forma que se aponta à sentença.

...

IV - A) - Com interesse para a decisão de direito que havia a proferir, entendeu-se, na referida sentença, terem ficado apurados os seguintes factos:

...

B) - A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

...

- A) - Resolvidas as questões precedentemente abordadas aqui, sem repercussão significativamente relevante para o resultado final a que se chegou na sentença “sub judice”, tem que se dizer que nesta se solucionaram acertadamente as restantes questões que se suscitaram no processo (asserção esta que não inclui, para já, por motivos óbvios, aquelas a que respeitam os agravos), de forma que temos por muito bem fundamentada, com o apoio da doutrina e da jurisprudência pertinentes, subscrevendo, nós, pois, tudo o que no aspecto jurídico foi decidido na 1ª Instância.

Por isso, perfilhando as soluções jurídicas que aí foram dadas às diversas questões que se abordaram na sentença, diremos que, evitando tautológica inútil, apenas reproduziremos o que entendermos constituírem os pontos essenciais dos recursos e na medida em que isso se nos afigure mais pertinente, atentos os termos das respectivas conclusões, acrescentando, aqui e ali, algum subsídio para reforço do decidido.

Por uma questão de metodologia e de lógica, comecemos pela interpretação do testamento de M..., feito no Cartório Notarial da ..., por escritura de 29 de Abril de 1967, ainda, pois, na vigência do Código de Seabra (Código Civil de 1867)[4], já que o Código Civil de 1966, que lhe sucedeu, só entrou em vigor a 1 de Junho de 1967.

Primeiro, porém, lembremos os textos legais, que, para já, estão em causa e que se reportam ao chamado fideicomisso de resíduo.

O Código Civil de 1867 (doravante CC de 1867), na redacção do Decreto n.º 19:126, de 1930, dispunha no artigo 1871.º: "São havidas como fideicomissárias e, como tais, válidas num grau:

1.º As disposições com proibição de alienar por actos inter vivos;

2.º - As disposições que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário.

§ único. A faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do n.º 2, só lhe é permitida depois de o fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de ter obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial".

No Código Civil de 1966 (doravante CC), a noção de substituição fideicomissária está consagrada assim no artº 2286º: “Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição.”.

O artigo 2290.º, do CC, estabelecendo no nº 1 que “O fiduciário tem o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso.”, consigna no nº 2 serem “…extensivas ao fiduciário, no que não for incompatível com a natureza do fideicomisso, as disposições legais relativas ao usufruto.”.

O artº 2291.º, do CC, tratando da alienação ou oneração de bens, dispõe: “1. Em caso de evidente necessidade ou utilidade para os bens da substituição, pode o tribunal autorizar, com as devidas cautelas, a alienação ou oneração dos bens sujeitos ao fideicomisso.

2. Nas mesmas condições, pode o tribunal autorizar a alienação ou oneração em caso de evidente necessidade ou utilidade para o fiduciário, contanto que os interesses do fideicomissário não sejam afectados.”.

E o artº 2295º, do CC, sob a epígrafe “Fideicomissos irregulares” estabelece:

“1. São havidas como fideicomissárias:

a) As disposições pelas quais o testador proíba o herdeiro de dispor dos bens hereditários, seja por acto entre vivos, seja por acto de última vontade;

b) As disposições pelas quais o testador chame alguém ao que restar da herança por morte do herdeiro;

c) As disposições pelas quais o testador chame alguém aos bens deixados a uma pessoa colectiva, para o caso de esta se extinguir.

2. No caso previsto na alínea a) do número anterior, são havidos como fideicomissários os herdeiros legítimos do fiduciário.

3. Aos fideicomissos previstos neste artigo são aplicáveis as disposições dos artigos antecedentes; mas, nos casos das alíneas b) e c) do n.º 1, o fiduciário pode dispor dos bens por acto entre vivos, independentemente de autorização judicial, se obtiver o consentimento do fideicomissário.”.

Portanto, sintetizando: no CC de 1867, na redacção do Decreto n.º 19:126, era havida como fideicomissária, à luz do 1871.º, 2º, a disposição que chamasse um terceiro ao que restasse da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário, estabelecendo, porém, o § único desse artigo, que, a faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do seu n.º 2, só lhe é permitida depois de o fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de ter obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial".

No CC, para além do fideicomisso comum, previsto e regulado nos artºs 2286º a 2294º, prevêem-se, no artº 2295º, os fideicomissos irregulares, estando entre estes o chamado fideicomisso de resíduo, que se verifica nas disposições pelas quais o testador chame alguém ao que restar da herança por morte do herdeiro (nº 1, al. b) do artigo), estabelecendo-se, porém, no nº 3 deste artigo, entre o mais, que o fiduciário pode dispor dos bens por acto entre vivos, independentemente de autorização judicial, se obtiver o consentimento do fideicomissário.

Relembre-se que no aludido testamento, a mencionada M..., declarou: «[…] querer fazer o seu testamento e disposição de última vontade da maneira seguinte: Que é casada no regime de separação absoluta de bens com A..., e não tem descendentes, nem ascendentes vivos. Assim, dispondo livremente dos seus bens, deixa a seu marido, A..., todos os bens móveis, imóveis, jóias, dinheiro ou quaisquer valores que possua à data do seu falecimento, mas em regime de fideicomisso, nos termos do número segundo do artigo mil oitocentos e setenta e um do Código Civil ainda em vigor. Assim, seu referido marido poderá usufruir e alienar os ditos bens, mas, os que ficarem ao falecimento dele, herdeiro, pertencerão à sobrinha e afilhada dela testadora, M... Esta será a única herdeira da testadora, no caso de seu marido lhe não sobreviver ou morrer simultaneamente.[…]».

Na sentença, com ampla fundamentação, entendeu-se, acertadamente, que, no caso dos autos, a interpretação do testamento, feita de acordo com o disposto no artº 2187.º do Código Civil de 1966, nomeadamente com as alterações do D.L. 496/77, de 15-11 - já que a testadora faleceu no dia 25 de Julho de 1997-, leva a concluir que esta instituiu a Autora como fideicomissária de resíduo dos bens que ela, testadora, possuísse à data da morte, sendo A..., herdeiro/fiduciário dos mesmos, tudo nos termos e com o conteúdo do artº 1871.º, n.º 2 do CC de 1867 (com a redacção do Decreto n.º 19:126) vigente à data da celebração do testamento.

Concluiu-se e bem, ainda, na sentença, que, de acordo com estatuído em tal testamento, nesse nº 2 do aludido artº 1871.º do CC de 1867, preceito que expressamente a testadora aí referiu, bem como no § único desse mesmo artigo, o fiduciário (no âmbito, pois, do fideicomisso de resíduo) e à semelhança do que veio a ser estabelecido no artº 2295º, nº 1 b) e nº 3, do CC de 1966, não obstante ter o poder de alienar os bens assim deixados (o que lhe estaria vedado no fideicomisso comum, ou regular) carecia, para o efeito, de consentimento da fideicomissária, sendo, que, no caso, se havia provado que o aludido fiduciário alienara imóveis deixados em fideicomisso à Autora M..., sem que se provasse - o que era ónus dos RR - que obtivera o consentimento dessa fideicomissária, ou autorização judiciária que suprisse a falta desse consentimento.

O regime do fideicomisso regular e o do fideicomisso de resíduo, bem assim, como, as diferenças entre o fiduciário, neste último caso, e o usufrutuário, tiveram tratamento exaustivo na sentença, o que, dentro do possível, se pode sintetizar no seguinte trecho que dela se extrai:

«[…] Além da substituição fideicomissária propriamente dita prevista pelo legislador no artigo 1866.º, previu o legislador, no artigo 1871.º, mais dois casos que equiparou ao fideicomisso porque, apesar de não existir neles a obrigação de conservar e transmitir os bens testados a uma pessoa determinada, na prática, podem redundar numa tal obrigação. 

Uma dessas hipóteses é o das disposições com proibição de alienar.

A outra, com mais interesse no caso, é o das disposições que chamarem um terceiro ao que restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário.

Trata-se, neste caso, como já se referiu, do fideicomisso de resíduo ou de eo quod supererit. 

O fiduciário, tendo o encargo de conservar e transmitir ou entregar os bens do testador, não só carecia (sempre considerando o Código de Seabra, com a redacção posterior ao Decreto 18:126) dos direitos de transformação e alienação típicos do proprietário, mas nem sequer tinha o direito de usufruir tão amplo como o do vulgar usufrutuário.

Direito de alienar só tinha o fiduciário no fideicomisso de resíduo, porque era o próprio testador quem, neste caso especial, lho atribuía. Mas com grandes limitações, dado que o § único do artigo 1871.º dispunha, como se mencionou, que a faculdade de alienar atribuída ao fiduciário, por força do n.º 2 do preceito, só lhe é permitida depois de o fiduciário não ter bens alguns próprios, com exclusão do prédio da sua residência habitual, e depois de ter obtido para isso autorização do fideicomissário, ou o seu suprimento judicial.

Portanto, se isto é assim na única espécie de disposição fideicomissária em que o fiduciário é autorizado, pelo testador, a alienar os bens testados, apesar de que o fideicomissário só tem direito ao que dele restar, é concludente que o direito de alienação não lhe pertence no fideicomisso-tipo do artigo 1866.º, no qual o fideicomissário tem direito a todos os bens, e não só aos restos […]».

Vem agora a Apelante “T..., S.A.”, no que é acompanhada, em termos semelhantes, pelos restantes Apelantes, contrariar este entendimento do Tribunal “a quo”, com esta argumentação que, aliás, já foi rebatida na sentença:

«[…] A disposição testamentária em causa - a possibilidade do fiduciário "poder usufruir e alienar" os bens da testadora - não constitui um fideicomisso de resíduo, pois, a autorização de alienação dada ao herdeiro, marido da testadora não tem qualquer restrição.

(…) Por isso, tal declaração testamentária sempre terá de considerar-se, apenas, como uma declaração condicional, no sentido que, só após a morte do marido e se existirem bens da herança da testadora então suceder-lhe-ia a sua identificada sobrinha.

(…) Por isso, face ao exposto, a interpretação que na sentença se faz do testamento, não se compraz com a vontade real da testadora, que emerge do texto do aludido testamento, violando assim o art°. 2187° do C.C.

(…) Sendo totalmente irrelevante a referência no testamento à norma jurídica do fideicomisso […]».

Vejamos.

Não obstante a testadora ter, no aludido testamento, declarado, que deixava os bens ao seu marido “mas em regime de fideicomisso[5], com referência expressa ao preceito que, no CC de 1867, então em vigor, o consignava, e com a declaração de que, desses bens, os que restassem ao tempo do óbito desse seu herdeiro[6], pertenceriam à sua sobrinha e afilhada M..., disso tudo pretendem, os Apelantes, fazer tábua rasa, ou, no mínimo, menosprezar, o que não deixa de surpreender face ao que se dispõe no artº 2187.º do CC.

O que mais parece perturbar os Apelantes, em termos de verem instituído pela testadora um fideicomisso de resíduo, é a circunstância de esta ter declarado no testamento que o seu marido, quanto aos bens a ele assim deixados, poderia usufruí-los e aliená-los, sem que tivesse consignado, quanto a isso, qualquer restrição, vendo, por isso, os Apelantes, nesse testamento, não um fideicomisso irregular, mas a instituição da ora Autora como herdeira condicional. Ou seja, a declaração testamentária em causa sempre se teria de considerar, nas palavras da Apelante “T..., S.A.”, “…como uma declaração condicional, no sentido que, só após a morte do marido e se existirem bens da herança da testadora então suceder-lhe-ia a sua identificada sobrinha.”.

A restrição quanto ao poder de usufruir e de alienar, embora não directamente, está consignada no testamento com a referência expressa ao regime de fideicomisso em que foi feita a deixa ao marido da testadora e ao preceito do CC de 1867 em que se previa o fideicomisso de resíduo.

Mas esta tese do afastamento do fideicomisso de resíduo em da declaração do testador no sentido de o herdeiro fiduciário poder alienar os bens assim deixados é a adaptação ao caso de entendimento antigo que o Prof. Cunha Gonçalves tão bem rebateu, quando escreveu sobre o fideicomisso de resíduo, visto ainda à luz do art. 1.871.° do CC de 1867, na Revista da Ordem dos Advogados[7], respigando-se desse escrito os seguintes trechos:

«[…]Alguns testadores, porém, para mais claramente afirmarem a liberdade de alienação que conferem ao herdeiro ou legatário, esclarecem que lhe deixam os bens em domínio pleno, acrescentando em seguida a cláusula característica: «mas, se houver algum resto da herança na data da sua morte, quero que esse resto passe para Fulano».

Poderá afirmar-se que, mesmo em tal hipótese, há um fideicomisso de resíduo? Sem dúvida alguma. Todavia, a Relação de Coimbra, num Acórdão recente cuja data não fixámos, julgou que não existia tal fideicomisso, já porque não se verifica a definição do fideicomisso consignada no art. 1.866.° do Código Civil, no qual se exige que o fiduciário conserve e transmita os bens, já porque o testador havia deixado os bens em domínio pleno, já enfim porque o herdeiro havia já alienado os bens todos, no exercício do mesmo domínio pleno, do qual é característica legal a faculdade de alienar. Tudo isto, porém, são equívocos e sofismas, como se verá do seguinte:

1.° - As palavras «conservar e transmitir» são aplicáveis, apenas, ao fideicomisso-tipo, ao fideicomisso normal ou regular, e não ao fideicomisso de resíduo, em relação ao qual a lei expressamente prevê a alienação parcial dos bens. Nem pode deixar de ser assim; pois, sem a venda parcial, como pode haver resto?

Damos como reproduzido o que a este respeito dissemos no vol. X, págs. 154 a 156 do nosso Tratado de Direito Civil.

O citado art. 1.871.° do Código Civil dizia e ainda diz :

«Serão havidas ou são havidas como fideicomissárias:

2.° - As disposições que chamarem um terceiro ao que (possivelmente, é claro) restar da herança ou do legado por morte do herdeiro ou do legatário».

Ora, se tais disposições são fideicomissárias, apesar de nelas não haver a obrigação de conservar e transmitir os bens, e, pelo contrário, se prevê a alienação parcial, ficando só um resto que se transmite, não há razão nem justiça em se afirmar que elas não são fideicomissárias. Isto é julgar contra lei expressa”

(…)

O herdeiro não pode dispor desses bens causa mortis ou em testamento; eles não se transmitem tam-pouco aos seus sucessores legítimos. Portanto, a definição do art. 1.866.° é extensiva aos bens não alienados, ao resto ou resíduo herdado pelo terceiro. Daí a justeza da equiparação legal do fideicomisso de resíduo ao fideicomisso-tipo.

Isto basta para se verificar o erro do primeiro fundamento do citado Acórdão.

3.° - O fideicomisso de resíduo é, como já vimos, caracterizado pela faculdade conferida ao fiduciário, tanto pela lei, como pelo autor da herança, de alienar todos ou parte dos respectivos bens. Não se pode sequer conceber um tal fideicomisso sem a faculdade de alienar, ao menos em parte, pois sem esta alienação não pode haver a parte restante que se transmitirá ao terceiro.

Ora, a faculdade de alienar pressupõe, forçosamente, o domínio pleno, visto o disposto no art. 2.359.° do Código Civil. Portanto, é puro pleonasmo, é absolutamente desnecessário, escrever-se, que o fiduciário de resíduo terá o domínio pleno dos bens legados; pois, ainda que esta frase não existisse no testamento, o herdeiro teria esse domínio, - sem prejuízo do direito condicional ou hipotético do fideicomissário a herdar o resto da herança, ou seja, os seus bens não alienados.

(…)

Ora, a despeito da faculdade de alienar que tem o fiduciário ou herdeiro condicional, a verdade é que essa faculdade não é absoluta: porque o § único do mesmo art. 1.871.° sujeita o exercício da mesma faculdade a duas condições impreteríveis, a saber : a) ter o fiduciário alienado já os seus bens próprios, anteriores ou posteriores ; b) ter a alienação sido consentida pelo fideicomissário.

(…)

…o fiduciário que alienar os bens legados, apesar de não ter necessidade alguma disso ou tendo bens seus, até de valor superior ao daqueles, e sem obter o prévio consentimento do fideicomissário, que é o proprietário condicional deles, infringirá a lei e praticará uma alienação nula (Código Civil. arts. 10.° e 671.° n.° 4).[…]».

Assente que, dos imóveis pertença da testadora aquando do óbito desta e, que, como vimos, foram deixados em fideicomisso de resíduo, sendo deles fideicomissária a ora Autora, e o aludido herdeiro fiduciário, sem o consentimento da fideicomissária, alienou os que aqui estão em causa, doando um deles, em 08 de Setembro de 1997, ao Réu A... (cfr. ponto 27 dos factos provados) e vendendo, em 17 de Fevereiro de 1999, a L..., os imóveis identificados nos pontos 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos factos provados (cfr. ponto 24 dos factos provados), temos que, tal como bem se explicitou na sentença, cabendo-nos salientar, agora, o já referido entendimento defendido pelo Prof. Cunha Gonçalves e ainda, também à luz do CC de 1867, no Acórdão do STJ, de 23/10/2003 (Revista nº 03B2197)[8], que essas alienações, efectuadas em violação do fideicomisso de resíduo, são nulas e não apenas anuláveis, motivo suficiente para, desde logo, improceder a caducidade que os Apelantes invocaram (cfr. artigo 286.º, 1.ª parte, do C.C.).

Mas, pelas razões que também ficaram explicitadas na sentença, ainda que se entendesse que a sansão aplicável a tais negócios seria a da anulabilidade, nem assim a caducidade ocorreria, já que as acções em causa sempre teriam dado entrada em juízo antes do decurso do prazo do direito de accionar.

Na sentença e bem, negou-se que se verificasse a inoponibilidade da declaração da nulidade (ou da anulabilidade), de que trata do artº 291, do CC, designadamente, por se entender que ocorria a previsão do nº 2, do preceito, o que afastava a aplicação do nº 1 desse artigo.[9]

Também acertadamente se concluiu na sentença, que, tendo sido o aludido A..., cabeça de casal nos autos de inventário nº ..., da 3.ª Secção do 7.º Juízo Cível da Comarca do Porto, instaurado pela A. em 14-10-1998, tinha havido, por parte daquele, sonegação dos bens da herança, sonegação essa que obstava a que lhe fossem atribuídos os bens sonegados e, consequentemente, que fosse considerado que os termos do fideicomisso de resíduo, vistos à luz do CC vigente à data da abertura da sucessão, em que o cônjuge sobrevivo passou a ser herdeiro legitimário (2144°, do CC), ofendiam, relativamente a este, o princípio da intangibilidade da legítima.

Os Apelantes sustentam que não foi feita prova da falsidade do contrato-promessa de compra e venda, falsidade essa que sustenta a declarada sonegação, mais adiantando que, de todo o modo, o lugar próprio para discutir esta matéria não seria neste processo, mas sim nos aludidos autos de inventário onde sempre os efeitos da sonegação se teriam de repercutir na partilha dos bens da herança.

Vejamos.

Como se sabe as substituições fideicomissárias eram, com alguma frequência, utilizadas como modo de alguém obviar a que os seus bens viessem, no futuro, a beneficiar a linha de sucessores do respectivo cônjuge.

Não se sabe se foi essa a intenção da aqui testadora, mas, temos como certo que, com a disposição fideicomissária, quis, sem olvidar a possibilidade de o seu marido, sobrevivendo-lhe, colher algum proveito deles, deixar o que restasse dos seus bens, à morte daquele, à sua (dela, testadora) sobrinha e afilhada, a ora Autora M...

E a aludida M... fez o testamento em causa em 29/04/1967, pelo que, tendo falecido em 25/07/1997 teve muito tempo para alterar o referido testamento, se assim o quisesse fazer, o que não aconteceu.

Sabendo-se bem da existência das diferenças entre o direito e a moral, não deixa de ferir o sentimento de justiça saber-se que alguém - que, na ocasião em que foi celebrado o aludido testamento não era herdeiro legitimário da testadora, com quem era casado no regime de separação de bens -, desconsiderou, no que à sobrinha da testadora, esta última consignara na sua disposição de última vontade, tendo, para além do imóvel que doou, vendido, volvidos cerca de 2 anos do decesso daquela, dez imóveis de uma assentada sem o consentimento[10] da fideicomissária.

E agora, por via a invocação do princípio da intangibilidade da legítima, seriam, precisamente, os sucessores do fiduciário que assim procedera, quem iria beneficiar do fruto da perpetrada violação do fideicomisso de resíduo.

Mas, a nosso ver, foi bem decidida, neste processo a questão da referida sonegação e, consequentemente, a da invocada ofensa da legítima do fiduciário.

Relembremos o que a propósito se disse na sentença e que aqui sobrescrevemos, o que - atenta a particular complexidade da matéria de que ora tratamos - nos levará a atraiçoar um pouco a intenção que anunciámos no início, de não abusar na repetição daquilo que já foi acertadamente dito na sentença:

«[…] na redacção inicial do Código Civil de 1966 o cônjuge sobrevivo não era herdeiro legitimário e apenas era sucessível legitimo, de acordo com os artigos 2133.º e 2147.º, na falta de descendentes, ascendentes e irmãos e seus descendentes. Ocupava, pois, o quarto grau na ordem da sucessão legítima. Todavia, (como se referiu) o cônjuge sobrevivo, tinha, como legatário, um direito ao usufruto vitalício da herança, mas, apenas, se a herança fosse deferida aos irmãos ou seus descendentes (cfr. Capelo de Sousa, "Os Direitos Sucessórios do Cônjuge Sobrevivo. Do Direito Romano à Actualidade" in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, vol. II, Coimbra Editora, p. 1016).

A Reforma de 1977 veio alterar significativamente esta solução, de modo que o cônjuge passou a concorrer na 1.ª classe da linha sucessória legitima e legitimária (cfr. artigos 2133.º, n.ºs 1 e 2, 2139.º, n.º 1 e 2157.º do C.C.; Capelo de Sousa in "Os Direitos Sucessórios do Cônjuge Sobrevivo. Do Direito Romano à Actualidade" in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, vol. II, Coimbra Editora, p. 1017).

Desta forma, se o óbito da testadora ocorreu em 25-07-1997 e a lei aplicável é a lei do momento da abertura da sucessão, tal significa que o cônjuge sobrevivo da testadora era herdeiro legitimário desta, sendo a sua legitima de metade da herança (cfr. artigo 2158.º do C.C.).

Daí que a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda aludidos em 24., 25., 26. e da doação referenciada no ponto 27. dos factos provados, pelo seu efeito retroactivo, implicaria, em principio, que os bens objecto dos mencionados negócios voltassem a fazer parte da herança aberta por óbito de M..., para aí serem partilhados pelos respectivos herdeiros (isto é, por A... [actualmente os seus herdeiros] enquanto herdeiro legitimário e por M... enquanto herdeira testamentária).

E é isso que se verifica, desde já, relativamente ao negócio referenciado em 27. dos factos provados.

Efectivamente, quanto a esse negócio os A.A., no âmbito da acção n.º ... peticionam, além do mais, que se condenem os ali segundos R.R. (A... e mulher M...) a reconhecerem o direito de propriedade da herança aberta por óbito de M... sobre o referenciado prédio, bem como a entregá-lo.

E, como se viu, o direito de propriedade desse prédio rústico pertence actualmente á herança aberta por óbito de M..., pelo que devem os R.R. ser condenados a reconhecer tal direito de propriedade, bem como a entregá-lo imediatamente (cfr. pedido n.º 3 da acção n.º 160/2001).

Note-se, agora, que nessa acção n.º ... os A.A. não peticionaram expressamente o reconhecimento judicial da qualidade sucessória da A., tendo “apenas” requerido a ampliação do pedido no artigo 3.º da réplica dessa acção.

Mas, como deriva da fundamentação do despacho de saneamento a propósito da suscitada excepção dilatória de ilegitimidade activa da A.: “Nos termos do art. 273.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o pedido pode ser ampliado na réplica. Está assim legitimada a ampliação do pedido deduzido pela A.”. Mais adiante no dito despacho refere-se: “Não obstante, do pedido deduzido pelos A.A. (…) infere-se o pedido de reconhecimento judicial dessa qualidade.

Aliás, tal pedido mostrava-se já implícito na petição inicial, uma vez que nela se alegam os factos demonstrativos da qualidade de herdeira da A. e se invoca essa mesma qualidade” (cfr. fundamentação do despacho de condensação em que especificamente se abordou o tema da ilegitimidade da A. -cfr. especialmente fls. 498 dos autos-).

Efectivamente, ainda que, por hipótese, se pudesse considerar que o Tribunal, no referido despacho, não tomou uma decisão expressa no sentido da admissão da ampliação do dito pedido formulado pelos A.A., sempre se deveria considerar o pedido constante da pretendida ampliação como implícito (cfr., no sentido da admissibilidade de pedido implícito na acção de petição da herança, os Ac. da R.C. de 18-05-2010 in www.dgsi.pt., proc. n.º 8/06.2TBMTR.C1; Ac. da R.P. de 15-12-2010 in www.dgsi.pt., proc. n.º 802/05.1TBLMG).

Já nas acções n.ºs ... os A.A. pedem a condenação de certos R.R. no reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre os prédios ali em discussão (cfr. pedido n.º 6.º da acção n.º ...; pedido n.º 6 da acção n.º...).

E pedem-no com base no prévio pedido de declaração de perda, em beneficio da A., nos termos do disposto no artigo 2096.º do C.C., do direito que o falecido A... pudesse ter enquanto herdeiro legitimário de M... aos prédios que nessas acções n.ºs ... se encontram em discussão.

Os R.R. L... (cfr. contestações do dito R.R. nos processos n.º ...), T... (cfr. contestação do processo n.º...) e N... (cfr. contestação do processo n.º...) defenderam que a questão de sonegação de bens não podia ser conhecida na presente acção, mas necessariamente no processo de inventário.

Aqui e a propósito de tal questão deverá referir-se que o tribunal já tomou conhecimento dela quando a fls. 496 e ss. conheceu do erro na forma do processo, pelo que se encontra vedada nova pronúncia sobre a dita matéria por este Tribunal, posição que é sustentada até pelo facto de não ter existido recurso dessa decisão possuindo ela, por consequência, efeito de caso julgado formal (cfr. artigo 672.º do C.P.C. então vigente).

De todo modo sempre se referirá que destinando-se principalmente o inventário apenso aos presentes autos a que o fiduciário prestasse caução e estando ele extinto por inutilidade superveniente da lide a questão da sonegação pode ser conhecida em acção autónoma (cfr. Capelo de Sousa in Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3. ed., p. 60, nota 163).

Nada obsta e, pelo contrário, impõe-se por força dos aludidos pedidos formulados pelos A.A. nas ditas acções e por força do falado caso julgado formal que se conheça da existência ou inexistência da sonegação de bens.

Para o efeito os referidos A.A. alegaram que o falecido Agostinho, apesar de saber que a sua falecida mulher não havia disposto em sua vida dos imóveis cuja propriedade se encontra em mérito naquelas duas acções e que, por via disso, teria de o partilhar com a autora, dela co-herdeira, não hesitou, tendo em vista apropriar-se da totalidade do seu valor, em forjar e ou usar de um documento que bem sabia ser falso, com vista a criar a aparência de que ele não fazia parte da herança), visando com isso locupletar-se á custa da A.

Efectivamente, continuam os A.A., o falecido A..., ao fornecer ao seu mandatário uma pública-forma desconforme com o original, ou ao forjar um original viciado por falsificação; ao declarar, como declarou, perante o notário do Cartório de ..., que a venda que fazia era em execução de um inexistente e falso contrato-promessa e ao instruir o seu mandatário para produzir em juízo as declarações que constam dos documentos designados sob os n.ºs 5 e 6 e 8 a 11 da acção n.º ..., tinha perfeita consciência e intenção de, através desse procedimento, ocultar dolosamente a sua existência, como bens integrados na herança e de assim os sonegar à mesma.

Sob a epigrafe sonegação de bens dispõe o artigo 2096.º, n.º 1 do C.C. que o herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em beneficio dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis. Acrescenta o n.º 2 que o que sonegar bens da herança é considerado mero detentor desses bens.

A sonegação de bens consiste, assim, numa distorção da verdade, traduzida numa ocultação dolosa, por parte do herdeiro, da existência de bens pertencentes à herança.

 Comentando o artigo 2096.º, n.º 1 do C.C. escreveram Pires de Lima/A. Varela no seu C.C. Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, p. 157:" Trata-se, em primeiro lugar, de um fenómeno de ocultação de bens - o qual pressupõe, obviamente, um facto negativo (a omissão de uma declaração) cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar, por parte do omitente)".

Além disso, o artigo 2096.º, n.º 1 do C.C. exige uma actuação dolosa por parte do sonegador.

Assim, não só não constitui sonegação de bens a omissão negligente na relacionação ou a fundada na convicção de que não podem ser relacionados os bens acusados em falta por não pertencerem à herança ou por ser juridicamente discutível a sua relacionação no inventário, senão que, para que possa falar-se em sonegação de bens é mister que aquele que tem por obrigação relacioná-los tenha em vista o apossamento ilícito ou fraudulento deles em detrimento dos demais herdeiros (cfr. Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais, vol. I., Almedina, p. 572).

Requer-se, assim, para a procedência do meio processual declarativo da sonegação que se faça prova de que os bens sonegados pertenciam à herança e que o sonegador tenha disso consciência ou deva ter (cfr. Capelo de Sousa in Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 60, nota, 160).

No dolo cabem tanto as manobras activas (sugestões ou artifícios) tendentes a induzir ou a manter em erro os destinatários da relação de bens, quanto à existência de certos bens hereditários, como a atitude (passiva) da dissimulação do erro, em que o herdeiro se aperceba de que o cabeça-de-casal está laborando (cfr. Pires de Lima/A. Varela in op. cit., p. 157).

Acrescente-se que, à figura do dolo directo (violação directa, consciente ou intencional da norma) se equiparam as situações afins do dolo indirecto e do chamado dolo eventual (cfr. Pires de Lima/A. Varela in op. e loc. cit.,; cfr. também Ac. do S.T.J. de 01-07-2010 in www.dgsi.pt., proc. n.º 1315/05.7TCLRS.L1.S1).

In casu, apurou-se com relevância e a propósito que:

- Mediante escritura celebrada no dia 17-02-1999, na Secretaria Notarial de ..., A... declarou que, em execução do contrato-promessa celebrado em 23-03-1996, na qualidade de procurador da sua mulher M..., vendia a L..., que declarou comprar, os prédios identificados em 3. e 5. a 14. pelo preço de 17.670.000$00 (cfr. facto dado como provado sob o n.º 24);

- O A..., na qualidade de procurador de M..., e o R. L... não firmaram o contrato-promessa referido na escritura realizada na escritura realizada a 17-02-1999.

 - O contrato-promessa referido na escritura realizada a 17-02-1999 foi outorgado em data posterior ao dia 13-10-1998.

 - Sob o n.º... correu termos na 3.ª Secção do 7.º Juízo Cível da Comarca do Porto um processo de inventário, intentado pela A. em 14-10-1998, onde exerceu o cargo de cabeça-de-casal A...

- Na relação de bens, junta ao referido processo em 01-03-1999, o cabeça-de-casal entre outros, relacionou sob a verba n.º 38 o prédio descrito em 3., com a indicação de que estava descrito na Conservatória do Registo Predial com os n.ºs ...

 - Na referida relação de bens o cabeça-de-casal referiu "relacionam-se as verbas n.ºs 1 a 16 e 27 a 39 que, apesar de serem objecto de contrato promessa de compra e venda ainda em vida da falecida M..., à morta da inventariada estarem ainda registadas em seu nome (cfr. facto dado como provado sob o n.º 17).

 - Na sequência de reclamação à relação de bens apresentada pela ora A., em 26-04-1999, em que no tocante às verbas n.ºs 38 e 39, pugnou que fossem eliminadas e substituídas por outra englobando ambos os prédios, o cabeça-de-casal, em requerimento dirigido ao processo em 25-05-1999, declarou que "O prédio rústico denominado Quinta de S.... e relacionado sob a verba n.º 38 (...) a sua venda foi objecto de registo por compra à inventariada, conforme se prova pela fotocópia da certidão emitida pela Conservatória de Registo Predial de S. João da Pesqueira";

 - Em 15 de Março de 2000, o cabeça-de-casal juntou aos autos de inventário cópia do contrato-promessa cujo objecto era, além do mais, a venda do prédio referido em 3. (cfr. matéria de facto dada como provada sob o n.º 21..

Da dita factualidade ressalta que o falecido A... pretendeu fazer crer, nos autos de inventário, que existia um contrato-promessa de compra e venda celebrado em vida de M..., pelo referido A... e na qualidade de procurador daquela, e que foi na execução desse contrato-promessa (onde se previa expressamente a possibilidade de execução específica) que realizou a venda dos prédios identificados em 3. e 5. a 14. a L...

A existência desse contrato-promessa e os termos dele (com a possibilidade expressa de execução especifica do contrato) porque feito em vida da testadora legitimariam e tornariam válida, nessa perspectiva, a venda a que se reporta a matéria de facto dada como provada sob o n.º 24., subtraindo, consequentemente, à herança os bens desta forma alienados.

A verdade, porém, é que, como referido, se demonstrou que o referido A..., na qualidade de procurador de M..., e o R. L... não firmaram o contrato-promessa referido na escritura aludida em 24., sendo também certo que o contrato-promessa a que se alude em 24. só foi outorgado em data posterior a 13-10-1998 e, portanto, como já se referenciou, já depois do falecimento de M...

Tudo para afirmar que, no caso, o falecido A... através dos seus ditos actos sonegou bens à herança, tentando subtrair à herança bens que dela fazem parte.

E essa sonegação foi levada a cabo mediante a criação de artifícios tendentes a induzir em erro os A.A. relativamente á legitimidade e validade da venda mencionada no ponto 24. dos factos provados.

Estão, desta forma, preenchidos todos os requisitos para a afirmação da hipótese prevista no artigo 2096.º, n.º 1 do C.C., devendo aplicar-se a concomitante estatuição em causa: A perda, em benefício dos co-herdeiros do direito que para o aludido A... (e, em face do falecimento deste, para os respectivos herdeiros) pudesse resultar a qualquer parte dos bens sonegados.

No caso, existindo, como supra se expendeu, dois herdeiros à data da morte da testadora (A... - enquanto herdeiro legitimário - e M... - enquanto herdeira testamentária - ) a perda do direito, em beneficio da A., a qualquer parte dos bens identificados em 3. e 5. a 11. que para o aludido A... pudesse resultar equivale a dizer-se que a A. é a única dona dos referidos bens.

Efectivamente, se esses bens em principio, fazendo parte da herança teriam que ser enquanto tal partilhados entre os dois referenciados herdeiros, o afastamento, nos mencionados termos legais, de um deles (no caso, A...) a relativamente a qualquer parte (ou a totalidade) dos bens sonegados determina que a propriedade desses bens, necessariamente, caiba à A..

Assim, deverá reconhecer-se que a A. é a proprietária dos bens identificados nos n.ºs 3. e 5. a 14. (referindo-se que os bens mencionados de 12. a 14., sendo objecto do negócio aludido em 24., não foram objecto de posterior negócio de disposição deles por parte de L...) dos factos dados como provados, condenando-se a Ré T... na acção n.º... no pedido elencado em 6. da respectiva petição inicial, bem como se condenando os segundos R.R. da acção n.º ... no pedido referenciado em 6. da inerente petição inicial e os ali 3.ºs R.R. no pedido referenciado em 8. também daquela petição inicial.

Do que foi dito deriva, nomeadamente, a impossibilidade de os prédios identificados em 3. e 5. a 14. poderem vir a ser adjudicados, em processo de inventário, aos herdeiros ou a herdeiro de A... na partilha da herança aberta por óbito de M... E, assim sendo, não pode, por essa via, existir confirmação expressa ou tácita dos aludidos negócios (cfr. alegação da R. T..., S.A. nos artigos 81.º e 82.º da contestação do processo n.º... e al. e) do petitório constante de tal articulado; cfr. também alegação dos R.R. N... e mulher nos artigos 60.º e 61.º da contestação da acção n.º ... - cfr. especialmente fls. 207 -).[…]».

Finalmente, para além de se salientar que, a circunstância de se ter aqui decidido as matérias atinentes aos negócios que envolveram os imóveis em causa, não obsta a que isso venha a ter alguma repercussão a nível de partilha de bens (cfr. o facto assente no ponto nº 22, o escopo do despacho de 26-05-2000, proferido nos autos de inventário), o erro na forma de processo - com fundamento expresso na inadequação de resolução da questão da sonegação nos meios comuns (a presente acção) - é algo que está aqui definitivamente afastado, já que foi excepção julgada improcedente logo na 1ª parte do despacho saneador de 13/09/2004, decisão essa que, não tendo sido objecto de recurso, transitou em julgado.

Quanto às benfeitorias, defende a Apelante “T..., S.A.”, que as por ela realizadas na Qta. de S... não devem ser devem ser classificadas como úteis, mas sim como necessárias, porquanto “tiveram por finalidade evitar a perda e progressiva deterioração e o abandono da Qta. de S.... da respectiva produção agrícola nela efectuada”.

Começando por se dizer, na sentença, que se acolhia “…a posição que vem sendo perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Ac. do S.T.J. de 04-04-02 in www.dgsi.pt.; Ac. do S.T.J. de 09-05-02 in www.dgsi.pt.; Ac. do S.T.J. de 28-05-2009 in www.dgsi.pt.) que aquele que reclamar que o pagamento de benfeitorias, tem o ónus de alegar quais as obras concretamente realizadas susceptíveis de integrar os conceitos de benfeitorias úteis e/ou de benfeitorias necessárias.”, veio a entender-se, depois:

«[…] é de afirmar que da matéria de facto dada como provada e relativa ao prédio aludido em 3. dos factos provados, não se divisa a existência de benfeitorias necessárias.

Com efeito, das despesas efectuadas no prédio referido em 3. não se pode considerar que qualquer delas tivessem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração do dito prédio e que fossem indispensáveis à respectiva conservação.

Aliás, neste âmbito, a Ré/Reconvinte T... alegou que em 26-05-1999 a Quinta de S... se encontrava degradada e quase abandonada. Esse facto foi transposto para o artigo 15.º da B.I. e, terminado o julgamento, mereceu uma resposta restritiva no sentido de que apenas se provaram os factos vertidos nas respostas aos quesitos n.ºs 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º.

Ora, das respostas aos quesitos n.ºs 16.º a 21.º (cfr. matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 40. a 45.), ainda que conjugada com a demais materialidade fáctica dada como provada, que as despesas que a dita Ré realizou no imóvel identificado em 3. se possam apodar de benfeitorias necessárias. […]».

As despesas que se provaram terem sido feitas pela Apelante “T..., S.A.”, na Quinta de S... e que na sentença se classificaram como úteis, podem ter sido “necessárias”, para os objectivos - designadamente, de qualidade e de quantidade daquilo que aí pretendia produzir - que tal Apelante se propunha alcançar naquela Quinta, mas isso não faz com que tais despesas configurem, à luz da 1ª parte do nº 3 do artº 216º, do CC, benfeitorias necessárias, que são aquelas que, na expressão utilizada no Acórdão desta Relação de 10/02/2015 (Apelação nº 1289/12.8TBACB.C1) se “… dirigem à conservação da coisa benfeitorizada, isto é, a obviar à sua perda, destruição ou deterioração”.

Benfeitorias úteis serão, certamente, as que resultaram indicadas de 63. a 76. dos factos provados, conforme se decidiu e bem na sentença.

As despesas com a aquisição, de um tractor, de um pulverizador e de um escarificador, que são “despesas inerentes á fruição e frutificação do prédio, despesas com a produção e cultura”, não podem enquadrar-se no conceito de benfeitoria conceito de benfeitorita exarado no nº 1 do artº 216º do CC.

As quantias monetárias entregues pela Ré T..., S.A. às pessoas referenciadas em 82. e 83. dos factos provados e as “benfeitorias futuras” cuja liquidação se pediu para relegada para execução de sentença, são tudo despesas que, pelos motivos expostos na sentença, não integram o aludido conceito de benfeitoria.

Os apelantes A... e mulher, quanto a benfeitorias e em sede de conclusões, limitaram-se a pedir, subsidiariamente à improcedência da acção, que fosse “…julgado totalmente procedente o pedido reconvencional formulado contra a Reconvinda, com todas as consequências legais.”.

Ora, como se aludiu mais acima, a propósito da omissão de pronúncia que estes Apelantes invocaram, na sentença ficou expressamente dito que não se apreciaria do mérito de todos os pedidos reconvencionais deduzidos por tais RR, porque se entendia que todos eles tinham sido antes rejeitados pelos despachos de fls. 491 a 494, sem que essa decisão (de rejeição) tivesse sido impugnada.

Com efeito, explicita-se na sentença: «[…] entende-se que ao se rejeitar expressamente o pedido reconvencional deduzido pelos R.R. A... e mulher contra os herdeiros de A... (cfr. despacho de fls. 490 e ss. e, especialmente, fls. 494) e ao omitir no despacho em que admitiu a reconvenção (cfr. fls. 495) a referência a qualquer dos pedidos reconvencionais formulados pelos R.R./Reconvinte A... e mulher, ali se recusaram todos os pedidos reconvencionais formulados pelos ditos R.R./Reconvintes. […]».

Tendo assim, tais decisões, nos despachos de fls. 491 a 494, na parte em que rejeitaram os pedidos reconvencionais, transitado em julgado, nada mais há a acrescentar nessa matéria.

Os apelantes N... e mulher, nas conclusões da sua Apelação e quanto a benfeitorias, limitaram-se a dizer:

«15-Não tendo os Réus, ora recorrentes, sido precisos relativamente à caracterização das benfeitorias, caberá ao julgador apartar nas invocadas, aquelas que, pelo seu conteúdo e à luz da experiência corrente, se traduzem em obras de conservação e as que aumentam o valor da coisa.;

16-Devem os recorrentes ser ressarcidos pelas obras que levaram a cabo, ainda que se remetendo a determinação do respectivo valor para ulterior liquidação;

17-Assim não decidindo, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, pelo menos os arts. 216º do CC e 412º do NCPC.

Por tudo o alegado e pelo mais que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente, ou, quando assim não se entenda, deve, pelo menos, ser dada a reconvenção como procedente e provada, remetendo-se a determinação do valor indemnizatório para ulterior liquidação, como é de inteira JUSTIÇA».

Ora quanto ao pedido reconvencional destes Apelantes considerou-se, acertadamente, que o mesmo teria de improceder já que a matéria de facto alegada e provada não era suficiente a permitir ao julgador classificar as despesas que se apuraram terem sido feitas por estes RR de modo a podê-las integrar na categoria das benfeitorias necessárias. Efectivamente, se é ao julgador que compete aferir se é integrar no âmbito das benfeitorias aquilo que a parte haja alegado como tal, e, dentro destas, qualificar as que serão de ter como necessárias, como úteis, ou como voluptuárias, isso pressupõe que a parte haja alegado os factos materiais que permitam fazer um tal enquadramento.

Significa isto, nas palavras do já citado Acórdão desta Relação, de 10/02/2015, que “…para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias”, “têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega).”.

Semelhantemente se entendeu no Acórdão do STJ, de 02/12/2013 (Revista nº 2138/06.1TJLSB.L1.S1), citado na sentença recorrida, dizendo-se: “…a quem invoca o direito a ser indemnizado por benfeitorias o ónus de alegar e provar factos que permitam considerar preenchidos os requisitos de umas e outras benfeitorias; tratando-se de benfeitorias necessárias, exige-se a alegação e prova de que se tratavam de obras indispensáveis à conservação da coisa, com vista a evitar a sua perda, destruição ou deterioração.”.

Por outro lado, como tais RR não haviam alegado que as despesas em causa se enquadravam no conceito de benfeitorias úteis, nem tinham invocado e provado “os necessários pressupostos para a procedência do pedido de indemnização a elas inerente (cfr. artigo 1273.º, n.º 2 do C.C.)”, entendeu, quanto a nós, também bem, que o pedido reconvencional também não podia proceder “quando perspectivado pelo prisma das benfeitorias uteis.”, pelo que julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional (na parte admitida) formulado pelos R.R./Reconvintes N... e mulher B...

As questões atinentes às benfeitorias suscitadas por todos os Apelantes, foram, pois, bem julgadas, em nosso entender.

Como daquilo que ficou exposto resulta que, tal como já anunciáramos, se concorda com tudo o que foi decidido na sentença “sub judice”, esta será de confirmar caso não se dê provimento a qualquer dos agravos retidos interpostos pela recorrente “T.., S.A.”.

A circunstância de a decisão de mérito, a nosso ver, substantivamente correcta, estar dependente da bondade da solução que foi dada a determinadas questões de âmbito processual não deve causar muita estranheza, pois que, por via de decisões processualmente desacertadas, a parte pode ficar coarctada de direitos, que, a terem sido exercidos, poderiam contribuir para se chegar, no plano substantivo, a uma solução diferente, mas aqui, a dar-se essa ocorrência, o que mais choca é a circunstância de as partes - e aqui não fazemos distinções - poderem, por via disso, a ter de recomeçar quase todo o processo, embora, segundo nos pareça, apenas no respeita à acção nº..., cerca de 17 (dezassete) anos depois da respectiva instauração, sendo que - o que também não deixa de ser objectivamente injusto, agora para os AA -, esse revés poder advir de decisão que, cingindo-se a matéria que tem a ver com a reconvenção, não bule com a essência da acção. Quanto a isso, porém, nada mais poderemos fazer senão, constatando-o, e, sem embargo de reconhecer a complexidade do processo, lamentar a inusitada demora do mesmo.

B) -1) - Agravo da decisão que rejeitou o pedido de intervenção principal provocada dos co-RR, ...

2) - O outro Agravo da Ré “T..., S.A.”, respeita ao despacho que “determinou a eliminação dos quesitos 2º, 3º, 4º, 5º, 8º, 11º, 20º, 23º e 24º” apresentados pela agravante no âmbito da perícia por si requerida”.

...

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

- Julgar improcedentes todos os recursos de Apelação e confirmar a sentença impugnada,

- Negar provimento aos Agravos interpostos pela Ré “T..., S.A.” e confirmar o decidido nos despachos impugnados nesses recursos;

- Julgar, em consequência da confirmação da sentença, prejudicado, o conhecimento dos agravos interpostos pelos AA/Apelados.


*

Custas dos recursos de Apelação e dos Agravos improvidos, pelos respectivos recorrentes, ficando as custas dos Agravos dos AA, a cargo da Recorrente “T..., S.A.”.

Coimbra,17/01/2017


(Luiz José Falcão de Magalhães)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Jorge Manuel Loureiro)

***



[1] Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, evidentemente, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] As que conclusões que ora se transcrevem incorporam já as alterações apresentadas na sequência de convite formulado nesta Relação pelo ora relator.
[3] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586. Estes Acórdãos e os que, do STJ, ainda se vierem a citar e estejam aí disponíveis em texto integral, poderão ser consultados em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[4] Entrado em vigor em 22 de Março de 1868.
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Como se explica na sentença “…o fiduciário, enquanto tal, não deixa de ser herdeiro do testador se verificarem os pressupostos da caracterização dele como herdeiro (por oposição á caracterização do mero legatário). Já o artigo 1866.º do Código de Seabra se referia expressamente qualidade de herdeiro ou legatário do fiduciário (o mesmo sucedendo, aliás, com o artigo 2286.º do C.C. actual).”.

[7] “FIDEICOMISSO DE RESÍDUO”, in ROA, Ano 1946 - Vol. I - Ano 6 - Nº 1 e 2, pág. 176 e ss..
[8] Pode ler-se nesse Acórdão: ”… estando provado (v. item 8) do elenco dos factos provados) que essa venda foi efectuada pela B sem autorização da A. ou o seu suprimento judicial, está-se perante um acto praticado contra disposição injuntiva da lei (§ único do art. 1871º), o que o torna nulo.”.

[9] De todo o modo, sempre se dirá que o STJ, entendendo que, tendo os transmitentes, fiduciários, cedido bens que não podiam alienar, a venda assim ocorrida é, em relação aos fideicomissários, estranhos ao negócio, ineficaz, ipso jure, sendo, por isso, inaplicável o disposto no artº 291, do CC (sumário do Acórdão do STJ, de 08/07/2003, Revista n.º 1413/03 - 7.ª Secção).
[10] Repare-se que, sendo suficiente, aos intentos da autora, que não se fizesse a prova desse consentimento – cfr., embora à luz do pretérito CC, o citado Acórdão do STJ, de 23/10/2003 (Revista nº 03B2197) – no caso provou-se, pela positiva, que a Autora não deu o seu consentimento, nem à doação, nem à venda dos diversos imóveis que aqui estão em causa.