Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5734/10.9TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE SERVIÇO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
SEGURADORA
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Data do Acordão: 03/09/2012
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: LEIRIA 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.31º DA LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO, LEI Nº 100/97, DE 13.09, E 325.º NºS 1 E 3 DO CPC
Sumário: Tratando-se de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, pode a seguradora do acidente de viação, na acção contra ela proposta pelo lesado, requerer a intervenção principal para o lado activo da seguradora laboral (art.ºs 31.º da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei n.º 100/97, de 13.9 e 325.º, n.ºs 1 e 3 do CPC)
Decisão Texto Integral: Decide-se singularmente no Tribunal da Relação de Coimbra (art.ºs 700.º, n.º 1, alín. c) e 705.º, do CPC:

1. Relatório

A Companhia de Seguros A... , SA”, na contestação que apresentou na acção que com forma de processo ordinário emergente de acidente de viação e enquanto seguradora da proprietária do veículo automóvel corre termos sob o n.º 5734/10.9TBLRA no 5.º Juízo Cível de Leiria, intentada por B..., requereu a intervenção principal provocada activa da “Companhia de Seguros C..., SA”, com fundamento em que o acidente que serve de causa de pedir foi simultaneamente de viação e de trabalho e tendo esta última seguradora pago ao A. sinistrado, pelo seguro de acidentes de trabalho, determinadas importâncias de despesas, indemnizações e pensões, está a exigi-las extrajudicialmente à Ré, nos termos do art.º 31.º da Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) (Lei n.º 100/97, de 13.9), pelo que tem um interesse igual ao do autor para intervir na causa e pode dar uma contribuição válida para a descoberta da verdade de modo a não permitir que o A. receba indemnização em duplicado.

Para além disso, nos termos do art.º 31.º, n.º 5, da referida LAT, a entidade empregadora e a seguradora são também titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exija aos responsáveis [civis] a indemnização pelo acidente a que se refere esse preceito legal.

Após oposição ao requerido pela A., foi proferido despacho a indeferir o pedido de intervenção, com fundamento em que não foi alegada, no requerimento de intervenção, qualquer relação de litisconsórcio ou coligação e que a Ré chamou a seguradora terceira para a substituir na causa, ao mesmo tempo que ordenou a notificação da Ré recorrente para juntar aos autos certidão das peças processuais mais importantes do processo de acidente de trabalho e informação sobre o seu estado.

Inconformada, recorreu a Ré finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) – A recorrente alegou os factos suficientes para se poder concluir que o A. podia ter-se coligado com a Companhia de Seguros C..., que assumiu a responsabilidade pelo acidente de trabalho;

b) – E esta podia coligar-se com o A. para exigir de terceiro o reembolso dos valores que pagou ou venha a pagar a título de indemnizações, pensões e outras despesas que fez com o referido sinistro de acidentes de trabalho, nos termos do art.º 31.º da LAT;

c) – Nos termos do art.º 31.º n.º 5 da LAT a Companhia de Seguros C... tem o direito de intervir nesta acção;

d) – Logo, o incidente deduzido na contestação chamando aquela a intervir é oportuno e legal;

e) – O despacho recorrido violou os art.ºs 30.º, 325.º n.ºs 1 e 3 do CPC e art.º 31.º da LAT, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que admita a requerida intervenção da Companhia de Seguros C... e, por uma questão de economia processual, deve também ser proferido despacho que reenvie o processo para as Varas Cíveis de Lisboa, que é o tribunal competente e se pronuncie também sobre quem deve juntar a certidão do processo do tribunal de trabalho.

Não houve lugar a resposta.

Cumpre decidir, singularmente (art.ºs 700.º, n.º 1, alín. c) e 705.º, do CPC), dada a simplicidade da questão.

Questão que é somente esta:

- Se em acção cuja causa de pedir assenta em acidente simultaneamente de viação e de trabalho pode a Ré seguradora responsável pelo acidente de viação deduzir incidente de intervenção principal activa da seguradora do ramo laboral.


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            2. Fundamentos

            a) - De facto

            A factualidade relevante é a que se resumiu no antecedente relatório, para onde se remete por razões de economia.


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b) - De direito

Desde já se adiante estar a razão do lado da recorrente.

A sua pretensão tem, desde logo, consagração legal expressa no n.º 5 do art.º 31.º da LAT quando dispõe que “a entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”.

Por outro lado, o n.º 4 desse preceito confere à seguradora laboral, que houver pago a indemnização pelo acidente de trabalho, o direito de regresso contra o responsável civil.

Como é sabido e de há muito é jurisprudência assente, as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho não se cumulam, antes se completam até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido pelo sinistrado tanto patrimonial, como não patrimonial, por isso tendo os lesados que optar pela indemnização mais conveniente, dessa opção ficando legalmente excluída a indemnização por danos não patrimoniais que não entra no cômputo da indemnização laboral.

Ao efectuar o pagamento da indemnização a responsável pelo acidente laboral fica na situação do lesado para exigir ao 3.º responsável pelo acidente de viação a quantia que houver pago.

Embora a lei laboral faça alusão a direito de regresso trata-se, antes, de sub-rogação (art.ºs 592.º e 593.º, do CC).

É uma vexacta quaestio a relevar, v. g., em sede de prescrição das prestações pagas, mas que aqui não tem importância prática, por isso se não desenvolvendo.

Seja como for, a seguradora laboral tem um interesse paralelo ao do autor, no âmbito de uma relação de coligação activa, enquanto interessados na condenação da seguradora do ramo automóvel.

A vantagem da intervenção para a própria relação jurídico-processual é, de resto, óbvia: evita que a seguradora laboral tenha de propor nova acção sub-rogatória contra a recorrente com vista ao reembolso das quantias pagas ao lesado.

Do exposto resulta que não só por força da lei especial (art.º 31.º LAT), como dos n.ºs 1 e 3 do art.º 325.º do CPC, pode a Ré chamar a juízo a seguradora laboral como associada do A., tal como assim foi requerido.

Uma questão final tem a ver com o pedido de conhecimento, hic et nunc, da excepção de incompetência em razão do território e do pedido de quem deve juntar a certidão do processo do tribunal do trabalho, este na sequência da notificação da Ré recorrente para proceder a tal junção.

Simplesmente se dirá, quanto à 1.ª questão, que o seu conhecimento compete, antes de mais, à 1.ª instância, à Relação competindo apreciar da bondade ou não de decisões recorridas, não apreciar questões novas.

Quanto à segunda, sobre quem deva proceder à junção dos elementos de prova do acidente laboral, a intervenção, que vai deferir-se, da seguradora respectiva prejudica tal questão.


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            3. Concluindo, sumariando

            - Tratando-se de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, pode a seguradora do acidente de viação, na acção contra ela proposta pelo lesado, requerer a intervenção principal para o lado activo da seguradora laboral (art.ºs 31.º da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei n.º 100/97, de 13.9 e 325.º, n.ºs 1 e 3 do CPC)


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            4. Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente a apelação e, revogando-se o despacho recorrido, defere-se a intervenção principal provocada activa da “Companhia de Seguros C..., SA”, cujo chamamento se admite, devendo na 1.ª instância dar-se cumprimento ao art.º 327.º e ss,  do CPC.

            Custas, quanto ao incidente, pela Ré “Companhia de Seguros A..., SA”, com 1,5 UC de taxa de justiça (art.º 7.º, n.º 3 e tabela II, do RCJ) e quanto à apelação pelo recorrido.


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Francisco Caetano (Relator)