Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3581/18.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
NOTÁRIO
FORMA À PARTILHA
IMPUGNAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
CONCLUSÕES
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 16, 57, 82 RGPI, 635, 639, 641 CPC
Sumário: Em caso de impugnação do despacho do notário sobre a forma da partilha (nos termos do art. 57º, nº 4, do RJPI) a alegação do impugnante deve conter as respectivas conclusões, sob pena de não admissibilidade do requerimento de impugnação.
Decisão Texto Integral: ~

I – Relatório

1. M (…) instaurou no Cartório Notarial Inventário para partilha de bens por herança aberta por óbito de J (…) e de M (…).

São interessadas no referido Inventário as filhas dos Inventariados, M (…),  que desempenhou as funções de cabeça-de-casal, e H (…).

Foi proferido despacho determinativo da partilha, o qual foi objecto de impugnação pela interessada H (…), ao abrigo do art. 57º, nº 4, do RGPI.

*

Foi, então, proferido despacho que, por falta absoluta de conclusões, determinou o indeferimento da impugnação.

*

2. A interessada H (…) recorreu, tendo apresentado as seguintes (45 ! extensas) conclusões:

1. Os autos à margem supra referenciados, têm por objecto a Impugnação do Despacho Determinativo da Forma da Partilha, previsto e regulado pelo disposto no n.º4 do artigo 57.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º23/2013, de 5 de Março, proferido pela Exma. Notária (…) no âmbito do processo de Inventário para Partilha de bens por herança, quer corre termos sob o n.º1595/2015, no respectivo Cartório Notarial.

2. A ora recorrente interpôs Impugnação do Despacho Determinativo da Forma da Partilha, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 57.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário.

3. O Tribunal, competente para a mesma apreciar, ora a quo - Juízo Local Cível de Coimbra – Juiz 3 - Processo n.º3581/18.9T8CBR – proferiu Despacho que determinou o indeferimento da Impugnação Judicial, por falta absoluta de conclusões.

4. É desta decisão que, por via do presente recurso, a Recorrente interpõe o pressente Recurso.

5. Assim, o Tribunal a quo, nos presentes autos, deu, precisamente, prevalência à Justiça Formal sobre a Justiça Material, negando deste modo, à ora recorrente, a análise do mérito da questão suscitada na Impugnação do Despacho Determinativo da Forma da Partilha.

6. O Despacho recorrido – proferido pelo Tribunal a quo – que determinou o indeferimento da Impugnação Judicial, por falta absoluta de conclusões sustenta que “deve entender-se que nas impugnações não especificadas os aspectos da impugnação que estes preceitos não definem [artigos 57.º n.º4 e 16.º n.º4 e 5 do RJPI], deverão ter um regime análogo ao das disposições do Código do Processo Civil sobre o recurso de apelação.”

7. Antes, o Despacho ora recorrido, já havia considerado que “o paradigma dessa impugnação é o modelo dos artigos 57.º n.º4 e 16.º n.º4 e 5 do RJPI, o qual deve ser aplicado extensivamente a todas as impugnações judicias de decisões do Notário no âmbito do processo de inventário”.

8. Da conclusão que o Tribunal a quo alcança, o qual resulta, inclusivamente do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo 379/18.8T8GDM.P1, publicado no sitio da DGSI, desde logo resulta, em nossa opinião, que a Impugnação do Despacho determinativo da forma da partilha, é uma impugnação especificada.

9. E não, uma qualquer outra impugnação de uma qualquer outra decisão do Notário, esta a poder ser designada de não especificadas, por ausência de regime específico previsto no RJPI.

10. Pelo que mal se compreende que o tribunal a quo, estenda à impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, um regime, obtido por analogia, aplicável às impugnações não especificadas.

11. Da redacção do n.º 4 do artigo 57.º do RJPI resulta inequivocamente que: A Impugnação do Despacho determinativo da forma da partilha, encontra expressa previsão legal; A referida previsão legal, regula os aspectos concernentes à competência do tribunal; o prazo; o modo de subida e, por fim, os efeitos da impugnação; Ou seja, o n.º 4 do artigo 57.º do RJPI, especifica a impugnação do Despacho determinativo da forma da partilha e define, taxativamente, os aspectos a observar na mesma.

12. O sentido das conclusões e fundamentos, invocados pelo Despacho ora recorrido – que seguem ipsis verbis, a fundamentação do Acórdão do tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo 379/18.8T8GDM.P1 e publicado no sitio da DGSI, - e que aliás invoca, são directamente aplicáveis às impugnações não especificadas, por inexistência de norma legal que as preveja e regule.

13. O despacho recorrido, aplica à especifica impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, um regime que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo 379/18.8T8GDM.P1 e publicado no sitio da DGSI, por forma a obviar uma decisão de “non liquet”, criou, para o caso em concreto ali sob iudice, quando se deparou perante uma impugnação (“caso jurídico”), não prevista e regulamentada por lei.

14. Daí, o referido Acórdão - parece-nos que esse é o sentido do mesmo – ter designado de impugnação não especificada, o caso em concreto naqueles autos, que não se tratava de ruma impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, recorrendo inclusivamente ao preenchimento da lacuna encontrada, com recurso à analogia, mandando aplicar o regime previsto no n.º4 do artigo 57.º do RJPI.

15. O que não é o caso da impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, já que, reiteramos, tem expressa e taxativa regulamentação legal, sendo portanto, uma impugnação especificada.

16. Andou mal o Despacho ora recorrido, ao equiparar as impugnações não especificadas à impugnação prevista no n.º4 do artigo 57.º do JJPI, razão pelo qual deve ser revogado.

17. O Tribunal a quo efectua, erroneamente, a integração de pretensa lacuna, com recurso à analogia,

18. Reportando a aplicação do disposto no artigo 10.º do Código Civil, ao caso ora em análise, desde logo se verificam, a ausência dos pressupostos legais, ali previstos, no caso sob iudice, que permitam, considerar quer a existência de lacuna, quer o preenchimento da mesma com recurso à analogia.

19. Posto isto, importa reiterar que, a impugnação do despacho determinativo da partilha, foi regulamentado, por completo, no n.º 4 do artigo 57.º do RJPI.

20. Ali se específica a singularidade daquela impugnação.

21. Ali se definem, taxativamente, os aspectos, relevantes a observar na mesma, em particular: a competência do tribunal; o prazo; o modo de subida e, por fim, os efeitos da impugnação.

22. Nada mais a norma juridica - o n.º 4 do artigo 57.º do RJPI - prevê, nomeadamente os aspectos formais da impugnação, mormente a necessidade de conclusões.

23. Caso o legislador, entendesse, que a formulação de conclusões, fosse condição sine qua non, para a admissão da impugnação, tal aspecto, seria, portanto, relevante para o legislador.

E,

24. Consequentemente, faria constar do texto da lei – no nosso caso o n.º 4 do artigo 57.º do RJPI – essa mesma exigência.

25. A titulo exemplificativo, no n.º3 do artigo 59.º do Dec.-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro, o legislador, efetivamente, fez prever e constar, expressamente, no texto da lei, a exigência de conclusões na impugnação judicial da decisão de autoridade administrativo que aplica uma coima.

E,

26. No n.º3 do artigo 59.º Dec.-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro, o legislador, designa tal impugnação de Recurso, terminando com a formulação expressa e obrigatória de conclusões

27. No RJPI, é também possível encontrar a designação expressa de Recurso, para uma decisão do Notário, no n.º 4 do seu artigo 16.º.

28. Ao contrario do que prevê o n.º4 do artigo 57.º, ali o instrumento processual previsto é o Recurso.

29. Ao qual são aplicáveis, em princípio, as regras do recurso de apelação previstas no Código do Processo Civil, por remissão do artigo 82.º do RJPI.

30. Tal já não sucede o n.º4 do artigo 57.º, pois aqui o legislador prevê e designa o instrumento processual de reacção àquela especifica decisão do notário, de Impugnação.

31. Quis o legislador, na própria letra da lei, deliberadamente, distinguir Recurso da Impugnação, definindo os termos específicos da Impugnação do despacho que determina a forma da partilha.

32. Conclui-se que o n.º4 do artigo 57.º do RJPI, regulamenta, por completo o regime da impugnação do despacho que determina a forma da partilha, definindo, taxativamente, os aspectos, relevantes a observar na tramitação da mesma.

33. Não podem ser aplicadas à impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, por analogia, as disposições o Código Processo Civil sobre o recurso de apelação.

34. Tratando-se de uma impugnação com expressa previsão legal e regime taxativamente previsto e fechado, por norma legal – n.º 4 do artigo 57.º - inexiste qualquer lacuna a integrar, nos termos do disposto no artigo 10.º do Código Civil.

35. O Despacho ora recorrido, ao aplicar o disposto no regime dos Recursos, à impugnação da forma da partilha, recorrendo à analogia, viola o disposto no artigo 10.º do Código Civil, bem como o disposto no n.º4 do artigo 57.º do RJPI.

36. Em face da ausência de conclusões, o Tribunal a quo, no mínimo, deveria ter determinado o convite ao aperfeiçoamento relativamente à impugnação judicial que não contenha conclusões.

37. Estamos perante a impugnação de uma decisão emitida por um Notário, portanto uma entidade não jurisdicional.

38. Na ausência de qualquer previsão/exigência legal, (cfr. artigo 57.º n.º4 do RJPI) e sobretudo perante o mérito da configuração processual vigente do processo de inventário e da (falta de) segurança dos interessados sobre os termos processuais, (inseguranças e dúvidas aliás demonstradas no despacho recorrido quando ali refere “e dificulta sobremaneira o estabelecimento do regime comum ou regime regra da impugnação judicial das decisões do notário”), deve ser rejeitada a aplicação, imediata, da forma exigida para o recurso das decisões judiciais (artigo 627.º e 639 n.º1 do Código do Processo civil), com as consequências previstas no artigo 641.º n.º2 alínea b) do CPC), dando assim prevalência à justiça material sobre a justiça material.

39. A impugnação de uma decisão do Notário, parece-nos, estar mais próxima da impugnação de uma decisão de autoridade administrativa (no caso, administração da justiça), propriamente dita, do que do Recurso.

40. O paralelismo deveria, desde logo, ser encontrado na impugnação prevista no artigo 59.º do Dec.-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro, ou se quisermos das impugnações tributárias previstas no CPPT.

41. No que a esta impugnação diz respeito, a questão de saber se a rejeição da impugnação que não contivesse conclusões deveria ser imediata ou se, antes, devia ser concedida ao recorrente oportunidade para completar o requerimento foi debatida na jurisprudência, tendo a questão sido dirimida com o Ac. TC nº 265/01 que declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade, por violação do nº 10 do artigo 32º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, um e outro da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas constantes do nº 3 do artº 59º e do nº 1 do artº 63º, ambos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na dimensão interpretativa segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal formulação”.

Foi assim assente, que o recurso de impugnação que não contenha conclusões só pode ser rejeitado se o recorrente o não completar na sequência do convite que lhe deve ser dirigido para o efeito, e não contendo o RGCO qualquer norma expressa prevendo tal convite, os termos do mesmo terão de ir buscar-se ao processo criminal, ex vi do art. 41º nº 1 do referido diploma.

42. Conclui-se, portanto que, no caso em concreto, na impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, deveria o Tribunal recorrido, ter convidado a impugnante a formular conclusões.

43. Apesar de não autonomizadas e baptizadas, a impugnação do despacho determinativo da forma da partilha, apresentada pela ora recorrente, contém texto, que como tal é suscetível de ser considerado como tal, porquanto a motivação da impugnação é cognoscível e isenta de dúvidas quanto ao sentido conclusivo do texto.

44. A impugnante, ora recorrente, “concluiu, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (artigo 639.º n.º1 do CPC). – no caso, do despacho determinativo da forma da partilha - embora não surjam, na minuta, de um modo autonomizado e assim baptizadas. mas inegavelmente como tal reconhecíveis, pelo que jamais deveria ter sido indeferida a impugnação apresentada, pelos fundamentos invocados.

45. Pelo que deveria ter sido admitida a impugnação do Despacho determinativo da forma da partilha, máxime, convite ao aperfeiçoamento e formulação de conclusões.

Nestes termos deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação, e ser revogado o Despacho recorrido, substituído por outro que admita a Impugnação do despacho que determina a Forma da Partilha;

ou em alternativa

Substituído por outro que convide ao aperfeiçoamento da impugnação, para formulação de conclusões, tudo com as legais consequências.

Só assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA

3. A interessada M (…) contra-alegou, concluindo que:

1. Andou bem o tribunal a quo quando decidiu que a impugnação do despacho determinativo da forma partilha deve obedecer às normas do CPC.

2. Nomeadamente, a necessidade de se formularem conclusões.

3. Tanto mais, que se está perante um verdadeiro recurso que obedece aos termos da lei processual civil.

4. Não apresentando conclusões não pode a impugnação ser admitida.

5. Pelo que não violou o Tribunal a quo qualquer normal legal, em particular art. 10º do Código

Civil e o art. 57º, nº 4 do RJPI.

6. Não deve, pois, o presente recurso a que ora se responde ter provimento mantendo-se a decisão recorrida.

E. D.

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que decorre do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Admissibilidade da impugnação/despacho de aperfeiçoamento.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“O Tribunal de 1ª instância da Comarca do Cartório Notarial intervirá no processo de inventário, para além do momento em que deva proferir decisão homologatória da partilha (artigo 66º do RJPI), também para conhecer dos recursos que venham a ser interpostos da decisão do notário (Cfr., designadamente, artigos 16º, nº 4, 57º, nº 4 do RJPI).

(…)

….. deve entender-se que o paradigma dessa impugnação é o modelo dos artigos 57.º, n.º 4, do RJPI, que regula a impugnação do despacho do Notário determinativo da forma da partilha, e 16.º, n.os 4 e 5, que regula a impugnação do despacho de indeferimento do pedido de remessa das partes para os meios judiciais, o qual deve ser aplicado extensivamente a todas as impugnações judiciais de decisões do Notário no âmbito do processo de inventário.

(…)

Assim, ao recurso/impugnação interposto é subsidiariamente aplicável o disposto no C.P.C. – art. 82º do RJPI.

Entre outro, há que considerar que o âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.

Conclusões essas que, nos termos do disposto no art. 639º, nº 1 do C.P.C., constituem ónus do impugnante.

Nos termos do art. 641.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., a falta de apresentação de conclusões das alegações no prazo peremptório para a dedução do recurso não pode ser suprida, designadamente na sequência de convite, antes determina o indeferimento do recurso.”

Temos por certo que se decidiu correctamente, não havendo censura a fazer ao despacho recorrido. Expliquemos porquê.

Em primeiro lugar, a directriz essencial no RJPI é o art. 82º que manda aplicar o CPC em tudo o que não esteja regulado no Regime. Não sendo, portanto, de aplicar outros diplomas jurídicos, como sugere a recorrente, designadamente o regime geral das contra-ordenações ou o processo tributário. 

Em segundo lugar, a recorrente atribui muita importância interpretativa à palavra “impugnação” utilizada no art. 57º, nº 4, do RJPI, para a distinguir da de “recurso”. Cremos que tal distinção é só aparente, não tendo o relevo que a recorrente lhe empresta.

É de notar, desde logo, que no próprio NCPC, art. 627º, nº 1, se usam tais termos na mesma oração, quando aí se dispõe que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos. No caso trata-se de uma decisão de notário que foi impugnada.

De seguida verifica-se que, no respeitante à situação da remessa para os meios comuns a decisão do notário pode ser objecto de recurso, para o tribunal competente, o qual deve incluir a alegação do recorrente, recurso que sobe imediatamente com efeito suspensivo (art. 16º, nº 4 e 5 do RJPI).

Já na questão de despacho sobre a forma da partilha, o legislador, no art. 57º, nº 4, do RJPI) utiliza a palavra impugnação para o tribunal de 1ª instância competente, a qual sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Da comparação entre os dois preceitos cabe assinalar que não se percebe no segundo o acrescento “de 1ª instância” quando em ambos já se referiu o vocábulo tribunal “competente”, não havendo qualquer motivo legal e juridicamente racional para pensar diferenciadamente, ou seja que no primeiro caso o recurso seria para o tribunal da Relação !

Também não se entende, muito bem, porque naquele primeiro caso se ordena a inclusão da alegação, parecendo que se está a dar a entender que na segunda situação não carece de ser apresentada alegação ? O que seria absurdo, porque quer seja recurso quer seja impugnação terá de haver sempre uma alegação, no qual o recorrente/impugnante exponha e desenvolva as razões de discordância quanto ao decidido.

Mesmo que o legislador tivesse usado a palavra “requerimento” de impugnação, o que poderia inculcar que estaria a pensar em algo de diferente de alegação stricto sensu, o que contudo não fez, mesmo assim nunca o impugnante estaria dispensado de apresentar os motivos e argumentos da sua discordância, o que não deixa de ser uma alegação, mesmo que lato sensu. Ainda assim não seria argumento de peso, porque no NCPC também se utiliza a palavra “requerimento” quando se fala em interposição de recurso e ao mesmo tempo se determina que tal requerimento deve conter as alegações do recorrente (art. 637º, nº 1, do NCPC).

O que se nota, pois, é um comportamento pouco claro ou errático do legislador naquilo que quis imprimir como quadro dos recursos/impugnações interlocutórios no RGPI.

Por último dir-se-á que a referência, naqueles dois preceitos do RJPI, a tempos e modos de subida e efeitos do recurso e impugnação impelem a interpretar que, apelide-se de impugnação ou não, estamos na matriz própria dos recursos.

E consequentemente, atento tudo o exposto, temos de seguir a directriz essencial acima referida: aplica-se o processo civil nas situações omissas, nas situações não reguladas.       

Ora, como foi dito na decisão recorrida, a impugnação da recorrente devia conter além das suas alegações, o que foi observado, as respectivas conclusões (art. 639º, nº 1 do NCPC), o que não aconteceu, ao contrário do que defende a recorrente agora no recurso. Lida a impugnação, a mesma só destacou três partes: Contextualização Prévia; Da Impugnação, Termos Finais (contendo o que requer).   

Sendo certo que as conclusões é que delimitam o objecto do recurso (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1), por conseguinte, nos termos do art. 641º, n.º 2, b), do NCPC, a falta de apresentação de conclusões leva ao indeferimento do requerimento de recurso. Como tal a decisão apelada é acertada.

Por fim, cabe dizer que não é possível proferir despacho de aperfeiçoamento, visto que tal despacho foi previsto legalmente no art. 639º, nº 2, do NCPC, para as situações aí perfeitamente definidas – conclusões deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações aludidas no seu número anterior – e não para o caso de falta de conclusões.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Em caso de impugnação do despacho do notário sobre a forma da partilha (nos termos do art. 57º, nº 4, do RJPI) a alegação do impugnante deve conter as respectivas conclusões, sob pena de não admissibilidade do requerimento de impugnação.

 

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente.

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Coimbra, 12.3.2019

Moreira do Carmo ( Relator )