Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1050/10.4TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE
LIBERDADE CONDICIONAL
RENOVAÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 05/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 179º E 180º DO CEPMPL; 61º CP
Sumário: 1.- É admissível recurso do despacho que recusou o incidente da renovação da instância estabelecido no artigo 180º do CEPMPL.

2.- O novo regime da renovação da instância aplica-se aos processos pendentes (iniciados antes da entrada em vigor do Código) em que se verifiquem, em concreto, os pressupostos da renovação da instância.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
O Senhor juiz do Tribunal de Execução de Penas, após promoção nesse sentido do Ministério Público, recusou a renovação da instância com vista à apreciação da liberdade condicional do recluso MR....

Não se conformando com a decisão, o Ministério Público recorreu para este Tribunal.

Nas suas alegações, o recorrente conclui na sua motivação nos seguintes termos:
1- O artigo 180°, n.° 1, do CEPMPL, é uma norma sobre a renovaçao da instância em processo de liberdade condicional que, nos termos do disposto no artigo 9°, ri.° 2, da Lei n.° 115/2009, de 12 de Outubro, se aplica imediatamente aos processos instaurados em momento anterior à sua vigência.

2- A expressao “Sem prejuízo do disposto no artigo 61° do Código Penal”, contida naquela norma, reafirma a obrigatoriedade da renovação da instância, quando cumpridos a metade [ um mínimo de seis meses], os dois terços e [ for caso] os cinco sextos da pena, mas não a confina a essas oportunidades: exige-a entre e depois desses marcos temporais.

3- Assim e contrariamente à interpretação que, no despacho recorrido, se dá ao disposto naquele artigo 180°, r 1, impondo-se a renovação da instância, decorridos doze meses sobre a data da anterior decisão que recusou a liberdade condicional, a M.ma Juiz devia (e deverá), com a máxima urgência, observar o estabelecido pelo artigo 173°, também do CEPMPL, para que a legalmente exigida renovaçao da instância, em 4 de Fevereiro de 2011, pudesse ter lugar.

4- A decisão recorrida não fez correcta aplicação do disposto nos artigos 9°, daquela Lei n.° 115/2009, e 173°, ri° 1, e 180°, n.° 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixar de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, a substituir por um outro que, com urgência, observe o disposto nos artigos 173° e 180°, do CEPMPL, nos termos aqui peticionados, far-se-á Justiça

Na resposta ao recurso o arguido pronunciou-se pelo provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser revogada.

O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da não admissibilidade do recurso, devendo o mesmo ser rejeitado.

O arguido, em resposta veio alegar a inconstitucionalidade da interpretação sustentada pelo Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação, que sustenta a não admissibilidade do recurso, concluindo pelo já alegada procedência do recurso.

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QUESTÃO PRÉVIA

Importa, num primeiro momento, atentar na questão prévia suscitada pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto relativa à não admissibilidade do recurso.

Sustenta o Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação que « O art° 235.° do CEPMPL dispõe que: “1. Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.

2 — São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:

a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;

b) b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal;

e) As proferidas em processo supletivo».

A previsão do n.° 1 deste artigo abrange as situações taxativamente reguladas naquele diploma. Como refere o artigo 239.° do CEPMPL, «em tudo o que não for contrariado pelas disposições do presente Código, os recursos são interpostos, tramitados e julgados como os recursos em processo penal». Contudo, conforme resulta, designadamente, dos artigos 236.° e 238.° esta Lei 115/2009, o CEPMPL possui uma estrutura recursória própria.

“Os casos expressamente previstos na lei “, são os referidos no próprio CEPMPL, ou melhor, os constantes dos artigos 171.°, 179.°, 186.°, 196.° e 222°.

No caso em apreço, importa ter em consideração apenas o artigo 179.°, por ser este o relativo à liberdade condicional, que preceitua:

«1 — O recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional.

2 Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o recluso, este apenas quanto à decisão de recusa da liberdade condicional.

3 — O recurso da decisão de concessão tem efeito suspensivo quando os pareceres do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão da liberdade condicional e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.0»

Ora, o recurso do M° P° na 1 instância, não está limitado à questão da recusa da liberdade condicional; diversamente, versa a específica questão do prazo em que há ou não renovação da instância, nos termos do art° 180º do CEPMPL. Assim, o recurso também não se inclui em qualquer uma das alíneas do n.° 2 do artigo 235.°, pelo que se deverá concluir que o recurso da decisão proferida é inadmissível».

É quase certa a descrição normativa dos regime de recurso actualmente estabelecido no domínio do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade (CEPMPL) efectuada pelo Senhor Procurador Geral Adjunto.

Assim aos casos de recurso admissível que identifica, importa acrescentar os casos de recurso decorrentes das decisões relativas à renovação da instância e que decorrem do disposto no nº 3 do artigo 180º do CEPMPL.

Recorde-se que nos termos do artigo 180º n.º 3 do CEPMPL, «são aplicáveis à renovação da instância, com as devidas adaptações, as regras previstas nos artigos anteriores».

O incidente da renovação da instância estabelecido no artigo 180º consubstancia um pressuposto autónomo dos requisitos genéricos da liberdade condicional, em relação ao estabelecido no artigo 61º do Código Penal, tendo em vista uma maior disponibilidade à possibilidade da liberdade condicional aos reclusos a quem foi negada a liberdade condicional nos momentos previamente fixados na lei à apreciação desta.

Trata-se, na renovação da instância, de proceder ao reexame anual da situação do condenado, nos casos em que foi já apreciada a liberdade condicional e não foi concedida, tendo o recluso pelo menos mais um ano de prisão a cumprir.

Este incidente foi reintroduzido, embora com algumas modificações, no CEPMPL e que esteve vigente na ordem jurídica português no âmbito da Lei Orgânica dos TEP (artigo 97º do Decreto Lei n.º 783/76 de 29 de Outubro) até ter sido revogado pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto e sujeito, então a várias críticas (ver por todos António Latas in «A intervenção jurisdicional na execução das reacções criminais privativas de liberdade na vigência do Decreto lei n.º 265/79: aspectos práticos» Direito e Justiça, volume especial, 2004 p.234).

A renovação da instância funciona como pórtico à admissibilidade da liberdade condicional, desde que verificados os restantes requisitos da liberdade condicional a que alude o artigo 61º do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano.

No caso dos autos o recurso interposto pelo Ministério Público incide sobre um despacho proferido que não admitiu a renovação da instância, com vista ao conhecimento da liberdade condicional (que terminaria na recusa ou deferimento), tendo em conta a referida alteração legislativa que veio, agora, permitir a aplicação de um novo regime da liberdade condicional, passível de ser aplicado nos autos.

A decisão da não admissibilidade da renovação da instância, consubstancia, na prática, uma recusa da possível liberdade condicional.

Se é certo que ainda não foi proferida decisão «de mérito» sobre a existência de pressupostos que, no caso, permitam (ou não) a concessão da liberdade condicional, o certo é que a decisão em causa recusou, ao indeferir a renovação da instância, essa possibilidade.

O efeito da recusa da renovação da instância, com base na interpretação efectuada é, no caso concreto e na prática, exactamente o mesmo que recusar a liberdade condicional.

Daí que o recurso interposto pelo Ministério Público, limitado à recusa renovação da instância, é admissível, à face do normativo previsto no artigo 179º nº 1 e 180º n.º 1 e nº 3 do CEPMPL, improcedendo, por isso a questão prévia suscitada.

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II. FUNDAMENTAÇÂO

A questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação, incide sobre a questão da aplicação no tempo das normas do CEPMLP referentes à renovação anual da liberdade condicional.

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Decisão em apreciação:

Promoção que antecede:

Compulsados os autos constatamos que o recluso cumpre pena de 5 anos e 9 meses de prisão.

Foi-lhe apreciada a sua situação, pela última vez e para efeitos de liberdade condicional, pelo TEP de Lisboa, em 04/02/1 0 sendo que os respectivos 2/3 tinham ocorrido em 29/01/1 0.

Atento o teor do artigo 61° do Código Penal, não foi determinada qualquer outra renovação da instância, por não estar legalmente prevista, conforme referimos na decisão de folhas 104 e seguintes, que damos por integralmente reproduzida.

É certo que, com a entrada em vigor do novo Código de Execução de Penas, aprovado pela Lei 115/09 e 12/10, e nos termos do artigo 1800 n° 1 parte final, não sendo concedida a liberdade condicional, a instância renova-se de 12 em 12 meses.

Contudo, cremos que, ainda que se considere que a renovação da instância tem sempre lugar nos termos do artigo 180°, n°1 do CEP, mesmo para lá dos marcos do artigo 61° do C.P., como infra defendemos, tal, parece-nos, sempre com o devido respeito por opinião contrária, que só poderá ocorrer, para o futuro, isto é, em processos, cuja liberdade condicional, tenha sido apreciada, já após a entrada em vigor da actual lei, o que não é, de todo, o caso dos autos. Por outro lado, o aludido artigo 180°, n°1 do CEP, refere na sua parte inicial “Sem prejuízo do disposto no artigo 61° do C.P..

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Sendo certo que só nos movem interesses de bem servir a Justiça, nada nos repugnando, o maior ou menor número de vezes, que nos devamos deslocar aos Estabelecimento Prisionais, para apreciar a situação dos reclusos, queremos contudo fazê-lo, de acordo com o legalmente estipulado e não discricionariamente e sem qualquer sentido, tendo também em conta as finalidades da Liberdade Condicional.

Assim cremos bem interpretar o normativo em causa, quando, não obstante permitir a renovação da instância, de 12 em 12 meses, tal só ser de efectuar, até aos marcos temporais previstos no artigo 61° do Código Penal, isto é até aos 2/3 nas penas até 6 anos e até aos 5/6, nas penas superiores a 6 anos.

A não ser assim, não vemos a razão de ali se encontrar estatuído — “Sem prejuízo do disposto no artigo 61° do Código Penal...”

Por outro lado ainda, e a assim se não entender, ficaria sem qualquer justificação a concessão de liberdade obrigatória pelos 5/6 das penas, já que anualmente se poderia continuar a apreciar a situação do recluso, deixando de existir os fundamentos, que é sabido estarem na base de tal obrigatoriedade de concessão de Liberdade condicional.

Por estes motivos, cremos estar certas quando, na pena aqui em causa e tendo observado os limites temporais do artigo 61° do Código Penal, concluímos não haver lugar a mais renovações da instância, tanto mais que proferimos decisão muito antes da entrada em vigor da presente Legislação, o que por ora, mantemos, sendo certo que, se e logo que viermos a ter conhecimento de posição diversa, já sufragada por Tribunais Superiores, logo assim faremos para este, e todos os demais processos em igualdade de circunstâncias.

Notifique e d.n..

Coimbra data supra

A juíza do TEP»

A questão em causa nos presentes autos configura-se, na sua essência, como uma questão de aplicação da lei processual penal no tempo, nomeadamente no que respeita ao regime da renovação da instância para efeitos de apreciação da liberdade condicional.

Decorre da factualidade em apreço que o recluso se encontra a cumprir uma pena de prisão de 5 anos e 9 meses cujo termo está calculado para 29.12.2011, tendo a apreciação dos dois terços da pena ocorrido em 20.01.2010.

Por decisão de 2.02.2010 o TEP decidiu não conceder a liberdade condicional.

Em Abril de 2010, entrou em vigor o novo CEPMPL - Lei n.° 115/2009 que reestabeleceu um novo regime normativo da apreciação da renovação da instância para efeitos da liberdade condicional – artigo 180º - que estabelece, no que ao caso importa, o seguinte: “1- Sem prejuízo do disposto no artigo 61° do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, a instância renova-se de 12 em 12 meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão».

Como se referiu supra o incidente da renovação da instância estabelecido no artigo 180º consubstancia um pressuposto autónomo dos requisitos genéricos da liberdade condicional, em relação ao estabelecido no artigo 61º do Código Penal, tendo em vista uma maior disponibilidade à possibilidade da liberdade condicional.

Exactamente porque se trata de um mecanismo que permite, na prática, um alargamento das situações de acesso à «liberdade» condicional, é compreensível o que o legislador, no artigo 9º da Lei que aprovou o CEPMPL, estabeleceu:

“As disposições do livro II do Código Da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade não se aplicam aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do recluso ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo, continuando, nesses casos, os processos a reger-se, até final, pela legislação ora revogado.

2- O disposto no número anterior não prejudica a aplicação imediata das normas sobre a renovação da instância nos processos de liberdade condicional.

(...)“.

Ou seja é absolutamente claro que o novo regime da renovação da instância se aplica aos processos pendentes (iniciados antes da entrada em vigor do Código) em que se verifiquem, em concreto, os pressupostos da renovação da instância.

Assim sendo revoga-se a decisão do tribunal de Execução de Penas que deverá ser substituida por outra que, de imediato, proceda à renovação da instância do processo com vista a desencadear o a apreciação e decisão sobre a liberdade condicional.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em revogar a decisão do tribunal de Execução de Penas que deverá ser substituida por outra que, de imediato, proceda à renovação da instância do processo com vista a desencadear a apreciação e decisão sobre a liberdade condicional.

Notifique.


Mouraz Lopes (Relator)
Félix de Almeida