Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/15.8IDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CONSUMAÇÃO
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
REGIME EXCEPCIONAL DE REGULARIZAÇÃO DE DÍVIDAS
PLANO PERES
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 105.º, N.º 4, AL. B), DO RGIT; DL N.º 67/2016, DE 03-11
Sumário: I – A consumação do crime de abuso de confiança fiscal ocorre no momento em que o agente não entrega a prestação devida, haja ou não declaração tributária.

II – Consumado o crime, só o pagamento integral das prestações em dívida, no prazo previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, afasta a punibilidade da conduta.

III – A adesão da sociedade devedora ao regime excepcional de regularização de dívidas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 67/2016, de 03.11, habitualmente designado por plano PERES, numa ocasião em que os arguidos já não exerciam no ente colectivo qualquer função de gerência executiva, e não obstante tal plano estar a ser cumprido, não tem qualquer repercussão sobre a condição objectiva de punibilidade entretanto verificada.

Decisão Texto Integral:




ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Nos presentes autos de Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, que correram termos pelo Juízo Local Criminal de Coimbra, J1, e em que são arguidos:

1. A., LDA;
2. JE;
3. SM; e

4. LG,

Foram pronunciados os arguidos JE, SM e LG, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 2, 4, 5 e 7, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06, sendo a arguida A., Lda, responsável criminalmente por força do disposto no art.º 7.º, n.º 1.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, assim decidindo (transcrição):

Nestes termos o Tribunal decide:
1. Condenar o arguido JE, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em co-autoria material e sob a forma consumada, previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com a condição de efectuar o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, durante o período da suspensão, nos termos do artigo 14º, nº 1 do RGIT, devendo comprovar anualmente nos autos a entrega de pagamentos à Autoridade Tributária.
2. Condenar o arguido SM, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em co-autoria material e sob a forma consumada, previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com a condição de efectuar o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, durante o período da suspensão, nos termos do artigo 14º, nº 1 do RGIT, devendo comprovar anualmente nos autos a entrega de pagamentos à Autoridade Tributária.
3. Condenar o arguido LG, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em co-autoria material e sob a forma consumada, previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com a condição de efectuar o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, durante o período da suspensão, nos termos do artigo 14º, nº 1 do RGIT, devendo comprovar anualmente nos autos a entrega de pagamentos à Autoridade Tributária.
4. Condenar a arguida “A., LDA.”, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, em co-autoria material e sob a forma consumada, previsto e punido pelo artigo 7º e 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), o que perfaz o montante total de € 6.000 (seis mil euros).

(…).

Inconformados, os arguidos LG, JE e SM (estes dois últimos conjuntamente) interpuseram os presentes recursos, que motivaram, assim concluindo:

ARGUIDO LG:

1.ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida e depositada em 14/07/2021, pela qual o recorrente foi condenado pela prática em co-autoria material e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo artigo 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos, com a condição de efectuar o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, durante o período da suspensão, nos termos do artigo 14º, nº 1 do RGIT.

2.ª O recorrente não se conforma com a douta sentença porque entende que o Tribunal a quo errou quer no juízo decisório produzido quanto à matéria de facto que considerou dada como provada, quer quanto ao juízo de direito que produziu sobre os factos que foram e deveriam ter sido apurados na sequência do julgamento realizado.

3.ª No que respeita à matéria de facto, a prova produzida em julgamento, cuja reapreciação se irá realizar, determinava que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado o facto constante do ponto n.º 11 da matéria de facto assente, o qual deverá ser revogado e dado como não provado, por absoluta inexistência de prova do mesmo.

4.ª O Tribunal recorrido não poderia ter dado como provado que o aqui recorrente foi pessoalmente notificado no dia 27 de março de 2018 para, no prazo de 30 dias, proceder ao respectivo pagamento nos Serviços de Finanças da área da sede fiscal.

5.ª O Tribunal recorrido, para prova do indicado facto, indica as notificações constantes de fls. 96 e 100 dos autos 6.ª Tais documentos não fazem prova de tal facto porque a fls 96 encontra-se efectivamente a carta de notificação do recorrente, sem qualquer comprovativo de entrega, sendo que a fls 100 dos autos encontra-se o alegado talão de registo dessa mesma carta, sem qualquer comprovativo de recepção da referida carta por parte do recorrente.

7.ª A fls. 100 verso – prova que não foi identificada na acusação nem na sentença, nem valorado em sede de julgamento, nomeadamente confrontando-se o arguido com o seu conteúdo, pelo que não pode ser valorada quanto ao arguido – encontra-se um aviso de recepção que não corresponde nem à carta de fls 96, nem ao talão de fls. 100.

8.ª A fls. 101 – prova que não foi identificada na acusação nem na sentença, nem valorado em sede de julgamento, nomeadamente confrontando-se o arguido com o seu conteúdo, pelo que não pode ser valorada quanto ao arguido– encontra-se um aviso de recepção com o código de registo que manualmente foi aposto na carta de fls 96, sendo que este aviso de recepção, como resulta da leitura, não foi assinado pelo recorrente, nem tem a aposta a identificação do mesmo.

9.ª Assim, outra alternativa não restava ao Tribunal senão dar tal facto como não provado.

10.ª O que implicava imediatamente a absolvição do recorrente, visto que o cumprimento daquela formalidade é uma condição objectiva de punibilidade do facto, a qual não se verifica.

11.ª Agindo em forma diversa, violou o Tribunal recorrido a al. b), do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT, motivo pelo qual deve ser revogada a decisão e substituída por outra que absolva o recorrente.

12.ª Caso assim não se entenda, ao aceitar um plano de pagamentos, administração tributária aceitou alterar o prazo legal de entrega das prestações tributárias, cujo plano se encontra em cumprimento, conforme ponto 19 dos factos provados.

13.ª Assim, também por esta via não se verifica a condição objectiva de punibilidade supra citada, o que determina a absolvição do recorrente.

14.ª Agindo em forma diversa, violou o Tribunal recorrido a al. a), do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT, motivo pelo qual deve ser revogada a decisão e substituída por outra que absolva o recorrente.

15.ª Caso ainda assim não se entenda, sempre se refira que os critérios impostos pelos artigos 40.º, n.º 1 e 2 (finalidades das penas e princípio da proporcionalidade) e 71.º (determinação da medida da pena), todos do Código Penal, deverá a pena de prisão aplicada ser reduzida a 1 (um) ano, suspensa por igual período de tempo, não se sujeitando esta suspensão a qualquer condicionante.

Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. superiormente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido, julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência:

A) Ser revogado o facto dado como provado sob o ponto n.º 11, passando a elencar dos factos não provados;

B) Ser o recorrente absolvido do crime em que foi condenado;

C) Subsidiariamente, na hipótese de improcedência do pedido constante do ponto anterior, deverá a medida da pena ser alterada, aplicando-se uma pena de prisão de 1 (um) ano, suspensa por igual período de tempo, não se sujeitando esta suspensão a qualquer condicionante

Assim se fazendo a acostumada justiça!

ARGUIDOS JE E SM:

1. A decisão em causa é, desde logo, manifestamente escassa no que tange à fundamentação.

2. Sendo certo que tal dever resulta lapidarmente do regime legal plasmado no n.º 2, do artigo 374º do CP Penal

3. Ora é certo tal esforço motivante inexiste na douta decisão em recurso, mormente no que tange aos “factos não provados”, em que se utiliza uma formulação extremamente vaga e insusceptível de cumpri cabalmente a finalidade legal.

4. Efectivamente, a decisão em causa não efectua qualquer esforço minimamente relevante, designadamente no que tange aos alicerces probatórios da assunção da matéria de facto não provada.

5. Ora, o mencionado artigo 374/2 do CPP impunha que se examinasse criticamente a prova para que, assim, se tornasse inteligível o processo lógico que determinou a convicção do julgador.

6. E, como aprática seguida na decisão recorrida se coloca nos antípodas de tal exigência legal, é manifesta a nulidade da decisão final, nos termos constantes da al. a) do n.º 1 do artigo 379º do CP Penal.

7. Por outra banda, salvo o devido respeito, a Decisão recorrida emerge, ainda, acometida por vícios sindicáveis nos termos do artigo 410º do CP Penal – que, como é consabido, plasma a chamada revista alargada.

8. Desde logo, de facto, afigura-se incorrer no vício cognoscível nos termos do art. 410.º, n.º 2, b) do CP Penal, dada a contradição insanável da fundamentação, que surge em diversos segmentos do decidido.

9. De facto, no que tange aos montantes em dívida, resultantes da falta de pagamento de IRS nos meses de Janeiro a Junho e Setembro de 2015 é notória e insuprível a confusão criada.

10. Da conjugação dos pontos 7 e 12 da factualidade provada resulta que de um total em dívida de € 822.666,66, faltava pagar na data da acusação o quantitativo de € 225.408,55

11. Ou seja, os pagamentos parciais das quantias em dívida, foram substanciais, representando até à data da acusação prestações de quase 600 000.00€

12. Não obstante, factualidade absolutamente antagónica é tomada em consideração aquando da escolha e determinação da medida da pena – aquando da análise das necessidades prevenção especial quanto aos arguidos/recorrentes JE e SM, respetivamente a fls. 45 e 49 da sentença, faz-se constar da douta sentença que “- O prejuízo causado ao Estado no valor de € 822.666,66, deduzido o montante de € 225.408,55 já pago no plano de pagamento em prestações” e que “A gravidade das consequências ser elevada, atento o montante em dívida e a quantia ainda não estar paga na totalidade, mas apenas parcialmente, conforme plano de pagamento em prestações que vigorou durante a gerência do arguido, que totalizou o montante de € 225.408,55.” (destaques a negrito ausentes do original, logo da estrita responsabilidade do signatário)

13. Assim, fica claro que para a determinação da concreta medida da pena considerou-se um valor da prestação tributária em falta fixado em €822.666,66 e que o valor pago pelos arguidos ascendeu, apenas, a €225.408,55, pelo que permaneceria em dívida o montante de €597.258,11.

14. Todavia, como é manifesto, esta espécie de lucubração colide com a factualidade provada a 7 e a 12 evidenciando que o erro em que incorreu a decisão.

15. Na verdade, o valor pago ao momento da acusação fixava-se em €597.258,11 pelo que nessa data apenas faltava pagar o montante de €225.408,55 (sendo certo que, actualmente, o valor em dívida se fixa em aproximadamente €150.000,00, atentos os pagamentos, entretanto efectuados, ao abrigo do famigerado PERES).

16. Isto é, trocou-se o valor pago pelo valor em dívida. 17. Neste conspecto, resulta perspícuo que a douta sentença incorre no vício cognoscível nos termos do art. 410.º, n.º 2, b) do CP Penal, dada a contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação, maxime a atinente à operação de determinação de medida da pena.

Sem prescindir,

18. A subsequente manifestação de dissídio dirá respeito à factualidade dada como não provada, pretendendo os recorrentes demonstrar que, por um lado, as vagas considerações feitas a tal propósito se mostram desfasadas da legalidade aplicável e que, por outra banda, houve produção de prova que impunha decisão distinta daquela assumida pelo Tribunal a quo.

19. Com efeito, em um primeiro momento, não pode deixar de se sublinhar a referência contida na sentença a que determinados factos careciam de prova documental!

20. Na realidade, salvaguardado o devido respeito, tal colide fragorosamente com a ideia contida no artigo 125º do CP Penal – legalidade da prova - e 127º do mesmo diploma – liberdade da apreciação da prova.

21. Lidos tais emanações do direito probatório processual penal facilmente se constatará que inexiste, neste concreto areópago do direito público, qualquer prova tarifada, ou relações de supra-infra ordenação entre as tipologias de prova.

22. Pelo contrário, cabe ao tribunal apreciar livremente a prova, de acordo com as regras da experiência comum.

23. E, quando assim se não entenda, sendo um determinado acervo factual relevante para a boa aplicação da justiça, cabe ao Tribunal, nos termos plasmados no artigo 340 do CP Penal – indiscutivelmente consagrando um princípio da investigação a onerar o Juiz a quem não se admite um non liquet – investigar autonomamente o facto.

24. Isto é, está vedado ao Juiz do processo penal não julgar provado um facto relevante única e simplesmente pela putativa ausência da produção de um determinado meio de prova.

25. Ao invés, cabe ao Juiz desenvolver autonomamente a actividade passível de elucidar esse pedaço da realidade tido por relevante.

26. Ora, quando a decisão recorrida alude a que determinados factos não se provam por alegada insuficiência da prova testemunhal está a violar quer o direito probatório tal qual vem recortados nos artigos 124, 125 e 127 do CPP como a contender com o falado princípio da investigação decorrente do 340 do Código de Processo Penal.

27. Mais: o olvido a que é votada a referida principiologia inquina definitivamente o julgamento da matéria de facto, na exacta medida que levou a que a factualidade não provada fosse assim erroneamente julgada.

28. Assim, desde logo, reputam-se incorrectamente julgados os pontos segundo, terceiro, quarto e quinto da matéria de facto julgados não provados.

29.Quanto ao segundo e terceiro pontos da matéria de facto não provada (“- De resto, e de acordo com o que os contestantes sabem, tais pagamentos em atraso foram regularizados e liquidadas as quantias em dívida após a eleição da Direcção que sucedeu àquela integrada pelos aqui contestantes.”/“Com dinheiros da agremiação desportiva em causa, os gerentes da AAC liquidaram as dívidas fiscais mais recentes deste clube sem outra justificação que não a de serem as que responsabilizavam penalmente quem, na altura dos pagamentos, detinha o poder decisório, ficando os contestantes à mercê da nova direcção da A. Lda – que, depois de protelar o pagamento das quantias em dívida muito para lá do que a anterior direcção tinha acertado, pagou os montantes em débito não de acordo com o que seria financeiramente aconselhável e conforme aos princípios gerais da Lei Tributária, mas olhando para os interesses conjunturais de quem geria e gere a AAC-OAF.”) estes colidem com prova documental dimanada dos autos!

30.Tanto assim que o despacho de arquivamento parcial faz-lhes ampla referência – documentos de fls. 137-155 do anexo respeitante aos períodos de Junho e Agosto de 2016 e fls. 116-119 do processo principal.

31.Ou seja, resulta à saciedade que os montantes atinentes a Junho e Agosto de 2016 – retidos depois da saída dos recorrentes da direcção executiva dos recorrentes – foram pagos com meios da própria co-arguida AAC-OAF.

32. Razão pela qual, a consideração de tais elementos impõe uma decisão de todo distinta no que tange a esta matéria – de resto, já tomada no arquivamento de tais factos, justamente por força desse pagamento!

33.No que tange ao ponto terceiro dos factos não provados “Tais cofres estavam, de facto, recheados com o valor de um empréstimo avalizado pelos arguidos JE e SM no montante de 375.000€ (trezentos e setenta e cinco mil euros), e o montante de 500.000€ (quinhentos mil euros) proveniente das receitas televisivas”, são vários os elementos que impunham dar como provado tal acervo factual.

34. Na verdade, em sede de audiência de discussão e julgamento os recorrentes afirmaram que existia uma livrança avalizada por ambos, para garantia de um empréstimo no montante de €375.000, sendo tal indubitavelmente confirmado pela testemunha RM.

35. Assim, a testemunha – gerente bancário da entidade que concedeu o empréstimo – na sessão da audiência de discussão e julgamento de 29 deJunhode2021 (gravado através do Sistema H@bilus Medio Studio, sob o ficheiro 20210629102853_2931174_2870727), com início às 10:28 horas e fim às 10:34, designadamente do minuto 03:27 ao minuto 04:35, confirmou assertivamente a existência desse titulo de crédito avalizado pelos arguidos.

36.Também nesse exacto sentido milita o depoimento da testemunha MJ – membro da direccção daAACentre2014 e2016 – que, na sessão da audiência de discussão e julgamento de 23 de Junho de 2021 (gravado na plataforma Habilus através do programa WMA–Windows Media Áudio sob o Ficheiro 20210623103147_2931174_2870727), com início às 10h31 e fim às 11h, designadamente do minuto 20:45 ao minuto 22:10, afirmou ter conhecimento do empréstimo em valor superior a 300 mil euros, avalizado pelos recorrentes.

37. Também a testemunha AM – contabilista da AAC-OAF– confirmou a existência de um empréstimo avalizado pelos arguidos, na sessão da audiência de discussão e julgamento de 23 de Junho de 2021 (gravado na plataforma Habilus através do programa WMA – Windows Media Áudio, sob o ficheiro 20210623111053_2931174_2870727), com início às inicio 11h:10m e fim às 11h:33, designadamente do minuto 10:50 ao minuto 12:12.

38.Ressumando tal facto, ainda, do depoimento da testemunha MC, como se realça na douta sentença.

39.Neste conspecto, dúvidas não podem sobejar quanto à existência do empréstimo bancário avalizado pelos aqui recorrentes, cujo montante ficou disponível para a direcção seguinte.

40. Assim, resulta insusceptível de se entender que tal facto tenha sido relegado para os factos não provados, face à prova testemunhal produzida.

41. Finalmente, também o ponto quinto da factualidade dada como não provada se afigura alvo de crítica quanto ao respectivo julgamento.

42. De facto, sobre o mesmo foi produzida prova suficiente, como resulta do depoimento da testemunha AM, (gravado na plataforma Habilus através do programa WMA – WindowsMediaÁudio, sob o ficheiro 20210623111053_2931174_2870727), com início às inicio 11h:10m e fim às 11h:33, designadamente do minuto 09:47 ao minuto 10:48.

43. Aí se diz – confirmando de resto um facto público e notório na cidade de Coimbra que vê a antiga sede dos (…) ocupada por estabelecimentos de hotelaria e restauração – que tal edifício foi vendido por um valor entre os 600 e os 700 mil euros.

44. Neste conspecto, procedendo todo o supra exposto, devem os referidos pontos da matéria de facto dada como não provada serem considerados como incorrectamente julgados e alterados em consonância, ou seja, relegados para os factos provados, face à cristalina evidência dos meios probatórios supra referenciados

45. Também em matéria da juridicidade aplicável a Douta decisão recorrida se afigura passível de crítica.

46. Com efeito, a Direcção da AAC-OAF que os recorrentes integravam, sabedora do efeito deletério proveniente da não entrega dos valores alegadamente retidos em sede de IRS dos trabalhadores, celebrou acordos de pagamento de tais montantes com a AT, em 24 prestações.

47. Que cumpriu, enquanto os arguidos/recorrentes foram dirigentes da co-arguida.

48. Todavia, a direcção eleita em Junho de 2016 aproveitou a solução oferecida, em 3 de Novembro de 2016, pelo DL 67/2016 que permitiu a liquidação de dívidas fiscais em um elevado número de prestações.

49. Diga-se que os recorrentes – afastados que estavam da direcção da AAC-OAF – foram absolutamente estranhos a tal decisão.

50. Ora, após a celebração dos acordos no âmbito do PERES, o pagamento passou a ser efectuado de acordo com o plano aprovado ao abrigo de tal legislação.

51.E, nos termos do nº 9 do artigo 8º do sobredito instrumento legal – DL 67/2016 de 3 de Novembro - O cumprimento do plano prestacional ao abrigo do presente decreto-lei determina que se considere que o contribuinte tem a situação contributiva regularizada, nos termos e para os efeitos do artigo 208.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

52.Isto é, quem cumpre o plano apresentado não tem dívidas ao Estado, designadamente de âmbito fiscal.

53.Ou seja, por rectas contas, quem paga o que acordou, no regime em que acordou e aceite pelo credor, não deve.

54. De resto, esse entendimento é inequivocamente reforçado pelo n.º 1, do artigo 10º, do mesmo decreto-lei que, sob a epígrafe exigibilidade, estatui que “As dívidas abrangidas por planos prestacionais ao abrigo do presente regime são integralmente exigíveis estando em dívida três prestações vencidas”.

55. Em conclusão, só quando exista incumprimento do plano de prestações combinado com o Estado Português – traduzido na falta de liquidação de três prestações sucessivas – é que a dívida se torna exigível.

56. Assim sendo, não podia o Estado notificar os arguidos individuais e pessoa colectiva para os termos do artigo 105, n.º 4, al. b), do RGIT,

57. Exactamente por a prestação não ser, naquele momento, exigível.

58. Se ao Estado estava vedada a possibilidade de proceder à notificação a que alude a citada al. b), do n.º 4 do art. 105º do RGIT – justamente por inexistir dívida que justificasse o pedido – a mesma tem, necessariamente, considerar-se inexistente.

59. Com efeito, a mesma só poderá ocorrer se vier a verificar-se o circunstancialismo a que alude o n.º 1 do artigo 10º do DL 67/2016 – ausência de pagamento de 3 prestações consecutivas – uma vez que, sem essa verificação, inexiste o que quer que seja para exigir!!!

60. Como resulta do n.º 4, do artigo 105º do RGIT, “Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) (…) b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”) o cumprimento dessa notificação é imprescindível para a perfeição típica e punibilidade da conduta, dado que se afirma como inelutável condição objectiva de punibilidade.

61. Ou seja, a sentença recorrida, face à actividade hermenêutica que supra se preconiza, viola o ponto 9 do artigo 8º e n.º 1, do artigo 10º do DL 67/2016 de 3 de Novembro e, bem assim, a al. b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT.

Finalmente, sem prescindir e por cautela de patrocínio,

62. In casu, atento o tipo de crime cometido pelos recorrentes, e o circunstancialismo em que o mesmo emergiu bem como as concepções das prevenções geral e especial, está-se em crer que a pena fixada não poderia ultrapassar o mínimo legal para o recorrente JE e fixar-se a meio da moldura no que tange ao arguido SM.

De facto,

63.Tais medidas da pena reporiam a confiança comunitária na manutenção da validade do comando inserido na norma jurídica violada.

64. Ao contrário da condenação de que se faz apologia na decisão em recurso que omite as consequências deletérias normalmente assacáveis às penas de prisão – designadamente o efeito dessocializador e potenciador de revolta no cidadão condenado.

65. E que arranca de pressupostos equivocados no que tange à gravidade da conduta.

66. Na verdade, assesta-a em patamares de repercussão elevada por notória confusão quanto aos valores em dívida – que não são de cerca de seiscentos mil euros, como se refere na sentença mas de cerca de cento e cinquenta mil euros.

67. Ora, ao obnubilar esta valoração a Douta decisão desrespeitou a norma do citado art.71º, 1, do Código Penal,

68. Interpretando-a com um sentido manifestamente não querido pelo poder constituinte que estatui que a privação da liberdade dos cidadãos só pode emergir quando for necessária, adequada e proporcional à salvaguardadeoutrosvalorescomdignidadeconstitucional-art.18º/2 da CRP.

69.Assim, também este preceito se mostra violado.

70. Na verdade, as penas adequadas e proporcionais às condutas dos recorrentes – com resposta efectiva às razões preventivas, especiais e gerais, sentidas – deve fixar-se nos valores supra enunciados

71. Que são aqueles que respondem – indubitavelmente – à culpa reduzida com que actuaram, face ao contexto que os rodeava.

72. Desprovida de sentido é, ainda, a subordinação da suspensão da pena ao pagamento da importância em dívida.

73. Isto porque, na verdade – como decorre da expressa letra do DL 67/2016 – inexiste qualquer dívida enquanto o pagamento estiver a decorrer sadiamente ao abrigo dessa legislação.

74. Isto é, paradoxalmente, a suspensão das penas aplicadas está subordinada a uma condição inexistente…

Termos em que julgando procedente o presente recurso, deverão V. Ex.ªs revogar a decisão proferida, e exarar Acórdão que reflicta a materialidade fluente das conclusões supra elaboradas.

Respondeu o MP em primeira instância, retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:

I-Foram bem dados como provados os factos narrados no despacho de pronuncia, assente que inexistem também os vícios do artigo 410º/2 do CPP, não havendo qualquer irrazoabilidade no facto de se terem dados como apurados os factos acima identificados e colocados em crise pelos recorrentes;

II - Inexistem nulidades de sentença;

III - As penas foram ajustadas e adequadas, até raiando a benevolência tal o passado criminal dos arguidos SM.

Termos em que deve negar-se provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada justiça!

Teve lugar a requerida audiência, cumprindo proferir acórdão.

FACTOS PROVADOS:

1. A arguida A, LDA., é uma sociedade desportiva unipessoal por quotas, com o CAE (…), e com o NIPC (…), tendo como sede a Rua (…), n.º (…), em (…).
2. E tem como escopo principal o fomento e a prática de futebol federado, nas suas diferentes categorias e escalões, bem como a gestão de equipamentos desportivos e a exploração comercial de espaços e direito e a gestão e exploração do jogo do bingo.
3. No período contributivo compreendido entre Janeiro e Setembro de 2015, a gerência da arguida A., LDA., coube aos arguidos JE, na qualidade de presidente do sócio único, SM e LG.

4. Aos quais cabia a gerência de direito e de facto, assumindo todos as funções de direcção e organização da empresa, dando ordens e instruções e controlando toda a sua actividade, e chamando a si a iniciativa e a responsabilidade por todas as decisões do giro da sociedade, quer perante trabalhadores ou fornecedores quer, em particular, perante o Estado.
5. A arguida A., LDA., é sujeito passivo de IRS (imposto sobre o rendimento de pessoas singulares), relativo aos valores do trabalho dependente dos salários pagos aos seus trabalhadores (categoria A) e aos rendimentos empresariais e profissionais dos respectivos sócios (categoria B).
6. Nessa qualidade, a arguida A., LDA., enquanto mero substituto tributário, estava obrigada a entregar ao Estado, mensalmente, os valores retidos nos salários dos seus trabalhadores/colaboradores.
7. No período contributivo compreendido entre Janeiro e Setembro de 2015, os arguidos JE, SM e LG,          em representação da arguida A., LDA., enviaram à Autoridade Tributária as declarações de retenção na fonte de IRS, com os seguintes valores:

- Janeiro de 2015: € 126.253,65;

- Fevereiro de 2015: € 182.454,43;

- Março de 2015: € 103.361,28;

- Abril de 2015: € 104.366,62;

- Maio de 2015: € 103.582,07;

- Junho de 2015: € 110.372,34; e

- Setembro de 2015: € 92.276,27.

Num total de € 822.666,66.
8. Nas datas de 05 de Janeiro, 04 de Fevereiro de 2015, 12 de Março de 2015, 10 de Abril de 2015, 12 de Maio de 2015, 01 de Junho de 2015 e 11 de Setembro de 2015, respectivamente, os salários que originaram os montantes de retenção na fonte constantes das declarações referidas foram colocados à disposição dos funcionários da sociedade arguida.
9. Nessa      sequência,         foi   a               prestação tributária devidamente deduzida, sem que os arguidos JE, SM e LG, em representação da arguida A., LDA., a tenham entregue nos Serviços da Administração Fiscal até à data limite de entrega, ou seja, até ao 20.º dia do mês seguinte àquele a que foram deduzidos.

10. Nem nos 90 dias subsequentes.

11. Os arguidos JE, SM e LG foram pessoalmente notificados, nos dias 31 de Janeiro de 2017, 13 de Novembro de 2017 e em 27 de Março de 2018, para, no prazo de 30 dias, procederem ao respectivo pagamento nos Serviços de Finanças da área da sede fiscal, nos termos do art.º 105.º, n.º 4, al. b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.

12. Os arguidos JE, SM e LG efectuaram pagamentos parciais das quantias devidas ao Estado no âmbito dos processos de execução fiscal, encontrando-se a pagamento [à data da dedução da acusação] as seguintes quantias:

- Março de 2015: € 21.588,54;

- Abril de 2015: € 43.486,08;

- Maio de 2015: € 47.475,11;

- Junho de 2015: € 55.186,15; e

- Setembro de 2015: € 57.672,67;

Num total de € 225.408,55.
13. Os arguidos JE, SM e LG, actuando por si e em representação da arguida A. LDA., de acordo com um plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, retiveram aquele imposto de IRS que sabiam não lhes pertencer nem à sociedade arguida e que tinham de entregar ao Estado.
14. Não obstante disso saberem, no seu interesse e no da sociedade que geriam, os arguidos JE, SM e LG quiseram integrar aquelas quantias nos seus patrimónios e no da sociedade que representavam, o que fizeram, apoderando-se daqueles valores que apenas lhes tinham sido confiados para entrega ao Estado, conscientes que, dessa forma, diminuíam as receitas fiscais.
15. Os arguidos JE, SM e LG actuaram por si, no seu interesse e no interesse e em representação da arguida A. LDA., de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
16. Os arguidos JE, SM e LG cessaram funções de membros dos órgãos sociais como gerentes executivos da A., LDA. por apresentação na Conservatória com o nº Ap. (…), por destituição (cfr. Certidão Permanente com a ref. …), com efeitos a partir de 16.06.2016.
Dos documentos juntos aos autos requeridos pela defesa dos arguidos:

17. A Autoridade Tributária a fls. 585-586 dos autos, informou o seguinte:

- Retenções na fonte de Janeiro de 2015, no valor de € 126.253,65: foram pagas 11 prestações, sendo a última datada de 31.05.2016;
- Retenções na fonte de Fevereiro de 2015, no valor de € 182.454,43: foram pagas 11 prestações, sendo a última datada de 31.05.2016;
- Retenções na fonte de Março de 2015, no valor de € 103.361,28: foram pagas 11 prestações, sendo a última datada de 31.05.2016;
- Retenções na fonte de Abril de 2015, no valor de € 104.366,62: foram pagas 11 prestações, sendo a última datada de 01.06.2016;
- Retenções na fonte de Maio de 2015, no valor de € 103.582,07: foram pagas 10 prestações, sendo a última datada de 01.06.2016;
- Retenções na fonte de Junho de 2015, no valor de € 110.372,34: foram pagas 9 prestações, sendo a última datada de 01.06.2016;
- Retenções na fonte de Setembro de 2015, no valor de € 92.276,27: foram pagas 6 prestações, sendo a última datada de 01.06.2016.
18. Todos os planos de pagamento em prestações referidos em 17. estão incluídos no plano de pagamento em 150 prestações nº 2016.968, deferido por despacho proferido em 28.11.2016 e notificado no mesmo dia, elaborado nos termos do regime excepcional de regularização de dívidas, aprovado pelo Decreto-lei nº 67/2016, de 03.11., habitualmente designado por plano PERES.
19. O plano PERES encontra-se em dia, com 60 prestações já regularizadas, dentro dos respectivos prazos.
Contestação dos arguidos JE e SM
20. A arguida A. Lda durante o primeiro semestre de 2015, viu duas empresas – “…” e a “…”, com quem haviam sido contratados patrocínios, deixarem de pagar o montante de cerca de 400.000€ (quatrocentos mil euros).
21. Confrontados com a imperiosa necessidade de solver os vencimentos dos trabalhadores – designadamente futebolistas – e com a colectividade imersa numa luta pela manutenção na primeira liga, a agremiação adoptou a medida de adiar os pagamentos das obrigações fiscais ditas na acusação e referentes a 2015, e tais montantes foram usados, apenas e exclusivamente, para liquidar valores respeitantes à vida da A. Lda.
22. Sendo certo que os arguidos bem sabiam da estrita necessidade de entregarem ao Estado tais montantes, quer por se tratar de legítimos e devidos débitos tributários quer, também, porque a sua regularização era absolutamente imprescindível para a inscrição na Liga Profissional de Clubes.
23. A estas circunstâncias, somou-se o facto de a Câmara Municipal de (…) deixar de efectuar quaisquer entregas à arguida A. Lda, ao contrário do que vinha acontecendo.
24. Segundo o plano apresentado pela Direcção da A. Lda de que os arguidos fizeram parte, aprovada pela Autoridade Tributária, as obrigações fiscais não pagas atinentes ao ano de 2015, contempladas na acusação, estariam integralmente liquidadas, respectivamente, em Junho de 2017 e Dezembro de 2017.
25. Os arguidos à data da decisão de adesão ao denominado PERES já não exerciam funções de gerência executiva a A. Lda..

Relatórios sociais
(…)
Certificado de Registo Criminal

29. A arguida A, LDA. não tem antecedentes criminais registados.
30. O arguido JE não tem antecedentes criminais registados.
31. O arguido LG já foi anteriormente condenado nos seguintes processos:
I – Comum Singular nº 69/13.8TACBR, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 01.01.2009, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença proferida em 04.03.2015, e transitada em julgado em 20.04.2015, já extinto;
II - Comum Singular nº 630/17.1T9CBR, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 12.2011, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença proferida em 19.03.2019, e transitada em julgado em 29.04.2019, já extinto;
III - Comum Singular nº 11/17.7EALSB, pela prática de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, por factos de 26.01.2017, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 8,50, por sentença proferida em 08.05.2019, e transitada em julgado em 12.06.2019, já extinto.

32. O arguido SA já foi anteriormente condenado nos seguintes processos:

I - Comum Singular nº 233/06.6TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 2005, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 8, por sentença proferida em 15.07.2009, e transitada em julgado em 14.09.2009, já extinto;
II - Comum Singular nº 231/06.0TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 04/2005, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 8, por sentença proferida em 30.09.2009, e transitada em julgado em 30.10.2009, já extinto;
III - Comum Singular nº 169/07.3TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2005, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 7, por sentença proferida em 09.03.2011, e transitada em julgado em 08.04.2011, já extinto;
IV - Comum Singular nº 22/08.3TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2005, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 7, por sentença proferida em 09.03.2011, e transitada em julgado em 11.07.2011, já extinto;
V - Comum Singular nº 6/11.4TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2010, na pena de 320 dias de multa, à taxa diária de € 7, por sentença proferida em 07.05.2012, e transitada em julgado em 06.06.2012, já extinto;
VI - Comum Singular nº 141/09.9TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2006, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6, por sentença proferida em 24.01.2013, e transitada em julgado em 13.02.2013, já extinto;
VII - Comum Singular nº 1484/11.7IDLRA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 2011, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6, por sentença proferida em 24.01.2013, e transitada em julgado em 13.02.2013, já extinto;

VIII - Comum Singular nº 1737/09.4IDLRA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 2009, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6, por sentença proferida em 24.01.2013, e transitada em julgado em 13.02.2013, já extinto;
IX - Comum Singular nº 1664/12.8IDLRA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 09/2011 na pena de 2 anos de prisão, substituída por 480 dias de prestação de trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 15.01.2014, e transitada em julgado em 14.02.2014, já extinto;
X - Comum Singular nº 1483/11.9IDLRA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos de 12.09.2011, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por 480 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 15.01.2014, e transitada em julgado em 20.02.2014;
XI - Comum Singular nº 873/12.4TALRA, pela prática de um crime de desobediência qualificada, por factos de 25.01.2012, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6, por sentença proferida em 08.04.2014, e transitada em julgado em 19.05.2014, já extinto;
XII - Comum Singular nº 934/12.0TALRA, pela prática de um crime de desobediência qualificada, por factos de 18.01.2012, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença proferida em 03.06.2014, e transitada em julgado em 03.07.2014, já extinto;
XIII - Comum Singular nº 24/13.8TAANS, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 2009, na pena de 20 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, por sentença proferida em 29.09.2015, e transitada em julgado em 29.10.2015;

XIV - Comum Singular nº 260/16.5T9PBL, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por factos de 09/2013, na pena de 12 meses de prisão, substituída por 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por sentença proferida em 27.10.2016, e transitada em julgado em 28.11.2016.
XV – Em cúmulo Jurídico no processo nº 3739/16.5T8LRA, dos processos nºs 1483/11.9IDLRA, 24/13.8TAANS, 260/16.5T9PBL, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de proceder ao pagamento das quantias ainda em dívida à Fazenda Nacional e Segurança Social, relativo à prestação tributária e da Segurança Social e legais acréscimos, que lhe foi prorrogada por mais 1 ano e 3 meses, por acórdão proferido em 12.06.2017 e transitado em julgado em 12.07.2017, com decisão de prorrogação transitada em julgado em 11.01.2021.
33. Os arguidos confessaram parcialmente os factos de que vêm pronunciados.

Factos não provados

Resultaram não provados os seguintes factos:

- Os arguidos fizeram tal pagamento.
- De resto, e de acordo com o que os contestantes sabem, tais pagamentos em atraso foram regularizados e liquidadas as quantias em dívida após a eleição da Direcção que sucedeu àquela integrada pelos aqui contestantes.
- Com dinheiros da agremiação desportiva em causa, os gerentes da A. Lda liquidaram as dívidas fiscais mais recentes deste clube sem outra justificação que não a de serem as que responsabilizavam penalmente quem, na altura dos pagamentos, detinha o poder decisório, ficando os contestantes à mercê da nova direcção da A. Lda – que, depois de protelar o pagamento das quantias em dívida muito para lá do que a anterior direcção tinha acertado, pagou os montantes em débito não de acordo com o que seria financeiramente aconselhável e conforme aos princípios gerais da Lei Tributária, mas olhando para os interesses conjunturais de quem geria e gere a A. Lda.
- Tais cofres estavam, de facto, recheados com o valor de um empréstimo avalizado pelos arguidos JE e SA no montante de 375.000€ (trezentos e setenta e cinco mil euros), e o montante de 500.000€ (quinhentos mil euros) proveniente das receitas televisivas.
- E quanto ao património imobiliário há que destacar o edifício da antiga sede da A. Lda, aos (…) – que havia sido totalmente restaurado e que se encontrava arrendado em condições extremamente vantajosas – que foi vendido, sem que o produto da venda fosse usado para solver as dívidas fiscais, maxime as que responsabilizavam penalmente os contestantes.

DECIDINDO:

Analisadas as conclusões que os arguidos retiram da motivação dos respectivos recursos, as quais delimitam o âmbito do nosso conhecimento censório, logo se constata que são essencialmente as seguintes as questões a decidir:

Arguidos JE e SM:

- a primeira questão suscitada por estes recorrentes prende-se com a ocorrência de pretensa nulidade da sentença, por ser manifestamente “escassa a fundamentação”, no que respeita aos factos não provados;

- de seguida invocam a ocorrência de vício de contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação, designadamente no que tange com a operação de determinação da medida da pena;

- impugnam também a factualidade dada como não provada nos pontos segundo a quinto;

- entrando na análise da matéria de direito, afirmam que não poderiam ter sido notificados nos termos do artº 105º, 4, b), do RGIT porquanto nesse momento a dívida era inexigível, pois que a entidade devedora havia celebrado acordos de pagamento das dívidas fiscais, no âmbito do PERES; assim, dizem, não se verifica a aquela condição objectiva de punibilidade;

- finalmente, a titulo subsidiário, pedem a redução das penas de prisão fixadas na sentença e afirmam que não pode ser a suspensão da sua execução condicionada ao pagamento da importância em dívida, pois que «inexiste qualquer dívida enquanto o pagamento estiver a decorrer sadiamente ao abrigo dessa legislação [DL67/2016]».

Arguido LG:

- Inicia a sua pretensão impugnando o facto provado em 11º, que pretende ver levado aos factos não provados (afirma que não existe nos autos prova da sua notificação pessoal para proceder ao pagamento em questão);

- subsidiariamente, afirma que não se verifica a condição objectiva de punibilidade, pois que ao aceitar um plano de pagamentos, a administração tributária aceitou alterar o prazo legal de entrega das prestações tributárias, cujo plano se encontra em cumprimento;

- finalmente, e ainda a titulo subsidiário, pede que seja reduzida a pena de prisão fixada, mantendo-se a suspensão da sua execução sem sujeição a uma qualquer condicionante.

Começaremos a nossa análise pelo recurso conjunto dos arguidos JE e SM.

Como vimos já, estes recorrentes iniciam a sua impugnação invocando a ocorrência de pretensa nulidade da sentença, por ser manifestamente “escassa a fundamentação” no que respeita aos factos não provados.

Em processo penal, o regime das nulidades obedece ao princípio da legalidade enunciado no nº 1 do artº 118º, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade quando esta for expressamente cominada na lei.

Um dos casos em que a lei comina expressamente com nulidade a violação de determinadas estatuições legais, é o do art. 379º, que enumera taxativamente, no seu nº 1, as causas de nulidade da sentença.

Aí se dispõe que, em processo comum, a sentença é nula:

a) Se não contiver as menções referidas no nº 2, e na alínea b) do nº 3, do art. 374º; 

b) Se condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos art.s 358º e 359º; 

c) Quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia conhecer.

São estes os casos e não outros que determinam a nulidade da sentença.

Na perspectiva em que os recorrentes enfocam a arguida nulidade, esta consistiria na «escassa» fundamentação da sentença no que se reporta aos factos não provados.

Afirmam que, neste pormenor, o tribunal para poder dar como não assentes os factos em causa, deveria ter analisado criticamente a prova para que, assim, «se tornasse inteligível o processo lógico que determinou a convicção do julgador».

É sabido que o dever de fundamentação das decisões judiciais se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 205.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, devendo obedecer às formas previstas na lei.

Aí se estipula que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

Em processo penal, a forma que a lei prevê para cumprir o dever de fundamentação de uma sentença é a que consta na previsão do art. 374º, nº 2.

De acordo com este normativo, a sentença deve, sob pena de nulidade (artº 379º, 1, a), CPP), conter as seguintes menções:

a) A enumeração dos factos provados e não provados;

b) A exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.

A necessidade de indicação das razões psicológicas da decisão, de forma a demonstrar o silogismo judiciário efectuado, impõe-se pela necessidade de se demonstrar que o tribunal formou a sua convicção a partir de provas validadas em julgamento, ainda que de forma indirecta, com recurso a presunções judiciárias.

Tal circunstância, a ocorrer, constituirá invalidade traduzida na falta de fundamentação, com a amplitude já referida, por falta da operação de análise crítica relativamente à prova produzida relativamente a tal segmento factual.

Tal falta da fundamentação exigida pelo artº 374º, 2, do CPP, conduz à nulidade cominada na al. a), do nº 1, do artº 379º, ambos do CPP, nulidade essa que é de conhecimento oficioso, como resulta do nº 2 deste artº 379º.

Vimos já que o nº 2 do artº 374º do CPP exige que a sentença proceda «a uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal».

Tal fundamentação, dada a sua natureza eminentemente descritiva, deve dar a entender quais os meios de prova que foram atendidos para a formação da convicção do julgador e quais as operações lógico-dedutivas que tiveram lugar, de forma a tornar compreensível o juízo efectuado.

É sabido que o processo de formação da convicção do tribunal é complexo e dinâmico, já que nele intervêm, simultaneamente, a consideração da globalidade das provas produzidas e validadas em audiência, as regras da experiência e do senso comum, da normalidade do acontecer… de modo a procurar retratar e plasmar um ‘retalho da realidade’.

Mas, para que o juízo efectuado seja inatacável, face à liberdade de apreciação da prova, estabelecida pela norma do artº 127º do CPP, deve esse juízo ser devidamente fundamentado nos termos já referidos, de forma a que a decisão se torne compreensível pelos destinatários, que poderão aí encontrar fundamentos para o exercício do direito ao recurso, de consagração constitucional.

Deve a livre convicção do julgador ser fundamentada não apenas por referência às provas consideradas para o efeito, mas também através da exposição do processo crítico que levou à valoração de umas provas sobre as outras, à razão pela qual umas se sobrepõem às outras.

Deve o juízo crítico em causa ser compreensível, respeitando as regras da experiência, da lógica e da normalidade do acontecer.

E no caso concreto, a sentença procedeu a uma completa exposição e análise crítica das provas atendidas, após o que teceu as seguintes considerações a propósito dos factos não provados (transcrição):

Quanto aos factos não provados, por não se ter logrado demonstrar, nomeadamente, pela exigência de prova documental, não se bastando com a prova testemunhal produzida, igualmente porque o próprio contabilista da sociedade arguida afirma que no momento da transição das direcções não havia dinheiro para pagar as dívidas fiscais.

Pretendem os recorrentes que tal extracto, dada a sua natureza quase telegráfica, não satisfaz de pleno a exigência constitucional de fundamentação.

Os pontos da matéria de facto não provada que aqui interessam prendem-se com a pretensa regularização dos pagamentos em atraso (II e III), com a existência de dinheiro nos cofres (IV) e com a venda de património sem que o produto respectivo fosse usado para solver as dividas fiscais aqui em causa (V).

Teremos de considerar que a exigência de fundamentação não pode ser de tal amplitude que torne inviável o exercício fundamentador; o que a explanação factual deve conter é, no próprio dizer da lei, «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto» da decisão. Ou seja, o equilíbrio deve ser encontrado no compromisso entre completude e concisão.

No caso concreto não podemos esquecer que aquela afirmação referente aos factos não provados, apesar de sumária, não pode ser considerada isoladamente; deve ser integrada com as referências probatórias efectuadas e descritas anteriormente, a propósito dos factos provados.

E, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes não se faz referência à exigência de uma qualquer prova cujo valor seja considerado tarifado; o que se diz é que a formação da convicção do tribunal não se pode bastar com a prova testemunhal, pois que seria necessária a junção de outra prova, nomeadamente documental confirmativa.

Daqui resulta que, analisando conjugadamente os princípios da legalidade da prova (consagrado no artº 125º do CPP) com o da sua livre apreciação (no artº 127º), seja de considerar que se mostra suficientemente satisfeita a exigência de fundamentação, pois que daquela enunciação resulta - de forma medianamente clara - quais as razões por que aquela factualidade foi remetida para os factos não provados.

Assim sendo, não ocorre a nulidade invocada.

A questão seguinte, suscitada por estes dois arguidos, prende-se com a invocada ocorrência de vício de contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação, designadamente no que tange com a operação de determinação da medida da pena.

Embora ligada à questão probatória material, invocam os recorrentes a ocorrência do vício de contradição insanável entre os factos provados e a fundamentação, v.g. no que se refere à operação de determinação da medida da pena.

Todos os vícios referidos no nº 2 do artº 410º, para serem atendíveis, devem resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». Ou seja, o vício há-de ressaltar do próprio contexto da sentença, não sendo lícito, neste pormenor, o recurso a elementos externos – que não aquelas regras da experiência - de onde esse vício se possa evidenciar.

O vício de contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão (artº 410º, 1, b), CPP), verifica-se quando há uma incompatibilidade, que do texto da própria decisão recorrida se revela, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, seja de concluir que a correcta interpretação daquela conduza a uma decisão contrária à adoptada ou quando, nos mesmos termos, seja de concluir que a decisão não é clara, por se excluírem mutuamente os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido na fundamentação de direito e decidido no dispositivo; e há contradição entre os factos quando os provados e/ou os não provados se contradizem entre si ou estão descritos de forma a constituírem negação uns dos outros.

Os recorrentes traduzem esse vício na pretensa oposição entre o que se deu como provado nos pontos 7 e 12 e a fundamentação usada a propósito da escolha e determinação da medida da pena.

É a seguinte a redacção desses dois pontos factuais:

7. No período contributivo compreendido entre Janeiro e Setembro de 2015, os arguidos JE, SM e LG, em representação da arguida A, LDA., enviaram à Autoridade Tributária as declarações de retenção na fonte de IRS, com os seguintes valores:

- Janeiro de 2015: € 126.253,65;

- Fevereiro de 2015: € 182.454,43;

- Março de 2015: € 103.361,28;

- Abril de 2015: € 104.366,62;

- Maio de 2015: € 103.582,07;

- Junho de 2015: € 110.372,34; e

- Setembro de 2015: € 92.276,27.

Num total de € 822.666,66.

(…)

12. Os arguidos JE, SM e LG efectuaram pagamentos parciais das quantias devidas ao Estado no âmbito dos processos de execução fiscal, encontrando-se a pagamento [à data da dedução da acusação] as seguintes quantias:

- Março de 2015: € 21.588,54;

- Abril de 2015: € 43.486,08;

- Maio de 2015: € 47.475,11;

- Junho de 2015: € 55.186,15; e

- Setembro de 2015: € 57.672,67;

Num total de € 225.408,55.

Os recorrentes pretendem que esta factualidade se encontra em manifesta oposição com o que, em sede fundamentadora [de direito] foi dito na sentença, v.g. quando, a fls. 45 e 49, afirma que “- O prejuízo causado ao Estado no valor de € 822.666,66, deduzido o montante de € 225.408,55 já pago no plano de pagamento em prestações” e que “A gravidade das consequências ser elevada, atento o montante em dívida e a quantia ainda não estar paga na totalidade, mas apenas parcialmente, conforme plano de pagamento em prestações que vigorou durante a gerência do arguido, que totalizou o montante de € 225.408,55.”

Efectivamente, ocorre uma contradição entre tais factos provados e aquele segmento da fundamentação pois que, por erro de interpretação, parece ter-se concluído que os pagamentos efectuados apenas teriam ascendido a 225.408,55 euros quando, quando esse montante respeitava, isso sim, ao valor total em dívida, pois que em 12. se refere que esse era o total das quantias que, à data da acusação, se encontravam a pagamento.

Assim sendo, a repercussão dessa circunstância sobre a operação de determinação da medida da pena aplicada a cada um dos arguidos, deveria ser pela medida desse valor em dívida, mais reduzido.

No entanto, não estamos perante contradição insanável - a qual reconduziria a situação à necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (artº 426º, 1, CPP) – pois que esse erro patente no juízo efectuado, que admitimos traduzir-se numa contradição óbvia, é sanável, fazendo repercutir – agora e aqui - a situação na operação de determinação da medida da pena. No dizer daquele nº 1 do artº 426º, é possível decidir a causa, eliminando tal erro, tal contradição.

O vício só se deve considerar verificado quando a contradição for insanável, inultrapassável, o que, claramente, não é o caso.

Prosseguem estes arguidos pretendendo que a factualidade dada como não provada nos pontos segundo a quinto seja levada aos factos provados.

A fim de melhor enquadrar a questão, de forma a torná-la mais compreensível, cremos ser útil reproduzir aqui, na integra, a exposição fundamentadora factual elaborada na sentença recorrida:

(…).

Esta pretensão dos recorrentes está interligada com aquela outra, atrás analisada, da pretensa nulidade da sentença por deficiente fundamentação, traduzindo-se numa sua perspectiva material.

Ali se cuidou de afirmar que não estava em causa a exigência de uma qualquer forma de prova, de uma prova tarifada, documental, mas antes de exteriorizar a necessidade de prova corroborante, pois que a exigência probatória não se mostrava satisfeita com as simples referências dos arguidos e das testemunhas, sendo necessária a produção de outra prova confirmativa, documental ou outra. Também aí se afirmou a compatibilidade desse juízo com os princípios da legalidade da prova e da sua livre apreciação pelo juiz.

Também se não pode afirmar que a postura do tribunal, assim conformada, se traduza numa qualquer violação do disposto no artº 340º do CPP, pois que não ocorre qualquer ‘non liquet’, não se impondo ao tribunal investigar livremente esse facto quando, da factualidade provada resultava que esses pagamentos de regularização da dívida não foram feitos e que o dinheiro referido não existia nos cofres, que estes não estavam «recheados», antes pelo contrário. [o próprio contabilista da sociedade arguida afirma que no momento da transição das direcções não havia dinheiro para pagar as dívidas fiscais].

Relativamente aos segundo e terceiro pontos da factualidade considerada não provada, temos de considerar que muito embora o documento de fls. 116 demonstre que teve lugar a retenção na fonte dos montantes aí retratados, referentes aos períodos de junho e agosto de 2016 (não respeitando assim, aos períodos referentes aos montantes em dívida, que estão em causa nos presentes autos, que se reportam ao ano anterior), temos de considerar que tais pagamentos não respeitam às dívidas fiscais em causa nestes autos, tratando-se assim de questões meramente circunstanciais, sem qualquer repercussão directa no caso em debate.

Daí a irrelevância da questão, na nossa perspectiva, tratando-se de mera argumentação lateral dos recorrentes.

Quanto à questão de os cofres se encontrarem «recheados» com o valor de um empréstimo avalizado pelos arguidos JE e SM, no montante de 375.000 euros e ainda de 500.000 euros provenientes de receitas televisivas, também a questão se mostra resolvida, bastando atentar em que o próprio contabilista da A, Lda., AM referiu que «no momento da transição das direcções não havia dinheiro para pagar as dívidas fiscais».

Face a tão clara afirmação, temos de concluir pela não prova desses montantes em cofre ou, pelo menos, no campo das hipóteses, que eles - a existirem - estivessem destinados a ser afectados ao pagamento de dívidas fiscais. Para além das dívidas fiscais, a sociedade arguida tinha outros compromissos financeiros, e dificuldades em os solver, conforme aliás ressalta da factualidade assente no seu conjunto, v.g. em 20 a 23.

Esta argumentação retira qualquer relevância à análise dos depoimentos dos recorrentes e das testemunhas referidas, pois que não se poderá demonstrar a pertinência do alegado – que tais montantes, a existirem, fossem destinados a pagamento das dívidas fiscais aqui em causa. Só isso importaria aqui.

Ressalta da indicação probatória que efectivamente, em sede de audiência de discussão e julgamento os recorrentes afirmaram que existia uma livrança avalizada por ambos, para garantia de um empréstimo no montante de €375.000.

É também certo que a testemunha RM, gerente bancário da entidade que concedeu o empréstimo – na sessão da audiência de discussão e julgamento de 29 deJunhode2021 (gravado através do Sistema H@bilus Medio Studio, sob o ficheiro 20210629102853_2931174_2870727), com início às 10:28 horas e fim às 10:34, designadamente do minuto 03:27 ao minuto 04:35, confirmou a existência desse titulo de crédito avalizado pelos arguidos. Não poderia era esclarecer aquilo que efectivamente importava averiguar e que era a questão de saber qual o efectivo destino do produto do montante titulado.

 O mesmo se diga relativamente ao teor do depoimento da testemunha MJ – membro da direccção da A, Lda. entre 2014 e2016 – que, na sessão da audiência de discussão e julgamento de 23 de Junho de 2021 (gravado na plataforma Habilus através do programa WMA–Windows Media Áudio sob o Ficheiro 20210623103147_2931174_2870727), com início às 10h31 e fim às 11h, designadamente do minuto 20:45 ao minuto 22:10, afirmou ter conhecimento do empréstimo em valor superior a 300 mil euros, avalizado pelos recorrentes.

A já referida testemunha AM – contabilista da A., Lda. – confirmou a existência de um empréstimo avalizado pelos arguidos, na sessão da audiência de discussão e julgamento de 23 de Junho de 2021 (gravado na plataforma Habilus através do programa WMA – Windows Media Áudio, sob o ficheiro 20210623111053_2931174_2870727), com início às inicio 11h:10m e fim às 11h:33, designadamente do minuto 10:50 ao minuto 12:12. Mas essa afirmação deve ser enquadrada com aquela outra também feita pela testemunha e que já referimos: - a inexistência de dinheiro para pagamento das dívidas fiscais, no momento da transição das direcções, que era o que verdadeiramente importava saber.

Assim sendo, não merece censura a decisão do tribunal recorrido, ao remeter para a factualidade não provada os respectivos pontos segundo, terceiro e quarto.

O mesmo se diga relativamente ao seu ponto quinto, pois que apesar de a testemunha AM, (cujo depoimento se mostra gravado na plataforma Habilus através do programa WMA – WindowsMediaÁudio, sob o ficheiro 20210623111053_2931174_2870727), com início às inicio 11h:10m e fim às 11h:33, designadamente do minuto 09:47 ao minuto 10:48, referir que o edifício da antiga sede dos (…) ocupada por estabelecimentos de hotelaria e restauração, foi vendido por um valor entre os 600 e os 700 mil euros, tal não significa que esse facto haja de ser dado como provado, com essa redacção, e muito menos que o produto da eventual venda houvesse sido ou tivesse de ser afecto ao pagamento das dívidas fiscais aqui em causa.

De tudo o que se disse, resulta clara a não essencialidade de tal factualidade, a sua natureza circunstancial.

Como questão seguinte, estes recorrentes, entrando na análise da matéria de direito, afirmam que não poderiam ter sido notificados nos termos do artº 105º, 4, b), do RGIT porquanto nesse momento a dívida era inexigível, pois que a entidade devedora havia celebrado acordos de pagamento das dívidas fiscais, no âmbito do PERES; assim, dizem, não se verifica a aquela condição objectiva de punibilidade.

Sem razão o fazem.

Com efeito, conforme resulta da sentença recorrida, «nos termos do artigo 105º do RGIT são elementos constitutivos do crime de abuso de confiança:

- a não entrega à administração tributária, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar;

- a não entrega do respectivo montante no prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação.

O crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não declaração tributária (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.10.2009, proc. nº 12/08.6IDGRD.C1, in www.dgsi.pt). “O crime de abuso de confiança fiscal consuma-se no momento em que a prestação tributária deveria ter sido paga, a que se seguirão, para efeitos de punibilidade da conduta, os prazos previstos no nº 4 do aludido artigo 105.º do RGIT” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27.09.2016, proc. nº 393/11.4IDFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt. - e “consumado o crime, só o pagamento integral das quantias em dívida, e no prazo previsto no artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT, afasta a punibilidade da conduta.”

Daqui resulta que a consumação do crime em causa ocorre no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não declaração tributária.

Aparte isso, e uma vez consumado o crime, só o pagamento integral, no prazo daquele artº 105º, 4, b), do RGIT, afastará a punibilidade da conduta.

Tal pagamento não ocorreu nesse prazo nem para além dele.

Sendo um facto a adesão da sociedade devedora ao denominado PERES, numa ocasião em que os recorrentes já nela não exerciam qualquer função de gerência executiva, não é menos certo que, muito embora tenha tal plano vindo a ser cumprido, ele não tem qualquer repercussão sobre a verificação da referida condição objectiva de punibilidade, que ocorrera já.

A entidade credora, no caso a AT, apesar da pendência do processo crime, não pode desistir da cobrança das quantias devidas, que foi aquilo que aconteceu.

Como última questão, e a titulo subsidiário, pedem ainda a redução das penas de prisão fixadas na sentença e afirmam que não pode ser a suspensão da sua execução suspensa sob condição de pagamento da importância em dívida, pois que «inexiste qualquer dívida enquanto o pagamento estiver a decorrer sadiamente ao abrigo dessa legislação [DL67/2016]».

Quanto à medida das penas de prisão, após serem tecidas considerações de ordem geral, foram consideradas as seguintes circunstâncias, na sentença recorrida:

«O arguido JE.

As necessidades de prevenção especial situam-se num patamar médio, pois os presentes autos reportam-se a factos ocorridos no ano de 2015, o arguido não tem condenações anteriores, acabou por assumir a prática destes factos, encontra-se inserido social, profissional e familiarmente, as dificuldades financeiras sentidas pela AAC/OAF, também por motivos exteriores à vontade dos seus gerentes.

Apreciando os critérios do artigo 71º, nº 2 do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, e atento o artigo 13º do RGIT, deve considerar-se:

- A ilicitude é moderada, tendo em conta o modo de actuação e às dificuldades económicas verificadas, por incumprimento de contratos por parte dos patrocinadores.

- O curto período de tempo em que não foi feito o pagamento de IRS (7 meses do ano de 2015), atendendo à duração do mandato enquanto gerente executivo da AAC.

- O prejuízo causado ao Estado no valor de € 822.666,66, deduzido o montante de € 225.408,55 já pago no plano de pagamento em prestações.

- A gravidade das consequências ser elevada, atento o montante em dívida e a quantia ainda não estar paga na totalidade, mas apenas parcialmente, conforme plano de pagamento em prestações que vigorou durante a gerência do arguido, que totalizou o montante de € 225.408,55.

- O arguido confessou parcialmente os factos.

- O arguido não tem antecedentes criminais registados.

- A culpa é intensa, revelada pela actuação com dolo directo.

Tendo em conta estes elementos, e as necessidades de prevenção geral e especial, que são no primeiro caso elevadas, como acima já se referiu, e moderadas no segundo, o Tribunal decide condenar o arguido na pena de 2 anos de prisão.

(…)

O arguido SM.

As necessidades de prevenção especial situam-se num patamar muito elevado, pois os presentes autos reportam-se a factos ocorridos no ano de 2015, o arguido tem condenações anteriores, pela prática de crimes fiscais, mais propriamente 6 crimes de abuso de confiança fiscal, sendo a última condenação por sentença transitada em julgado em 2014, em pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituída por PTFC, e 4 condenações por crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, também já condenado em pena de prisão de 2 anos, substituída por PTFC, mas acabou por assumir a prática destes factos, encontra-se inserido social, profissional e familiarmente, e as dificuldades financeiras sentidas pela AAC/OAF, também por motivos exteriores à vontade dos seus gerentes.

Apreciando os critérios do artigo 71º, nº 2 do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, e atento o artigo 13º do RGIT, deve considerar-se:

- A ilicitude é moderada, tendo em conta o modo de actuação e às dificuldades económicas verificadas, por incumprimento de contratos por parte dos patrocinadores.

- O curto período de tempo em que não foi feito o pagamento de IRS (7 meses do ano de 2015), atendendo à duração do mandato enquanto gerente executivo da AAC.

- O prejuízo causado ao Estado no valor de € 822.666,66, deduzido o montante de € 225.408,55 pago no plano de pagamento em prestações.

- A gravidade das consequências ser elevada, atento o montante em dívida e a quantia ainda não estar paga na totalidade, mas apenas parcialmente, conforme plano de pagamento em prestações que vigorou durante a gerência do arguido, que totaliza o montante de € 225.408,55.

- O arguido confessou parcialmente os factos.

- A culpa é intensa, revelada pela actuação com dolo directo.

- O arguido revela uma forte personalidade com tendência a delinquir, principalmente, na prática de crimes fiscais, como resulta do seu Certificado de Registo Criminal.

Tendo em conta estes elementos, e as necessidades de prevenção geral e especial, que são no primeiro caso elevadas, conforme acima referidas, e muitíssimo elevadas no segundo, o Tribunal decide condenar o arguido na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.»

Pretendem os recorrentes que «a pena fixada não poderia ultrapassar o mínimo legal para o recorrente JE e fixar-se a meio da moldura no que tange ao arguido SM».

Resulta do disposto no artigo 105º, nº 1, 2, 4, 5 e 7 do RGIT que o crime de abuso de confiança, aqui em causa, quando a entrega não efectuada for superior a €50.000, é punível com uma pena de prisão de um a cinco anos (para a pessoa colectiva a pena de multa é de 240 dias até 1200 dias).

Ao arguido JE foi fixada uma pena de 2 anos de prisão e ao arguido SM uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

As circunstâncias pessoais, devidamente destacadas na sentença recorrida determinam, por um lado, a necessidade de algum distanciamento relativamente ao mínimo da moldura, no que tange ao primeiro, e a diferenciação da pena, com maior punição, relativamente ao segundo.

Não fora o patente erro em que se incorreu na sentença, e a que atrás fizemos já referência, e o doseamento das penas mostrar-se-ia equilibrado.

Como atrás já se deixou dito, ocorre uma contradição entre tais factos provados e aquele segmento da fundamentação pois que, por erro de interpretação, parece ter-se concluído que os pagamentos efectuados apenas teriam ascendido a 225.408,55 euros quando, quando esse montante respeitava, isso sim, ao valor total em dívida, pois que em 12. se refere que esse era o total das quantias que, à data da acusação, se encontravam a pagamento.

Assim sendo, a repercussão dessa circunstância sobre a operação de determinação da medida da pena aplicada a cada um dos arguidos, deveria ser pela medida desse valor em dívida, mais reduzido.

Por isso, procedendo agora à correcção desse manifesto erro, e fazendo repercutir essa diminuição na medida das penas, entendemos serem de fixar a cada um deles as seguintes penas:

- ao arguido JE uma pena de 1 ano e 8 meses de prisão;

- ao arguido SM uma pena de 4 anos de prisão.

Como última questão, pretendem os recorrentes que não faz sentido subordinar a suspensão da execução das penas de prisão [a qual será de manter] a uma condição inexistente, já que inexiste qualquer dívida enquanto o pagamento estiver a decorrer sadiamente!

No entanto, não podemos aderir a tal posição, pois que como vimos já, a dívida existe e a condição objectiva de punibilidade verificou-se no caso.

Os pagamentos que forem sendo efectuados durante o período da suspensão e até à satisfação da condição, deverão ser considerados, pois que foi estabelecida a condição de pagamento da prestação tributária em dívida e acréscimos legais, no prazo da suspensão da execução da pena de prisão, (…), nos termos do artigo 14º, nº 1 e 2, al. a) do RGIT, devendo comprovar anualmente nos autos a entrega de pagamentos à Autoridade Tributária.

Arguido LG:

Este recorrente inicia a sua pretensão impugnando o facto provado em 11º, que pretende ver levado aos factos não provados (afirma que não existe nos autos prova da sua notificação pessoal para proceder ao pagamento em questão).

Efectivamente, nesse facto 11 deu-se como assente que este arguido foi pessoalmente notificado, nos termos do disposto no artº 105º, 4, b), do RGIT.

E vimos já que tal notificação constitui uma condição objectiva de punibilidade.

O tribunal suportou a prova de tal facto com os documentos juntos as fls. 99 e 100 dos autos e 8 e 39 do apenso I.

Ora, analisados os autos, v.g. a fls. 95 a 102, resulta que aí consta a notificação em causa, assinada pessoalmente pelo ora recorrente (v. fls. 100 e 101)

Assim sendo, neste pormenor improcede a impugnação factual.

Subsidiariamente, afirma que não se verifica a condição objectiva de punibilidade, pois que ao aceitar um plano de pagamentos, a administração tributária aceitou alterar o prazo legal de entrega das prestações tributárias, cujo plano se encontra em cumprimento.

Porquanto esta questão foi já atrás tratada, no recurso dos co-arguidos, e a matéria a decidir é a mesma, exactamente, para aí remetemos.

A circunstância de a sociedade arguida ter aderido ao PERES não tem qualquer influência directa na consumação do crime nem tão pouco na verificação da referida condição objectiva de punibilidade.

Como última questão, também a titulo subsidiário, pede que seja reduzida a pena de prisão fixada, mantendo-se a suspensão da sua execução sem sujeição a uma qualquer condicionante.

Também estas questões mereceram já o devido tratamento atrás e, por isso, para aí remetemos.

No entanto, e à semelhança do que aí fizemos, teremos de fazer repercutir a reparação do erro em que incorreu a sentença, na determinação da medida concreta da pena, individualizando as circunstâncias atinentes a este recorrente.

Na sentença impugnada foram destacadas as seguintes circunstâncias, a ele referentes:

Apreciando os critérios do artigo 71º, nº 2 do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, e atento o artigo 13º do RGIT, deve considerar-se:

- A ilicitude é moderada, tendo em conta o modo de actuação e às dificuldades económicas verificadas, por incumprimento de contratos por parte dos patrocinadores.

- O curto período de tempo em que não foi feito o pagamento de IRS (7 meses do ano de 2015), atendendo à duração do mandato enquanto gerente executivo da AAC.

- O prejuízo causado ao Estado no valor de € 822.666,66, deduzido o montante de € 225.408,55 pago no plano de pagamento em prestações.

- A gravidade das consequências ser elevada, atento o montante em dívida e a quantia ainda não estar paga na totalidade, mas apenas parcialmente, conforme plano de pagamento em prestações que vigorou durante a gerência do arguido, que totaliza o montante de € 225.408,55.

- O arguido confessou parcialmente os factos.

- À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.

- A culpa é intensa, revelada pela actuação com dolo directo.

Tendo em conta estes elementos, e as necessidades de prevenção geral e especial, que são no primeiro caso elevadas, conforme acima referidas, e moderadas no segundo, o Tribunal decide condenar o arguido na pena de 3 anos de prisão.

Face à já referida ocorrência de contradição entre tais factos provados e aquele segmento da fundamentação pois que, por erro de interpretação, parece ter-se concluído que os pagamentos efectuados apenas teriam ascendido a 225.408,55 euros quando, quando esse montante respeitava, isso sim, ao valor total em dívida, pois que em 12. se refere que esse era o total das quantias que, à data da acusação, se encontravam a pagamento.

Assim sendo, a repercussão dessa circunstância sobre a operação de determinação da medida da pena aplicada a cada um dos arguidos, deveria ser pela medida desse valor em dívida, mais reduzido.

Por isso, procedendo agora à correcção desse manifesto erro, e fazendo repercutir essa diminuição na medida da pena, entendemos ser de fixar a este arguido LG uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Também a propósito da pretensão da não subordinação da execução da pena de prisão à condição de pagamento das quantias em dívida remetemos para o que atrás deixámos já dito, que também aqui é pertinente.

Termos em que, na parcial procedência de cada um dos recursos, se acorda nesta Relação em reduzir as penas de prisão fixadas na sentença recorrida, assim as fixando:

- ao arguido JE uma pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

- ao arguido SM uma pena de 4 (quatro) anos de prisão.

- ao arguido LG uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

No mais, confirma-se a sentença recorrida (v.g. no que se prende com a suspensão da execução das penas de prisão e nas condições a ela apostas).

Recursos sem tributação.

Coimbra, 2 de Fevereiro de 2022

Jorge França (relator)

Maria Alexandra Guiné (adjunta)

Alberto Mira (presidente)