Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3249/19.9T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO
REDUÇÃO A ESCRITO
RECUSA JUSTIFICADA DE REDUÇÃO A ESCRITO
Data do Acordão: 02/01/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS3.º, 15.º, 22.º E 24.º DO DECRETO-LEI N.º 385/88, DE 25-10
Sumário: I - O contrato de arrendamento rural caduca por morte do arrendatário se, no prazo de 180 dias após a morte deste, os titulares do direito à transmissão do arrendamento não comunicarem por escrito ao senhorio a sua vontade de continuar como arrendatários.

II – O facto de, após a morte do arrendatário, os titulares do direito à transmissão do arrendamento, se manterem no gozo do prédio não tem por efeito a renovação do contrato nem a formação de um novo.

III - A redução a escrito dos contratos de arrendamento rural constitui uma «formalidade ad probationem».

IV – É de considerar que o arrendatário recusa justificadamente a redução a escrito do contrato que lhe é proposto pelo senhorio quando ele contém cláusulas contrárias à realidade e não reconhece direito de indemnização pelas benfeitorias realizadas no prédio.

IV - Se o arrendamento não for denunciado nem cessar por outra qualquer outra causa, renova-se sucessiva e automaticamente no termo do prazo contratado ou legalmente estabelecido, ainda que se ultrapasse o prazo máximo por que pode ser celebrado.

Decisão Texto Integral:  

    

       

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 13.5.2019, A., IPSS (doravante identificada como AA. ou A.) instaurou a presente ação declarativa comum contra B. (1º Réu) e D. (2º Réu), pedindo que sejam solidariamente condenados a:

a) - Reconhecerem a A. como única e legítima proprietária do prédio identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.) - Prédio Rústico, Artigo matricial rústico n.º 10647, freguesia de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 7127/20150220, com a área de 8 657 m2.

b) - Reconhecerem que até 23.9.2002 só o Sr. C.  fabricava aquele prédio da A., através de arrendamento rural verbal.

c) - Reconhecerem que nos termos do n.º 2 do art.º 24º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88 então em vigor (art.º 20º, em especial o seu n.º 6 da NLAR - DL n.º 294/2009), a 25.3.2003, operou a caducidade em relação a eventuais direitos de transmissão do arrendamento rural verbal do prédio sub judice por não terem comunicado por escrito à A. o decesso do arrendatário original C.  - ocorrido a 23.9.2002 - ou de qualquer outro familiar que “fabricasse” o referido prédio antes, pelo que aquele arrendamento rural verbal cessou a 23.9.2003 e não se transmitiu a nenhum dos Réus que assim detêm abusivamente o gozo do prédio, pelo menos, desde 25.3.2003, sendo que a A. não autorizou igualmente a sua utilização fracionada.

d) - Sem prescindir no sobredito, reconhecerem que o contrato de arrendamento rural verbal entre a A. e C., ao nunca ter sido celebrado por escrito e sem nunca a A. ter sido notificada por este para aquele efeito, sempre seria nulo desde 01.7.1989, por força da aplicação conjugada do art.º 3º e do n.º 3 do art.º 36º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88 (art.º 6º, n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009), nulidade que SEMPRE implica a pronta entrega do prédio sub judice à sua legítima proprietária/A. o que desde já se requer.

Continuando sem prescindir;

e) - Reconhecerem que os NOVOS contratos de arrendamento rural verbais existentes desde 2006 (e suas eventuais renovações), versando sob o prédio sub judice entre A. e os Réus, agricultores autónomos, nunca foram reduzidos a escrito, formalidade ad substantium nos termos do art.º 6º n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009, e art.º 3º e do n.º 3 do art.º 36º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88, pelo que SÃO NULOS, nulidade de conhecimento oficioso e que impõe a restituição imediata do prédio sub judice pelos Réus à A., livre de pessoas e bens, ónus ou encargos (art.º 289º do Código Civil/CC).

f) - Reconhecerem que a nulidade de cada um dos contratos de arrendamento rural verbais com início em 2006 (e suas eventuais renovações) já foi perante si invocada pela A. através das cartas registadas com AR em 18.12.2018 e 12.02.2015 ali se exigindo a devolução das respetivas parcelas do prédio usadas por cada um dos Réus - 2/3 e 1/3, respetivamente.

g) - Reconhecerem que a A. notificou os Réus a 17.01.2019 para a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural verbais, o que estes recusaram, para tanto aduzindo razões falsas;

h) - Reconhecerem que a A. nunca permitiu aos Réus ou sequer foi por eles solicitada a feitura de quaisquer benfeitorias e que estes as não erigiram - mormente a partir de 2002 - as quais, a existirem, sempre seriam voluptuárias e não passíveis de qualquer indemnização em caso de cessação ou não renovação dos contratos de arrendamento rural.

Continuando sem prescindir:

i) - Apenas e se o Tribunal der como válidos e existentes os contratos de arrendamento rural entre A. e Réus a partir de 2006, reconhecerem estes que ao não existirem contratos de arrendamento vitalício, contados os prazos supletivos e as eventuais renovações ocorridas desde aquela data, as suas respetivas vigências cessam a 31.12.2019, requerendo-se que, neste caso, sejam os Réus condenados a entregar o prédio sub judice à A. a 31.12.2019, livre de pessoas e bens, ónus ou encargos.

Ainda sem prescindir:

Mais se requer sejam os Réus solidariamente condenados, de forma solidária ao:

j) - Pagamento de quantia pecuniária não inferior a € 20 por cada dia de atraso no cumprimento, a título de Sanção Pecuniária Compulsória, nos termos do art.º 829º-A do CC, face à nulidade aduzida e à consequente obrigação de restituição.

k) - Apenas e se o Tribunal condenar os Réus a entregarem o prédio sub judice à A. em qualquer outra data (que não imediatamente), requer-se a condenação solidária dos Réus no pagamento de quantia pecuniária não inferior a € 20 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição do prédio nos termos e prazos conforme venham a ser decretados pelo Tribunal, a título de Sanção Pecuniária Compulsória.

l) - Pagamento à A. dos juros de mora à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data em que sejam devidos até integral pagamento.

            Alegou, nomeadamente: é proprietária do prédio rústico identificado no art.º 1º da p. i., fabricado por C., como agricultor autónomo, até 23.9.2002 (data do seu óbito), não tendo existindo contrato de arrendamento rural escrito, sem que por tal facto possa ser a A. responsabilizada; desde 2006, os Réus, abusivamente, passaram a trabalhar, na proporção de 2/3 e 1/3, aquele prédio da A. e a pagar as respetivas rendas; “unilateralmente”, dividiram entre si o “amanho” do prédio e nunca comunicaram por escrito à A. a transmissão do arrendamento, pelo que não possuem qualquer título válido e eficaz; desde 25.3.2003, caducaram tais contratos, caducidade que torna a detenção/gozo daquele prédio por parte dos Réus abusiva desde 23.9.2002, por não se fundamentar em qualquer título válido e eficaz já que aquele arrendamento rural verbal (entre C. e a A.) cessou naquela data, não se transmitindo a ninguém, em especial, a nenhum dos Réus; o contrato de arrendamento rural é nulo por falta de forma e a falta de redução a escrito apenas é imputável aos Réus, que recusaram assinar o mesmo sem qualquer fundamento válido; a considerar-se válido o contrato de arrendamento desde 2006, inexistindo atualmente contratos vitalícios, o mesmo tem o prazo máximo de sete anos, pelo que, considerando a renovação em 2013, cessou em 31.12.2019.

             Os Réus contestaram por excepção e impugnação, afirmando, nomeadamente: existiu um contrato de arrendamento rural escrito (constando de uma “ata” da A. do ano de 1972/1973); não ocorreu a alegada caducidade, transmitindo-se o arrendamento para os Réus, por morte do primitivo arrendatário (nos termos da alínea b) do n.º 3 do art.º 20º do DL n.º 294/2009, de 13.10), sendo que a A. passou a reconhecer os Réus, como arrendatários do prédio em questão, recebendo as rendas e emitindo os correspondentes recibos;  a A. não cumpriu a exigência prevista no n.º 5 do art.º 35º do DL n.º 294/2009, 13.10 (junção de um exemplar do contrato de arrendamento), pressuposto processual que consubstancia uma excepção dilatória inominada; a invocada invalidade será sempre sanável com a sua posterior formalização, pelas partes, atento o seu interesse próprio, devendo assim prosseguir o procedimento de elaboração de acordo para subscrição de contrato escrito de arrendamento rural; não houve qualquer recusa injustificada de reduzir o contrato de arrendamento a escrito, uma vez que este existe (constando da dita ata), tendo o 1º Réu sucedido na posição contratual do primitivo arrendatário, seu pai, C., e a proposta para subscrição de contrato de arrendamento de 15.01.2019, por não ter sido negociada e objeto de acordo, é apenas uma proposta de contrato, pois que os Réus e antes o pai do 1º Réu realizaram trabalhos e obras de beneficiação necessárias e a suas expensas, que se traduziram num aumento manifesto da produtividade do imóvel, sempre com o conhecimento e o consentimento da A., sendo o valor a liquidar oportunamente. Concluíram pela procedência da dita exceção e consequente absolvição dos Réus da instância ou pela improcedência do pedido.

            Na sequência do acórdão desta Relação de 08.9.2020 (que revogou o saneador-sentença de 22.01.2020, com o consequente prosseguimento da ação), foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 15.9.2021, decidiu julgar a ação «totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Réus dos pedidos, à excepção do pedido de reconhecimento da Autora como proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …., freguesia de …, sob o n.º 7127, sito em …., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 10647º, da freguesia de …, concelho de …».

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

I - A primeira questão com o qual a Recorrente discorda da sentença recorrida é a da não caducidade do primitivo contrato de arrendamento rural verbal existente entre a Recorrente – A. (doravante designada tão só por AA.) e C. pois que considera que o mesmo cessou, se não antes, a 23.9.2002 com a morte deste.

1.1 - Os factos dados como provados na Sentença recorrida e com especial interesse para esta questão são os - 4.1.11; - 4.1.12; - 4.1.13; - 4.1.14; - 4.1.15; - 4.1.16; - 4.1.24 e - 4.1.33.

1.2 - Como é pacificamente aceite pela nossa Jurisprudência “o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine, «ex vi» art.º 12º n.º 2 do Código Civil”, o que também a Sentença recorrida reconhece.

O regime vigente a data do facto que o determine, isto é, o falecimento de C. ocorrido a 23.9.2002 é o constante dos art.ºs 23º e 24º da LAR instituída pelo DL n.º 385/88 de 25.10 na sua redação àquela data vigente (23.9.2002).

1.3 - A Sentença recorrida faz dos art.ºs 23º e 24º do DL n.º 385/88 de 25.10 na sua redação àquela data vigente, uma interpretação, a nosso ver, errada.

1.4 - Ao não considerar como “obrigatórias as comunicações negativa e positiva referidas no art.º 24º do DL n.º 385/88”, comunicação, neste caso positiva que tinha de ser necessariamente escrita, efetuada pelo titular do direito à transmissão do arrendamento rural por morte do arrendatário (C.) comunicando ao senhorio - A A. - a vontade de exercer esse direito, comunicação positiva (escrita) que nenhum dos eventuais titulares daquele direito (n.º 2 do art.º 23º da LAR) fez.

1.5 - A Sentença recorrida, dando como provado a inexistência de tal comunicação não retira desse facto a necessária conclusão legal e que está expressamente plasmada no n.º 2 do art.º 24º da LAR (DL n.º 385/88) que é a caducidade do arrendamento.

Caducidade do arrendamento rural verbal entre C. e A. que assim (se não antes por questões de vício de forma) necessariamente ocorreu a 23.9.2002 por incumprimento daquele formalismo “ad substantiam” para a concretização do direito à transmissão por morte por parte de um

qualquer sucessível que o detivesse (n.º 2 do art.º 23º da LAR), tendo o mesmo ficado

precludido, pelo não exercício, a partir de 23.3.2003.

1.6 - Assim, salvo melhor opinião, deveria ter sido decidido na Sentença recorrida que, por aplicação do n.º 2 do art.º 24º do DL 385/88 (LAR), o arrendamento rural verbal - a existir - entre a AA. e C. caducou com a sua morte a 23.9.2002 pois que “- Os Réus não comunicaram por escrito a autora o exercício de um eventual direito de transmissão do referido arrendamento rural (verbal) por morte do arrendatário original ou de qualquer outro familiar que o fabricasse antes”. (4.1.15 dos factos provados), não havendo, por conseguinte, e ao contrário do decidido na Sentença recorrida, qualquer transmissão do eventual arrendamento rural verbal entre AA. e C. para ninguém, máxime para qualquer um dos Réus, não se aplicando qualquer das alíneas do art.º 23º da LAR (DL 385/88).

1.7 - Um eventual direito dos Réus (ou Familiares) à transmissão do alegado arrendamento rural (verbal) do prédio “sub judice” consignado no art.º 23º da LAR (DL 385/88) ficou precludido por não ter sido exercido quer em tempo - no prazo de 180 dias após o decesso de C. (nunca o foi) - quer sob a forma exigida - escrita - tudo conforme o n.º 2 do art.º 24º da LAR (DL 385/88).

1.8 - Ao contrário do que se decide na Sentença recorrida, o contrato de arrendamento rural verbal existente entre a recorrente e os recorridos é um contrato arrendamento rural completamente novo, sujeito a negociação e cujos termos as partes nunca se entenderam ou chegaram a acordo (vide pontos 4.1.21 e 4.1.22 dos factos provados).

1.9 - Decide a Sentença recorrida (fls. 24 e 25) que a atuação da A. “é consentânea” com um consentimento da mudança da posição de arrendatário e que, por isso, teria ocorrido a transmissão para os Réus do putativo arrendamento rural verbal entre a AA. e C.;

1.10 - Esta alegada atuação da AA. (supostamente consentânea com um consentimento da mudança de posição do arrendatário) não só inexiste como é “in casu” irrelevante para a caducidade do contrato de arrendamento rural verbal entre C. e AA. que, pelas conclusões sobreditas, “ope legis”, sempre caducou necessariamente com a morte daquele a 23.9.2002, nos termos do n.º 2 do art.º 25º da LAR.

1.11 - O sobredito entendimento expresso na Sentença recorrida (mormente a fls. 24 e 25) viola a imperatividade constante do n.º 2 do art.º 24º da LAR “sob pena de caducidade” e é por isso manifestamente ilegal.

1.12 - De resto a conclusão/apreciação da Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” constante de fls. 24 e 25 (sobre a consentaneidade da atuação da AA. em relação aos dois Réus/Recorridos) sempre seria errada por não levar em consideração as especificidades daquela IPSS, mormente:

- Sucessivas direções (no tempo) constituída por elementos não permanentes (e voluntários, isto é, não remunerados), conforme o estatuto legal de IPSS e de Fundação de Solidariedade Social, mormente o DL 519-G2, de 1979 entretanto revogado pelo Estatuto das IPSS, contante do DL 119/83 - vide princípio geral constante do n.º 1 do art.º 15º e n.º 1 do art.º 18º, respetivamente;

- A reunir-se apenas com uma periodicidade mensal e onde os assuntos relevantes lhes eram trazidos para decisão (como bem demonstram as atas juntas aos Autos), e com uma estrutura administrativa, à data, absolutamente incipiente;

- E em que as rendas - vide ponto 4.1.8 dos factos assentes - não eram liquidadas diretamente à A., antes eram pagas na casa do encarregado da AA. o qual tinha inclusivamente a discricionariedade de poder ajustar a quita em anos de safra abaixo do normal (cláusulas 2ª e 3ª do escrito, retius, do “contrato de arrendamento” rural não assinado por C.).

Assim se justifica que decorrido mais de 26 meses sobre o falecimento do putativo arrendatário (C.) o seu filho e aqui Recorrido B. conseguisse liquidar uma renda anual em seu nome e mais tarde até conseguisse partilhar o prédio entre si e seu sobrinho, aqui Co-Recorrido.

Tudo nas barbas da A.. Pois é fácil de constatar que a sua Direção não soubesse e não tivesse condições para verificar uma alteração de nome num determinado recibo anual de renda! Tal não representa uma postura ativa por parte da AA. no sentido da manutenção do contrato de arrendamento rural verbal existido entre si e C..

1.13 - O decidido pela Sentença recorrida fundamenta-se erroneamente no AC do STJ de 07.12.2016 ali referido (pág. 24) pois que este se reporta a uma situação completamente diferente da dos Autos e a ela não subsumível, aparece ali mencionado

de forma descontextualizada (por não ter em conta o resto do seu sumário porquanto ao contrário do que se pode infirmar do segmento do sumário transcrito na Sentença recorrida, até decide a favor do Senhorio) tratando de um arrendamento urbano (e não rural) em que os interesses em causa são diferentes.

1.14 - Com uma intensidade de proteção ao arrendatário que, à data, a LAR legalmente não consagrava. Vide a substancial diferença entre o n.º 2 do art.º 24º da LAR (DL 385/88, aplicável “in casu”) e o n.º 6 do art.º 20º da NLAR constante do DL 294/2009.

Para tanto basta ainda atentar no art.º 1106º do CC e igualmente comparar o n.º 2 do art.º 24º da LAR (DL 385/88) com o n.º 6 do art.º 20º do NLAR (DL 294).

1.15 - Ipso facto, salvo melhor opinião, a fundamentação/conclusão da Mm.ª juíza “a quo” expressa a folhas 25 da sentença recorrida de que o simples facto da AA.  ter recebido rendas, pelo menos desde 2004, por parte de B. e, pelo menos, desde 2006 por parte de D. significa que esta assumiu e aceitou a referida alteração da posição contratual para além de não ser verdadeira por não traduzir uma postura consciente e ativa (nos termos sobreditos) não é consentânea ou legalmente admissível perante a imperatividade (a caducidade do arrendamento rural e a sua não transmissibilidade por morte) verificado, como se verificou, “in casu”, o n.º 2 do art.º 24 da LAR (DL 385/88) ao tempo aplicável.

1.16 - Verificada a caducidade do contrato de arrendamento rural verbal entre a AA.  e C., se não antes, pelo menos com a sua morte a 23.9.2002 por verificação do n.º 2 do art.º 24º do DL 385/88 e inexistindo qualquer transmissão do mesmo para os atuais Réus/Recorridos (ou qualquer outro sucessível de C.) ocorrida nos termos do art.º 23º da mesma LAR, não têm estes qualquer título válido para a detenção/fruição do prédio “sub judice”, máxime, qualquer contrato de arrendamento rural válido e eficaz, devendo a Sentença recorrida ter assim decidido e, em consequência, igualmente condenar os Réus a entregarem imediatamente o prédio à sua proprietária, a A..

II - A segunda questão de que a Recorrente discorda é do decidido quanto à (in)validade do contrato de arrendamento rural por falta de forma, retius, de qualquer um dos dois contratos de arrendamento rural verbais: O primeiro entre C.  e a AA. e o segundo entre a mesma Recorrente e cada um dos Réus/Recorridos e à recusa de qualquer deles em outorgar os novos contratos de arrendamento rural a si propostos, recusas que a Recorrente - ao contrário do decidido na Sentença recorrida - considera infundadas e injustificadas.

2.1 - A sentença recorrida, também neste segmento, parte do pressuposto dado ali como assente e na nossa perspetiva errado de que existe um só contrato de arrendamento rural verbal por o mesmo se ter transmitido aos atuais Réus/Recorridos.

2.2 - A Sentença Recorrida erradamente ainda mistura duas realidades jurídicas diametralmente diferentes e juridicamente não subsumíveis, a saber:

- O contrato de arrendamento rural verbal existente entre a A.  e C. e que, não fora ser nulo a partir de 01.7.1989, sempre cessou a 23.9.2002 pelo seu falecimento, conforme supra expendido e

- O contrato de arrendamento rural verbal existente entre a A. e os Réus/Recorridos, e que se iniciou no ano de 2004 para B. e, a partir de 2006, com D. com o qual este partilha, a partir desta data, o arrendamento do prédio.

2.3 - A Sentença recorrida, como se constata do ponto 5.2 da mesma, funde numa só estas duas realidades jurídicas, ora se referindo à primeira relação contratual, ora se referindo à segunda relação contratual.

2.4 - Ao fazê-lo, acaba por nada decidir sobre a invalidade do primeiro contrato de arrendamento rural verbal, conforme aduzido na PI da A. - artigos 8º e 9º - bem como um dos pedidos (sequencialmente o quarto) onde a A. pedia a condenação dos Réus a reconhecerem “que o contrato de arrendamento rural verbal entre a Autora e C., ao nunca ter sido celebrado por escrito e sem nunca a Autora ter sido notificada por estes para aquele efeito, sempre seria nulo desde 01.07.1989, por força da aplicação conjugada do artigo 3º e do n.º 3 do artigo 36º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88 (atualmente artigo 6º n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009, na sua redação atual, nulidade que, por cautela de patrocínio, aqui expressamente se invoca e que SEMPRE implica a pronta entrega do prédio “sub judice” à sua legítima proprietária, aqui A. o que desde já se requer”.

O que constitui nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código do Processo Civil (CPC), arguida nos termos no n.º 4 do mesmo art.º, nulidade que expressamente aqui se aduz.

2.5 - E que, na nossa modesta opinião determina, nos termos do n.º 2 do artigo 665º do CPC que a Tribunal “ad quem” deve daquela questão conhecer, decidindo-a como é de direito.

2.6 - Com especial interesse para este ponto, referem-se, três factos dados como provados pela sentença recorrida - 4.1.8, 4.1.9 e 4.1.10.

Destes resulta à saciedade, parece-nos, demonstrada que a culpa da não celebração por escrito do contrato de arrendamento rural verbal existente entre A. e C. não pode ser imputada à Recorrente dado que ela redigiu o referido contrato e os seus representantes assinaram-no.

Quem o não assinou foi o arrendatário C.!

2.7 - E se considerarmos a existência de duas relações materiais de arrendamento rural absolutamente distintas como defende a A./Recorrente, no que tange à segunda, isto é, ao segundo arrendamento rural verbal entre cada um dos Réus/Recorridos e a AA., aqueles ao não aceitarem o conteúdo negocial proposto por uma das partes (AA.) e vertido nas propostas de contrato de arrendamento rural a eles remetidas, e não sendo conseguido acordo negocial nem qualquer conteúdo previamente aceite que fosse obrigatório respeitar, o que os Recorridos tinham a fazer, recusando, como recusaram, o conteúdo dos contratos de arrendamento rurais a si propostos pela AA., era entregarem à sua legítima proprietária o prédio “sub judice”, o que se igualmente também se recusaram, ilegalmente, até hoje a fazer, não obstante instados a tal.

2.8 - Ora, “in casu”, constata-se que não era, de todo em todo, exigível à Recorrente a junção do contrato de arrendamento rural, cuja falta é exclusivamente dos Réus/Recorridos. Mas, não obstante, esta até juntou o que tinha (a proposta por si assinada do contrato de arrendamento rural com C.), bem como

as minutas do contrato de arrendamento rural a celebrar entre si e os Réus e que estes

recusaram.

2.9 - Assim, terá necessariamente de concluir-se, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo” que, de acordo com as regras de experiência comuns, a culpa pela não celebração por escrito de qualquer um dos contratos de arrendamento rural verbais se deve, o primeiro, a C. e os segundos aos Recorridos e não à AA..

2.10 - O contrato de arrendamento rural verbal entre a A. e C., ao nunca ter sido celebrado por escrito ademais sem que possa ser assacada qualquer culpa por tal facto à Recorrente e sem que esta nunca tenha sido notificada para o efeito por C. (ou pelos Recorridos), sempre é nulo desde 01.7.1989, por força da aplicação conjugada do art.º 3º (n.º 1) e do n.º 3 do art.º 36º da LAR constante do DL n.º 385/88 (atualmente art.º 6º, n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009, na sua redação atual).

2.11 - E sendo nulo, naturalmente não pode produzir efeitos, pelo menos, desde 01.7.1989 nem ter sido transmitido por morte de C. a qualquer um dos Réus/Recorridos.

2.12 - Impunha-se, portanto, que o Tribunal “a quo”, nos termos da conclusão 2.10, desse como verificada a nulidade deste contrato rural verbal aduzida e a consequente ordenação da restituição pelos Réus aqui Recorridos do imóvel à AA., sua legítima proprietária.

2.13 - Não é pressuposto essencial para a arguição da nulidade a prévia notificação à contraparte para que esta reduza o contrato de arrendamento rural a escrito. Ao invés, pelo menos na vigência da LAR, é o contraente que após ter sido notificado para o efeito pelo outro contraente, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 3º da LAR (DL 385/88), quem não a pode arguir.

2.14 - Quer C. quer qualquer um dos Réus/Recorridos nunca notificaram a AA. seja para que esta reduzisse a escrito qualquer contrato de arrendamento rural verbal existente (o que impediria a AA. de invocar, a partir desse momento, a sua nulidade) seja para invocaram eles próprios qualquer nulidade de um qualquer contrato de arrendamento rural verbal (o primitivo do qual até conheciam o pedido feito por C., ou os segundos). Igualmente qualquer um

dos Recorridos nunca notificou a AA. com uma proposta alternativa de contrato de arrendamento rural para o prédio “sub júdice”.

2.15 - Também são plenamente válidas e eficazes, tendo produzido todos os seus efeitos a 20/12/2018, as notificações que a sentença transcreve nos factos provados como 4.1.17 e 4.1.18.

2.16 - Verificada, por conseguinte, a nulidade por vício de forma quer do contrato de arrendamento rural verbal entre C. e a AA. quer dos contratos de arrendamento rural verbal entre si e cada um dos Réus/Recorridos, “por que encontrarem violados o disposto no n.º 1 do artigo 3º do decreto-lei 385/88 de 25 de outubro, bem como os n.ºs 1 e 2 do artigo 6º do decreto-lei nº 294/2009.

2.17 - Impunha-se que a Sentença recorrida reconhecesse estas nulidades aduzidas e por vício de forma (art.º 220º do CC e n.º 2 do art.º 6º do DL 294/2009) desse como violado o disposto no n.º 1 do art.º 3º do DL 385/88 de 25.10, bem como os n.ºs 1 e 2 do art.º 6º do DL nº 294/2009, tudo como melhor ali consta (4.1.7 e 4.1.8 dos factos provados) e em consequência ordenasse aos Réus a entrega do imóvel até 31.12.2018.

2.18 - Assim, no caso “sub judice” é errada a conclusão vertida na Sentença recorrida de que (…) “A conclusão a tirar do exposto é a de que a requerente não pode invocar em juízo a existência do contrato de arrendamento rural verbalmente celebrado - nem se valer no direito que ele lhe confere” (pág. 30).

2.19 - Por mera necessidade de exposição, consideremos, sem prescindir, que existiria tão só um contrato de arrendamento rural verbal, inicialmente existente entre a AA. e C. e que o mesmo se transmitiu aos Réus/recorridos.

2.20 - Em vida de C., como sobredito, só a si se pode assacar a culpa por não formalização por escrito do contrato de arrendamento rural (verbal) e não à AA..

- Pois que, depois de uma solicitação daquele à AA. (4.1.7 dos factos provados), nunca o assinou ou reclamou a sua feitura (entre 1973 a 2002, data do seu decesso)!

- A AA. redigiu o contrato de arrendamento rural, com início a 01.10.1973, como dele consta, e os seus representantes legais assinaram-no! (ponto 4.1.8 dos factos provados).

E o sobredito não é infirmada pela sentença recorrida na qual:

- Se reconhece que o escrito, retius, contrato de arrendamento rural verbal se não encontra assinado na parte respeitante ao arrendatário (…) - 4.1.9 dos factos provados;

- E que a razão porque o arrendatário não assinou/outorgou tal contrato foi “razão não concretamente apurada” (4.1.10).

2.21 - Por outro lado, como se afirma na sentença recorrida a fls. 31 in fine, (…), “Provou-se que os réus recusaram assinar o contrato que lhes foi apresentado pela autora”.

Na perspetiva desta sentença, esta recusa é válida pelas minutas nos contratos de arrendamento rural propostos aos agora recorridos alegadamente incluírem cláusulas novas, ou seja, a sua cláusula sexta. DISCORDAMOS EM ABSOLUTO dado que a recusa dos Recorridos em outorgar as minutas dos contratos de arrendamento rural por si propostas sempre é ilegítima e não fundamentada porquanto a A. não se pode obrigar a cumprir cláusulas de um contrato de arrendamento rural por si proposto em 1973, é certo, mas inexistente, porque não aceites - ou pelo menos não formalizado - por C., retius, a quem, na tese da sentença recorrida, lhe sucedeu nos direitos e deveres - os Réus/Recorridos - postulados exatamente por aquela relação jurídica ou então por um contrato de arrendamento rural verbal cujos termos ou condições eventualmente acordada se desconhecem, na íntegra!

2.22 - A A. (AA.) quando propôs aos dois Réus o(s) contrato(s) de arrendamento rural em 17.01.2019 não estava vinculada a observar qualquer compromisso anterior, QUE PURA E SIMPLESMENTE INEXISTIA/INEXISTE, porque postulado por cláusulas de um contrato proposto em 1973 e que não passou disso mesmo - de uma proposta de contrato rural - não aceite e/ou não formalizado pelo arrendatário C.!

Estava a AA. LIVRE, dentro da sua autonomia contratual e na sua condição de proprietária do prédio, para propor aos Réus os termos do(s) contrato(s) de arrendamento rural que lhe interessava.

2.23 - Se os aqui recorridos, não concordavam, como não concordaram, não aceitando aquela minuta - MEM PROPOSTO QUALQUER OUTRA MINUTA ALTERNATIVA - estão tinham de entregar o prédio à sua legítima proprietária até por não terem qualquer título legítimo para deterem a sua posse, uma vez nunca formalizada a sua relação locatícia com a AA. e sendo a que tinham nula, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 3º do DL n.º 385/88 de 25.10, bem como os n.ºs 1 e 2 do art.º 6º do DL n.º 294/2009, por referência ao art.º 220º do CC.

2.24 - Mas, mesmo que assim se não entendesse: Como consta do facto provado 4.1.8, isto é, do contrato de arrendamento rural verbal de 1973 elaborado pela Recorrente, por ela assinado e não assinado por C.:

(…) 5ª o arrendatário fica autorizado a efectuar quaisquer obras ou benefícios; / 6.ª no caso de despedimento do arrendatário, nos cinco anos iniciais deste contrato, por parte do senhorio, este obriga-se a pagar uma indemnização equivalente a metade das despesas que o arrendatário tenha feito com obras ou benefícios no prédio (…)”.

De onde emerge a conclusão de que mesmo que se entendesse este contrato como a referência para o acordado (tese que não subscrevemos, de todo) as obras ou benefícios que C. fizesse no prédio só seriam indemnizáveis pela AA. nos 5 anos iniciais do contrato e somente se o “despedimento” fosse a si devido.

2.25 - Ou seja: Ao contrário do decidido na Sentença recorrida, a cláusula 6ª do contrato de arrendamento rural submetida pela AA. aos Réus/Recorridos em 2019 (no pressuposto que as cláusulas 5ª e 6ª propostas no contrato de 1973 estariam acordadas e que foi por motivo diverso que C. não outorgou aquele contrato, tese que não subscrevemos) não trouxe nada de novo, nada a que os Réus se pudessem legitimamente opor. E mesmo admitindo uma formulação inexata ou excessiva dos seus n.ºs 1 e 2, caberia aos Réus, dentro da lógica e dinâmica negociais formular outras em alternativa, O QUE NUNCA FIZERAM, optando antes por “cavalgar” direitos enquanto arrendatários, numa lógica absolutista dos mesmos, que a AA.  não pode aceitar por corresponderem, na prática, a uma alienação do prédio àqueles de forma praticamente gratuita e a uma praticamente completa aniquilação dos seus direitos enquanto proprietária do prédio!

2.26 - Portanto, mesmo que o Tribunal “ad Quem” desse como assente que o contrato de arrendamento rural verbal existente entre C. e a AA. se tivesse transmitido aos Recorridos sempre as razões por estes invocadas para a sua recusa em outorgar as minutas dos contratos de arrendamento rurais propostas pela AA. seriam infundadas e improcedentes, nos termos sobreditos, ao contrário do decidido.

2.27 - E assim sendo, também por isso, ao contrário do que se conclui na Sentença recorrida (fls. 38, in fine) (…) “nesta decorrência, importa concluir pela improcedência do peticionado relativamente à nulidade do contrato de arrendamento de falta de fórmula, nomeadamente os seguintes pedidos (…)”.

2.28 - Ao invés do decidido, deveriam ter sido dado como provados os pedidos constantes de fls. 39 da Sentença recorrida, e em consequência, impunham a decisão de que inexistindo contrato de arrendamento rural válido e eficaz em que os Recorridos figurassem como Arrendatários (ou qualquer outro título que sustente a sua posse ou detenção), sempre o prédio “sub judice” tinha de ser imediatamente restituído pelos aqui Recorridos à sua legítima proprietária A., como ali se peticionou.

III - Da alegada caducidade do contrato de arrendamento.

3.1 - Todo este tópico surge inquinado, na nossa modesta opinião, pela decisão errada de que (…) “o contrato com os réus não é um contrato “novo”, mas sim corresponde ao contrato verbal celebrado com o antigo rendeiro, por forma da transmissão por morte aceite pela Autora. / Assim temos por assente que o contrato verbal é anterior a 1973 ainda que não se tenha apurado a data concreta da sua celebração e que se transmitiu ao 1ºs Réus” (de referir que na presente ação só existe um primeiro e um segundo réu e não uns primeiros e segundos réus).

De todo o modo, mesmo na lógica da sentença (que não é a nossa), o início do contrato de arrendamento rural teria sido a 1973 e os sucessivos prazos dos arrendamentos conduziriam a que o terminus fosse em dezembro de 2021.

3.2 - E assim sendo, sempre a Sentença recorrida, mesmo dando como provado que o contrato de arrendamento rural existe e vigora, deveria ter determinado uma data concreta para o terminus do alegado contrato de arrendamento rural vigente, sob pena

de, não o tendo feito, nem Recorrente nem Recorridos terem a certeza jurídica do prazo de vigência do mesmo.

Não o tendo determinado, parece, na realidade, existirem contratos perpétuos, tudo numa aparente denegação de justiça que urge reparar em sede do presente Recurso.

IV: Da condenação em sanção pecuniária compulsória:

4.1 - A Recorrente peticionou a condenação solidária dos aqui recorridos, nos termos do artigo 829º-A do CC, em sanção pecuniária compulsória diária, até à entrega do imóvel, em montante não inferior a 20 EUR por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição no prédio conforme esta fosse determinada pelo Tribunal.

4.2 - Trata-se de um facto infungível - entrega do imóvel à AA. pelos aqui Recorridos (não sendo passível de ser efetuada por terceiros -, como parece reconhecer a Sentença recorrida.

4.3 - É a improcedência do pedido da entrega do imóvel peticionado pela aqui Recorrente que determina igualmente a improcedência da condenação em sanção pecuniária compulsória dos Réus/Recorridos.

4.4 - Assim, se determinada em sede de recurso, como se requer, a entrega do imóvel à Recorrente, mormente desde 17.01.2019, data em que os Recorridos se recusaram, com culpa, ou seja, sem qualquer razão justificativa para tanto, a outorgar os contratos de arrendamento rural a eles propostos pela A., deve igualmente proceder o pedido de sanção pecuniária compulsória por esta feita e assim serem condenados, solidariamente os Recorridos a liquidar à AA. um valor não inferior a € 20/dia, desde aquela data, nos termos do art.º 829º-A do CC, o que sempre se requer.

Os Réus responderam concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar, principalmente: se, por morte do primitivo arrendatário, caducou ou se transmitiu o contrato de arrendamento; a invalidade em razão da falta de forma imputável aos Réus (e, anteriormente, ao primitivo arrendatário); se o contrato de arrendamento cessou/caducou em 31.12.2019.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de …, freguesia de …, sob o n.º 7127, o prédio rústico, sito em … ou …, composto de terra com oliveiras, tanchas e árvores de fruto, com uma área de 8 657 m2.

2) O prédio identificado em 1) está descrito na CRP com as seguintes confrontações: a Norte com … e caminho público, a Sul com Rua Pública, a Nascente com …. e caminho público, e a Poente com … e serventia.

3) Encontra-se inscrita no registo predial a aquisição do prédio referido 1) a favor da A., por aquisição (sucessão por morte) de 09.10.1974.

4) O prédio referido em 1) a 3) encontra-se inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º 10647º, da freguesia de …, concelho de ….

5) A A. ajustou, verbalmente, que cedia o gozo e fruição do prédio referido em 1) a 4) a C. para sua exploração agrícola, mediante o pagamento de uma contrapartida anual.

6) O referido acordo verbal foi celebrado em data não concretamente determinada, mas anterior a 21.01.1973.[1]

7) Na ata de reunião ordinária da Direção Administrativa da A., realizada em 31.01.1973, consta que “C., da …, …, foi solicitado à Direção a elaboração de um contrato do prédio rústico que traz arrendado à A., composto de terra de semeadura de sequeiro, na …, contrato esse por cinco anos, sucessivamente renovado, pela renda anual de 30 alqueires sujeitos a quita. Este pedido baseia-se no inquilino ir efetuar melhoramentos no prédio para assim ter uma segurança. Deliberou-se mandar efetuar o contrato de arrendamento”.[2]

8) Pelos, à data, representantes da A., foi assinado um acordo escrito, datado de 01.10.1973, intitulado como “contrato de arrendamento” relativamente ao prédio acima identificado, de onde consta como arrendatário C., resultando do seu teor, entre o demais, as seguintes condições: “1ª O contrato de arrendamento é celebrado por cinco anos prorrogável por períodos de tempo, com inicio no dia 1 de Outubro de 1973; 2ª O arrendatário fica obrigado a pagar a renda anualmente em anos de safra normal, de 30 alqueires de milho, pagos todos os anos em Outubro seguinte ao que disser respeito, na casa do encarregado da A.; 3ª Em anos de safra abaixo do normal, a quita será feita de acordo com o encarregado referido; 4ª O prédio arrendado é exclusivamente destinado a exploração agrícola; 5ª O arrendatário fica autorizado a efetuar quaisquer obras ou benefícios; 6ª No caso de despedimento do arrendatário, nos cinco anos iniciais deste contrato, por parte do senhorio, este obriga-se a pagar uma indemnização equivalente a metade das despesas que o arrendatário tenha feito com obras ou benefícios no prédio; 7ª O arrendatário fica obrigado a conservar o prédio arrendado em bom estado de conservação, sob pena de ser despedido sem direito à indeminização referida”.

9) O escrito referido em 8) não se encontra assinado na parte respeitante ao arrendatário, o qual é identificado como sendo C., residente no Lugar …, freguesia de … e concelho de ….

10) Por razão não concretamente apurada, o acordo verbal entre A. e C. nunca foi reduzido a documento escrito assinado por ambas as partes, nem o documento escrito aludido em 8) e 9) foi assinado pelo arrendatário.

11) Os recibos de renda (anuais) eram emitidos, pela A., em nome de C..

12) C. faleceu no dia 23.9.2002.

13) Desde, pelo menos 2006, mas não necessariamente ao mesmo tempo, os dois Réus passaram a trabalhar, na proporção, respetivamente, de 2/3 e 1/3, aquele prédio da A. e a pagar as respetivas rendas à A..

14) Os Réus, sem “aval” prévio da A., dividiram entre si o “amanho” do prédio.

15) Os Réus não comunicaram por escrito à A. o exercício de um eventual direito de transmissão do referido arrendamento rural (verbal) por morte do arrendatário original ou de qualquer outro familiar que o “fabricasse” antes.

16) Não obstante, a A. passou a emitir recibos comprovativos de recebimentos de rendas em nome dos dois Réus, nomeadamente em 07.12.2003 a favor de C. (consignando-se no recibo que o pagamento foi realizado por B.), em 28.11.2004 a favor do 1º Réu, em 08.12.2005 a favor do 1º Réu, em 20.12.2006 a B., em 20.12.2006 a D., em 30.12.2010 a favor de B., em 05.12.2011 a favor de B., em 22.11.2015 a favor de B., em 22.11.2018 a favor de D., consignando a divisão da renda entre ambos (1/3 para D. e 2/3 para B.).

17) A A. enviou uma missiva datada de 18.12.2018, registada com aviso de receção, ao 1º Réu, que este recebeu no dia 20.12.2018, de fls. 10 verso e 11, exigindo a devolução da parcela do prédio acima identificado, nos seguintes termos (…) por vício de forma (art.º 220º do Código Civil e n.º 2 do art.º 6º do DL 294/2009), invocar a nulidade do contrato de arrendamento rural de que V. Exa. é arrendatário, respeitante a 2/3 do prédio rústico sito em …, artigo matricial n.º 10 647 da freguesia de … e registada na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 7127/20150220, por se encontrar violado o disposto no n.º 1 do artigo 3º do DL 385/88, de 25 de Outubro, bem como os n.ºs 1 e 2 do artigo 6º do DL n.º 294/2009. Assim sendo, requer-se a entrega do arrendado, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 2018 (…)”.

18) A A. enviou uma missiva datada de 18.12.2018, registada com aviso de receção, ao 2º Réu, que este recebeu no dia 20.12.2018, de fls. 11 verso e 12, exigindo a devolução da parcela do prédio acima identificado, nos seguintes termos (…) por vício de forma (art.º 220º do Código Civil e n.º 2 do artigo 6º do DL 294/2009), invocar a nulidade do contrato de arrendamento rural de que V. Exa. é arrendatário, respeitante a 1/3 do prédio rústico sito em …, artigo matricial n.º 10647 da freguesia de … e registada na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 7127/20150220, por se encontrar violado o disposto no n.º 1 do artigo 3º do DL 385/88, de 25 de Outubro, bem como os n.ºs 1 e 2 do artigo 6º do DL n.º 294/2009. Assim sendo, requer-se a entrega do arrendado, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 2018 (…)”.

19) A A. tinha invocado anteriormente a nulidade dos contratos de arrendamento rural não escritos perante cada um dos Réus através de cartas registadas com aviso de receção em 12.02.2015.

20) Contudo, por lapso, o prédio estava incorretamente identificado pela A., embora os Réus soubessem a qual aquela se referia.

21) A A. notificou, a 17.01.2019, os Réus para a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural verbais, enviando, para tanto, aos Réus minutas de “contrato de arrendamento”, de idêntico teor para cada um dos Réus, conforme documentos de fls. 15 a 18, constando, no que respeita a benfeitorias, sob a clausula 6ª, o seguinte: “1 Senhorio e Arrendatário expressamente aceitam, acordam e reconhecem de que eventuais ações de conservação, recuperação ou benfeitorias, independentemente do seu tipo, existentes no prédio foram integralmente feitas sem conhecimento ou consentimento do Senhorio, não sendo por este devida qualquer indemnização, compensação ou reembolso ao Arrendatário, em nenhum tempo, seja a que título for e independentemente da causa da cessação ou do tempo em que a mesma ocorra. 2. Sem embargo do sobredito, findo o contrato de arrendamento ou suas renovações, independentemente da causa da cessação ou do tempo em que a mesma ocorra (mesmo antecipada), eventuais ações de conservação, recuperação ou benfeitorias, incluindo úteis ou necessárias, existentes no prédio e/ou levadas a cabo pelo Arrendatário revertem a favor do Senhorio não sendo por este devida qualquer indemnização, compensação ou reembolso ao Arrendatário, seja a que título for.”;

22) Os Réus recusaram assinar os contratos propostos pela A., apresentando as respostas escritas de fls. 14 verso e 15, dizendo nomeadamente o seguinte: “Venho, por este meio, dar resposta ao Contrato de Arrendamento Rural entregue no passado dia 17 de janeiro de 2019. Como é do vosso conhecimento, a família a quem se dirige o contrato é já arrendatária do prédio a que se refere há mais de cinquenta anos, tendo, em todo o momento, honrado e cumprido o convosco acordado. É também do vosso conhecimento que o terreno em questão não se encontrava em condições necessárias à sua exploração e às quais correspondia a renda a pagar. Deste modo, foi dada autorização ao arrendatário, tal como consta em ata de 1973, para que realizasse algumas benfeitorias, tais como terraplanagens e outras obras de interesse, as quais valorizaram a respetiva propriedade. Nessa altura, foi também atribuída uma renda fixa, vitalícia e com direito a indemnização em caso de venda a terceiros. Assim sendo, e tal como acordado, foram por nós realizadas obras de utilidade agrícola, tais como a construção de uma eira e um barracão, movimentação de terras, realização de trabalhos de terraplanagem, abertura de uma vala para aplicação de uma tubagem de rega e plantação de árvores, tendo existido, assim, uma valorização da propriedade. Por tudo isto, declaro não aceitar o contrato proposto, continuando, como arrendatário e cumprindo o desde então acordado”.[3]

23) Os Réus e já antes C.  têm utilizado o referido prédio na cultura de forragens e legumes, milho, aveia, erva, aboboras, batatas, couve, entre outros, pagando a renda que fosse devida.

24) Desde, pelo menos, 2004, que os Réus, de forma regular, ininterrupta e contínua cuidam, lavram, cultivam, plantam, semeiam, fertilizam, sulfatam e colhem os respetivos frutos.

25) Embora, há muitos mais anos, o 1º Réu já ajudava seu pai no amanho daquela terra.

26) Sem que tenha havido qualquer oposição por parte das sucessivas Direções que presidiram e administraram a A..

27) Era do conhecimento da A. e dos residentes ou proprietários daquele lugar que o prédio era explorado por C. e depois pelos Réus, sem que nunca os sucessivos representantes da A. tenham, pelo menos até às missivas aludidas supra, manifestado qualquer vontade ou intenção de fazer cessar o referido arrendamento.

28) O 1º Réu, e antes o seu pai, primitivo arrendatário C., fizeram investimentos, trabalhos e obras de melhoramentos e de utilidade agrícola, tais como trabalhos de terraplanagens, movimentação de terras, abertura de uma vala para aplicação de uma tubagem de rega, plantações de árvores, uma vez que o terreno apresentava contornos irregulares e com declives acentuados, sem distribuição de água, sem condições mínimas de ser agricultado, o que impedia assim uma exploração rentável do mesmo.

29) Todos os trabalhos e obras de beneficiação necessárias foram sendo realizados a expensas dos Réus e antes do primitivo arrendatário, que sempre tiveram de suportar todos os custos com os materiais e utilização de mão-de-obra.

30) Tais trabalhos e obras, não só valorizaram o referido prédio, como traduziram um aumento manifesto de produtividade e rentabilidade daquele.

31) Alguns obras com o conhecimento e sem qualquer oposição da A., pelo menos até às missivas acima referidas.

32) Tais trabalhos foram sempre e ainda são visíveis e permanentes no prédio, estando à vista de toda a gente e de forma a por todos poderem ser vistos, à exceção do armazém que foi destruído no ano de 2018 na Tempestade Lesli.

33) De modo contínuo, regular e ininterrupto, ao longo dos anos, pelo menos desde 2004, que os Réus amanham a referida parcela do prédio rustico, fazendo nela as tradicionais colheitas de sequeiro e regadio, plantando árvores de fruto, fertilizando, regando e colhendo os seus frutos, fazendo despesas de cultivo e produção, de transporte e combustível, de produtos químicos necessários para o efeito, ao longo do ano agrícola.

34) É, pois, do conhecimento público e notório que o terreno aludido há quase 50 anos que está no uso e fruição da família dos Réus, sempre com o conhecimento e autorização e sem qualquer oposição da A., até à remessa das referidas missivas.

2. E deu como não provado:

a) Existiu um contrato de arrendamento rural escrito e que consta da ordem de trabalhos em ata da A., do ano de 1972 ou 1973.

b) O prédio foi fabricado por C., enquanto agricultor autónomo.

c) As razões invocadas pelos Réus nas missivas mencionadas em 22) são falsas.

d) A falta de formalização do contrato de arrendamento verbal entre A. e Réus e antes entre A. e o primitivo arrendatário deveu-se a estes e não à A..

e) Que o aludido em 25) se verifique há mais de 30 anos.

f) Que todos os trabalhos e obras, aludidos em 28) a 31), tenham tido o expresso acordo e autorização da A..

g) Que o mencionado em 35)[4] ocorra há mais de 50 anos.

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Retomando o explanado no 1º acórdão proferido nos autos, vejamos o regime jurídico aplicável à data da alegada caducidade do contrato de arrendamento em apreço e da também invocada transmissão do arrendamento para os Réus, por morte do primitivo arrendatário (23.9.2002):

- O arrendamento rural[5] não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se, nomeadamente, a parentes ou afins, na linha reta, que com o mesmo viviam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo (art.º 23º, n.º 1 do DL n.º 385/88, de 25.10; cf., ainda, art.ºs 39º, 43º e 44º do DL n.º 294/2009, de 13.10). A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte: a) Ao cônjuge sobrevivo; b) Aos parentes ou afins da linha reta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais remoto; c) À pessoa que vivia com o arrendatário há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges (n.º 2). Pode haver duas transmissões mortis causa nos termos do número anterior ou apenas uma quando a primeira transmissão se operar a favor das pessoas referidas nas alíneas b) e c) do n.º 2 (n.º 4).

- Os titulares do direito à transmissão conferida nos termos do artigo anterior que não queiram exercer esse direito comunicarão a sua vontade, por escrito, ao senhorio, no prazo de 90 dias após a morte do arrendatário, ficando responsáveis pelos prejuízos que causarem se não o fizerem (art.º 24º, n.º 1 do DL n.º 385/88, de 25.10). Sob pena de caducidade, os titulares que queiram exercer aquele direito comunicarão a sua vontade, por escrito, ao senhorio, no prazo de 180 dias após a morte do arrendatário (n.º 2).[6]

Resulta dos autos que os Réus, na qualidade de titulares do direito à continuidade do contrato (direito à transmissão do arrendamento; chamados a suceder ao rendeiro no arrendamento em curso), não comunicaram a sua vontade quanto ao destino do arrendamento rural após a morte do (primeiro) arrendatário [cf. II. 1. 15), supra], pelo que, no dia posterior ao termo do prazo de 180 dias, o seu direito (à transmissão) caducou (cit. art.º 24º, n.º 2), consumando-se a caducidade do contrato de arrendamento que teve como partes a A. e o falecido rendeiro, C..[7]

Perfilhando-se o entendimento de que o preceituado no art.º 1056º do CC[8] é inaplicável, se a caducidade tiver por causa a morte do locatário - como decorre da exigência de ser o locatário quem se mantém no gozo da coisa -, também se dirá que o mero ou simples gozo do direito ao arrendamento por outrem (terceiro, parente do locatário/na linha reta) não pode dar lugar à renovação dum contrato em que ele não era parte, nem à formação dum novo vínculo obrigacional[9], sem prejuízo de, ulteriormente, poder haver determinado circunstancialismo fáctico que permita concluir pela formação/existência de um novo vínculo obrigacional envolvendo esse (novo) sujeito e o mesmo senhorio.

             Na verdade, dúvidas não restam de que a A. teve conhecimento do falecimento do primitivo arrendatário, e, pelo menos, desde o ano de 2006 (01.01.2006) e até ao ano de 2019 (o da instauração da presente ação), sempre viu/reconheceu os Réus, descendentes do (primitivo) arrendatário, como os novos arrendatários.

            Daí, por exemplo, que tenha passado a emitir recibos da renda em nome dos Réus (filho e neto do primitivo arrendatário) e invocado, nas diversas missivas que lhes dirigiu, a sua qualidade de arrendatários, o que também não enjeita na presente ação porquanto se reporta aos contratos de arrendamento que considera celebrados no ano de 2006 («NOVOS contratos de arrendamento rural verbais existentes desde 2006»)[10] - cf. pontos I. e II. 1. 16), 17), 18), 21), 27) e 34), supra.

            Por conseguinte, importa extrair as consequências decorrentes da existência e vicissitudes deste novo vínculo obrigacional (enquanto “acordo na diversidade”, contrato ou mútuo consenso; acordo por que ajustaram reciprocamente os seus interesses)[11] estabelecido entre a A. e os Réus.

            4. Parte significativa do arrazoado dos articulados dos autos e da alegação de recurso prende-se com a problemática da “invalidade” do(s) contrato(s) de arrendamento em causa.

            Aludiu-se no primeiro acórdão desta Relação aos «pedidos formulados subsidiariamente (o da declaração danulidade dos contratos de arrendamento rural celebrados com os réus em 2006” oucaso sejam considerados válidos, que se declare a cessação da sua vigência a 31/12/2019”)» e que integram as (demais) pretensões, deduzidas por via subsidiária, que verdadeiramente contendem com a matéria que falta apreciar, pois que a A./recorrente considera, por um lado, que os «NOVOS contratos de arrendamento rural verbais existentes desde 2006 (e suas eventuais renovações), entre A. e o primeiro e segundo Réus (…), nunca foram reduzidos a escrito, formalidade “ad substantium” nos termos do art.º 6º, n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009, e art.º 3º (n.º 1) e do n.º 3 do art.º 36º (…) do DL n.º 385/88, sendo que a sua falta (…) é aos Réus imputável, não podendo aqui e agora a A. exibi-los (vide n.º 5 do art.º 35º do NLAR - DL n.º 294/2009)», e, por outro lado, «para o caso em que o Tribunal dê como validamente existentes os contratos de arrendamento rurais verbais desde 2006 entre A e Réus para o prédio sub judice», que «a(s) sua(s) vigência(s) cessa em 31 dezembro 2019 (…)».

            Perante a posição dos Réus, importa averiguar se a recusa destes em assinar “os contratos propostos pela A.” é/foi ilegítima e infundada.[12]

            5. O regime jurídico do arrendamento rural, sobretudo, desde a publicação do Código Civil de 1966, foi objeto de diversas formulações/reformulações[13], relevando na situação em análise a configuração dada pelos DL n.ºs 385/88, de 25.10 e 294/2009, de 13.10 (DL 294/2009 que revogou o primeiro e que, sem alterações, estabelece o regime jurídico atual).

            Previa o art.º 3º do DL n.º 385/88, que os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são arrendamentos obrigatoriamente reduzidos a escrito (n.º 1). Qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato (n.º 3). A nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após a notificação, tenha recusado a sua redução a escrito (n.º 4).

            O n.º 5 do art.º 35º do mesmo diploma - relativo às “formas de processo” - estabelecia que nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.

            O DL n.º 294/2009, de 13.10 - que estabelece o novo (e atual) regime do arrendamento rural - preceitua, nomeadamente, o seguinte:

            Arrendamento rural é a locação, total ou parcial, de prédios rústicos para fins agrícolas, florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associadas à agricultura, à pecuária ou à floresta (art.º 2º, n.º 1).

            - Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objecto do arrendamento (art.º 6º, n.º 1). A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade (n.º 2).

            - Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária (art.º 35º, n.º 5).

            - Aos contratos de arrendamento rural, celebrados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se, obrigatoriamente e na íntegra, o regime nele previsto (art.º 39º, n.º 1). Aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, aplica-se o regime nele prescrito, de acordo com os seguintes princípios: a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso; (...) (n.º 2).

            - Os contratos de arrendamento rural existentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei devem, no momento da sua renovação, ser alterados em conformidade com o mesmo (art.º 41º).

            6. A A./recorrente invocou o apontado enquadramento jurídico para exigir a redução a escrito dos contratos (novos e vigentes) de arrendamento rural e que a falta de redução a escrito é imputável à parte contrária.

            Sabemos que a doutrina e jurisprudência dominantes passaram a sustentar que se está perante uma «formalidade ad probationem» (perante uma exigência destinada apenas à demonstração da existência do contrato) e não perante uma «formalidade ad substantiam» (condição de validade do contrato), não determinando assim a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se estará perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece, obviamente (face à obrigatoriedade legal da redução a escrito de todos os contratos de arrendamento rural), quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa, sem êxito, de sanar o vício da não redução a escrito, ou seja, quando haja previamente notificada a outra parte contratante para a redução a escrito do contrato e esta não se haja disposto a reduzi-lo a escrito.[14]

            Porém, não será toda e qualquer recusa que confere a “não imputabilidade” da falta de redução a escrito à parte que tomou a iniciativa da redução a escrito: a recusa em causa tem que ser injustificada.

            Daí que importe verificar/ponderar se a recusa dos Réus em assinar o que lhes foi proposto nas “minutas” mencionadas em II. 1. 21), supra, é/foi ilegítima e infundada.

            7. Responde-se dizendo que se compreende, e releva, a recusa em assinar referida no ponto 22) dos factos provados, não apenas por o clausulado proposto conter excertos contrários à realidade [máxime, onde se diz que as benfeitoras foram efetuadas “sem conhecimento ou consentimento do Senhorio”, pois ficou provado que alguns dos “trabalhos e obras de beneficiação” foram executados “com o conhecimento e sem qualquer oposição da A.” – cf. II. 1. 21), 22) e 31), supra], mas também por se haver excluído o direito de indemnização relativamente a quaisquer das benfeitorias porventura realizadas (inclusive, benfeitorias necessárias), pese embora a factualidade apurada, v. g., em II. 1. 28), 29), 30) e 31), supra.

            Por conseguinte, em face do que ficou provado, a recusa dos Réus tem de se considerar legítima e fundada, porquanto não se demonstra o seu acordo para o ali consignado ou que o mesmo traduza a única resposta consentida pelos factos e o quadro jurídico aplicável.

            8. Vejamos, ainda, quanto a esta concreta matéria, as normas que foram sendo aplicadas ao contrato de arrendamento em análise:

            O arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura (art.º 14º, n.º 1 do DL 385/88, de 25.10).

            Quando houver cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio (art.º 15º, n.º 1). A indemnização, quando a ela houver lugar, será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento de cessação do contrato (n.º 2). Se houver resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem o arrendatário direito a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 3).

            Segundo a Nova Lei do Arrendamento Rural (DL 294/2009, de 13.10):

            - O arrendatário pode realizar no prédio arrendado ações de recuperação sem consentimento do senhorio, nos casos em que: a) O senhorio esteja em mora quanto à obrigação de fazer reparações que, pela sua urgência, não se compadeçam com a demora do respetivo procedimento judicial, podendo o arrendatário fazê-las extrajudicialmente, tendo direito ao seu reembolso; b) A urgência não consinta qualquer dilação, mantendo o direito a reembolso, independentemente de mora do senhorio, contanto que o avise ao mesmo tempo (art.º 23º, n.º 1). Salvo cláusula contratual em contrário, o arrendatário carece do consentimento do senhorio para realizar benfeitorias úteis (n.º 2). As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário sem consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda nem dão direito a qualquer tipo de indemnização aquando da cessação do contrato de arrendamento (n.º 4). As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário com o consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda, mas dão direito ao pagamento de uma indemnização quando revertam para o senhorio após cessação do contrato de arrendamento (n.º 5). Salvo cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio (n.º 6).

            - A indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário, com consentimento do senhorio, que revertam para este no fim do arrendamento, é calculada tendo em conta o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens das quais o mesmo haja usufruído na vigência do contrato e o proveito patrimonial e de rendimentos que delas resulte, futuramente, para o senhorio (art.º 24º, n.º 1).

            9. Naturalmente, a aplicação do referido regime obedece às normas de aplicação da lei no tempo, v. g., do acima transcrito art.º 39º do DL 294/2009.

            Por outro lado, sabemos o quão importante será a destrinça entre benfeitorias necessárias - que conferem o direito a indemnização, sejam ou não consentidas pelo senhorio[15] - e benfeitorias úteis (certamente em maior número) (art.ºs 216º e 1273º do CC)[16], relevando também as circunstâncias que determinaram a sua realização.

            In casu, não tendo as partes acordado, quer no momento da celebração do contrato de arrendamento (data não ulterior a 2006), quer posteriormente, o que quer que fosse sobre a realização dos “trabalhos e obras de beneficiação” que foram sendo executadas pelos Réus no prédio arrendado, não podia a A./senhoria incluir no conteúdo contratual uma cláusula como a referida em II. 1. 21), supra.

            A redução a escrito dum contrato de arrendamento rural verbalmente celebrado não é, nem um novo contrato de arrendamento, nem sequer a redução a escrito do completo e exaustivo programa contratual a que o contrato estará/ficará sujeito, nem, muito menos, a redução a escrito dum programa contratual que não só não foi expressamente combinado como está ao arrepio das disposições supletivas de todas as leis que, ao longo do tempo, lhe foram sendo aplicáveis.

            Contendo a minuta de contrato proposta uma cláusula que cortava cerce o eventual e futuro direito dos Réus/arrendatários a um qualquer pagamento a título de benfeitorias[17], a recusa destes em assinar a minuta que lhes foi enviada é legítima e justificada - e não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável ao senhorio - e, em função disto, impede a A./senhorio de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de arrendamento rural[18], implicando a improcedência do invocado fundamento da ação.[19]

            10. Argumenta depois a A. que, «mesmo na lógica da sentença (que não é a nossa), o início do contrato de arrendamento rural teria sido a 1973 e os sucessivos prazos dos arrendamentos conduziriam a que o ´terminus` fosse em dezembro de 2021. E assim sendo, sempre a Sentença recorrida, mesmo dando como provado que o contrato de arrendamento rural existe e vigora, deveria ter determinado uma data concreta para o ´terminus´ do alegado contrato de arrendamento rural vigente, sob pena de, não o tendo feito, nem Recorrente nem Recorridos terem a certeza jurídica do prazo de vigência do mesmo. / Não o tendo determinado, parece, na realidade, existirem contratos perpétuos, tudo numa aparente denegação de justiça que urge reparar em sede do presente Recurso.» (cf. “conclusões III. 3.1 e 3.2”, ponto I., supra).

            Como ficou explanado em II. 3., supra, considera-se que se formou um novo vínculo obrigacional, entre a A. e os Réus, com início no ano de 2006.

            O prazo de arrendamento nada tem a ver com prazo de duração do contrato.

            O arrendamento rural (como o arrendamento urbano) tem um prazo mínimo (10 ou 7 anos, nos termos do art.º 5º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 385/88 ou, em regra, 7 anos, nos termos do art.º 9º, n.ºs 1 a 3 do DL n.º 294/2009)[20] e um prazo máximo (30 anos - art.º 1025º do CC, que é norma geral de locação, aplicável, portanto, ao arrendamento rural/cf. art.º 42º, n.º 1 do DL n.º 294/2009), pelo qual pode ser celebrado; se no contrato tiver sido estipulado prazo inferior ao mínimo legal, é este que vale; se tiver sido estabelecido prazo superior ao máximo, considera-se reduzido a tal limite.

            Se o arrendamento não for denunciado (nem cessar por outra qualquer razão, como o acordo das partes, a resolução ou a caducidade), renova-se sucessiva e automaticamente no termo do prazo contratado ou legalmente estabelecido, ainda que se ultrapasse o prazo máximo por que pode ser celebrado.[21]

            Por conseguinte, ante os factos provados e o referido quadro normativo, conclui-se que subsiste e vigora o contrato verbal de arrendamento celebrado com os Réus, em 2006 (01.01.2006), com uma renovação em 2016 (01.01.2016) pelo prazo de sete anos (cf., sobretudo, os art.ºs 5º, n.º 1 do DL n.º 385/88 e 9º, n.º 3 e 39º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 294/2009).

            Podemos assim concluir que não se verifica a “caducidade” do contrato de arrendamento que a A. celebrou com os Réus.

            11. Decorre do regime jurídico do arrendamento rural estabelecido pelo DL n.º 294/2009, de 13.10:

            - O arrendamento rural cessa por acordo entre as partes, por resolução, por caducidade, por oposição à renovação, por denúncia ou por qualquer outra forma prevista na lei (art.º 15º, n.º 1).

            - O contrato de arrendamento caduca quando: a) Findo o prazo estipulado, não haja lugar a renovação, de acordo com o estabelecido no presente decreto-lei; b) Cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato tenha sido celebrado, sem prejuízo do disposto no artigo 1052º do Código Civil; c) Ocorra expropriação, exceto se a expropriação for compatível com a subsistência do contrato (art.º 18º, n.º 1). A expropriação da totalidade do prédio arrendado importa a caducidade do contrato de arrendamento rural (n.º 2).

            - O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita (art.º 19º, n.º 1). A oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objecto (n.º 2). O senhorio ou o arrendatário podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9 (n.º 3). O arrendatário pode opor-se à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições: a) Tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos; b) O rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar (n.º 9). Em caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado: a) Pelas benfeitorias realizadas, nos termos previstos no artigo 23º; b) Pelas plantações e melhoramento fundiários que hajam tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio (n.º 10). O arrendatário tem ainda direito a uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda, nos casos previstos no n.º 4 (n.º 11).

            - A oposição à renovação ou a denúncia dos contratos de arrendamento devem concretizar-se mediante comunicação escrita, nos termos previstos nos artigos 26º e 27º e nas condições fixadas no artigo 19º (art.º 30º, n.º 1). As comunicações entre as partes devem explicitar de forma clara e completa, se possível com apresentação de provas, a fundamentação para a denúncia do contrato (n.º 2). Nos casos previstos nos n.ºs 6 e 9 do artigo 19º cabe ao arrendatário apresentar a fundamentação e provas que suportam, no primeiro caso, a necessidade de denúncia do contrato e, no segundo caso, a oposição à denúncia do contrato (n.º 3). Em qualquer caso, o senhorio e o arrendatário podem opor-se à efetivação da denúncia do contrato pela outra parte desde que, em acção intentada no prazo de 60 dias após a comunicação prevista no n.º 1, provem a inexistência de fundamento para a denúncia (n.º 4).

            12. Na proposta contratual datada de 15.01.2019, a A. pretendia a continuidade do contrato de arrendamento pelo prazo de 7 anos, ou seja, além do período de vigência sequente à renovação de 01.01.2016 [cf. os documentos de fls. 15 verso a 18 e II. 1. 21) e II. 10., supra].

            A A. não se opôs formalmente à renovação do contrato de arrendamento (porventura, por o considerar caduco e/ou nulo) e também não o denunciou.[22]

            Por conseguinte, o contrato de arrendamento rural celebrado entre a A. e os Réus não cessou.

            Contudo, por ora, incumbe-lhes, com avisado e maior empenho, na salvaguarda dos seus direitos, dar forma escrita ao contrato, tendo presente o descrito quadro fáctico (ou atendendo a uma sempre possível melhor configuração da realidade, na disponibilidade das partes) e o apontado quadro normativo.

            13. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se condenar os Réus a reconhecer que na qualidade de titulares do direito à transmissão do arrendamento, não comunicaram a sua vontade quanto ao destino do arrendamento rural após a morte do (primeiro) arrendatário (23.9.2002), pelo que, no dia posterior ao termo do prazo de 180 dias, o seu direito (à transmissão) caducou (art.º 24º, n.º 2 do DL n.º 385/88, de 25.10) - consumando-se a caducidade do contrato de arrendamento que teve como partes a A. e o falecido rendeiro, C. -, mantendo-se o demais decidido.

            Custas, nas instâncias, pela A./apelante e pelos Réus, na proporção de 3/4 e 1/4, respetivamente.


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01.02.2022



[1] Haverá porventura lapso na data, atenta a modificação introduzido no ponto 7) da matéria de facto.
[2] Retificou-se face ao teor do documento que reproduz a mencionada ata – de 31.01.1973 (fls. 118).
[3] Retificou-se atendendo ao referido documento.
[4] Existe lapso – será “34)”.
[5] A locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, denomina-se arrendamento rural (art.º 1º, n.º 1 do DL n.º 385/88, de 25.10).

[6] Reza o (similar) art.º 20º do DL n.º 294/2009, de 13.10 (diploma que não teve qualquer alteração): «1 - O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio. 2 - O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, no caso de pessoas singulares, nem por extinção, no caso das pessoas coletivas, sendo que: a) No caso das pessoas singulares, o arrendamento transmite-se ao cônjuge sobrevivo não separado de pessoas e bens ou de facto, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins, na linha reta, que com o mesmo viviam em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo; b) No caso das pessoas coletivas, o arrendamento transmite-se para a entidade para quem, de acordo com a legislação aplicável, devem ser transmitidos os direitos e obrigações da entidade extinta. 3 - A transmissão a que se refere a alínea a) do número anterior defere-se pela ordem seguinte: a) Ao cônjuge sobrevivo ou à pessoa que vivia com o arrendatário há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges; b) Aos parentes ou afins na linha reta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado. 4 - A transmissão a favor dos parentes ou afins do primitivo arrendatário também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo ou da pessoa que vivia com o arrendatário há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento. 5 - Pode haver duas transmissões mortis causa nos termos do número anterior ou apenas uma, quando a primeira transmissão se operar a favor das pessoas referidas na alínea b) do n.º 3. 6 - Os titulares do direito à transmissão devem, no prazo de seis meses, notificar o senhorio da intenção de exercer o seu direito

[7] Vide, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 458 e seguinte e Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, Arrendamento Rural, 2ª edição, Almedina, pág. 106.
   Sobre a figura da caducidade, enquanto forma de cessação dos efeitos negociais, vide, nomeadamente, C. A. da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1ª edição - 4ª reimpressão, Coimbra Editora, 1980, pág. 479 e 4ª edição (por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), 2ª reimpressão, págs. 630 e seguinte.

[8] Que assim reza: “Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054º.”
[9] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, cit., pág. 399.

  Discorda-se, assim, da solução encontrada no acórdão da RL de 13.01.2009-processo 9267/2008-1 - cit. na sentença recorrida - [onde se conclui: «7 - Se o transmissário não comunica o falecimento dentro do prazo imposto e nos termos prescritos, e não obstante não abandona o prédio, fica o senhorio com direito a despejá-lo, no prazo do artigo 1056º do C. Civil, ´ex-vi` artigo 27º da LARA, sob pena de se prorrogar a duração do contrato, tendo agora como sujeito o transmissário.»], publicado no “site” da dgsi.

[10]Na fundamentação da alegação de recurso, diz a A./recorrente, por exemplo: «Com efeito o contrato de arrendamento rural verbal existente (entre a recorrente e os recorridos) é um contrato arrendamento rural completamente novo, sujeito a negociação e cujos termos as partes nunca se entenderam ou chegaram a acordo (pontos 21 e 22 dos factos provados).»
[11] Vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª Reimpressão, Almedina, 1974, pág. 38 e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 55.

[12] O que, sendo-o, permite à A. invocar a nulidade, por vício de forma, do contrato e poderá abrir caminho ao referido “raciocínio jurídico” conducente à restituição do prédio arrendado.
[13] A propósito da evolução legislativa, vide, por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, cit., pág. 408 e o acórdão da RC de 04.5.2020-processo 881/18.1T8GRD.C1, publicado no “site” da dgsi.
[14] A respeito do preceituado no art.º 3º, n.ºs 1, 3 e 4 do DL n.º 385/88, de 25.10, vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, cit., págs. 412 a 414.
[15] Vide, designadamente, Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, ob. cit., págs. 77 e seguinte.
[16] Para efeitos do disposto no DL n.º 294/2009, entende-se por: «Benfeitorias necessárias» as despesas realizadas com o objetivo de evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio rústico, ou do urbano, caso esteja incluído no contrato, e, consequentemente, salvaguardar as suas características produtivas fundamentais, sendo as ações de conservação e de recuperação consideradas para os efeitos previstos no presente decreto-lei como benfeitorias necessárias (art.º 5º, alínea j)). «Benfeitorias úteis» as despesas que, tendo em consideração o objecto do contrato de arrendamento, determinam o desenvolvimento e melhoria da capacidade produtiva do prédio, e, consequentemente, o seu valor (alínea l)).
[17] Ainda que se deva considerar que o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural (pressuposto legal que ainda não se verifica) - cf., por exemplo, o cit. acórdão da RC de 04.5.2020-processo 881/18.1T8GRD.C1 e o acórdão da RC de 10.02.2015-processo 446/11.9TBSEI.C1, publicado no “site” da dgsi.

[18] Relativamente à pretensa nulidade, por vício de forma, do contrato celebrado com o primeiro arrendatário e atenta a “conclusão II. 2.4”, ponto I., supra, dir-se-á, ainda, por um lado, face ao decidido em II. 3. supra, que se trata de matéria sem interesse ou cujo conhecimento ficou prejudicado; por outro lado, que os elementos disponíveis apontam, igualmente, no sentido de que, muito provavelmente, o C. terá considerado que o clausulado não salvaguardava o seu interesse, o que justificaria a recusa em assinar - cf., nomeadamente, II. 1. 8) e 10) e documento de fls. 100.

[19] Cf. o cit. acórdão da RC de 04.5.2020-processo 881/18.1T8GRD.C1 [atendido na precedente exposição, assim sumariado: «1 - A redução a escrito dum contrato de Arrendamento Rural celebrado verbalmente, numa época (1966) em que a lei não obrigava à sua redução a escrito, não é um novo contrato de arrendamento, pelo que o contraente que toma a iniciativa da sua redução a escrito não pode nele incluir, sem o acordo da parte contrária, cláusulas e conteúdos que não haviam sido combinados. 2 - Assim, nada tendo sido acordado, na data da celebração de tal contrato de Arrendamento Rural, sobre a possibilidade de realização de obras, não pode o senhorio incluir uma cláusula segundo a qual o arrendatário “não poderá realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”; e uma outra segundo a qual,findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pelo inquilino, ainda que autorizadas pelo senhorio, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo o inquilino alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”. 3 - Procedendo assim o senhorio, é legítima e justificada a recusa do inquilino em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada, o que não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável ao senhorio e, em função disto, o impede de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de Arrendamento Rural. 4 - Efetivamente, a exigência da redução a escrito de todos os contratos (novos e vigentes) de Arrendamento Rural, constitui uma «formalidade ad probationem», não acarretando a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se está perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa de sanar o vício da não redução a escrito e a outra parte, injustificadamente, se haja recusado a reduzi-lo a escrito. (...)»] e, ainda, nomeadamente, os acórdãos do STJ de 20.01.2005-processo 04B4590 [com o sumário: «(...) 2. A exigência legal da forma escrita para o contrato de arrendamento rural sob pena de nulidade destina-se a proteger o arrendatário e o interesse público de conhecimento oficial da situação dos prédios rústicos com potencialidade agrícola. 3. A referida nulidade é atípica por não ser de conhecimento oficioso pelo tribunal e só poder ser invocada relevantemente pela parte que se apresentou ou disponibilizou para a formalização do contrato.»] e da RP de 01.7.2002-processo 0250332 [concluindo-se: «I - No contrato de arrendamento rural, a sua redução a escrito não constitui formalidade "ad substantiam" ou "ad probationem" mas um pressuposto processual especial, destinado a permitir o recurso à via judicial. II - Intentada ação sem a junção desse documento escrito, a sua falta só pode ser invocada enquanto for útil, designadamente até ser proferida sentença na 1ª instância, sob pena de se ter como sanada.»] e 02.02.2004-processo 0450167 [tendo-se concluído: «I - Desde 1 de Julho de 1989 que é obrigatória a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, visando tal exigência a proteção do arrendatário. II - A nulidade do contrato, por omissão da redução a escrito, apenas pode ser invocada pelo contraente a quem a falta de forma não for imputável. (...) IV - Se nada se provar acerca da responsabilidade pela não redução a escrito, a consequência é a extinção da instância - n.º 5 do art.º 35º do DL 385/88, de 25 de Outubro - e não a declaração de nulidade do contrato.»], publicados no “site” da dgsi.

[20] Preceituam os referidos normativos: «Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por prazo inferior a dez anos, a contar da data em que tiverem início, valendo aquele se houver sido estipulado prazo mais curto (art.º 5º, n.º 1 do DL n.º 385/88). Nos arrendamentos ao agricultor autónomo o prazo referido no número anterior e de sete anos (n.º 2).»

   «Os contratos relativos a arrendamentos agrícolas são celebrados por um prazo mínimo de sete anos (art.º 9º, n.º 1 do DL n.º 294/2009). Quando, nos contratos referidos no número anterior, não tenha sido fixado prazo ou o prazo fixado seja inferior a sete anos, considera-se que os mesmos são celebrados de acordo com o disposto no número anterior (n.º 2). Os arrendamentos agrícolas são renováveis automaticamente por sucessivos períodos de, pelo menos, sete anos, enquanto o mesmo não seja denunciado nos termos do presente decreto-lei (n.º 3).»

[21] Cf., de entre vários, o acórdão da RC de 17.11.2009-processo n.º 27/07.1TBOFR.C1, publicado no “site” da dgsi.
[22] Sobre a figura da denúncia, vide, nomeadamente, J. Baptista Machado, RLJ, 118, 278; Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª edição, Almedina, pág. 280 e C. A. da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, cit., págs. 631 e seguinte.
   A respeito da denúncia do contrato de arrendamento rural em situação gerada no domínio de aplicação do DL n.º 385/88, de 25.10, cf. o acórdão da RC de 20.6.2012-processo 123/08.8TBIDN.C1, publicado no “site” da dgsi.