Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
288/12.4TTGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
EXCESSO
ONEROSIDADE
Data do Acordão: 02/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 405º, 810º E 812º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento.

II – Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e em cláusula penal puramente compulsória.

III – Apesar do reconhecimento às partes de poderes autonómicos na fixação da cláusula penal (artºs 405º/1 e 810º/1 do C. Civil), o nosso ordenamento jurídico não deixou de ser sensível e de ponderar a possibilidade de serem cometidos abusos nessa fixação.

IV – Nos termos do artº 812º do C. Civil é possível; a) a redução da cláusula penal; b) a efectuar pelo tribunal e de acordo com a equidade; c) quando se mostre que ela é manifestamente excessiva, mesmo que por causas supervenientes, ou a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Por apenso à execução que lhe foi movida pelo embargado, deduziu a executada os presentes embargos de executado, requerendo, designadamente, a redução para € 250 euros da cláusula penal de € 5000 euros que também foi dada à execução.
Alegou, em resumo, que foi bastante curto o atraso no pagamento das prestações a que a cláusula penal estava associada, que ele se deveu à presente situação e crise e às concomitantes dificuldades por que passa a executada, o que se traduz em culpa reduzidíssima da sua parte, de tudo resultando a excessiva onerosidade da cláusula penal a permitir a sua redução equitativa.
O exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, pois que, no seu entender, não se verifica a excessiva onerosidade sustentada pela embargante.
No despacho saneador, os embargos foram julgados improcedentes.
Inconformada com o assim decidido, a executada interpôs recurso, formulando as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento, cumpre decidir.
*
II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, é a seguinte a única questão a decidir: saber se deve ser reduzida, por excessivamente onerosa, a cláusula penal dada à execução.
 

*
*
III – Fundamentação


A) De facto

São os seguintes os factos provados:

1. O exequente instaurou contra a executada, em 11/7/2012, uma acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, a qual correu termos sob o nº. (…) e a que estes autos estão apensos, peticionado a condenação dela a pagar-lhe o valor global de 17.313.64 €.
2. Em 14/10/2013, no dia agendado para a respectiva audiência de discussão e julgamento, após várias conversações, a embargante e o embargado decidiram pôr termo à referida acção mediante transacção, a qual foi judicialmente homologada por sentença transitada em julgado.
3. Por via dessa transacção, a executada obrigou-se a pagar ao exequente, por transferência bancária, a quantia de 11.250,00 €, em quatro prestações mensais, a saber: € 5.000 até ao dia 18/10/2013, € 2.000 até ao dia 15/11/2013, € 2.000 até ao dia 15/12/2013 e € 2.250 até ao dia 15/01/2014.
4. Em caso de incumprimento do assim acordado, a executada obrigou-se a pagar ao exequente, a título de cláusula penal, uma indemnização de € 5.000 €, a acrescer ao valor das prestações em dívida.
5. A exequente realizou a favor do executado, as seguintes transferências bancárias: € 5000 no dia 18/10/2013, € 2000 no dia 20/11/2013, € 2000 no dia 20/12/2013, € 1000 no dia 27/1/2014 e € 1250 no dia 18/2/2014.
6. Em 19/12/2013, a ilustre mandatária do exequente remeteu ao ilustre mandatário da executada a carta de teor igual à que está documentada a fls. 35, aqui dada por integralmente reproduzida, dando conta de que até essa data não tinha sido paga a prestação vencida em 15/12/2013, razão pela qual se venceu igualmente a prestação que se venceria no dia 15/1/2014, sendo consequentemente devida a quantia de €5.000 acordada a título de cláusula penal, devendo os €9.250 assim em dívida ser pagos até ao dia 22/12/2013, sob pena de instauração de execução com vista à respectiva cobrança coerciva.
7. A execução apensa foi instaurada a 23/1/2014, tendo a recorrente sido citada para os termos da mesma no dia 3/3/2014.
*
B) De Direito
Única questão: saber se deve ser reduzida, por excessivamente onerosa, a cláusula pena dada à execução.

É sabido que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC), segundo o qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos típicos.
É justamente no domínio e respeito pela liberdade contratual que se permite às partes que, por acordo e antecipadamente, possam estipular o montante da indemnização (art. 810º do CC).
Foi ao abrigo desse princípio que exequente e executada estipularam a obrigação da segunda pagar ao primeiro a quantia de € 5.000, para o caso daquela não cumprir a transacção em que outorgou e a obrigação de pagamento prestacional que por via dela assumiu.
É indubitável que a estipulação contratual pela qual a executada se obrigou a pagar ao exequente a quantia de 5.000 euros supra referenciada assume a natureza de cláusula penal, enquanto estipulação negocial em que uma das partes se obriga antecipadamente, perante a outra, caso não cumpra a obrigação ou não a cumpra exactamente nos termos devidos, ao pagamento de uma quantia pecuniária, a título de indemnização (Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 44, e Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, p. 136).
Foi assim denominada na transacção em que foi estipulada, tal como foi assim qualificada na sentença recorrida, sem divergência das partes, que apenas divergem no que toca à sua manutenção integral pretendida pelo exequente ou à sua redução pela qual pugna a executada.
Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento[1] [2].
Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e em cláusula penal puramente compulsória.
Na verdade, como escreveu o Antunes Varela[3]:
Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal.”.
Por seu turno, ensina Calvão da Silva que é cláusula penal a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória.
Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Assim, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.
No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto (…) o que significa que o devedor, vinculado à cláusula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811.º-2).
Por sua vez, a segunda função (a coercitiva) constitui um poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação, já que o carácter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento - Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pp. 247 a 250.
Importa reter, ainda, que verificada a situação de incumprimento ou de mora que justificou a fixação de uma cláusula penal, não importa determinar quais e de que montante são os danos advenientes do seu incumprimento ou mora, nem o respectivo nexo causal (acórdão do STJ de 24/4/2012, proferido no âmbito do processo 605/06.6TBVRL.P1.S1, e acórdão da Relação do Porto de 15/1/2013, proferido no âmbito do processo 2015/09.4TBPFR.P1; Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 620, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª, p. 443, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª, p. 664.
No caso em apreço, a cláusula penal acordada entre exequente e executada é compensatória, tendo por finalidade a de fixação antecipada da indemnização.
Resulta dos factos provados que a executada obrigou-se a pagar ao exequente, por transferência bancária, a quantia de 11.250,00 €, em quatro prestações mensais, a saber: € 5.000 até ao dia 18/10/2013, € 2.000 até ao dia 15/11/2013, € 2.000 até ao dia 15/12/2013 e € 2.250 até ao dia 15/01/2014.
Também resulta dos mesmos factos que a executada fez as seguintes transferências bancárias: € 5000 no dia 18/10/2013, € 2000 no dia 20/11/2013, € 2000 no dia 20/12/2013, € 1000 no dia 27/1/2014 e € 1250 no dia 18/2/2014.
Como assim, a executada não liquidou no tempo devido a segunda, terceira e quarta prestações.
Ao incorrer no incumprimento acabado de referir, logo no momento do retardamento do pagamento da segunda prestação, venceram-se todas as demais prestações (art. 781º do CC), ficando então em dívida o montante global de 6.250 euros.
Por outro lado, o referido incumprimento fez incorrer a executada na obrigação de pagar ao exequente a cláusula penal de € 5.000 € acordada entre ambos, a qual só podia deixar de operar se a executada alegasse e provasse que agiu sem culpa, visto que esta se presume (arts. 344º/1 e 799º/1 do CC).
Foi o montante dessa cláusula penal que o executado exigiu à exequente na missiva de 19/12/2013 que está referida nos factos provados, numa ocasião em que a executada tinha já pago o montante correspondente à segunda prestação acima aludida, mas em que ainda não estava pago o remanescente em dívida.
Sustenta a executada, porém, que o montante da cláusula é excessivamente oneroso e, por isso, deve a mesma ser objecto de redução a determinar pelo tribunal.
Com efeito, apesar do reconhecimento às partes de poderes autonómicos na fixação da cláusula penal (arts. 405º/1 e 810º/1 do CC), o nosso ordenamento jurídico não deixou de ser sensível e de ponderar a possibilidade de serem cometidos abusos naquela fixação.
Com efeito, nos termos do art. 812º do CC, é possível: i. a redução da cláusula penal; ii. a efectuar pelo tribunal e de acordo com a equidade; iii. quando se mostre que ela é manifestamente excessiva, mesmo que por causas supervenientes, ou a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Como escreve Calvão da Silva: “Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspecto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal, (...) - Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pp. 246/247.
Importa reter, igualmente, que o ónus de alegar e provar os factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor (acórdãos do STJ de 17/11/98, de 9/2/99, e de 5/12/2002, consultáveis na CJ do STJ, ano VI, tomo III, p. 120, ano VII, tomo I, p. 99, e Sumários, 2002, p. 10; acórdão do STJ de 12/9/2013, proferido no âmbito do processo 1942/07.8TBBNV.L1.S1.
Além disso, a doutrina e a jurisprudência dominantes vêm entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art. 812º, não é oficiosa, mas dependente de pedido do devedor da indemnização (Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pp. 735 a 737, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 81, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 275; acórdãos do STJ de 17/2/98, CJ do STJ, ano VI, tomo I, p. 72 e no BMJ n.º 474, p. 457, de 30/9/2003, de 20/11/2003, de 17/5/2012 e de 24/4/2012, proferidos no âmbito dos processos 03A3514, 03A1738, 3855/05.9TVLSB.L1.S1 e 605/06.6TBVRL.P1.S1; acórdãos da Relação do Porto de 8/4/91, de 23/11/93 e de 26/1/2000, na CJ, ano XVI, tomo II, p. 256, ano XVIII, tomo V, p. 225, e ano XXV, tomo I, p. 205.
Acresce, como escreve Calvão da Silva, que “O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos.
Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.” (in obra citada, pp. 272 e 273).
E acrescenta que “A decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, «enorme», que «salte aos olhos». Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si.” (p. 274).
Concluindo, logo em seguida, que “Do que fica dito, é claro que o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo não é proibida pela lei, não tendo o juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial.
Exige-se, como pressuposto e condição da intervenção judicial, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada
.” (pp. 276 e 277).
Em idêntico sentido, escreveu-se no acórdão do STJ de 24/4/2012, que “Destinando-se a cláusula penal a reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação, a indemnização devida será aquela que tiver sido prevista na pena convencionada, mais gravosa para o inadimplente do que, normalmente, seria, que, em princípio, deve ser respeitada, dado o seu carácter «a forfait», e por corresponder à vontade conjectural original das partes, sendo certo que só, em casos excepcionais, deve ser reduzida, com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas, «manifestamente excessivas», francamente, exageradas, face aos danos efectivos.
A fim de não serem anuladas as vantagens da cláusula penal, respeitando-se a sua intangibilidade, o tribunal não só não deve fixar a pena abaixo do dano do credor, como nem sequer deverá fazê-la coincidir com os prejuízos efectivos verificados, porquanto a redução da pena destina-se, tão-só, a afastar o seu exagero e não a anulá-la.
Efectivamente, o devedor não pode, em princípio, pretender pagar uma indemnização inferior ao valor da pena convencional fixada, com excepção, caso em que esta pode ser reduzida, de acordo com a equidade, da situação em que a mesma seja, manifestamente, excessiva, ou, extraordinariamente excessiva, mas não em função do dano efectivo ocorrido que, aliás, o credor não tem de demonstrar, não podendo ter lugar uma intervenção judicial sistemática, sob pena de se arruinar o legítimo e salutar valor correctivo da cláusula penal e de se subestimar o seu carácter «a forfait».
Na verdade, considerando que a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, mesmo a cláusula penal, manifestamente excessiva, não pode ser reduzida, oficiosamente, pelo Tribunal, consoante decorre do preceituado pelo artigo 812º, nº 1, do CC, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», devendo antes a sua redução ser solicitada pelo devedor interessado, por via de acção ou de reconvenção, ou de defesa por excepção, a deduzir na contestação, mas não, apenas, na fase de alegações, uma vez que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade, atento o disposto pelo artigo 282º, não se justificando, assim, a redução oficiosa, em face do regime legal da anulabilidade, que apenas é invocável pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, com base no preceituado pelo artigo 287º, ambos do CC.
No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.
No caso em apreço, os factos provados não permitem perceber das razões pelas quais se registou o incumprimento contratual em que a executada incorreu, pelo que inviabilizada fica qualquer possibilidade de afirmação de que apesar desse inadimplemento a executada actuou de boa-fé, do mesmo modo que inviabilizada fica qualquer possibilidade de ser ter por ilidida a presunção de culpa que recai sobre a executada.
Por outro lado, no quadro global de negociação em que se fixou a cláusula penal, com redução do pedido por parte do aqui exequente de 17.313.64 € para 11.250, estes últimos a pagar em prestações, não se nos afigura que aquela cláusula seja sequer excessiva, quanto mais manifestamente excessiva.
À data em que se verificou o incumprimento que determinou a exigibilidade da cláusula penal, estavam em dívida € 6.250, pelo que também sob este prisma não se verifica a excessiva onerosidade que possibilita a redução da cláusula penal.
Os pagamentos que a executada fez em momento posterior àquele em que se verificou o incumprimento determinante da exigibilidade da cláusula penal não podem ser levados em consideração para estes efeitos, sob pena de se conceder ao devedor uma faculdade de unilateralmente e em prejuízo do credor se furtar às consequências decorrentes do incumprimento em que incorreu, bastando-lhe para o efeito cumprir retardadamente as obrigações por si assumidas.
Os factos provados não evidenciam, minimamente, o tipo de danos, seja os de natureza material, seja os de cariz moral, que terão sido suportados pelo exequente em consequência do incumprimento em que incorreu a executada.
Também nada permitem perceber quanto à situação sócio-económica da exequente e da executada e às implicações para as mesmas decorrentes do incumprimento contratual registado.
A cláusula em questão foi estabelecida num quadro negocial diverso do correspondente aos contratos de adesão, estando ambas as partes assessoradas, no momento da sua estipulação, por mandatários judiciais.
Tudo visto, é forçoso concluir que a executada não logrou satisfazer o ónus que sobre a mesma impedia de demonstrar os factos necessários para se poder concluir que a cláusula em apreço era excessivamente onerosa.
Consequentemente, deve a apelação improceder.
*
IV) – Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 12/2/2015
 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)


[1] Sobre os vários tipos de cláusulas penais que podem ser contratualmente acordadas, podem consultar-se, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 281, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª, p. 448, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª, pp. 658/659.
[2] No sentido da admissibilidade de cláusulas penais moratórios e para uma distinção entre elas e as compensatórias, podem consultar-se Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 281, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 248, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª, p. 659.
[3] Das Obrigações em Geral, 5ª, pp. 137 e 138.