Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/12.0GBNLS-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 213º Nº 1 CPP
Sumário: 1.- As medidas de coação encontram-se sujeitas à condição rebus sic stantibus (estando assim as coisas);
2.- Assim a decisão que sujeita o arguido a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é inatacável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
Decisão Texto Integral: Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I. Relatório.

1.1. Entre outros demais arguidos, A... e B..., já com os sinais nos autos, submetido a primeiro interrogatório judicial, nos termos do artigo 141.º do Código de Processo Penal, viu então ser-lhe aplicada a prisão preventiva como medida coactiva para os ulteriores termos do processo.

Na subsequente tramitação dos autos, e aquando da 1.ª revisão dos pressupostos da medida assim cominada, o M.mo Juiz que a ela procedeu proferiu despacho cujo teor passamos a reproduzir:

«Os arguidos (…) A... e B... (…) foram sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva em 05.09.2012, na sequência de primeiro interrogatório judicial, por se ter considerado que:

existiam fortes indícios da prática, em co-autoria, pelos arguidos (…) e A..., de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas p. e p. pelos artigos 26.º do Código Penal e 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência ainda às Tabelas I-B e I-C anexas, eventualmente agravado pelo art.º 24.º, al. h) do mesmo diploma; (…);

• e que apenas essa medida se mostrava suficiente para acautelar os concretos perigos de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, continuação da actividade criminosa, perturbação do decurso do inquérito, e de fuga - fls. 701 e ss..

Decorridos quase três meses desde a aplicação dessa medida de coacção, cumpre proceder ao reexame dos pressupostos subjacentes à mesma, em cumprimento do disposto no artigo 213.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, inexistindo quaisquer elementos no processo que tornem necessária a prévia audição dos arguidos – artigo 213.º, n.º 3, a contrario.

O Ministério Público entende que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva – fls. 1340 e ss..

Vejamos.
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Compulsados os autos constatamos que nenhum facto sobreveio que se mostre susceptível de abalar os fundamentos e exigências cautelares que fundaram a decisão de sujeitar os arguidos à medida de coacção de prisão preventiva, devidamente explanados no despacho proferido em 05.09.2012, para os quais remetemos, e reiterados na promoção que antecede, que acompanhamos.

Pelo contrário, verifica-se que as ulteriores diligências de investigação realizadas nos autos, designadamente, as inquirições de testemunhas, reforçam quer os factos que já se havia considerado estarem fortemente indiciados, quer alguns dos concretos perigos que se concluiu estarem verificados, como sejam o de continuação da actividade criminosa, perturbação da ordem e tranquilidade públicas e perturbação do decurso do inquérito.

Ora, a medida de coacção aplicada aos arguidos, além de proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados e às sanções que previsivelmente lhes serão aplicadas em sede de julgamento, continua a ser a única susceptível de acautelar as exigências cautelares que o presente caso requer, impedindo que aqueles prossigam com a actividade criminosa ou contactem com as testemunhas, e evitando a perturbação da ordem e tranquilidade públicas da localidade.

Nesta conformidade, e considerando que ainda não se mostra ultrapassado o prazo de duração máxima de tal medida, previsto no artigo 215.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código de Processo Penal, impõe-se a manutenção da mesma.

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Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 202.º, n.º 1, al. b), 204.º, als. a) a c), 213.º, n.º 1, al. a) e 215.º, todos do Código de Processo Penal, e indo ao encontro da promoção que antecede,
decide-se manter os arguidos (…) A... e B... (…) sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

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Com cópia do presente despacho, comunique ao Estabelecimento Prisional em que os arguidos se encontram.

Notifique.»

1.2. Porque desavindo com o assim expendido, recorre o dito arguido, extraindo do requerimento através do qual minutou a discordância, esta ordem de conclusões:

1. O art.º 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelece o princípio da proporcionalidade.

2. Ou seja, entre a medida de coacção a aplicar e as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas deve existir uma relação de conformidade.

3. Sendo certo que na parte final da norma convocada vem estatuído que tal conformidade deve ser aferida pela presumível dimensão das medidas que venham a ser aplicadas.

4. Atenta a moldura abstracta em questão, o passado isento de condenações criminosas e a idade do arguido, está-se em crer não poder ser afastada a hipótese de ao arguido vir a ser imposta uma pena de prisão suspensa na sua execução.

5. Pelo que a fixação de um estatuto coactivo ao arguido de preso preventivo colide flagrantemente com o citado art.º 193.º, n.º 1, in fine.

6. Por outro lado, sempre se dirá que a medida de coacção a aplicar terá de ser adequada às finalidades cautelares postuladas pela concreta hipótese em análise.

7. Ora, a decisão em recurso faz apologia de que na hipótese em apreço se verificam cumulativamente todos os riscos elencados no art.º 204.º, do Código de Processo Penal, excepto o de fuga.

8. Contudo, a prisão preventiva só pode emergir quando todas as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes – princípio da dupla subsidiariedade, contido no n.º 3 do art.º 193.º e n.º 1 do art.º 202.º, ambos do Código de Processo Penal.

9. Sendo certo que nenhuma argumentação vem esgrimida para afastar a subsidiariedade da prisão preventiva face à medida do art.º 201.º.

10. E sem constatar que a cumulação dessa medida com outra qualquer do catálogo taxativamente elencado na Lei excluiriam os perigos em causa.

11. Nesta confluência, é patente que a decisão violou as normas constantes dos art.ºs 193.º, n.º 3; 200.º e 201.º, todos do Código de Processo Penal.

Terminou pedindo que na procedência do recurso, seja ordenada a revogação do despacho recorrido, substituindo-se por outro que decrete a imediata cessação da medida coactiva de prisão preventiva aplicada.

1.3. Acatado o disposto pelo art.º 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, contra-alegou o Ministério Público, sufragando impor-se a subsistência do decidido.

1.4. Proferido despacho admitindo a impugnação e ordenada a sua instrução com os elementos tidos por essenciais, cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto com vista respectiva nos termos do art.º 416.º, do Código de Processo Penal, emitiu parecer conducente à manutenção do despacho questionado.

1.6. Cumprido o disposto pelo subsequente art.º 417.º, n.º 2, o arguido não respondeu.

1.7. No despacho a que alude o n.º 6 do mesmo inciso legal, consignou-se que nenhuma circunstância impunha a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis.

Por isso que, devendo prosseguir, colhidos os vistos devidos, realizou-se conferência.

Cabe, então, apreciar e decidir.


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II. Fundamentação.

2.1. Como é manifestamente consabido, são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que definem e delimitam o objecto do recurso [art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].

No caso presente, vendo-se as oferecidas pelo arguido recorrente, decorre que questiona o mesmo o despacho proferido nos termos do art.º 213.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, i) quer porque menospreza o princípio da proporcionalidade tipificado no art.º 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal [alega, em resumo e com efeito que, sendo possível configurar, face aos elementos disponíveis, a respectiva condenação a uma pena prisão, mas, contudo, suspensa na sua execução, o estatuto coactivo aplicado se mostraria excessivo], ii) quer porque igualmente olvida o princípio da subsidiariedade, contido nos elencados art.ºs 193.º, n.º 3 e 202.º, n.º 1 [aduz, no que concerne, que, em ponto algum é referida a inaplicabilidade ao caso sub judice da medida coactiva prevenida pelo art.º 201.º, do mesmo diploma adjectivo, qual seja de obrigação de permanência na habitação].

Ressalvado o devido respeito, a argumentação avançada e subjacente ao recurso interposto incorre numa indevida configuração do fundamento que se mostraria capaz de questionar o decidido.

Na verdade:

De acordo com o mencionado art.º 213.º, n.º 1, ao abrigo do qual a decisão recorrida foi proferida, Durante a execução da prisão preventiva o juiz procede oficiosamente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos daquela, decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada.

Este normativo, ao acentuar a oficiosidade e ao instituir a obrigatoriedade de reexame, com uma periodicidade trimestral, pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva, impondo um controlo jurisdicional, especialmente aturado das exigências dessa medida em cada momento, atento o seu carácter de medida de coacção extrema, assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido. Visa evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido, não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo antecedente art.º 212.º.

Todavia, cumpre não olvidar que as medidas de coacção se encontram sujeitas à condição rebus sic stantibus, e daí que uma sua substituição por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.

Nesta esteira, aliás, é pacífico o entendimento segundo o qual a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, se mostrar inatacável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.

Ora, o recorrente em ponto algum do seu recurso invoca a superveniência de elementos susceptíveis de virem a ser tidos como atenuativos da conduta prosseguida. Ao invés, o despacho recorrido inclusive aponta em que os indícios recolhidos no prosseguimento do inquérito antes fazem acentuar o grau negativo da sua comparticipação no sucedido. 

Isto por um lado.

Mas, numa outra perspectiva falece, igualmente, a argumentação do arguido.

Como exuberantemente resulta das suas conclusões, à míngua dos pretensos “elementos novos” limita-se o mesmo a impugnar os que no despacho primitivo conduziram à justificação judicial da medida coactiva aplicada, concretamente, vimos, a preterição dos falados princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade.

Ora, no despacho agora controvertido, não cabia ao M.mo Juiz a quo sindicar tal despacho que sujeitou o recorrente a esta medida.

Antes, reafirma-se, estava ele limitado à indagação sobre se, entretanto, tinha ocorrido, ou não, uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a submissão do recorrente à medida de coacção de prisão preventiva.

Entendendo que era negativa a resposta bastava-se a lei em que referisse que subsistiam os pressupostos exigíveis, tal como, avisadamente, fundamenta no próprio despacho.

Acresce, e não despiciendo, como vem documental e certificadamente comprovado, que esse primitivo despacho já foi alvo de apreciação superior denegatória de igual pretensão do arguido. Ou seja, ficou a coberto da força de caso julgado relativo.

Razões sucintas e singelas conducentes ao claudicar da pretensão formulada.


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III. Decisão.

São termos em que negando provimento ao recurso interposto, consequentemente mantemos a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.

Notifique e comunique de imediato.


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Brízida Martins (Relator)

Belmiro Andrade