Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
745/18.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
AMA. CRECHE FAMILIAR
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 158/84, DE 17/05, E DEC-LEI 115/2015, DE 22/06.
Sumário: São de prestação de serviço as relações entre as amas e as instituições de enquadramento constituídas no âmbito temporal de vigência do DL 158/84, de 17/5, e do Despacho Normativo 5/85, de 18/1, sem que nas mesmas e respectivos termos de execução tenham sido introduzidas alterações substantivas depois da entrada em vigor do DL 115/2015, de 22/6, e da Portaria 232/2015, de 6/8.
Decisão Texto Integral:









Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O autor propôs contra a ré acções especiais de reconhecimento da existência de contratos de trabalho, pedindo que se reconheça e declare que entre a ré e as indigitadas trabalhadoras existe uma relação de contrato de trabalho e que se fixem as datas de constituição das mesmas, respectivamente, em 1 de Janeiro de 1999, 25 de Outubro de 2004, 3 de Fevereiro de 2014 e 10 de Fevereiro de 1999.

Alegou, em resumo, que entre as indigitadas trabalhadoras e a ré existem, desde as apontadas datas, substanciais relações de contratos de trabalho, embora formalmente tituladas por contratos de prestação de serviço.

A ré contestou, pugnando pela improcedência das acções.

Sustentou, em resumo, que são realmente de prestação de serviço as relações entre ela e as indigitadas trabalhadoras.

As acções foram, entretanto, apensadas, prosseguiram os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Atentos os fundamentos expostos e as normas legais citadas, decide-se julgar improcedentes as acções instauradas pelo Autor, Ministério Público, contra a Ré, “A...” e, em consequência, absolve-se a Ré dos pedidos formulados.”.

Inconformado com o assim decidido, apelou o Ministério Público, rematando as respectivas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da acção.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se podem ser qualificadas como de trabalho subordinado as relações entre a ré e as indigitadas trabalhadoras.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido descreveu como provados os seguintes factos:

1) A Ré é uma associação de pais e educadores de infância, com a natureza de Instituição Particular de Solidariedade Social (I.P.S.S.), desempenhando a actividade de educação pré-escolar.

2) A Ré conta, actualmente, com as seguintes valências: Creche Institucional, Creche Familiar, Pré-Escolar, Centro de Acolhimento, Casa Abrigo, Centro de Apoio à Vida e Centro de Atendimento Social.

3) Presta ainda outros serviços, tais como o Gabinete do Apoio à Vítima, Loja Social, Departamento de Formação Permanente, Fundo Europeu de Auxílio aos Carenciados e o Banco de Voluntariado “D...”.

4) A Creche Familiar “...” funciona ininterruptamente desde 01.09.1997 e desenvolve actividades dirigidas a crianças entre os 3 meses e os 3 anos de idade, que são asseguradas pelas amas.

5) I... vem exercendo, de forma ininterrupta, na sua residência, sita na Rua ..., as funções de ama no âmbito da Creche Familiar “...”, a cargo da Ré, desde 1 de Janeiro de 1999.

...

9) No exercício das suas funções, as amas ... vêm acolhendo, por ano, cada uma delas, até quatro crianças, entre os 3 meses e os 3 anos de idade.

10) A prestação da actividade pelas amas ... à Ré foi iniciada nas datas acima mencionadas a coberto do contrato designado de “Contrato de Prestação de Serviços a Celebrar Entre a Instituição de Enquadramento e as Amas” celebrado entre a Ré, como primeiro outorgante, e, individualmente, com cada ama, como segundo outorgante, respectivamente em 1 de Janeiro de 1999, 25 de Outubro de 2004, 3 de Fevereiro de 2014 e 10 de Fevereiro de 1999, com o seguinte clausulado:

“1º

É objectivo e vontade de ambos os outorgantes realizar um contrato de prestação de serviços em que o segundo se propõe acolher na sua residência como ama as crianças que lhe forem indicadas pelo primeiro outorgante, nos termos e condições do Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, que se considera reproduzido em todo o seu conteúdo.

O segundo outorgante obriga-se a exercer a sua actividade de acordo com as orientações técnicas gerais transmitidas pelo pessoal técnico dos serviços do primeiro outorgante obrigando-se a manter este informado de todos os factos relativos às crianças a seu cargo bem como permitir às famílias das crianças e aos técnicos de apoio o acesso à sua habitação, e cumprir com o estipulado no regulamento interno da Instituição de enquadramento.

O segundo outorgante obriga-se ainda a prestar às crianças que lhes são confiadas os cuidados necessários, em ambiente familiar, assegurando-lhes as rotinas da vida diária, bem como a satisfação das suas necessidades, físicas, emocionais e sociais, em colaboração e diálogo com as famílias e técnicos de apoio, e ainda a fornecer-lhes o suplemento alimentar nos termos que vierem a ser estabelecidos pelos técnicos de apoio.

O segundo outorgante compromete-se a não receber das famílias das crianças que acolhe, seja a que título for, qualquer remuneração ou gratificação.

1. O primeiro outorgante obriga-se a remunerar o serviço prestado pelo segundo outorgante através do pagamento mensal da retribuição que lhe for devida, de acordo com o estabelecido no artigo 14º do Decreto-Lei 158/84, inclusive no período de interrupção da actividade a que se refere o nº 2 do artigo 12º do mesmo diploma.

2. O período de interrupção de actividade referido no número anterior não reveste para o segundo outorgante a natureza de férias e decorre exclusivamente do reconhecimento do interesse das crianças na companhia das respectivas famílias durante esse lapso de tempo.

O presente contrato será suspenso ou caducará sempre que se verifique suspensão ou cancelamento da licença para o exercício da actividade, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 158/84, ou quando ocorra a situação prevista no nº 2 do artigo 15º do mesmo diploma.

As alterações da legislação relativa ao exercício da actividade de ama consideram-se automaticamente aplicáveis ao presente contrato”.

11) A actividade das amas é exercida pelas mesmas nas respectivas residências.

12) As funções de ama traduzem-se, nomeadamente, no desenvolvimento de actividades sócio-educativas com as crianças (tais como jogos, leitura de histórias, realização de pinturas e desenhos) em assegurar a sua alimentação (lanches e almoço) e descanso (sesta) e cuidar da sua higiene e conforto.

13) A alimentação das crianças é preparada diariamente pelas amas, de acordo com uma ementa semanal, sugestiva das refeições a confeccionar, elaborada pela Ré, recebendo desta uma quantia mensal para a aquisição dos ingredientes.

14) No exercício e desenvolvimento das suas funções, as amas utilizam, sempre que necessário, os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, nomeadamente:

- o material lúdico e pedagógico (livros, brinquedos, lápis de cera e de cor, canetas de feltro, pincéis, papel manteiga e folhas brancas, plasticina);

- os equipamentos (tais como cama de grades, colchões, espreguiçadeiras, carrinho de passeio, bacios, roupas de cama).

15) Casos há em que a Ré não necessita ceder o mencionado material lúdico e o equipamento por a ama já o ter adquirido.

16) As amas exercem as suas funções de segunda a sexta feira, com a duração diária não inferior a 4 horas nem superior a 11 horas, com descanso semanal ao sábado e domingo.

17) Dentro daqueles limites horários a ama pode acordar com os pais que a criança fique por mais algum tempo ao seu cuidado, por exemplo quando tal se torna necessário por algum impedimento ou atraso dos pais.

18) A inscrição das crianças a colocar em ama é efectuada pelos pais na Ré, a qual procede à selecção e admissão das crianças e à sua colocação em ama.

19) No acto da inscrição, os pais das crianças escolhem os horários que melhor lhe convêm, e que comunicam à Ré.

20) Aquando da colocação da criança em ama, a Ré disponibiliza à ama a ficha de admissão (processo individual) da criança, onde já vão mencionados os horários de entrada e de saída de cada criança.

21) As amas registam a sua presença assinando diariamente uma “Ficha de assiduidade”, a qual é entregue no final do mês à educadora da Ré – no ano de 2018 a educadora S... – que a valida, permitindo assim à Ré avaliar os dias em que efectivamente prestaram actividade e descontar, no valor mensalmente pago, as eventuais faltas das amas.

22) Cada ama dispõe de um documento designado de “Registo de Permanência Creche Familiar ...”, referente a cada criança ao seu cuidado, do qual fica a constar a hora da manhã em que, em cada dia do mês, a criança é recebida na sua residência, a assinatura de quem a entregou e de quem a recebeu, bem como, posteriormente, no fim da tarde, a hora em que a criança é entregue, e a assinatura de quem a entregou e recebeu, fichas essas também entregues à educadora da Ré, no final do mês, e validadas por esta.

23) O “Registo de Permanência Creche Familiar ...” visa garantir o respeito pelas horas de entrada e de saída de cada criança acolhida, bem como a pessoa a quem a criança é entregue.

24) O desenvolvimento de todas as descritas tarefas levadas a cabo pelas amas é acompanhado pela educadora da Ré, a qual, para tanto, se desloca às suas residências, uma ou duas vezes por semana, desenvolvendo também, ela própria, actividades com as crianças.

25) Quando necessitam de faltar, as amas comunicam a ausência à educadora da Ré, pessoalmente ou por telefone, competindo depois a esta distribuir as crianças por outras amas no período de ausência ou, em caso de ausência apenas por curto período de tempo, de algumas horas, assegurando, ela própria, o cuidado das crianças na residência das amas.

26) A necessidade das amas comunicarem as suas faltas prende-se com o dever da Ré, enquanto instituição de enquadramento, perante a ausência ou impossibilidade da ama em acolher as crianças, assegurar o acolhimento das mesmas durante o período em que se mantiver esse impedimento.

27) No final do mês, o período de ausência da ama é descontado no valor que lhe é pago mensalmente.

28) A quantia mensal auferida por cada ama varia em função do número de crianças que a mesma tenha nesse mês ao seu cuidado e das suas faltas, auferindo a quantia de €762,96/mês, paga por transferência bancária e mediante a emissão de recibo verde electrónico, se tiver naquele mês ao seu cuidado quatro crianças e não tiver registado faltas.

29) As amas desempenham as respectivas funções para a Ré, durante 11 meses por ano, exceptuado o mês de Agosto, em que a Creche Familiar interrompe a sua actividade e a Ré encerra para férias.

30) As amas gozam um dia no período de Natal e um outro no período da Páscoa, em datas à sua escolha, sendo todos estes dias comunicados e acordados com a Ré.

31) Tanto o mês de Agosto como os dias gozados no Natal e na Páscoa são integralmente pagos pela Ré.

32) As amas participam nas reuniões da resposta social creche familiar, com a direcção da Ré, a educadora responsável pela creche familiar e a directora de serviços, reuniões essas que se realizam, em regra, duas vezes por ano, no início e no final do ano lectivo.

33) Tais reuniões visam promover o acompanhamento técnico das amas e fomentar a articulação entre todas as amas.

34) As amas desenvolvem as suas funções com total respeito e observância pelo “Regulamento Interno de Funcionamento da Resposta Social da Creche Familiar ...”, no qual são fixadas, entre outras, normas a observar directamente pelas amas, relativas, nomeadamente, à alimentação das crianças, à sua saúde e às actividades exteriores/passeios.

35) A Ré ministra anualmente formação às amas, assegurando-lhes formação nomeadamente na área da segurança, higiene e saúde no trabalho e higiene alimentar.

36) As crianças que as amas acolhem vão com a própria ou com a educadora da Ré assistir e participar nas festas de Natal e do final do ano da creche institucional da A...

37) No exercício das suas funções as amas utilizam diariamente uma bata com o logotipo da “A...” e o seu nome bordado.

38) A encomenda das batas é efectuada pela Ré, suportando a ama uma parte do seu valor.

39) Para exercerem a referida actividade as amas têm de obter uma licença ou autorização, que é emitida pelos serviços de Segurança Social, a quem compete o acompanhamento e a fiscalização do exercício da actividade de ama.

40) Todas as amas encontram-se devidamente autorizadas pela Segurança Social para o exercício das suas funções.

41) Todas as amas encontram-se inscritas nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhadoras independentes.

42) A Ré conta, actualmente, com 49 trabalhadores, a que acrescem 9 amas.

43) A Creche Familiar “...” conta actualmente com cerca de 36 crianças inscritas, distribuídas pelas 9 amas.

44) A Creche Familiar tem funcionado, desde sempre, no âmbito de Acordos de Cooperação que a Ré, enquanto instituição de enquadramento, tem celebrado com o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria.

45) O Centro Distrital de Segurança Social de Leiria é o órgão que tutela e supervisiona o funcionamento da Creche Familiar.

46) Os acordos de cooperação têm vindo a ser renovados, tendo o actual Acordo de Cooperação em vigor sido celebrado em 13.10.2016, por forma a garantir a adequação da actividade de Creche Familiar à nova legislação.

47) O aludido Acordo de Cooperação foi promovido pelo Centro Distrital de Segurança Social de Leiria, substituindo o acordo até então vigente, que datava de 21.11.2014.

48) No Acordo de Cooperação ficaram estabelecidos os termos em que a Ré, na qualidade de instituição de enquadramento, deve desenvolver a actividade de Creche Familiar.

49) Prevendo ainda o Acordo de Cooperação de que modo o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria presta o apoio técnico e financeiro à Ré.

50) Foram também celebrados, com o acompanhamento, fiscalização e aval da Segurança Social, os contratos denominados “contrato de prestação de serviços entre a A... e ama da creche familiar ...”.

51) E, bem assim, posteriormente à celebração dos contratos mencionados em 10) cada uma das amas celebrou com a Ré, em 2 de Novembro de 2016, novo contrato designado de ”Contrato de Prestação de Serviços entre a APEPI e Ama da Creche Familiar ...” com as seguintes cláusulas:

“CLÁUSULA I

É objectivo e vontade de ambos os outorgantes realizar um contrato de prestação de serviços em que o segundo cuida na sua residência de crianças que lhe forem indicadas pelo primeiro outorgante, nos termos e condições do Decreto-Lei n.º 115/215, de 22 de junho e da Portaria 232/2015, de 6 de agosto, que se consideram aqui reproduzidos em todo o conteúdo.

CLÁUSULA II

O segundo outorgante tem o dever de:

a) Aceitar o apoio técnico prestado pela A...;

b) Dar conhecimento à A... de situações de quaisquer factos que alterem as condições subjacentes ao exercício da actividade, de doença ou acidente, bem como de factos que indiciem eventuais situações de perigo ou risco para a criança;

c) Permitir às famílias das crianças e aos técnicos da A... o acesso à sua habitação;

d) Cumprir com o estipulado no regulamento interno da Creche Familiar da A...;

e) Prestar às crianças os cuidados necessários, em ambiente seguro e familiar, assegurando-lhes as rotinas da vida diária, bem como a satisfação das suas necessidades físicas, emocionais e sociais, em colaboração com as famílias e técnicos de apoio;

f) Frequentar acções de formação;

g) Assegurar uma alimentação saudável e equilibrada de todas as crianças, disponibilizada em géneros alimentares pela A...;

h) Renovar, anualmente, o documento comprovativo do seu estado de saúde, bem como o de quem com ela coabita;

i) Apresentar, anualmente, o certificado do registo criminal da ama e de quem com ela coabita;

j) Manter a habitação, os artigos de puericultura e os brinquedos em condições de higiene e segurança.

CLÁUSULA III

O período de permanência diária da criança em ama é fixado no contrato de prestação de serviços, de harmonia com o horário de trabalho da família, não devendo, em regra, ser superior a 11 horas, de acordo com a legislação em vigor.

CLÁUSULA IV

O segundo outorgante compromete-se a não receber das famílias das crianças que acolhe, seja a que título for, qualquer remuneração ou gratificação.

CLÁUSULA V

O primeiro outorgante tem o dever:

a) Remunerar o serviço prestado pelo segundo outorgante através do pagamento mensal da retribuição que lhe for devida, de acordo com o estabelecido na legislação em vigor;

b) Garantir a frequência de acções de formação contínua pela ama;

c) Garantir o acompanhamento da ama;

d) Fornecer, quando necessário, o equipamento e o material indispensável ao exercício da actividade da ama;

e) Organizar e manter actualizado o processo de cada ama;

f) Aceitar a inscrição de crianças a colocar em ama e proceder à sua admissão;

g) Celebrar contrato de prestação de serviços com a família admitida em ama;

h) Recepcionar o pagamento das comparticipações familiares devidas pela utilização do serviço;

i) Assegurar uma alimentação saudável e equilibrada, disponibilizando directamente à ama os géneros alimentares;

j) Apoiar tecnicamente a ama, designadamente, através de visitas domiciliárias regulares;

k) Monitorizar e avaliar o desempenho da actividade da ama.

CLÁUSULA VI

O presente contrato será suspenso ou caducará sempre que se verifique suspensão ou cancelamento da licença para o exercício da actividade, nos termos do artigo 15º do Decreto-Lei nº 115/2015, de 22 de junho.

CLÁUSULA VII

As alterações da legislação relativa ao exercício da actividade de ama consideram-se automaticamente aplicáveis ao presente contrato”.

52) A Segurança Social desenvolve acções de acompanhamento à actividade de Creche Familiar, através de visitas que efectua quer à Ré, enquanto instituição de enquadramento, quer à residência da ama, emitindo, a final, o respectivo relatório.

53) Em resultado de uma acção de acompanhamento à actividade da creche familiar, nº 1/2016, realizada em 18/01/2016, o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria recomendou às amas a aquisição (por parte daquelas que dos mesmos ainda não dispunham) de uma manta corta fogo e de um extintor de cozinha, as quais procederam à respectiva aquisição.

54) São as amas quem adquire as protecções para o mobiliário (arestas pontiagudas), para as tomadas, bem como as vedações nos recuperadores de calor existentes nos respectivos domicílios.

55) Por força do Acordo de Cooperação, a Ré recebe apoio financeiro por parte da Segurança Social, fixado em €190,24 utente/mês para a primeira e segunda criança em ama e€ 213,08 utente/mês para a terceira e quarta criança em ama.

56) O montante que a Ré recebe da Segurança Social é, na íntegra, adstrito ao pagamento das amas.

57) Impende sobre os pais da criança inscrita o pagamento de uma comparticipação de carácter mensal, calculada em função do rendimento do agregado familiar.

58) São as amas que suportam, respectivamente, as contas da água, luz e gás dos seus domicílios.

59) A Ré presta a cada ama acompanhamento técnico e que se traduz em visitas domiciliárias da educadora da instituição de enquadramento.

60) A actividade desempenhada por cada ama permite-lhe gerir, do modo que reputa mais adequado, os horários das várias actividades e momentos com as crianças, decidindo, por exemplo, o momento adequado para fazer jogos, ou contar histórias, quando deve proporcionar a sesta, tratar da higiene ou alimentação da criança.

61) As amas articulam-se com os pais das crianças, recebendo indicações por parte daqueles no que concerne a questões concretas de cada criança ao seu cuidado.”.

B) De Direito

Questão única: saber se podem ser qualificadas como de trabalho subordinado as relações entre a ré e as indigitadas trabalhadoras.

Comece por dizer-se que as indigitadas trabalhadoras prestam a sua actividade de amas enquadradas em creche familiar.

Essa actividade esteve sujeita, até à data da entrada em vigor[1] do DL 115/2015, de 22/6, ao regime jurídico estatuído no DL 158/84, de 17/5, e no Despacho Normativo 5/85, de 18/1.
Ora, nos termos do art. 2º/1 do DL 158/84 “…considera-se ama a pessoa que, por conta própria e mediante retribuição, cuida de uma ou mais crianças que não sejam suas, parentes ou afins na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral por um período de tempo correspondente ao trabalho ou impedimento dos pais, de acordo com as disposições gerais do presente diploma.”.
Por seu turno, pode ler-se na exposição de motivos daquele Despacho Normativo, designadamente, o seguinte: “Tratando-se de uma forma de acolhimento para um grupo etário extremamente vulnerável, quer no plano físico, quer no domínio emocional, justifica-se a exigência de rigor na definição das regras que devem enquadrar as várias fases da prestação de serviços, como a selecção, o licenciamento e o desenvolvimento da actividade.”.
Finalmente, nos termos na norma VI desse mesmo Despacho Normativo “Entre as instituições de enquadramento e as amas serão celebrados contratos de prestação de serviços que explicitem os direitos e deveres mútuos fundamentais decorrentes do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, e do preceituado neste Regulamento.”.
Das referências atrás transcritas à prestação da actividade por “conta própria”, às diferentes “fases de prestação de serviços” e à celebração de “contratos de prestação de serviços” resulta para nós inequívoco que o próprio legislador qualificava como de prestação de serviço a relação profissional intercedente entre as amas, por um lado, e as instituições de enquadramento, por outro lado.
Aliás, no período de vigência daqueles diplomas registou-se mais do que uma tentativa de reverter aquela qualificação legal como “contrato de prestação de serviço” da referenciada relação profissional, tentativas essas que não lograram êxito, com a consequente subsistência dessa legal qualificação.

Reportamo-nos, por exemplo: i) ao projecto de lei n.º 273/XII (1.ª), que se propunha alterar o regime jurídico das amas de creche familiar, sujeitando aquela relação profissional ao regime do contrato de trabalho, o qual foi rejeitado (DAR, I série, n.º11/XII/2, 13/10/2012, p. 34-34)[2]; ii) ao projecto de lei n.º 668/XII, com o mesmo desiderato que foi igualmente rejeitado (DAR, I série, n.º9/XII/4, 4/10/2014, p. 41)[3].

A significar que o legislador reafirmou inequivocamente e de forma sucessiva, no âmbito de vigência do DL 158/84, de 17/5, e do Despacho Normativo 5/85, de 18/1, a sujeitação ao regime do contrato de prestação do serviço do relacionamento profissional intercedente entre as amas e as respectivas instituições de enquadramento, sendo que essa qualificação legal constitui, justamente, um dos critérios a atender na delimitação entre o contrato de trabalho e o de prestação de serviço[4].

A significar, com relevo directo para a situação dos autos, que jamais poderia proceder a pretensão do autor no sentido de reconhecimento da existência de contratos de trabalho entre a ré e as indigitadas trabalhadoras por reporte ao período temporal que decorreu entre a data da constituição dessas relações, por um lado, e a data em que cessou a vigência daqueles diplomas legais (20/8/2015), pois que era a própria legislação então em vigor que subtraía tal relação ao regime do contrato de trabalho, sujeitando-a ao do contrato de prestação de serviço.

E isso é tanto mais assim quanto é certo que do art. 12º/1/1ª do CC parte se extrai o princípio de que é a lei vigente ao tempo da conclusão do contrato - lex contractus - que regula todos os efeitos dos contratos, seja os directos, seja indirectos - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p. 242, Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 114º, p. 16, Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 110º, p. 272.

Entretanto, já depois de constituídas as relações entre as indigitadas trabalhadoras e a ré, entrou em vigor o DL 115/2015, de 22/6, bem como a Portaria 232/2015, de 6/8, sendo de destacar que nenhum desses diplomas legais determinou a conversão em contratos de trabalho dos contratos de prestação de serviço em execução à data das respectivas entradas em vigor, apenas se prevendo a necessidade da celebração e comprovação de um contrato com a ama (art. 10º/b da Portaria 232/2015), sem esclarecimento da natureza (de trabalho ou de prestação de serviço) que assumiriam tais contratos.

Ora, se o legislador tivesse pretendido que essa conversão operasse não teria deixado de a prever e determinar, assim como previu e determinou, por exemplo, a cessação do exercício da actividade de ama enquadrada, técnica e financeiramente, pelo ISS, I. P. (art. 41º/1 do DL 115/2015).

Por outro lado, não resulta dos factos provados que tivesse ocorrido, antes ou depois da entrada em vigor do DL 115/2015 e da Portaria 232/2015, de 6/8, qualquer alteração substancial na relação contratual entre a ré e as indigitadas trabalhadoras e nos moldes em que as mesmas se foram executando, sendo que a outorga nos contratos de prestação de serviço aludidos no ponto 51º) dos factos provados representou, apenas, uma mera formalização das relações entre aquelas em termos de serem satisfeitas as novas exigências formais decorrentes desses diplomas legais.

Aliás, da outorga desses novos contratos resulta, em desfavor da pretensão do apelante, que as partes renovaram a sua manifestação de vontade no sentido de que a relação contratual entre as mesmas continuasse sujeita, como a lei o impôs à data da constituição dessas relações, ao regime da prestação de serviço.

Ora, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido reiterada e uniforme, no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação antes ou depois da data em que tenha entrado em vigor nova legislação que disponha sobre tal relação, há que aplicar, quanto à referida qualificação, o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes – nesse sentido, consultem-se, apenas a título exemplificativo, os acórdãos de 4/7/2018, proferido no processo 1272/16.4T8SNT.L1.S1, de 26/10/2017, proferido no processo 1175/14.7TTLSB.L1.S1, de 21/9/2017, proferido no processo 2011/13.7LSB.L2.S1, de 15/04/2015, proferido no processo 329/08.0TTCSC.L1.S1, de 18/9/2013, proferido no processo 2775/07.7TTLSB.L1.S1, de 8/1/2013, proferido no processo 176/10.9TTGRD.C1.S1.

Aplicando essa jurisprudência consolidada do STJ à situação em apreço e na ausência de qualquer alteração substancial nos moldes em que se foram executando as relações contratuais entre a ré e as indigitadas trabalhadoras, deve prevalecer a qualificação dessa relação que era imposta pela legislação em vigor à data da constituição das mesmas, ou seja, a de contratos de prestação de serviço.

Por outro lado, face à conclusão que antecede, resulta prejudicada qualquer discussão sobre se o modo de execução das relações contratuais entre a ré e as indigitadas trabalhadoras evidenciava ou não indícios de subordinação e laboralidade, pois que, em qualquer caso e por imposição legal, tais relações tinham de ser qualificadas como sendo de prestação de serviço.

Tanto basta, sem necessidade de outras considerações, para julgar a apelação improcedente.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida

Sem custas

Coimbra, 28/11/2018.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)



[1] 21/8/2015 - 60 dias após a data da sua publicação (art. 43.º).
[2] http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/12/02/011/2012-10-13/34?pgs=34&org=PLC
[3] http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/12/04/009/2014-10-04/41?pgs=41&org=PLC
[4] Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, pp. 307/308.