Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
797/17.9JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ALICIAMENTO DE MENORES PARA FINS SEXUAIS
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 176.º-A DO CP
Sumário: I – O aliciamento de menores para fins sexuais, conduta tipificada no artigo 176.º-A do CP, supõe uma abordagem da criança, por qualquer meio tecnológico de informação e comunicação, como a internet e o telemóvel.

II – O aliciamento constitui uma forma agravada do crime quando configura já a realização de actos materiais conducentes a num encontro do agente com o menor – exs., deslocação ao local do encontro, prestação de auxílio ao transporte da vítima, marcação de um espaço físico para o efeito.

III – O tipo do artigo 176.º-A do CP contém uma intenção (“visando”) de realização de um resultado que dele não faz parte (prática de actos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º, e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 176.º), mas que é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo agente, prevendo, deste modo, um crime de acto cortado.

IV – O tipo subjectivo admite somente a forma intencional de dolo, como resulta da Convenção de Lanzarote e da palavra “visando”.

V – O dito crime é um crime comum e de comparticipação necessária na modalidade de crime de encontro, não sendo punível o menor (comparticipante necessário).

VI – Comete o ilícito previsto no artigo 176.º-A, n.º 1, do CP, o agente que, através de diversas mensagens enviadas a menor insinuando actos sexuais a praticar com a mesma, tenta encontrar-se com ela, dispondo-se a pagar-lhe a viagem e sugerindo-lhe boleia para um sítio onde se poderiam encontrar.

Decisão Texto Integral:










  Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o n.º 797/17.9JACBR, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Juízo Central Criminal de Leiria - Juiz 1, foi o arguido A., sujeito a julgamento mediante acusação do MP que lhe imputou a prática dos seguintes crimes: 

(…)

2. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi em 13 de Maio de 2019 proferido acórdão, com o seguinte dispositivo (transcrição parcial):

“Pelo exposto e decidindo:

1.Julgando a acusação deduzida contra o arguido A. parcialmente procedente por provada este Tribunal Colectivo condena-o:

A. Pela prática, como autor material de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176.º - A do Código Penal na pena de 9 [nove] meses de prisão;

B. Suspende a execução da pena de 9 [nove] meses de prisão pelo período de 1 [um] ano sujeita a regime de prova a elaborar pela D.G.R.S.P.;

C. Condena o arguido A. na medida de interdição de actividades pelo período de 18 [dezoito] meses – art. 100.º do Código Penal;

2.Julgando a acusação deduzida parcialmente improcedente por não provada, este Tribunal Colectivo:

D. Absolve o arguido A. da prática, como autor material um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), 177.º, n.º 6 e 14.º, todos do Código Penal e o manda nesta parte em Paz.

 E. Absolve o arguido (…) da prática, como autor material de um crime de pornografia de menores, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 5, 14.º, todos do Código Penal e o manda nesta parte em Paz.

(…)”


*

3. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O recorrente, que não se conforma com a decisão recorrida, sindica a mesma de FACTO, desde logo pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não tendo o Tribunal indagado e conhecido os factos que podia e devia com vista a decisão justa, nos termos do art.º 410º, n.º 2 al. a) e, por outro lado, (fruto de erro de julgamento) impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do art.º 412º n.º 3 e n.º 4. Todos C.P.P..

2. Incorreu também o Tribunal a quo em erro de DIREITO, quando julgou erradamente por preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo Art.º 176-A, do Código Penal, a par de ter incorrido na falta de fundamentação da sentença quanto a este crime,

3. sem desconsiderar, na senda recursória do arguido em matéria de direito, que o tribunal a quo incorreu, também, em erro de aplicação da medida de interdição de actividade do art.º 100.º do CP., tendo, ainda por cima, incorrido na falta de fundamentação da medida ao omitir o juízo de perigosidade e de prognose póstuma exigível para a aplicação de uma medida de segurança.

4. Violando as normas estatuídas nos art.ºs 14.º, 71.º; n.º 1; 176º-A; 100º, n.º 1 a 4 do CP; 124º; 323, al) a); 340º; 374, n.º 2, al) a); 379, n.º 1, al) a); 410.º do CPP e art.ºs 18, n.º2; 47º e 58º da C.R.P.

5. Quanto à INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA – Art.º 410º, n.º 2 al. a) do C.P.P, refere-se no douto arrento do TRL, de 29-03-2011: “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.410, nº2, al. a, CPP), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer (sublinhado nosso), nos termos do art.358, nº1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção.”, Disponível in dgsi.pt.

6. Tal como, em tempo, a Relação de Coimbra já decidiu (in sumário do Acórdão de 14-01-2015, proferido no Proc. 72/11GDSRT.C1, disponível in dgsi.pt.) “A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas …Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359º do CPP.”

7. O tribunal está vinculado ao princípio da investigação ou verdade material que se traduz no poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o “facto” sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à decisão.

8. Tendo em consideração o(s) crime(s) pelo qual o arguido vinha acusado e aquele pelo qual, a final, viria a ser condenado - como autor material de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176–A do Código Penal, sem especificar se o foi pelo n.º 1 ou pelo n.º 2 daquele preceito legal, impunha-se ao tribunal a quo, com base neste princípio (princípio da investigação ou verdade material) uma posição diferente, mais critica, relativamente à prova, porque se trata de um crime doloso onde o tipo subjectivo contém uma intenção (VISANDO) de realização de um resultado que não faz parte do tipo.

9. Mais uma razão que impunha ao tribunal a quo, com base no referido princípio, um exame crítico DE TODA A prova, nela se incluindo a documental existente nos autos, mas também as declarações do arguido e da própria ofendida, sob pena de se desconhecer, como é o caso, como operou o processo de formação da convicção do tribunal, ou seja, onde formou o tribunal a quo a convicção da intenção associada ao tipo subjectivo de ilícito.

10. O tribunal a quo, na matéria de facto dada como provada, limitou-se a transcrever os factos constantes da acusação, sem qualquer sentido critico sobre os mesmos e sem atender aos elementos de provas existentes no processo, ou seja, totalmente à revelia do princípio da investigação ou verdade material - que decorre entre outros do artigo 323º al a) e 340º do CPP.

11. Senão vejamos: o Tribunal a quo fundamenta que: “Decorre desta (da factualidade assente por provada), de forma abundante, diremos, que efectivamente o arguido cometeu o tipo de crime pelo qual se encontra acusado. Tal resulta inequívoco de toda a ponderação global dos factos praticados pelo arguido, expressa e explanada detalhadamente nos postos “13” e seguintes dos “Factos Provados” (…), para depois concluir que o arguido: “agiu de forma livre, deliberada e consciente, donde com dolo directo (art. 14º, n.º 1 do Código penal) donde se tem por assente a comissão do tipo criminal de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176.º - A do Código Penal”. 9.1. Mas desconsiderou (e não sabemos por que razão) todo o contexto, toda a narrativa e mensagens trocadas entre arguido e ofendida, já que parte significativa das mensagens a que aludem o n.º 13º e seguintes dos factos provados estão descontextualizadas, e, ainda, porque razão o tribunal a quo não se debruçou sobre todas as mensagens enviadas pela ofendida ao arguido, constante da factualidade documentada (relatório de fls. 206 a 248); 9.2. A factualidade documentada a fls. 206 a 248, por onde se infere que o arguido, por várias vezes, e por diversas razões, rejeitou e colocou entraves a um qualquer encontro com a ofendida, não anuindo aos pedidos de encontros e visitas propostos pela própria ofendida, essenciais à afirmação do dolo (da intenção), não foi julgada, avaliada e objecto de crítica ou juízo, quando a mesma era fundamental e imprescindível à formação da convicção do tribunal com vista a firmar o tipo subjectivo de ilícito quanto ao dolo, quanto à intenção do arguido. 9.3. Nem teve em consideração as declarações do arguido e da própria ofendida.

12. Não foi analisada de forma crítica toda a prova (documental e declarações) necessária ao apuramento da verdade, cujo exame conjugado com a restante prova produzida se impunha, de modo a ser perceptível o modo como o tribunal a quo formou a sua convicção quanto ao elemento subjectivo do tipo.

13. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. No caso concreto, haveria de ser possível perceber, no limite, onde formou o tribunal a quo a convicção da intenção associada ao tipo. O que não sucede na sentença em crise, uma vez que o Tribunal se alheou por completo desse seu poder-dever.

14. Das mensagens trocadas entre arguido e ofendida, APENAS ALGUMAS (as constantes da acusação) constam dos factos n.ºs 13ª e seguintes, tendo ficado de fora da factualidade dado por assente, mas constantes da prova documenta, por falta de exame crítico e juízo valorativo da prova, à revelia do poder-dever investigatório do tribunal as seguintes mensagens:

 A) As remetidas pela ofendida ao arguido, de mote próprio, sem qualquer interpelação, convite ou acção do arguido, propondo-lhe encontro, provocando-o e instigando-o, tal como resulta dos episódios: “(…).

15. As quais se nos afiguram fundamentais, por obediência ao principio da verdade material, plasmado no art.º 340.º do CPP, para aferir do processo cognitivo do tribunal, que se bastou quanto à intenção do tipo (visando) com a afirmação de que é “óbvio o que já se pisou e repisou na transcrição efectuada”.

16. Da análise de toda a troca de mensagens dos dias 9/11/2017; 10/11/2017; 11/12/2017; 12/11/2017, de fls. 206 e seguintes, resulta, que o arguido nunca propôs à ofendida qualquer acto sexual específico, que ambos efectivamente diziam um ao outro que se queriam ver, sem nunca especificarem, combinarem agendarem um local, hora, esquema de encontro, pormenorizando o mesmo, resultado apenas uma linguagem, digna de critica social mas não com idoneidade penal para o preenchimento do tipo, por carecerem de autonomia e idoneidade para prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da ofendida na sua esfera sexual, pois como esta referiu, (vid. Infra impugnação à matéria de facto) não se sentiu aliciada nem persentiu que arguido quisesse, de facto, ter relação sexual consigo.

17. O Tribunal a quo ao não ter, fundamentado de forma crítica tal matéria, ao não a ter levado, também, aos factos provados, não podia decidir com justiça, porque à revelia do poder-dever de investigar a verdade material, o tribunal a quo limitou-se, SEM QUALQUER SENTIDO CRÍTICO e, até, com alguma leviandade como infra se demonstrará (na impugnação aos factos provados), num claro exercício persecutório ao arguido, a dar como provados os factos constantes da acusação, os quais, reafirme-se, não são suficientes nem adequados ao preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176º-A do Código Penal.

18. E, pelo que supra se alegou, parece-nos que dúvidas não restam que a sentença proferida pelo tribunal a quo, ora posta em crise, padece do vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - al. a) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P., porque faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão.

19. Concluímos este ponto, conforme o decidido o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19-07-2006 – Proc. 1932/06-3, publicado in dgsi.pt: “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”

20. Trata-se, na esteira do mesmo acórdão “de um vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art. 340º nº 1 do CPP”.

21. Nos termos da alínea a) do n.º 3.º do art.º 412.º do CP, consideram-se INCORRETAMENTE JULGADOS os pontos 27; 39; 111; 135; 136; 139; 140 e 141 dos Factos Provados.

22. As provas que impõe DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA quanto aos pontos 27; 39 e 111 resultam do “Relatório de extração, de fls. 206 a 240”, de se infere pelos episódios 597, 427 e 130 (de fls. 224; 219, 210), que as concretas mensagens a que aludem os factos impugnados foram enviadas às 14h 11m e 45s; pelas 19h 32m e 39s e 13h 29m e 54s e não nas horas e minutos incorrectamente julgado pelo tribunal a quo.

23. Tais alterações no sentido que supra vai exposto, ou seja, apenas quanto aos concretos minutos de envio da SMS, poderão parecer inócuas ou injustificadas, face à abundância da matéria dada como provada, porém espelham a postura do tribunal a quo que, com uma certa leviandade (porque não dizê-lo), se limitou, sem qualquer sentido critico na análise da prova e completamente alheado da descoberta da verdade material, a dar como provados os factos (ainda que erroneamente escritos) da acusação.

 24. E o mesmo se diga, aí sim com relevância quanto ao sentido diferente da decisão, da resposta aos pontos 135; 136; 139; 140 e 141 ora impugnados.

25. Caso o tribunal a quo tivesse dado cumprimento ao princípio-dever de investigação e da descoberta da verdade material, para o que deveria ter-se socorrido de todos os elementos de prova ao seu alcance e careados para os autos, com base no princípio consignado no art. 127º do C.P.P., apreciá-los de forma crítica segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, não teria dado, como deu, ainda como provados tais pontos.

26. Mas, tendo-os dados por provados e sendo matéria que visa o preenchimento dos elementos (objectivo e subjectivo) do tipo legal de crime, não podem, ainda assim, deixar de ser impugnados com base no disposto no artigo 412º, n.º 3 e 4 do CPP, porquanto a resposta a estes pontos deve ser diferente da resposta dada pelo tribunal a quo, ou seja, tais concretos pontos (factos) MERECEM RESPOSTA NEGATIVA.

27. Impõe a alteração àqueles concretos pontos impugnados (135; 136; 139; 140 e 141) as declarações do A. (prestadas no decurso da audiência de julgamento no dia 25/02/2019, conforme acta do mesmo dia, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal a quo com início pelas 10 horas e 53 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 51 minutos, conforme acta do mesmo dia, constante do ficheiro com o nome 105319_3871415_2870943.wma), à passagem pelos minutos 0:12:50 a 0:23:30, cuja audição se requer, e onde o mesmo refere, em suma, que nunca quis ou teve intenção praticar com a ofendida qualquer acto de natureza sexual.

28. Declarações que deveriam ter sido merecedoras de credibilidade por parte do tribunal a quo, até porque estão em perfeita consonância com as da ofendida/testemunha (…), prestadas (em sede de declarações, no decurso da audiência de julgamento no dia 01/04/2019, conforme acta do mesmo dia, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal a quo com início pelas 11 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 01 minuto, constante do ficheiro com o nome 152127_3871415_2870943.wma), à passagem pelos minutos 0:11:55 a 0:13:45, cuja audição se requer, a qual declarou, em suma, que não só não se sentia aliciada pelo arguido como, quando diretamente questionada, nunca sentiu que o arguido quisesse levar a cabo qualquer ato de cariz sexual consigo.

29. As declarações do arguido e da ofendida/testemunha, quanto ao elemento intencional, são, ainda, corroboradas pelo teor das mensagens enviadas pela testemunha /ofendida ao arguido e constantes no relatório de extracção de fls. 206 a 240, entre outros salientamos os seguintes episódios: (…).

30. Podendo o acto sexual ser definido como o comportamento que objectivamente assume um conteúdo ou significado reportado ao domínio da sexualidade da vítima, e procurando o crime em apreço, ainda que remotamente, proteger a autodeterminação sexual do menor, as mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida, carecem os SMS trocados de autonomia e idoneidade para prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual, até porque como a ofendida referiu esta não se sentiu aliciada nem pressentiu que arguido quisesse, de facto, ter relação sexual consigo, o que se infere das declarações da ofendida …, (supra identificadas) à passagem pelos minutos 0:11:55 a 0:13:45.

31. Pelo que, nunca o tribunal a quo podia dar por provado o ponto 136 impugnado porque a prova obriga a dar resposta negativa a tal ponto.

32. A reapreciação dos meios de prova constantes nas conclusões que antecedem não permite ao tribunal dar resposta positiva aos concretos pontos ora impugnados, pelo que se impunha e impõe que tais factos (os constantes dos pontos 135; 136; 139; 140 e 141) sejam dados como NÃO PROVADOS, porquanto o arguido não previu mentalmente a realização do facto e não teve intenção de praticar o acto que não representou nem nunca a ofendida viu prejudicada a sua liberdade e autodeterminação sexual.

33. Alterada a resposta aos concretos números da matéria de facto impugnados, a decisão terá que ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido porquanto não se mostra preenchido o tipo.

34. Mas mais, não se encontra preenchido, sequer, o dolo em relação ao concreto facto objectivo do tipo quanto à sua execução, ou seja, que o arguido soubesse e representasse, tendo querido, por meio de tecnologias de informação e de comunicação, qualquer aliciamento para a prática de acto sexual e que fazia uso de tecnologia a de informação.

35. Versando sobre MATÉRIA DE DIREITO, desconhece-se se o arguido foi condenado pelo crime de aliciamento de menores para fins sexuais ao abrigo do n.º 1 ou do n.º 2 do art.º 176.º-A do CP, uma vez que a decisão é omissa quanto a tal (não obstante ter julgado a acusação procedente quanto a este crime que imputa ao arguido a prática de factos subsumíveis ao n.º 1).

36. A verdade é que, nem nos termos do n.º 1 ou n.º 2 os elementos objectivos e subjectivos do tipo se encontram preenchidos.

37. O crime de aliciamento a que alude o art.º 176.º-A do CP, exige uma concreta forma de execução - “por meio de tecnologias de informação e de comunicação”.

 38. O crime de aliciamento de menores para fins sexuais surge relacionado com várias ameaças que partilham uma característica específica - a Internet e as novas tecnologias de informação, que conferem aos utilizadores um anonimato e, portanto, uma oportunidade para esconderem a sua verdadeira identidade e as suas características pessoais. No seguimento da Directiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011 que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho.

39. O crime que acabou tipificado no art.º 176.º - A do Código Penal, surge na luta da criminalidade contra a autodeterminação sexual com recurso à internet e às tecnologias de informação por via da massificação das comunicações por meios informáticos e redes sociais.

40. Dos autos resulta que a forma de comunicação em causa entre o arguido e a ofendida operou, quanto ao eventual aliciamento, com o envio de mensagens, vulgo SMS, sem a utilização de qualquer plataforma de comunicação ou rede social para o efeito, não tendo existindo qualquer forma dissimulada de comunicação, pois que o arguido utilizou o n.º de telemóvel que lhe estava associado, o qual era do conhecimento da ofendida.

41. Concluímos, pois, que a forma de comunicação em causa nos autos, quanto a este concreto crime, cai fora da alçada do concreto modo de execução exigida pelo tipo.

42. Não se encontra ainda preenchido o aliciamento para encontro visando a prática de actos compreendidos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 171.º ou do art.º 176.º do CP.

43. O tipo de ilícito compreendido no art.º 176.º-A do CP é um crime doloso, não se retirando dos factos provados, ao contrário do fundamentado no acórdão ora recorrido, que o arguido tivesse visado ter com a ofendida “relação de cariz sexual”, não se depreendendo dos autos que o arguido visou a prática com a ofendida de “acto sexual de relevo”, nomeadamente “cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”.

44. Não há, no acórdão em crise e na fundamentação do mesmo, qualquer alusão específica aos factos provados pelos quais se retira o aliciamento para a prática de qualquer dos actos descritos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 171.º ou do art.º 176.º do CP.

45. Deu o tribunal por assente (à revelia da prova produzida e daquela que não indagou) que o arguido aliciou a ofendida visando ter com esta “Relação de cariz sexual”. Tal qualificação para além de conclusiva é conceito genérico, não determinado, conceito jurídico vago e impreciso, a que uma condenação penal e a aplicação de uma concreta pena e medida de pena deve ser alheia.

46. O tribunal a quo não se pronuncia de que concretas mensagens retira a conclusão (porque de conclusão se trata “é obvio”) que o arguido quisera praticar com a ofendida cópula, limitando-se à remissão para todas as mensagens de texto enviadas pelo arguido, algumas das quais, sem qualquer idoneidade para o efeito, e a maior parte delas descontextualizadas, ignorando as mensagens enviadas pela ofendida.

47. Impunha-se a concreta indicação dos segmentos de texto, por onde o tribunal a quo estriba a sua convicção e que, objectivamente, permitam concluir que o arguido aliciou a ofendida visando cópula com ele, e das concretas mensagens de onde objectivamente retira um intento, uma intenção, um querer, e a natureza do concreto acto sexual de cópula.

48. Existindo, nesta parte, com o devido respeito, vício de fundamentação, porquanto a mesma é insuficiente para a decisão e para a afirmação do elemento subjectivo do tipo, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.º 379º, nº1, al. a) com referência ao art.º 374º, nº 2, ambos do CPP.

49. Quanto à MEDIDA DE INTERDIÇÃO DE ACTIVIDADES A QUE ALUDE O ART.º 100, N.º 1 A 4 DO CP.. incorreu, também, em erro na aplicação do direito o tribunal a quo ao aplicar ao arguido a medida de interdição de actividades, existindo, aliás, nulidade da sentença por ausência de fundamentação para a aplicação da sanção acessória, tendo incorrido o Tribunal a quo na violação do disposto nos art.ºs 374º, nº2 do CPP e art.º 100º do CP.

50. A medida de interdição de actividades não são de aplicação automática, pois dependem de um juízo avaliativo e valorado da concreta conduta levado a efeito pelo arguido e da ponderação dos bens conflituantes, obrigando a medida de segurança de interdição de actividade a um juízo de perigosidade e de prognose póstuma que é totalmente omisso na sentença.

51. O acórdão é, até, contraditório. Pois se por um lado, num primeiro momento para efeitos de fundamentação da suspensão da pena de prisão, atende ao pressuposto de natureza material considerando quanto a este que: ”tendo presentes as circunstâncias pessoais concretas do arguido, ainda assim concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, o que equivale a formular um prognóstico positivo quanto à reintegração e ressocialização do arguido…neste ponto deve salientar-se que o arguido se mostra socialmente inserido, apresenta projecto de vida determinado, tem família a seu cargo que, embora com algumas reticências denota apoio na ultrapassagem da situação criada e não tem antecedentes criminais” (Vid. Ponto 3.4 do acórdão recorrido), num segundo momento ignora tais circunstâncias desconsiderando-as, omitindo o juízo de prognose que as deve ter em conta quanto à pena acessória de interdição de actividades.

52. Infere-se da decisão recorrida a INEXISTÊNCIA de qualquer fundamentação quanto à perigosidade do arguido, é inexistente no texto da decisão e na sua fundamentação, nos termos do art. 374º, n.º 2 do CPP, a “exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão”, de aplicar ao arguido a medida de segurança de interdição de actividade.

53. O Tribunal a quo apenas e só fundamenta (mal quanto a nós) quanto à decisão de interdição de funções a parte respeitante à conexão entre a profissão do arguido e a prática dos factos sendo omisso quanto à personalidade do agente, quanto ao juízo de prognose; à perigosidade do mesmo, desconhecendo-se do texto da sentença e da sua fundamentação o porquê da aplicação ao arguido, ora recorrente, da concreta medida de segurança que decidiu impor-lhe.

54. Nos termos do art.º 379º, nº1, al. c) do CP a sentença é nula “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Nulidade que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

55. Não obstante a procedência da nulidade obstar à apreciação das demais questões sobre a interdição de actividades sempre se dirá que, conforme resulta dos factos provados, ponto 2.1.2 e 2.1.3, que o arguido não oferece perigosidade, permitindo os números 142 a 160 dos factos provados concluir que se encontra afastado o juízo de prognose favorável à aplicação ao arguido de uma medida de interdição de actividade.

56. Até porque a própria suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido foi condicionada a regime de prova e acompanhamento pela D.G.R.S.P, sendo totalmente desproporcional e desmedido aplicar ao arguido, em pena suspensa com regime de prova, a interdição de actividade, para acautelar o que o regime de prova se propõe, em parte, a fazer.

57. As medidas de segurança cumprem uma função preventiva e especial exercendo sobre o individuo um factor inibidor de futuras condutas ilícitas que se revelem graves e sejam susceptíveis de afectar a estabilidade da vigência das normas violadas, que no caso concreto não se verificam.

58. O juízo de prognose não incide ou recai sobre a ética, moral, bons costumes, mas sim sobre o facto objectivo assente na perigosidade do arguido e se apenas com a interdição, como medida de segurança, se evita a prática de crimes futuros da mesma natureza, isto se, dos autos se retirar que a personalidade do agente e o seu grau de culpa, ausência de censura, permitirem concluir que, em exercício de funções e no exercício dessa actividade, poderá voltar a cometer crimes de semelhante natureza.

59. Violou, assim, o douto acórdão de que se recorre, à míngua de qualquer fundamentação bastante, o disposto nos art.ºs 47º e 58º da C.R.P. pela aplicação, desproporcional e infundada, que fez do art.º 100ºdo C.P, sem responder positivamente a todos os requisitos necessários à aplicação ao arguido da medida de interdição de actividade, proibindo-o do direito ao trabalho e livre escolha de profissão e acesso à função pública. Inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca.

60. Violou a sentença recorrida o disposto nos art.ºs 14.º, 71.º; n.º1; 176º-A; 100º, n.º 1 a 4 do CP; 124º; 323, al) a); 340º; 374, n.º 2, al) a); 379, n.º 1, al) a); 410.º do CPP e art.ºs 18, n.º2; 47º e 58º da C.R.P.

Termos em que, Venerandos Desembargadores, em conformidade com o exposto e requerido e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso e à impugnação da matéria de facto e a douta sentença recorrida ser revogada absolvendo o recorrente do crime pelo qual foi condenado e proibição do exercício de actividade nos termos das conclusões que antecedem, ou, quando assim se não entender, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra em conformidade com as conclusões do recorrente como se mostra de JUSTIÇA!”

4. O Ministério Público, na 1ª instância, apresentou resposta, concluindo:

«1º - Por douto acórdão de 13 de maio de 2019 foi o recorrente condenado pela prática, em autoria material, de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art.º 176.°- A do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão. Mais se determinou suspender a execução da pena de 9 meses de prisão pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova a elaborar pela D.G.R.S.P. Condenou-se ainda o arguido A. na medida de interdição de atividades pelo período de 18 meses – art.º 100.° do Código Penal.

 2º - O recorrente veio impugnar a matéria de facto invocando erro de julgamento por errada apreciação da prova. Indica como incorretamente julgados os pontos da matéria de facto nº 27, 39, 111, 135, 136, 139, 140 e 141, dados como “provados”, mencionando as provas que na sua perspetiva impõem decisão diversa da recorrida.

3º - O que o arguido parece é discordar da apreciação da prova efetuada pelo Tribunal, sendo que a mesma ocorreu em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, constante do art.º 127º do CPP, tendo sido apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente.

4º - Do douto acórdão recorrido consta a enumeração dos factos provados e não provados, de forma especificada. E no que respeita à indicação das provas, consta do acórdão aquelas que serviram para a formação da convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados e não provados, tendo sido descrita a análise crítica da conjugação das declarações do arguido com os depoimentos das testemunhas e com a prova documental. Mostra-se vertida a versão relatada pelo arguido no que concerne à dinâmica dos factos atinentes ao crime em referência e foi a mesma confrontada com os demais elementos probatórios.

5º - Os Mmos. Juízes explicaram os aspetos em que cada concreto meio de prova relevou, em função da credibilidade que lhe atribuíram, para a decisão sobre a matéria de facto. O tribunal expôs todo o raciocínio lógico-dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou e porquê, que conduziu à sua convicção no sentido de o arguido ter praticado os factos dados como provados.

6º - Aderindo na íntegra à argumentação vertida no douto acórdão entendemos que nenhuma razão se vislumbra para colocar em causa a convicção a que chegou o tribunal recorrido, sendo assim de concluir que não foram erradamente julgados provados nenhum dos factos dados como provados.

7º - E mostra-se devidamente fundamentada a matéria de facto dada como provada, tendo sido respeitado o imperativo constitucional enunciado no art.º 205º, nº1, da Lei Fundamental, bem como o preceituado nos art.º 97º, nº 5 e 374º, ambos do C. Processo Penal.

8º - Mesmo que coubesse razão ao arguido no que concerne às incorreções respeitantes aos minutos das mensagens enviadas/recebidas, não se vislumbra que tal facto possa retirar credibilidade à análise da prova por parte do tribunal, o qual formou a sua convicção com base nas provas apresentadas e expressou o respetivo exame crítico das mesmas.

9º - Da simples leitura das mensagens em referência desde logo se conclui que o arguido quis e teve intenção de praticar com a ofendida atos de natureza sexual, tendo tentado de todas as formas possíveis que a mesma fosse ter consigo para concretizar tais intentos.

10º - Cumpre ainda salientar que entendemos estar preenchida a exigência do tipo de uma concreta forma de execução, a de ser “por meio de tecnologias de informação e de comunicação”. De facto, o Arguido agiu com a intenção de aliciar e convencer a menor para a realização de encontros visando a prática de atos sexuais, tendo para tanto enviado pelo seu telemóvel para o telemóvel da ofendida mensagens escritas, recorrendo por vezes às redes sociais “Whatsapp”, “Facebook” e “Instagram”.

11º - Em suma, mostram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito criminal em apreço, sendo que em nosso entender não se verifica incorreta apreciação da prova, nem falta do exame crítico das provas, imposto pelo art.º 374º, nº2, do C. Processo Penal, nem insuficiência da fundamentação determinada, nos termos do art.º 379º, nº 1, a), do mesmo código.

12º - Alega ainda o recorrente que desconhece se foi condenado pelo crime de aliciamento de menores para fins sexuais ao abrigo do n.°1 ou do n.°2 do art.° 176.°-A do CP. Ora, atento o teor da determinação da pena, o da acusação (que foi dada como procedente nesta vertente), sendo que nesta peça processual é imputado ao arguido o crime p. e p. pelo art.º 176-A, nº1, do C. Penal, e tendo ainda em atenção o teor do dispositivo, dúvidas não podem surgir no que tange ao enquadramento jurídico da facticidade imputada ao arguido.

13º - Conclui o tribunal, e bem, que a situação configurada nos autos não pode deixar de reverter para a previsão normativa do n.º1 do citado art.º 100.º do Código Penal, dado que toda a conduta do arguido, globalmente considerada, não pode deixar de ser qualificada como traduzindo “…grave abuso de profissão, comércio ou indústria que exerça, ou com grosseira violação dos deveres inerentes…”. Mais se considerou que o arguido aproveitou o exercício das suas funções para estabelecer e manter contacto com a menor, praticando neste contexto os factos pelos quais foi condenado. Acresce que o arguido não conseguiu explicar o sucedido, i. é, não apresentou explicação ou qualquer justificação para a sua conduta. Tal facto reforça o já nítido receio de que venha a praticar condutas idênticas com uma outra menor.

 14º - Ao exarar o acórdão posto em crise, entendemos que o Tribunal não violou qualquer preceito legal ou princípio legal, nomeadamente os mencionados pelo recorrente, nem incorreu em nenhuma nulidade.

Porém, decidindo, V.Exª farão a costumada JUSTIÇA.”



5. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, subscrevendo, a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância.

6. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

7. Efectuado o exame preliminar determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


*

II. Fundamentação:

1.       Delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer - cfr jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995.

2 - Questões a decidir:

- Nulidade da sentença por deficiência na fundamentação e no exame crítico das provas;

- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia - art.º 379º, nº1, al. c) do CPP;

- Erro de julgamento - impugnados os factos provados nºs 27; 39; 111; 135; 136; 139; 140 e 141;

- Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - Art.º 410º, n.º 2 al. a) do C.P.P;

- Do preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176º-A do Código Penal.

- Erro de aplicação da medida de interdição de actividade do art.º 100.º do CP., e falta de fundamentação da medida por omissão do juízo de perigosidade e de prognose póstuma exigível para a aplicação de uma medida de segurança.


*

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

«2.1 Factos provados

2.1.1) Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos

1.Em data não concretamente apurada, no final do ano lectivo de 2017, (…) contactou telefonicamente a G.N.R. de (…), expondo que a sua filha, ora ofendida (…), nascida a (…) estava a ter problemas na escola com outras estudantes, pois ocorreram agressões físicas e verbais entre elas e solicitou auxílio da G.N.R. na resolução do problema.

2. Nesse mesmo dia, (…) recebeu um telefonema da G.N.R. de (…), tendo-lhe sido dito que se podia deslocar ao Posto da G.N.R. de (…) no dia seguinte, sábado.

3. Nesse sábado, pelas 17 horas, (…) e a ora ofendida (…) foram ouvidas pelo ora arguido (…), no Posto da G.N.R. de (…).

4. Em tal data, o arguido exercia funções de Comandante do Posto da G.N.R. de (…).

5. Nessa data, o arguido deu à ofendida um papel manuscrito com os seus números de telemóvel, a saber: [(…) contacto de serviço) e (...) [(…) contacto pessoal) para que a mesma o contactasse se precisasse.

6. No dia 29 de Setembro de 2017, a ofendida telefonou para o arguido, dizendo que uma das colegas a tinha empurrado.

7. Posteriormente e melhor concretizado infra, desde meados de Novembro de 2017 até ao dia 17 de Dezembro de 2017, o arguido começou a enviar mensagens escritas à ofendida pelo telemóvel do número (...) .

8. Nas referidas circunstâncias de tempo, o arguido enviou pelo seu telemóvel à ofendida para o telemóvel desta mensagens escritas em que dizia que gostava de sentir o leitinho dele a escorrer entre as suas maminhas e lhe perguntava se o queria sentir todo e enviou à ofendida as seguintes mensagens: “ tu tb não linda… n mandaste foto, fiquei triste … olha, apaga msgs; pois … nem foto … como sei se é verdade; ok … diz me algo depois … qto as fotos népia; a min ninguém tira fotos … sou eu cm.temporizador … resto digo pessoalmente; gosto de ti; tesao; lamber te todinha; fumas mt?; hum … rebelde …gosto … das pica … das tesao; mandas ou não as fotos?; quero ver essas mamas e essa cona”.

9. Por diversas vezes, no referido período temporal, em datas não concretamente apuradas, a ofendida do seu telemóvel para o telemóvel do arguido enviou fotos dos seus seios e vagina ao arguido face à insistência do mesmo para que o fizesse (conforme concretizado infra), assim como, o arguido enviou à ofendida fotos dos seus abdominais e do seu pénis.

 10. O arguido e a ofendida também trocaram mensagens e fotos um com o outro pelas redes sociais “Whatsapp”, “Facebook” e “Instagram”, ocorrendo tal troca maioritariamente quando a ofendida se encontrava em sua casa, sita na Rua (…).

11. Sempre que a ofendida e o arguido trocavam mensagens ou fotos o arguido dizia àquela para apagar tudo, para nunca se esquecer de apagar, pois caso terceiros viessem a saber das conversas entre eles seria muito grave para o seu trabalho e que caso tal sucedesse a ofendida também iria ter problemas.

12. Por diversas vezes, por mensagens escritas enviadas pelo seu telemóvel e redes sociais, o arguido pediu à ofendida que fosse ter com ele a sua casa, que se situava atrás do Posto da G.N.R. de (…).

13. No dia 7 de Novembro de 2017, pelas 19 horas e 52 minutos, o arguido enviou do seu telemóvel a seguinte mensagem escrita à ofendida: “quer ver te” e, logo de seguida, enviou-lhe outra mensagem escrita, com o seguinte teor: “se o desejares claro”.

14. Pelas 19 horas e 53 minutos, a ofendida respondeu ao arguido, pelo mesmo meio, dizendo: “Também gostava muito de o ver de novo, só não sei como”.

15. Pelas 20 horas e 4 minutos, o arguido respondeu: “de te verrrr… e não de o ver”.

16. Pelas 20 horas e 8 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “E não faz mal se eu o Tratar por “tu”?”.

17. Pelas 20 horas e 10 minutos, o arguido disse à ofendida: “a mim não”.

 18. E, pelas 20 horas e 11 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “ninguém ve tuas msgs pois n?”

19. No dia 9 de Novembro de 2017, pelas 7 horas e 36 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Não se preocupe com as msgns porque eu já não tenho 12 anos, já sei fazer as coisas”.

20. No mesmo dia e hora, o arguido perguntou à ofendida: “e pensaste como nos vamos ver??”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 37 minutos: “Pensei sim”.

21. De seguida, pelas 7 horas e 40 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “fixe … alguma ideia?”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 41 minutos: “Se for, só da sábado”.

22. Pelas 7 horas e 44 minutos, o arguido perguntou: “q horas”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 45 minutos: “Horas ainda não sei”.

23. Pelas 7 horas e 46 minutos, o arguido disse à ofendida: “ok … mas ve e diz me p me orientar”.

24. Pelas 7 horas e 47 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “ok … e pensaste no local ou não”.

25. Pelas 11 horas, o arguido disse à ofendida: “quero ver e sentir”.

26. Pelas 14 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “quero msm estar ctg”.

27. Pelas 14 horas e 4 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “achas que queres sentir mesmo?”

28. Pelas 14 horas e 19 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “achas que aguentas fofinha?”

29. Pelas 14 horas e 28 minutos, o arguido disse à ofendida: “eu terei mt cuidado”.

30. Pelas 15 horas e 52 minutos, o arguido disse à ofendida: “estavas bem era cmg … apaga msgs … n me arranjes problemas ta??”

31. Pelas 17 horas e 31 minutos, o arguido disse à ofendida: “se saires a pe vais ter cmg … arranjamos forma d estar a sos”.

32. Pelas 18 horas e 37 minutos, o arguido disse à ofendida: “quero q o sintas tdinho”, tendo a ofendida perguntado: “o q?”.

33. Pelas 18 horas e 40 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “q há de ser ??”.

34. Pelas 19 horas e 29 minutos, o arguido disse à ofendida: “apaga msgs”.

35. Pelas 19 horas e 32 minutos, o arguido disse à ofendida: “mete nome digerente no meu numero”.

36. Pelas 22 horas e 20 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “tens sexo regularmente?”

37. Pelas 22 horas e 38 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “e umas caricias??”

38. No dia 10 de Novembro de 2017, pelas 16 horas e 25 minutos, o arguido disse à ofendida: “sim … e ainda estou espera das fotos”, tendo a ofendida respondido, pelas 16 horas e 26 minutos: “Só mando as fotos quando me vier ver…”.

39. Pelas 19 horas e 12 minutos, o arguido disse à ofendida: “Mandei foto para o insta”, tendo a ofendida respondido, pelas 19 horas e 34 minutos: “hummm”.

40. Pelas 22 horas, o arguido disse à ofendida: “quero uma foto tua sem roupa … sim?”.

41. Pelas 22 horas e 14 minutos, o arguido disse à ofendida: “quera ver te era na mha casa … ui”, tendo a ofendida perguntado, pelas 22 horas e 15 minutos: “Se eu estivesse em sua casa, o q acontecia?”.

42. Pelas 22 horas e 16 minutos, o arguido respondeu: “logo se via” e a ofendida, pelas 22 horas e 17 minutos, disse: “Gostava de saber”.

43. Pelas 22 horas e 31 minutos, o arguido disse à ofendida: “surpresa boa”, tendo a ofendida dito, pelas 22 horas e 32 minutos:” Uma pista …”.

44. De seguida, pelas 22 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “sem roupa” e, pelas 22 horas e 44 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Os dois?”.

45. Pelas 22 horas e 45 minutos, o arguido respondeu: “claro”.

46 Pelas 22 horas e 53 minutos, o arguido disse à ofendida: “então vem … e estou a espera das tuas fotos sem roupa”.

47. Pelas 23 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “tou desejoso d ver esse corpo …”, tendo a ofendida, pelas 23 horas e 5 minutos, perguntado: “Então porquê?”.

48. Pelas 23 horas e 5 minutos, o arguido disse à ofendida: “prk gosto de ti” e, pelas 23 horas e 6 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Só?”.

49. Pelas 23 horas e 8 minutos, o arguido disse à ofendida: “Tesão” e a ofendida, pelas 23 horas e 8 minutos, disse ao arguido; “Maaiiss”.

50. Pelas 23 horas e 9 minutos, o arguido disse à ofendida: “lamber te todinha”.

51. Pelas 23 horas e 9 minutos, a ofendida disse ao arguido: “pode continuar, estou a gostar”.

52. Pelas 23 horas e 13 minutos, o arguido disse à ofendida: “metia te d 4 e enfiava o todo”.

53. Pelas 23 horas e 14 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Huumm … fique descansado q tou a apagar as conversas todas”.

54. Pelas 23 e 24 minutos, o arguido disse à ofendida: “espetar to todo e levares cm leitinho na boca” e, pelas 23 horas e 24 minutos, o arguido disse à ofendida: “e nas mamas”.

55. Pelas 23 horas e 24 minutos, o arguido disse à ofendida: “apaga”.

56. Pelas 23 horas e 25 minutos, o arguido disse à ofendida: “gostaste?” e, pelas 23 horas e 27 minutos, perguntou-lhe: “queres levar cm leitinho?”.

57. Pelas 23 horas e 32 minutos, o arguido disse à ofendida: “manda a foto; e diz o q queres fazer cmg”.

58. Pelas 23 horas e 33 minutos, o arguido disse à ofendida: “Ok … manda fotos”.

59. Pelas 23 horas e 40 minutos, o arguido disse a ofendida: “sim alimenta te …queria ver te a fumar … toda nua … sera lindo … mesmo … sensual … sexy”.

60. Pelas 23 horas e 42 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “fumas mtt??”, tendo esta respondido: “Fumo … Mas talvez não so tabaco …”.

61. Pelas 23 horas e 43 minutos, o arguido disse à ofendida: “hum … rebelde … gosto … das pica … das tesao”.

62. Pelas 23 horas e 47 minutos, o arguido disse à ofendida: “já vi é q n mandas fotos das tuas mamas e sexo”.

 63. Pelas 23 horas e 50 minutos, o arguido disse à ofendida: “manda as fotos”.

64. Pelas 23 horas e 52 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “mandas ou não as fotos?”.

65. Pelas 23 horas e 54 minutos, o arguido disse à ofendida: “quero ver essas mamas e essa cona”, tendo a ofendida respondido, pelas 23 horas e 57 minutos: “Huumm, so interesso para isso”.

66. Pelas 23 horas e 57 minutos, o arguido disse a ofendida: “nada disso mas quero ver”.

67. No dia 11 de Novembro de 2017, pelas 11 horas e 28 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Tou desculpada?”, tendo o arguido respondido, pelas 12 horas e 18 minutos: “tas; se mandares fotos … eheheh”.

68. Pelas 12 horas e 19 minutos a ofendida disse ao arguido: “Eu mando” e, pelas 14 horas e 35 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Tem q ir ao insta …”.

69. Pelas 15 horas e 10 minutos, o arguido disse à ofendida: “n gostaste pois n”, tendo a ofendida respondido: “Se mando foto nova ainda não vi”.

70. Pelas 15 horas e 26 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “n viste??”, tendo a ofendida respondido, pelas 15 horas e 26 minutos: “Vi”.

71. No dia 12 de Novembro de 2017, pelas 12 horas e 42 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Dormiu bem?”, tendo o mesmo respondido, pelas 12 horas e 45 minutos: “sim … mas podia dormir mlhr”.

72. Pelas 12 horas e 47 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Como?”, tendo o mesmo respondido, pelas 12 horas e 49 minutos: “acompanhado”.

73. Pelas 12 horas e 51 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Por Quem?”, tendo o mesmo respondido, pelas 12 horas e 52 minutos: “ctg”.

74. Pelas 13 horas e 11 minutos, o arguido disse à ofendida: “fotos nepia …”, tendo a ofendida respondido, pelas 13 horas e 32 minutos: “Fique descansado, eu mando” e pelas 13 horas e 34 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Mas quero ser recompensada”.

75. Pelas 13 horas e 35 minutos, o arguido disse à ofendida: “se viesses recompensava presencialmente”, tendo a ofendida perguntado ao arguido, pelas 13 horas e 36 minutos: “Ia ser bom?”.

76. Pelas 13 horas e 36 minutos, o arguido disse à ofendida: “diras tu no fim”.

77. Pelas 13 horas e 37 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Temos q experimentar então”, tendo o arguido dito, pelas 13 horas e 41 minutos: “yes”.

78. Pelas 13 horas e 43 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Só não sei quando Eu amanhã tenho a tarde livre”, tendo o arguido perguntado, pelas 13 horas e 43 minutos: “e n consegues vir ??”.

79. Pelas 13 horas e 51 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Vou como?”, tendo o mesmo respondido, pelas 13 horas e 56 minutos: “eu pago transporte”.

80. Pelas 14 horas e 4 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Podia era vir cá a casa”, tendo o arguido respondido, pelas 14 horas e 6 minutos: “ai n dava p estarmos ne.?”

 81. Pelas 14 horas e 7 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Dava, eu sei a q horas é q a minha mãe sai do trabalho, eu fico sempre sozinha”.

82. Pelas 14 horas e 38 minutos, o arguido disse à ofendida: “aqui sempre era mais fácil prk mha casa é nas traseiras do serviço.”

 83. Pelas 14 horas e 40 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “n consegues arranjar alguém q te traga a (…) ?? autocarro ??”.

84. Pelas 14 horas e 55 minutos, o arguido disse à ofendida: “pois … vinhas aqui e estaríamos a vontade”.

85. Pelas 15 horas e 5 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “vejo tanta miúda andar pr todo o lado e tu n consegues arranjar forma d vir a (…)??”.

86. Pelas 15 horas e 13 minutos o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “dasss … apanho aqui miúdas do (…) e tu nada”.

87. Pelas 15 horas e 48 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “então qdo estiveres dizes me e vens ter cng”.

88. Pelas 15 horas e 49 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Fogo … queimei a mão”, tendo o arguido respondido, pelas 15 horas e 49 minutos: “leitinho meu na mão ajudava a sarar … eheh”.

89. Pelas 17 horas e 3 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Começo a achar que mais valia ter vindo … Ainda não apareceu ninguém …”, tendo o arguido respondido, pelas 17 horas e 3 minutos: “ai é arriscado”.

90. Pelas 17 horas e 3 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Se não for aqui não sei onde poderá ser”, tendo o arguido enviado a seguinte mensagem a ofendida, pelas 17 horas e 4 minutos: “aqui mha casa … ou vais ter algum lado a noite e vou buscar te”.

91. Pelas 17 horas e 12 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Também se eu “desaparecer” assim por um bocadinho eles/as não reparam”, tendo o arguido dito à ofendida, pelas 17 horas e 34 minutos: “acho q sim”.

92. Pelas 18 horas e 40 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “vê … Só chegaram agora … Dava muito tempo”, tendo o arguido, pelas 18 horas e49 minutos, enviado a seguinte mensagem à ofendida: “mas era arriscado … estou espera das fotos”.

93. Pelas 18 horas e 50 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Ate eu … De uma foto mais de perto como pedi …”, tendo o arguido respondido, pelas 18 horas e 51 minutos: “combinado”.

94. Pelas 18 horas e 53 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Pode mandar então”, tendo o arguido respondido, pelas 19 horas e 23 minutos: “tou jantar … manda tu”.

95. Pelas 19 horas e 23 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Eu só mando quando for para a cama”, tendo o arguido enviado à ofendida, pelas 19 horas e 25 minutos, a seguinte mensagem: “qdo mandares eu tiro e mando”.

96. Pelas 19 horas e 28 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “olha q quero tudo … mamas e sexo”, tendo a ofendida respondido, pelas 19 horas e 28 minutos: “Se tivesse vindo hoje … Iria ter tudo”.

97. Pelas 19 horas e 30 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “ mt arriscado” e, pelas 19 horas e 33 minutos, enviou-lhe também a seguinte mensagem escrita: “pois … d dia mt arriscado … pr mais q queira m posso arriscar assim ne”.

98. Pelas 19 horas e 40 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “quero mr mas tho q ter mt cuidado”, tendo a ofendida, pelas 19 horas e 41 minutos, perguntado ao arguido: “Quer muito mesmo?”.

99. Pelas 19 horas e 43 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “sim … e tu”, tendo a mesma respondido, pelas 19 horas e 44 minutos: “Eu também quero e muito”.

100. Pelas 19 horas e 45 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tens q arranjar forma …”, tendo a ofendida dito, pelas 19 horas e 45 minutos: “Tinha arranjado hoje …”.

101. Pelas 19 horas e 48 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tua casa n fofha”.

102. Pelas 20 horas e 59 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “boa és tu”

103. Pelas 23 horas e 50 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “fotos nepia ne?”.

104. No dia 13 de Novembro de 2017, pelas 17 horas e 39 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tu tb não linda … n mandaste foto… fiquei triste … olha, apaga msgs”.

105. Pelas 18 horas e 3 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “ve qdo pds e arranja forma p vires a (…)”.

106. No dia 17 de Novembro de 2017, pelas 7 horas e 50 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Vou a (…) hoje”, tendo o arguido respondido, pelas 8 horas e 8 minutos: “então aparece la”.

107. Pelas 10 horas e 25 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem a ofendida: “tenta vir”.

108. No dia 29 de Novembro de 2017, pelas 11 horas e 51 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “n mandaste”.

109. No dia 30 de Novembro de 2017, pelas 13 horas e 15 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tens q me vir visitar”.

110. Pelas 13 horas e 19 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Eu bem queria, ir visitá-lo”, tendo o arguido respondido, pelas 13 horas e 20 minutos: “então vem”.

111. Pelas 13 horas e 29 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “arranja boleia”.

112. Pelas 13 horas e 24 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem à ofendida: “qdo se quer consegue se”.

113. Pelas 18 horas, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita para o telemóvel do arguido: “Se a minha mãe, quando lhe perguntar se eu tenho andado a falar consigo, diga que não, é melhor, é que ela perguntou me hoje”.

114. Pelas 18 horas e 1 minuto, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “sim prk eu anteriormente lhe disse q vez em qdo falavamos mas pouco”.

115. Pelas 18 horas e 3 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “n quero confusao ok”.

116. No dia 1 de Dezembro de 2017, pelas 16 horas e 33 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “ok … diz me algo depois … qto as fotos nepia”.

117. Pelas 17 horas e 5 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Tenho uma dúvida, quer dizer, duas” e, pelas 17 horas e 14 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem ao arguido: “Uma é, quem é que lhe tira as fotos? A outra é, estava a falar a sério quando disse que estava “interessado” em mim?”.

118. Pelas 17 horas e 20 minutos, o arguido respondeu à ofendida: “a mim ninguem tira fotos …sou eu cm.temporizador … resto digo pessoalmente”.

119. Pelas 17 horas e 22 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Ahh, o resto não pode dizer aqui porquê? Eu já lhe disse que apago tudo”, tendo o arguido respondido pelas 17 horas e 32 minutos: “prk es mt linda”.

120. No dia 3 de Dezembro de 2017, pelas 16 horas e 26 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “pois … mais uma vez n cumpriste … n mandaste” e, pelas 16 horas e 28 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “pois … nem qdo chegaste nem qdo acordaste”.

121. No dia 4 de Dezembro de 2017, pelas 13 horas e 25 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “para ir tua asa tho q saber bem onde é, q vizinhos há perto e ter a certeza q n aparece ninguem”.

 122. Pelas 13 horas e 46 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “seja tas em casa podiamos ligar a web”.

123. Pelas 13 horas e 53 minutos, o arguido disse à ofendida: “tira ao menos fotos”, tendo a ofendida respondido, pelas 14 horas e 10 minutos: “Se cá viesse tinha mais sorte do que fotos”.

124. Pelas 14 horas e 19 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “pois nao …em vez d ires p casa íamos dar uma volta”.

125. Pelas 14 horas e 35 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “pois … nem foto … como sei se é verdade”.

126. No dia 6 de Dezembro de 2017, pelas 14 horas e 56 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida pelo seu telemóvel: “es uma tentação mas tem q ser sem risco”.

127. Pela rede social “Facebook” o arguido e a ofendida trocaram, nomeadamente, as seguintes mensagem escritas:

128. No dia 8 de Dezembro de 2017, pelas 2 horas e 47 minutos, a ofendida enviou a arguido a seguinte mensagem escrita: “Podia ter sido no insta, e antes de diga, já apaguei as conversas”, tendo o arguido dito, pelas 2 horas e 49 minutos: “e apaga a foto”.

129. Pelas 2 horas e 51 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “n mandas?”, tendo a ofendida respondido, pelas 2 horas e 51 minutos: “Claro que mando, mas eu mando no insta”.

130. Pelas 2 horas e 54 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “estou espera”.

131. Pelas 15 horas e 32 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “q bom … quer ver te” e, pelas 15 horas e 34 minutos enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “n vejo a hora”.

132. Pelas 15 horas e 35 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “poder olhar te … pegar te … sentir te” e, pelas 15 horas e 37 minutos, enviou-lhe a seguinte mensagem escrita: “poder sentir te toda … sem pressas”.

 133. Pelas 15 horas e 39 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “vamos conseguir” e, pelas 15 horas e 42 minutos, enviou-lhe a seguinte mensagem escrita: “e vai ser mt bom”.

134. Pelas 15 horas e 45 minutos, o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “so n vejo é a hora disso acontecer”.

135. Agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com intenção de satisfazer os seus impulsos sexuais e instintos libidinosos.

136. Sabia o arguido que, com a conduta supra descrita, estava a prejudicar gravemente a liberdade e autodeterminação sexual da menor (…), estando ciente que, ao agir da forma como agiu, estava a prejudicar o desenvolvimento da personalidade daquela.

137. Sabia o arguido que a ofendida tinha 15 anos de idade.

138. Sabia o arguido que detinha e obtivera através de sistema informático fotografias da menor ora ofendida.

139. Sabia o arguido que era maior e que utilizava tecnologias de informação e de comunicação para levar a menor, da qual conhecia a idade como referimos, a encontrar-se consigo e a praticar consigo actos de natureza sexual, designadamente cópula.

140. Não obstante tal conhecimento, o arguido quis e agiu da forma supra descrita, o que concretizou.

141. Bem sabia, ainda, o arguido que a sua conduta descrita nos pontos “1” a “134” era proibida e punida por lei penal.


*

2.1.2.

Condições pessoais do arguido

Do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P consta que:

142. A. tem um irmão gémeo e é filho de um casal que lhe proporcionou um processo de socialização normativo.

143. Residiu no agregado de origem até casar, aos 23 anos, estabelecendo com os pais e irmão uma relação pautada por afetos e respeito.

144. Ingressou no sistema de ensino em idade adequada, sem registos significativos de apreciação, até concluir o 12º ano de escolaridade.

145. Cumpriu o serviço militar no Exército, entre 1991 e 1992, e, em 1993, aos 21 anos de idade, concorreu à (…) e desde então seguiu a carreira com bastante empenho e progresso.

146. De acordo com o que verbaliza, foi alvo de vários louvores internos e públicos, que muito preza e valoriza, enquanto resultado de promoções, lealdade e disponibilidade para com o serviço e comunidade.

147. Casado há 24 anos, com dois filhos, um rapaz de 21 anos a trabalhar na Holanda e uma rapariga de 16 anos, estudante, enquadra a sua relação como muito boa, embora em actual conflito, enquanto consequência do presente processo judicial. A. e a mulher têm projectos em comum, nomeadamente a construção de uma moradia inserida numa quinta adquirida pelo casal, que gostaria de concretizar.

148. A mulher descreve, igualmente, o casamento como uma relação muito feliz e que gostaria de manter, mas sentindo, para isso, que necessita de apoio especializado.

149. Manifesta toda a disponibilidade para apoiar o arguido durante esta fase considerando que a felicidade vivida até então merece não ser esquecida e ser dada outra oportunidade.

150. Não obstante relação próxima, a família alargada desconhece o processo.

151. Aos filhos as informações que o arguido e mulher têm fornecido são escassas e com alguma distorção da realidade.

152. A relação pai-filhos tem sido, na percepção do arguido e mulher, muito gratificante para ambas as partes e pretendem salvaguardar eventuais danos.

153. O agregado reside em casa própria, inserida em zona rural, projetando, contudo, como já referido, a construção de uma outra casa, de maiores dimensões e melhores condições.

154. O agregado familiar beneficia de boa condição económica e de boa imagem no meio.

155. Os rendimentos resultam do salário do arguido e do salário da mulher, que exerce funções de supervisora num hipermercado.

156. Constituem uma família com rotinas normativas e bem integrada nos vários contextos relacionais e socializadores.

157. A relação conjugal foi altamente penalizada, uma vez que a situação foi de extrema surpresa e admiração para a mulher e, essencialmente, por tocar em valores que aquela muito preza.

158. A manutenção do casamento é, por ora, uma incerteza já que a mulher teme não conseguir lidar com a conduta do arguido, muito embora pretenda realizar um esforço no sentido contrário.

159. No contexto profissional, onde o arguido era valorizado pela sua dedicação e desempenho, surgiram repercussões bastante frustrantes de uma carreira promissora e de um orgulho pessoal, uma vez que teve de mudar de funções passando, assim, do (…) para funções administrativas.

160. O arguido mostra-se receoso quanto às eventuais consequências da sua situação jurídica, mas disponível, para cumprir medida de execução na comunidade, caso venha a ser condenado e enquanto resultado da sua responsabilidade.

2.1.3. Antecedentes criminais do arguido

b) O arguido não apresenta antecedentes criminais registados.”

Factos não provados.

“Da instrução e discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

 1.Que, na sequência do facto descrito em “6” dos Factos Provados, o arguido, no final da conversa telefónica entre ambos, tenha dito à ofendida: “Beijinhos fofa”.

2. Que, na sequência do facto descrito em “7” dos Factos Provados, o arguido tenha logo começado por perguntar à ofendida quando lhe fazia uma visita e, depois, começou a pedir à ofendida que lhe mandasse fotos atrevidas que as normais não chegavam, que lhe mandasse fotos com pouca roupa ou sem roupa e quando estivesse a tomar banho.

3. Que, certa vez, do mesmo modo, o arguido perguntou à ofendida se já tinha tido algum relacionamento sexual e disse-lhe que com ele ia ter muito mais prazer, pois era mais experiente.

4. Que o arguido quisesse e soubesse que aliciava a menor e a convencia para a utilizar em fotografia pornográfica.

5. Que o arguido quisesse e soubesse que detinha e obtivera através de sistema informático fotografias pornográficas da menor.

6. Que no que concerne aos pontos descritos em “4”, “5” retro, o arguido tenha agido de forma livre deliberada e consciente bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida porque proibida por lei.”


*

Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso (transcrição):

(…)


***

III. Decidindo:

1 - Das invocadas nulidades do acórdão

Invoca o recorrente a ausência/deficiência do exame crítico das provas, por haver desconsiderado meios de prova que reputa relevantes, como sejam as restantes mensagens que indica, em detrimento de um cabal exame crítico da prova, assim como alude à inexistência de qualquer fundamentação quanto à perigosidade do arguido, para efeitos do art 100º do CP.

Em conformidade, imputa o recorrente ao acórdão a nulidade tal como configurado no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), decorrente da violação do artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP.

No que respeita à fundamentação da sentença preceitua o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». O artigo 379º, nº 1, alínea a) comina de nula a sentença que não contiver os requisitos citados.

Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam que «…o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso» - [cf. “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2.º vol., 3.ª edição, Coimbra Editora, pp. 798/799].

Em conformidade, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também pelo tribunal de recurso.

A este propósito, afirma o Prof. Figueiredo Dias[1] “ a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (…) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.

            Ou seja, através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

E, como decorre da lei, o dever constitucional de fundamentação da sentença, basta-se com a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam a decisão, bem como com o exame crítico das provas de que o tribunal se socorreu para formar a sua convicção, incluindo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido – cf., por todos, acórdão do STJ de 14.06.2007 (proc. n.º 1387/07 – 5.ª.

Tendo em consideração a perspectiva em que o recorrente coloca a alegação, pretendendo que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre todas as mensagens trocadas entre arguido e ofendida, tal como se escreve no acórdão do TRG de 21.01.2013 - proc. n.º 1080/10.6PBGMR.G1, enquanto com referência ao n.º 2 do artigo 374.º - «Decorre, por conseguinte, do aludido preceito legal que o exame crítico tem por objecto as “provas que serviram para formar a convicção do tribunal” – (destaque nosso).

Por isso, o tribunal não é obrigado, como bem se compreende, a examinar criticamente provas que nada serviram para formar a sua convicção.

Sobre as referidas mensagens cumpre recordar que a actuação da menor é irrelevante, sendo de ponderar que a actuação ilícita do agente pressuposta pelo imputado crime implica o desenvolvimento de comunicação manipuladora com vista à eficácia do aliciamento.

Se o tribunal a quo não fez a mínima referência ao teor das mensagens assinaladas pelo recorrente foi porque as entendeu neste domínio irrelevantes porque, tal como foram valoradas, em nada contribuíram para a formação da convicção dos julgadores.

Significa, pois, não assistir razão ao recorrente quando por referência a determinada prova – seja pessoal, seja documental – omitida na análise e exame crítico, levado a efeito pelos julgadores, obviamente por nela não ter assentado a respectiva convicção – desde logo por não ser compatível com aquela outra que os julgadores tiveram por credível -, pretende nisso ver violação do dever de fundamentação, quer na vertente de análise dos meios de prova, quer ao nível da sua apreciação crítica, a qual não se quedou por meras fórmulas tabelares.      

 O que se pretende ou exige é que o exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

            Como se decide no acórdão do STJ de 24.10.2012, proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1 «o dever de fundamentação da decisão começa e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida».

Este dever de fundamentação foi interpretado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo I, páginas 36 e 37) no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os “elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação”, ou seja, um “exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo” num determinado sentido.

Essa motivação conforme as exigências do processo equitativo não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso.

Reportando-nos ao acórdão recorrido, basta ler a respectiva motivação, para se perceber que o tribunal a quo procedeu nos termos legalmente impostos.

Numa outra frente, aponta o recorrente para a nulidade do acórdão, desta feita, por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP), na medida em que não teria fundamentado a aplicação do disposto no art 100º do CP.

A propósito da questão escreveu-se no acórdão recorrido, “Toda a conduta do arguido, globalmente considerada, não pode deixar de ser qualificada como traduzindo “…grave abuso de profissão, comércio ou indústria que exerça, ou com grosseira violação dos deveres inerentes…”.

(…) Persiste o receio de que condutas idênticas possam ser novamente vir a ser praticadas, na justa medida em que da mesma forma que o arguido putativamente não consegue explicar o sucedido, nada garante que não volte a agir da mesma forma em relação a outra qualquer menor, donde ao adrede se doseará a medida que decidimos aplicar, de interdição de actividades, prevista pelo art. 100.º do Código Penal.”

Independentemente do acerto da decisão tomada, - de que se cuidará adiante - é evidente que não se verifica a apontada omissão de pronúncia. 

Em síntese, não ocorrem as invocadas nulidades do acórdão.


*

2 - Erro de julgamento - impugnados os factos provados nºs 27; 39; 111; 135; 136; 139; 140 e 141.

Impõe o art. 412º, nº 3 do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP).

Ónus que o recorrente cumpriu.

No que respeita aos factos provados nºs 27, 39, 111, o apontado erro de julgamento cinge-se à indicação do tempo em que as mensagens foram enviadas. Mais do que erro de julgamento afigura-se-nos tratar-se de mero erro material manifesto, que escapou ao MP, ao tribunal recorrido e também só em fase de recurso foi detectado pela defesa.

Assim, atento o “Relatório de extração, de fls. 206 a 240”, importa corrigir tais lapsos - pelo que:

No ponto 27 dos Factos Provados dá-se por assente que “Pelas 14 horas e 11 minutos…”. (do dia 9-11-2017), o arguido perguntou à ofendida:…”.

No ponto 39 dos Factos Provados dá-se por assente que “Pelas 19 horas e 32 minutos…”. (do dia 10-11-2017), o arguido disse à ofendida:…”

No ponto 111 dos Factos Provados dá-se por assente que “Pelas 13 horas e 29 minutos (do dia 30-11-2017), o arguido disse à ofendida:…”.

Como é visível, os indicados lapsos não acarretam qualquer alteração quanto ao mérito da decisão, sendo irrelevantes do ponto de vista do conteúdo da prova apreciada.

No que respeita aos demais pontos da matéria de facto impugnada, após audição das declarações do arguido e da ofendida, cumpre desde logo assinalar que ambos assumiram as mensagens - inúmeras - trocadas entre si.

O arguido mostrando-se perturbado no início das suas declarações, e revelando-se arrependido, pretendeu convencer o tribunal que tudo não passava de um jogo, o que esbarra no teor objectivo das mensagens. Além das mensagens assumiu o arguido que enviou à ofendida foto deitado em “boxers” e aceitou como provável ter enviado foto “com o pénis de fora” pelo Instagram. Mais disse que sabia que a (…) estava a dois meses de fazer 16 anos.

 Já a ofendida (…) assumiu a troca de mensagens - com início da data do seu aniversário - e de fotos, por telemóvel e por rede social, respectivamente, afirmou que não se sentia aliciada para relações sexuais e disse “essas ideias vinham quase sempre dele só que eu dava-lhe respostas, ou seja, dizia-lhe que sim, que algum dia ia acontecer, e essas coisas assim.”

Confirmou que as mensagens eram da iniciativa de ambos. Esclareceu a forma como o arguido lhe forneceu os números do telemóvel pessoal e do trabalho, que guardou no seu telemóvel tendo entregue o papel à sua mãe. E disse que os sms foram descobertas após discussão com a mãe porque esta lhe retirou o telemóvel.

Pretende o recorrente que o tribunal recorrido devia ter concedido credibilidade às declarações do arguido e da ofendida (…).

Não tem razão. Obviamente que o arguido perante a documentação das mensagens junta aos autos, não tinha como não admitir a troca de mensagens entre si e a menor (…) nos termos em que foi dada como provada.

Desta prova resulta que o arguido de forma insistente e persistente pretendeu convencer a ofendida para que efectivamente fosse ao seu encontro, oferecendo-se até para lhe pagar o transporte. Que o encontro visava actividade sexual inclusive de cópula com a menor não restam dúvidas perante o teor das mensagens constantes dos factos provados nºs 49, 50, 52 e 54.

Das restantes mensagens constantes dos factos provados resulta todo um processo de desenvolvimento de confiança e convencimento da menor visando a proposta de um encontro, para os assinalados fins sexuais, necessariamente com intenção de satisfazer os seus impulsos sexuais e instintos libidinosos.

Daí que a proclamada intenção de manutenção da relação em platónica - mero jogo afirma o arguido - não mereceu ao Tribunal qualquer credibilidade, atento o acervo documental carreado para os autos.

Compreensível é também que a menor procure transmitir uma imagem global dos factos compatível com o menor prejuízo para a sua reputação e para a tranquilidade das relações familiares.

Em suma, a prova indicada pelo recorrente não impõe outra decisão diferente, como exige o nº 3 do art. 412º do Código de Processo Penal. A que acresce que o tribunal do julgamento está em melhores condições para apreciar e decidir esta matéria, por poder dispor de elementos que só a oralidade e a imediação da prova proporcionam e a que este tribunal de recurso não pode ter acesso.

Com efeito, a decisão formada apenas com base em provas sujeitas ao regime da livre apreciação, "segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador", a que alude o art. 127º do Código Penal, só é possível de ser modificada desde que as provas especificadas pelo recorrente levem a concluir que aquela decisão não é possível ou não é razoavelmente plausível, ou quando afrontar as regras da experiência comum. É por isso que a lei exige que o recorrente especifique, em concreto, não só quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida (art. 412º, nº 3, do CPP). "Impor decisão diversa da recorrida" não significa "admitir uma decisão diversa da recorrida".

Não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. “É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade.”

É também este o entendimento generalizado da jurisprudência, que vem considerando que sempre que o recorrente se limita a confrontar a convicção do julgador, motivada e objectivada nas provas produzidas, com outra convicção também possível perante as mesmas provas, deve acolher-se a opção do julgador, até porque beneficiou das vantagens da oralidade e da imediação da recolha da prova, que o tribunal de recurso não consegue alcançar (cfr. os acs. do STJ de 18/01/2001, proc. 3105/00, e de 17/02/2005 (JusNet 1082/2005) e 16/06/2005 (JusNet 3715/2005), de 13-02-08.

No que respeita ao dolo, enquanto facto interior, não podendo ser apreendido directamente, tem que ser deduzido de factos externos, de factos materiais designadamente, dos que preenchem o tipo objectivo do crime, conjugados com as regras da experiência.  

Neste sentido, o Ac. da R.P. de 23.02.93, in B.M.J. 324/620 “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência”.

Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

Também para Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 1981, pág. 292, existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjetivo da conduta criminosa. No mesmo sentido, Malatesta, in A Lógica das Provas em Matéria Criminal, págs. 172 e 173, defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”).

Além do mais acima mencionado, como pessoa adulta que é, sendo responsável por um (…), é claro que o arguido sabia que com a sua conduta estava a prejudicar gravemente a liberdade e autodeterminação sexual da menor (…) e a prejudicar o desenvolvimento da sua personalidade.

Concluindo, este segmento do recurso procede apenas quanto aos factos provados nº s 27, 39 e 111, nos termos supra indicados.


*

3 - Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - Art.º 410º, n.º 2 al. a) do C.P.P.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), que é insindicável em reexame da matéria de direito – Ac STJ Simas Santos data – 21-06-2007”

O recorrente defende a existência do referido vício pelo facto de, em seu entender, a decisão não se ter pronunciado sobre “toda a factualidade documentada (relatório de fls. 206 a 248)”.

Questão que supra se apreciou e decidiu no ponto 2.

De notar que a insuficiência para a matéria de facto provada tem de resultar do texto da própria decisão e tem de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo substantivo sobre a materialidade apurada e a norma penal abstracta chamada à respectiva qualificação.

Da decisão recorrida constam todos os elementos de facto objectivos e subjectivos integradores do crime pela qual o recorrente foi condenado, e dos necessários à determinação da medida da pena, pelo que não se verifica o vício apontado.

Consequentemente impõe-se concluir que a decisão recorrida não padece de qualquer vício elencado no artº 410º nº 2 do C.P.P., designadamente o invocado pelo recorrente.


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4 - Do preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo art.º 176º-A do Código Penal.

Sustenta o arguido recorrente que os factos que constam da decisão não permitem o preenchimento do ilícito criminal.

O artigo 176.º-A do Código Penal - aditado pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto - dispõe o seguinte: 

“Aliciamento de menores para fins sexuais

1 - Quem, sendo maior, por meio de tecnologias de informação e de comunicação, aliciar menor, para encontro visando a prática de quaisquer dos atos compreendidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo anterior, é punido com pena de prisão até 1 ano.

2 - Se esse aliciamento for seguido de atos materiais conducentes ao encontro, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos.”

É um crime subsidiário (subsidiariedade material ou implícita) da punição dos crimes de abuso sexual de criança seja na forma consumada, seja na forma tentada - Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal”, 3.ª ed., UCE, p. 705. - ac Ac STJ 22 de Fevereiro de 2018.

O bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual do menor de 18 anos.

 O tipo objectivo consiste no aliciamento de menor por agente adulto através de tecnologias de informação e de comunicação, para encontro visando a prática de acto sexual de relevo, acto sexual de relevo qualificado, utilizar menor em espectáculo pornográfico, em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do suporte, produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografias, filmes ou gravações pornográficas.

Ou seja, e conforme PP Albuquerque o aliciamento pode ser definido como “um acto de execução do tipo objectivo do abuso sexual de criança e do tipo objetivo de pornografia de menores (art. 22º, n.º 2, alínea c)), convertido em elemento típico.

O aliciamento supõe uma abordagem da criança, por qualquer meio tecnológico de informação e comunicação, como a internet e o telemóvel.

Se o aliciamento se configurar já na realização de actos materiais conducentes a um encontro, representa uma forma agravada do crime - exs, a deslocação ao local do encontro, providenciar o transporte da vítima, marcar um espaço para o efeito. Materialmente, trata-se de actos de execução ainda mais próximos da prática dos tipos objectivos previstos nos n. 1 e 2 do art. 171º e alíneas a), b) e c) do n.1 do art. 176º”

O tipo contém uma intenção (visando) de realização de um resultado que não faz parte do tipo (prática de actos previstos no n. 1 e 2 do art. 171.º e alíneas a) e b) e c) do n.º 1 do art. 176.º ), mas que é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo agente.

O tipo subjectivo admite somente a forma intencional de dolo, como resulta da Convenção de Lanzarote e da palavra “visando”. Trata-se de um crime de ato cortado. O tipo contém uma intenção (visando) de realização de um resultado que não faz parte do tipo (prática de actos previstos no n. 1 e 2 do art. 171º e alíneas a) e b) e c) do n.º 1 do art. 176º), mas que é provocado por uma acção ulterior a praticar pelo agente

O crime de aliciamento de menor é um crime comum e de comparticipação necessária na modalidade de crime de encontro, não sendo punível o menor (comparticipante necessário).

“O crime de aliciamento não exige, necessariamente, um encontro ou as várias etapas para esse encontro ocorrer. Isto significa que a proposta de um encontro por parte do agressor à criança é suficiente, o que vai ao encontro do objetivo inicial por trás da introdução desse crime, que se reflete no ponto 160 da nota explicativa da Convenção de Lanzarote, ou seja, para evitar que o abuso real se possa verificar. A necessidade de saber se é indispensável um encontro ou se foram cumpridos os passos relativos para que ele aconteça, pode levar a que seja tarde demais para evitar a ameaça para a criança em questão, o aliciamento poderá, entretanto, já ter acontecido.” - in O Problema do Aliciamento de Menores através da internet para fins sexuais, Alexandra Catarina Silva Abrantes, Universidade Católica Portuguesa - Dissertação de Mestrado em Direito.

Mostram-se, pois, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime em questão.

Bem andou o tribunal recorrido ao operar o enquadramento jurídico dos factos provados no referido tipo legal, no seu nº 1, atenta a moldura penal abstracta que considerou.

A propósito escreveu-se no acórdão recorrido:

 “Tal resulta inequívoco de toda a ponderação global dos factos praticados pelo arguido, expressa e explanada detalhadamente nos pontos “13” e seguintes dos “Factos Provados”.

Atente-se que no dia 7 de Novembro de 2017, pelas 19 horas e 52 minutos, o arguido enviou do seu telemóvel a seguinte mensagem escrita à ofendida: “quer ver te” e, logo de seguida, enviou-lhe outra mensagem escrita, com o seguinte teor: “se o desejares claro” [ponto “13”]. Pelas 19 horas e 53 minutos, a ofendida respondeu ao arguido, pelo mesmo meio, dizendo: “Também gostava muito de o ver de novo, só não sei como” [ponto “14”]. No mesmo dia e hora, o arguido perguntou à ofendida: “e pensaste como nos vamos ver??”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 37 minutos: “Pensei sim”. De seguida, pelas 7 horas e 40 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “fixe … alguma ideia?”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 41 minutos: “Se for, só da sábado”. Pelas 7 horas e 44 minutos, o arguido perguntou: “q horas”, tendo a ofendida respondido, pelas 7 horas e 45 minutos: “Horas ainda não sei”. Pelas 7 horas e 46 minutos, o arguido disse à ofendida: “ok … mas ve e diz me p me orientar”. Pelas 7 horas e 47 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “ok … e pensaste no local ou não”. Pelas 11 horas, o arguido disse à ofendida: “quero ver e sentir”. Pelas 14 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “quero msm estar ctg”. Pelas 14 horas e 4 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “achas que queres sentir mesmo?” Pelas 14 horas e 19 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “achas que aguentas fofinha?” Pelas 14 horas e 28 minutos, o arguido disse à ofendida: “eu terei mt cuidado” [pontos “20” a “29”]. Pelas 17 horas e 31 minutos, o arguido disse à ofendida: “se saires a pe vais ter cmg … arranjamos forma d estar a sos” [ponto”31”]. Pelas 22 horas e 14 minutos, o arguido disse à ofendida: “quera ver te era na mha casa … ui”, tendo a ofendida perguntado, pelas 22 horas e 15 minutos: “Se eu estivesse em sua casa, o q acontecia?”. Pelas 22 horas e 16 minutos, o arguido respondeu: “logo se via” e a ofendida, pelas 22 horas e 17 minutos, disse: “Gostava de saber”. Pelas 22 horas e 31 minutos, o arguido disse à ofendida: “surpresa boa”, tendo a ofendida dito, pelas 22 horas e 32 minutos:” Uma pista …”. De seguida, pelas 22 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “sem roupa” e, pelas 22 horas e 44 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Os dois?”. Pelas 22 horas e 45 minutos, o arguido respondeu: “claro”. Pelas 22 horas e 53 minutos, o arguido disse à ofendida: “então vem … e estou a espera das tuas fotos sem roupa”. Pelas 23 horas e 4 minutos, o arguido disse à ofendida: “tou desejoso d ver esse corpo …”, tendo a ofendida, pelas 23 horas e 5 minutos, perguntado: “Então porquê?”. [pontos “42” a “47”]. Pelas 13 horas e 35 minutos do dia 12 de Novembro de 2017, o arguido disse à ofendida: “se viesses recompensava presencialmente”, tendo a ofendida perguntado ao arguido, pelas 13 horas e 36 minutos: “Ia ser bom?”. Pelas 13 horas e 36 minutos, o arguido disse à ofendida: “diras tu no fim”. Pelas 13 horas e 37 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Temos q experimentar então”, tendo o arguido dito, pelas 13 horas e 41 minutos: “yes”. Pelas 13 horas e 43 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Só não sei quando Eu amanhã tenho a tarde livre”, tendo o arguido perguntado, pelas 13 horas e 43 minutos: “e n consegues vir ??”. Pelas 13 horas e 51 minutos, a ofendida perguntou ao arguido: “Vou como?”, tendo o mesmo respondido, pelas 13 horas e 56 minutos: “eu pago transporte”. Pelas 14 horas e 4 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Podia era vir cá a casa”, tendo o arguido respondido, pelas 14 horas e 6 minutos: “ai n dava p estarmos ne.?” Pelas 14 horas e 7 minutos, a ofendida disse ao arguido: “Dava, eu sei a q horas é q a minha mãe sai do trabalho, eu fico sempre sozinha”. Pelas 14 horas e 38 minutos, o arguido disse à ofendida: “aqui sempre era mais fácil prk mha casa é nas traseiras do serviço.” Pelas 14 horas e 40 minutos, o arguido perguntou à ofendida: “n consegues arranjar alguém q te traga a (…) ?? autocarro ??”. Pelas 14 horas e 55 minutos, o arguido disse à ofendida: “pois … vinhas aqui e estaríamos a vontade”. Pelas 15 horas e 5 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “vejo tanta miúda andar pr todo o lado e tu n consegues arranjar forma d vir a (…)??”. Pelas 15 horas e 13 minutos o arguido enviou à ofendida a seguinte mensagem escrita: “dasss … apanho aqui miúdas do … e tu nada”. Pelas 15 horas e 48 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “então qdo estiveres dizes me e vens ter cng” [pontos “75” a “87”].

Pelas 17 horas e 3 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Se não for aqui não sei onde poderá ser”, tendo o arguido enviado a seguinte mensagem a ofendida, pelas 17 horas e 4 minutos: “aqui mha casa … ou vais ter algum lado a noite e vou buscar te”. Pelas 17 horas e 12 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Também se eu “desaparecer” assim por um bocadinho eles/as não reparam”, tendo o arguido dito à ofendida, pelas 17 horas e 34 minutos: “acho q sim”. Pelas 18 horas e 40 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “vê … Só chegaram agora … Dava muito tempo”, tendo o arguido, pelas 18 horas e 49 minutos, enviado a seguinte mensagem à ofendida: “mas era arriscado … estou espera das fotos”. Pelas 19 horas e 28 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “olha q quero tudo … mamas e sexo”, tendo a ofendida respondido, pelas 19 horas e 28 minutos: “Se tivesse vindo hoje … Iria ter tudo”. Pelas 19 horas e 30 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “mt arriscado” e, pelas 19 horas e 33 minutos, enviou-lhe também a seguinte mensagem escrita: “pois … d dia mt arriscado … pr mais q queira m posso arriscar assim ne”. Pelas 19 horas e 40 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “quero mr mas tho q ter mt cuidado”, tendo a ofendida, pelas 19 horas e 41 minutos, perguntado ao arguido: “Quer muito mesmo?”. Pelas 19 horas e 43 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “sim … e tu”, tendo a mesma respondido, pelas 19 horas e 44 minutos: “Eu também quero e muito”. Pelas 19 horas e 45 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tens q arranjar forma …”, tendo a ofendida dito, pelas 19 horas e 45 minutos: “Tinha arranjado hoje …”. Pelas 19 horas e 48 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tua casa n fofha”. Pelas 18 horas e 3 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “ve qdo pds e arranja forma p vires a (…)”. No dia 17 de Novembro de 2017, pelas 7 horas e 50 minutos, a ofendida enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido: “Vou a (…) hoje”, tendo o arguido respondido, pelas 8 horas e 8 minutos: “então aparece la”. Pelas 10 horas e 25 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem a ofendida: “tenta vir”. No dia 30 de Novembro de 2017, pelas 13 horas e 15 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “tens q me vir visitar”. Pelas 13 horas e 19 minutos, a ofendida enviou ao arguido a seguinte mensagem escrita: “Eu bem queria, ir visitá-lo”, tendo o arguido respondido, pelas 13 horas e 20 minutos: “então vem”. Pelas 13 horas e 29 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “arranja boleia”. Pelas 13 horas e 24 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem à ofendida: “qdo se quer consegue se”. No dia 4 de Dezembro de 2017, pelas 13 horas e 25 minutos, o arguido enviou a seguinte mensagem escrita à ofendida: “para ir tua asa tho q saber bem onde é, q vizinhos há perto e ter a certeza q n aparece ninguem” [pontos “90” em diante].

Resulta à saciedade e por demais evidente que o arguido tentou de todas as formas possíveis que a ofendida fosse ter consigo, visando o que é obvio e que já se pisou e repisou na transcrição efectuada, manter com a menor relação de cariz sexual.

Dispõe-se a pagar a viagem, sugere a boleia, alude ao facto de ver jovens provenientes da mesma área geográfica da ofendida em (…), sugere o sítio onde se poderiam encontrar, rejeita a hipótese de se encontrar com a menor em casa dela, mostra-se relutante em relação aos riscos que está disposto a assumir visando o encontro, mas de forma incontornável deseja esse encontro. Será preciso maior descrição? Cremos que não, por espúria e desnecessária. Conhecia o arguido a idade/menoridade da ofendida. Sabia que a aliciava tentando convencê-la a ir ao seu encontro para com ela manter trato sexual, do qual as inúmeras mensagens/fotos trocadas seriam preliminares. Sabia e não o podia sequer ignorar que a sua conduta não lhe era permitida porque proibida por lei.

Agiu de forma livre, deliberada e consciente, donde com dolo directo [art.º. 14.º, n.º 1 do Código Penal] donde se tem por assente a comissão do tipo criminal de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176.º - A do Código Penal.”

Pelo exposto se conclui que a factualidade provada e contestada pelo arguido recorrente integra a prática do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, por que foi condenado no acórdão recorrido.


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5 - Erro de aplicação da medida de interdição de actividade do art.º 100.º do CP.

O pressuposto formal da interdição de profissões é a prática do crime com grave abuso da profissão ou com grosseira violação dos deveres inerentes.

O pressuposto material da interdição de profissões é a perigosidade do agente, isto é o fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie.

O critério para a determinação da interdição de actividades é o da sua adequação, em primeira linha, às necessidades de prevenção especial ou de segurança e, só em segunda linha às necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização - PPAlbuquerque, Com Código Penal - pág 302.

No que respeita ao pressuposto formal é manifesto que o mesmo se verifica, pelas razões apontadas no acórdão recorrido:

“…atentemos que toda a envolvência entre o arguido e a ofendida, independentemente da não comissão do arguido do imputado crime de pornografia de menores [em ambas as declinações da imputação] surge apenas e só pelo facto de o arguido, ao tempo da prática dos factos desempenhar as funções de comandante do posto da G.N.R. de (....).

Com arrimo na factualidade assente por provada dela decorre que, em data não concretamente apurada, no final do ano lectivo de 2017, (…) contactou telefonicamente a G.N.R. de (…), expondo que a sua filha, ora ofendida (…), nascida a 29 de Setembro de 2002 estava a ter problemas na escola com outras estudantes, pois ocorreram agressões físicas e verbais entre elas e solicitou auxílio da G.N.R. na resolução do problema. Nesse mesmo dia, (…) recebeu um telefonema da G.N.R. de (…), tendo-lhe sido dito que se podia deslocar ao Posto da G.N.R. de (…) no dia seguinte, sábado. Nesse sábado, pelas 17 horas, (…) e a ora ofendida (…) foram ouvidas pelo ora arguido (…), no Posto da G.N.R. de (…). Em tal data, o arguido exercia funções de (…). Nessa data, o arguido deu à ofendida um papel manuscrito com os seus números de telemóvel, a saber: (…) e (…) para que a mesma o contactasse se precisasse. No dia 29 de Setembro de 2017, a ofendida telefonou para o arguido, dizendo que uma das colegas a tinha empurrado. Logo de seguida, desde meados de Novembro de 2017 até ao dia 17 de Dezembro de 2017, o arguido começou a enviar as mensagens escritas à ofendida pelo telemóvel do número (…) descritas dos pontos “8” em diante dos Factos Provados [cfr. pontos “1” a “7” dos Factos Provados].

(…)

A condenação do arguido pela comissão do tipo de crime de aliciamento de menores para fins sexuais, prevista e punida pelo art. 176.º - A é consequência do supra decidido.

Toda a conduta do arguido, globalmente considerada, não pode deixar de ser qualificada como traduzindo “…grave abuso de profissão, comércio ou indústria que exerça, ou com grosseira violação dos deveres inerentes…”.

(…).

Contudo, pelos fundamentos invocados na suspensão da execução da pena de prisão, impõe-se concluir que não se verifica o pressuposto material da interdição.

Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, efectivado no momento da decisão. Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme à lei.

Devem ter-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém.

Devem assim ter-se em conta as necessidades de prevenção manifestadas no sentimento jurídico da comunidade. Como refere Figueiredo Dias, uma pena alternativa ou de substituição “não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente…«o sentimento de reprovação social do crime». (cf. Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 334).

No caso concreto, não tendo o arguido antecedentes criminais, e relevando o desespero e arrependimento patente nas suas declarações é de considerar que esta situação foi um episódio irrepetível, não se verificando o receio de que condutas idênticas possam ser novamente vir a ser praticadas.

Pelo que se impõe revogar a medida de interdição de actividade.


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III – Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alteram a redacção dos factos provados nºs 27, 39 e 111 nos termos constantes do ponto II.2. e revogam a medida de interdição de actividade aplicada ao arguido.

No mais mantém-se o acórdão recorrido.

Sem tributação.


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Coimbra, 11 de Dezembro de 2019

processado informaticamente e revisto pela relatora



Isabel Valongo (relatora)


Jorge França (adjunto)



[1] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol, Coimbra: Coimbra Editora, 1981, pp. 204-205.