Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/21.0T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENAÇÃO EM JUROS
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS: 9.º N.ºS 2 E 3, 236.º, N.º 1, 238.º, N.º 1, E 559.º N.º 1, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Instaurada execução baseada em sentença condenatória, a dúvida sobre a natureza da condenação no pagamento dos juros moratórios (em taxa de juro civil ou em taxa de juro comercial) tem de ser resolvida em sede de interpretação do título.
II - A discussão sobre a natureza da concreta indemnização moratória não tem lugar próprio na ação executiva, nem sequer na respetiva oposiço.

III - À interpretação da sentença são aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e à interpretação das declarações negociais

IV - A mera referência, na sentença condenatória, a “juros, à taxa legal”, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil e deve por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado se da precedente ação declarativa e do pedido aí formulado também não decorre que fosse pretensão da A./exequente peticionar das Rés/executadas o pagamento dos juros de mora previstos no art.º 102º do Código Comercial.

Decisão Texto Integral:








            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I.  Em 26.4.2021, A. , Ltd e B. , S. A., deduziram oposição por embargos à execução para pagamento de quantia certa que lhes é movida por C. , S. A.[1], pedindo a sua absolvição dos pedidos formulados e a extinção da execução.

Alegaram, nomeadamente: a extinção da obrigação por via do pagamento integral efetuado para cumprimento da decisão final proferida nos autos do processo 233/12.7TBMIR e em função do título executivo dado à presente execução (no dia 11.3.2021, do montante total de € 202 273, correspondente ao montante de € 151265,46, a título de capital, acrescido da quantia de € 51 007,54, a título de juros de mora calculados desde 27.9.2012, até à data de 12.3.2021); a questão da natureza civil ou comercial dos juros legais de mora devidos nunca foi debatida na ação declarativa, fosse nas instâncias, fosse no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e a expressão “juros de mora” foi utilizada uma única vez pela exequente ao longo de toda a petição inicial, a saber, quando formulou o pedido (“juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento”); por isso, não resulta (minimamente) do título executivo que subjaz à presente execução, a circunstância de ser peticionados contra as executadas juros de mora de natureza comercial; a taxa de juros legais de mora a aplicar às obrigações definidas no título executivo é a taxa de juros civis, que decorre da aplicação do art.º 559º do Código Civil (CC), ou seja, a taxa de juros de 4 % ao ano, pelo que se mostra total e integralmente liquidada a obrigação exequenda.
A embargada/exequente contestou, concluindo pela improcedência dos embargos, sem prejuízo da alteração do montante exequendo considerado o pagamento parcial realizado pelas embargantes.
Por saneador-sentença de 03.8.2021, a Mm.ª Juíza a quo julgou parcialmente procedentes os embargos, determinando que o Sr. Agente de Execução proceda ao cálculo dos juros moratórios legais contabilizados à taxa legal de 4 % ao ano desde a citação até ao dia 11.3.2021 (data em que foi efetuado o pagamento do capital e dos juros moratórios), notificando-se as embargantes para concretizarem esse pagamento na execução.

Inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Padece de erro de julgamento a determinação, da sentença recorrida, de que a liquidação sobre o capital devido dos juros legais de mora contados desde a citação deve realizar-se à taxa de juros prevista para as obrigações civis, porquanto as “taxas legais de juros de mora aplicáveis” ao caso (para citar o enunciado constante do n.º 2 do art.º 716º do Código de Processo Civil/CPC) são as que resultam do disposto no art.º 102º, §§ 3 e 4 do Código Comercial, conforme foi devidamente liquidado no requerimento executivo.

2ª - A decisão recorrida padece de erro na apreciação da factualidade relevante (art.º 640º do CPC), porquanto o Tribunal a quo selecionou de modo incompleto e imperfeito a matéria de facto, tendo o elenco dos factos provados sido amputado de elementos indispensáveis para a resolução da questão jurídica em apreciação, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporta.

3ª - A factualidade concreta que, em conformidade com a al. a) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, se considera incorretamente julgada prende-se com a omissão, no elenco

dos factos provados pela sentença recorrida, dos elementos fácticos que, no âmbito do processo n.º 233/12.7TBMIR, foram dados como provados na sentença judicial condenatória de 1ª Instância e mantidos no acórdão da Relação de Coimbra (factos dados como provados nos pontos n.ºs 1, 9, 10, 14, 20, 21, 22, 23, 45, 47, 48, 49, 53, 54 e 55 da decisão de facto do acórdão da Relação), que constituem o título executivo judicial em execução.

4ª - Os concretos meios probatórios constantes do processo, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, que impõem a alteração da decisão de facto objecto da sentença recorrida, os quais constam dos autos principais da execução, são o acórdão da Relação de Coimbra e a sentença da 1ª Instância, proferidos no processo n.º 233/12.7TBMIR, juntos ao requerimento executivo.

5ª - Consequentemente, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, deve ser aditado e intercalado no elenco dos factos provados na sentença recorrida, como novo ponto 8-A o seguinte enunciado:

8-A. Na parte da fundamentação de facto, em atenção às alegações da Autora, foram dados como provados os seguintes factos, quer na sentença dada à execução, proferida na 1ª Instância, referida em 5, quer no acórdão da Relação de Coimbra referido em 8 (a numeração corresponde à discriminação deste acórdão e as alíneas entre parêntesis à discriminação daquela sentença):

1. A autora é uma sociedade comercial anónima que possui como objecto social a exploração da aquicultura e outras actividades piscícolas, pesca, acondicionamento e transformação industrial, importação e exportação de peixe capturado ou produzido em aquicultura (A).

2. A ré B., S.A (doravante designada por B.) elaborou o projecto de engenharia, denominado “Projecto de execução Aquícola de Engorda de Pregado em x...” e datado de Julho de 2007, relativo à construção do estabelecimento de piscicultura sito em x..., cuja execução era o objecto visado com a celebração do acordo aludido em 4), como decorre de Anexo I ao referido acordo (junto como doc. No 3 com a petição inicial cujo teor se dá por inteiramente reproduzido), e foi concretizado com base no contrato datado de 11.01.2007 (I).

10. Na sequência desse projecto, a ré B. e a autora ficavam adstritas ao convencionado nos exactos termos que decorrem do teor de documento N.º 5 junto com o articulado de petição inicial, de cujo âmbito decorre, a propósito do conteúdo do convencionado, para além do mais, que “os trabalhos de assistência técnica relativos ao presente contrato consistem na realização, primeiro, da adaptação dos anteprojectos modificados para 7.000t e depois do projecto de execução necessário para a realização das obras e construção das instalações correspondentes (...). O projecto de Execução e os Projectos da especialidade necessários para a solicitação das licenças, realização das obras e construção das instalações correspondentes e também para a posterior solicitação de propostas de construção e instalações necessárias. (...).” (J).

14. A ré B. ficou, assim, adstrita à fiscalização da execução dos trabalhos, como decorre de documentos n.º 5 e n.º 6, juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo indicado como responsáveis máximos pela fiscalização da execução da obra D. e E. e em cujo âmbito ficou consignado que “a B. seguirá portanto para a garantia da qualidade das obras executadas, a seguinte ordem de sequências: a) Definição Detalhada das unidades de obra a controlar; b) elaboração do procedimento de controlo com a especificação da metodologia a seguir, os testes e controlos necessários, os critérios de validação e rejeição bem como os recursos externos adicionais a contratar se for o caso. c) Activação dos meios necessários para o seguimento dos procedimentos. d) Detecção e resolução de não conformidades. e) Elaboração do Relatório Final de Validação”, podendo a ré B. proceder à contratação de peritos nacionais e internacionais para análise estrutural do encanamento de polietileno durante a fase de fundeado e para análise da qualidade dos encanamentos de cravação (N).

20. A ré A. Ltd (doravante designada por A.) firmou com a ré B. um acordo denominado “contrato de seguro de responsabilidade civil profissional” a que corresponde a apólice no DP/01169/08/Z, em cujo âmbito a ré B. figura como tomadora do seguro e segurada, como decorre de documento no 10 e de ponto 8 de documento n.º 6, juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido (T).

21. Do âmbito do referido documento n.º 10 e de documento n.º 11 (este junto com a petição inicial, cujo teor se dá também por inteiramente reproduzido), a apólice referida em T) prevê como âmbito de cobertura a responsabilidade civil profissional do tomador do seguro pela actividade de elaboração de projectos de investimento, projectos I+D+I, estudos de mercado, planos de viabilidade, planos de negócios, planos de formação e projectos de consultoria ambiental, desenho e realização de projectos técnicos construtivos e arquitectónicos, direcção facultativa e assistência mineira e industrial (U).

22. Mais admite a referida apólice a cobertura de riscos por sinistros relativos aos trabalhos de projecto e de fiscalização da obra para a empresa F. (V).

23. A autora é membro do grupo empresarial F., tendo sido constituída para a exploração da unidade de aquicultura de x... (W).

45. A obra realizada pela ré G., na qualidade de empreiteira, e projectada, dirigida e fiscalizada pela Ré B., constitui uma unidade de aquicultura, especialmente dedicada ao cultivo do pregado (Psetta maxima), em regime intensivo, com vista a uma produção anual de 7000 toneladas de pregado (SS).

47. A 11 e 12 de Abril de 2009, na unidade de aquicultura da Autora sita na x..., entraram massivamente areias e lodos misturados com algas procedentes do fundo do mar através do emissário de captação n.º 1 (UU).

48. Sendo que o material sólido que entrou na unidade de aquicultura depositou-se em todos os órgãos hidráulicos de instalação, incluindo os tanques de cultivo (VV).

49. A entrada referida em 47 e 48 [UU) e VV)] implicou a morte de centenas de milhares de peixes e afectou o funcionamento normal da unidade de aquicultura, dado ter obrigado à interrupção da alimentação de água aos tanques de engorda e pré-engorda (WW).

53. O aludido em 47 (UU) derivou da abertura da junta entre os tubos 1 e 2 da tubagem de betão do emissário de captação n.º 1 (AAA).

54. A separação entre aqueles tubos 1 e 2 da tubagem de betão do emissário de captação n.º 1 provocou a aspiração de toda a areia e lodo situada na parte superior da tubagem, bem como do material novo que o mar deslocou para a zona, o qual entrou no tubo e, por arrastamento da água, se depositou nos restantes elementos hidráulicos da unidade de aquicultura (BBB).

55. A ocorrência da falha na junção entre os tubos 1 e 2 da conduta de betão do sistema de captação n.º 1 deveu-se à execução dos trabalhos de dragagem, com sobredragagem da zona onde foi colocada a caixa pantalon associada ao tipo de dragagem efectuada, por sucção, bem como um insuficiente controlo de tais trabalhos, e, posteriormente, pela inadequação da reparação feita em Outubro de 2008 ao troço de betão do sistema de captação n.º 1 (CCC).

6ª - Esta matéria, que integra a causa de pedir da acção declarativa de que resultou a decisão condenatória dada à execução, evidencia que se trata na obrigação constante do título executivo de um crédito indemnizatório de uma empresa comercial por responsabilidade contratual incorrida por outras empresas comerciais, pelo que, quando a sentença da 1ª Instância dada à execução refere que “As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento”, essa taxa legal só pode ser a aplicável aos juros comerciais nos termos dos §§ 3 e 4 do art.º 102º do Código Comercial, pelo que está fora de causa qualquer conclusão de que não fosse intenção da Autora formular o pedido de pagamento de juros às taxas legais comerciais em vigor sucessivamente.

7ª - Como, nos termos da legislação aplicável, os juros comerciais, com base nas taxas resultantes do disposto nos §§3 e 4 do art.º 102º do Código Comercial são os

juros legalmente correspondentes à condenação judicial dada à execução, mostra-se correcta e devida a liquidação e contagem de juros realizada no requerimento executivo, pela qual, sobre o montante de capital de € 151 265,46 em que as Embargantes e Executadas foram condenadas, incidiram juros moratórios, de natureza comercial, já vencidos, desde a data da citação, às taxas legais sucessivas de 8 %, 7,75 %, 7,5 %, 7,25 %, 7,15 %, 7,05 % e 7 %, no valor de € 88 885,86, que não foram integralmente pagos.

8ª - Tendo em conta que, para se determinar, reconstituir e fixar o verdadeiro conteúdo e alcance dum título executivo constituído por uma sentença, há que considerar também o contexto em que o mesmo se insere, não sendo, por isso, de excluir o recurso à própria fundamentação (motivação) da sentença, a sua interpretação tem que fazer-se em conformidade com o que foi articulado na acção e assumido como

fundamentos da decisão, designadamente, em atenção à concretização da causa de pedir que, enquanto factualidade concreta que serve de base ao efeito jurídico pretendido, exerce função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objecto do processo.

9ª - Dado o ponto da matéria de facto cujo aditamento como novo ponto 8-A. se requereu fica claro, da fundamentação da decisão condenatória proferida, que as quantias que as Executadas/Embargantes foram condenadas a pagar à Recorrente constituem créditos de empresa comercial advenientes de incumprimento contratual, pelo que os juros de mora são calculados às taxas legais determinadas pelo art.º 102º, §§ 3 e 4 do Código Comercial.

10ª - Inexiste, e nem seria conforme ao disposto no no art.º 3º, n.º 1 do CC que só admite como juridicamente atendíveis os usos (conformes à boa fé), mesmo que judiciários, quando a lei o determine, uma “prática judiciária” pela qual “a expressão «juros legais» ou «juros à taxa legal» pretende significar, por regra, os juros calculados à taxa comum ou normal, dita de «juros civis», por oposição aos «juros comerciais», pois, como se consignou no acórdão do STJ de 08.9.2016-proc. n.º 1665/06.5TBOVR.P2.S1, “não é a circunstância das Autoras terem utilizado na formulação do pedido as expressões “acrescida de juros legais de mora” ou “acrescida de juros legais”, em relação a cada um dos pedidos que foram objecto de condenação, que leva a considerar, por via das regras de interpretação, que apenas visaram os juros civis” pois “nos termos do art.º 559º do CC e do art.º 102º § 3 do Código Comercial, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo”, pelo que ao decidir diferentemente a sentença recorrida incorreu em errónea aplicação dos art.ºs 559º do CC e 102º §§ 3 e 4 do Código Comercial.

11ª - A formulação constante do título executivo dado à execução de que “As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até

efectivo e integral pagamento” envolve que os juros vencidos e vincendos devem ser

contados às taxas de juro comerciais, ocorrendo, assim, perfeita suficiência do título executivo a esse respeito, o qual foi integralmente respeitado no requerimento executivo, em perfeita obediência à autoridade do caso julgado.

12ª - Impondo-se juridicamente concluir que a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e confirmada pela Relação de Coimbra de que as quantias líquidas em que os Réus foram condenados são “acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” envolve a aplicação das taxas legais de juros comerciais estabelecidas pelos §§ 3 e 4 do art.º 102º do Código Comercial, segue-se que a sentença recorrida ao decidir diversamente não se mostra em conformidade com o título executivo e com o disposto nos §§ 3 e 4 do art.º 102º do Código Comercial.

13ª - Nos termos da interpretação conjugada do âmbito de aplicação do § 5º do art.º 102º do Cód. Comercial, em conformidade com o DL n.º 62/2013 e com o antecedente DL n.º 32/2003, e dos § 3 e 4 do art.º 102º do Cód. Comercial, os “pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por

companhias de seguros”, estão abrangidos pelas taxas de juros comerciais estabelecidas pelos §§ 3 e 4 do art.º 102º do referido Código.

14ª - Dívidas por responsabilidade civil contratual a uma empresa comercial, como são aquelas que se encontram em causa na presente execução na sequência da condenação produzida na acção declarativa que constituem o título executivo, sujeitam-se, assim, às taxas de juros comerciais previstas nos §§ 3 e 4 do art.º 102º do Cód. Comercial.

            Pugna pela revogação da sentença recorrida na parte em que determinou que os juros moratórios são contabilizados à taxa legal de 4 % ao ano, ordenando-se a prossecução da execução com juros contabilizados e liquidados desde a citação até ao dia 11.3.2021 às taxas legais de juros comerciais sucessivamente em vigor, nos termos do disposto nos §§ 3 e 4 do art.º 102º do Código Comercial.

As executadas responderam concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, há que apreciar e/ou decidir, principalmente, se o título executivo dado à execução confere à exequente direito a juros moratórios à taxa dos juros comerciais (se os juros de mora aplicáveis ao valor da condenação do processo principal são comerciais ou civis).


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[2]

1) Em 29.12.2020, a exequente instaurou ação executiva, com base em sentença judicial condenatória, para pagamento de € 471 506,56, contra as executadas G., Ace, B., S. A., A., Ltd Sucursal En España e H., S. A..

2) Tal execução baseia-se em sentença judicial condenatória proferida no Processo n.º 233/12.7TBMIR, que correu termos no Tribunal Judicial de Coimbra, que transitou em 12.6.2020.

3) No seu requerimento executivo a exequente alegou, na parte dos “FACTOS”:

A Exequente instaurou ação declarativa contra as Executadas, processo judicial distribuído sob o n.º 233/12.7TBMIR que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, onde foi proferida sentença, datada de 15.5.2018, que condenou as Executadas no pagamento de distintas verbas indemnizatórias. A referida sentença foi, posteriormente, sindicada, primeiro, pela Relação de Coimbra, através do Acórdão proferido em 10.7.2019 e, finalmente, pelo STJ, mediante o Acórdão, prolatado em 07.5.2020 e transitado em julgado em 12.6.2020, que julgou definitivamente o litígio.

Por força do indicado Acórdão da Relação ficaram fixadas relativamente ao quantum indemnizatório já liquidado, respectivamente, as quantias de: quanto às Executadas G. e H., € 857 170,92, sendo que, no caso da Executada H., deverá ser deduzida a quantia de € 6 000 correspondente a franquia e quanto às Executadas B. e A., € 151 265,46, sendo que, no caso da Executada A., terá de ser deduzida a franquia, correspondente a 10 % da referida quantia, no valor de €15 126,55, todas estas verbas acrescidas dos correspondentes juros moratórios e compulsórios legais, até efectivo e integral pagamento.

É, precisamente, o Acórdão da Relação supra indicado que se dá à execução.

4) E na parte da liquidação da obrigação, a exequente mencionou:

No Acórdão da Relação de Coimbra que se dá à Execução, foram condenadas a pagar à Exequente, na parte já alvo de liquidação:

- as Executadas G. e H., a quantia de € 857 170,92, sendo que, no caso da Executada H., deverá, a tal valor, ser deduzida a franquia de € 6 000, verba esta que deverá ser imputada ao Executado G.;

- as Executadas B. e A., a quantia de € 151 265,46, sendo que, no caso da Executada A., deverá, a tal valor, ser deduzida a franquia de 10 %, na circunstância, € 15 126,55, verba esta que deverá ser imputada à Executada B..

No pretérito dia 10.12.2020, a Executada H. promoveu o pagamento à Exequente da quantia de €1 128 302,75, pelo que pagou a referida Executada, a quantia de € 851 170,92, a título de capital (descontada a verba de € 6 000, correspondente à franquia unicamente imputada ao Executado G.) e juros moratórios, de natureza comercial, já vencidos, contados, desde a data da citação da referida Executada, 27.9.2012, às taxas legais sucessivas de 8 %, 7,75 %, 7,5 %, 7,25 %, 7,15 %, 7,05 % e 7 %, no valor de € 277 131,83.

Sucede, no entanto, que, com o referido pagamento, a Executada H. não liquidou a totalidade dos juros moratórios já vencidos, incidentes sobre o acima indicado capital, contados até à data da concretização do pagamento. Assim, não obstante o citado pagamento, resta ainda à Executada H. pagar os juros moratórios vencidos, de natureza comercial, contados às taxas legais sucessivas supra indicadas até à concretização do pagamento do capital, no valor de € 221 816,40, os quais ficam pedidos.

Por sua vez, quanto ao Executado G., foi o mesmo condenado no pagamento do mesmo capital da Executada H., € 857 170,92, tendo esta direito à dedução da franquia de € 6 000, integralmente imputado àquele. Uma vez que a Executada H. já pagou, a título de capital, a quantia de € 851 170,92, ao Executado G. há que imputar a quantia de € 6 000, correspondente à franquia, a qual fica pedida, acrescida dos correspondentes juros moratórios já vencidos, de natureza comercial, contados, desde a data da citação do referido Executado, 28.9.2012, às taxas legais sucessivas de 8 %, 7,75 %, 7,5 %, 7,25 %, 7,15 %, 7,05 % e 7 %, no valor de € 3 538,84, sem prejuízo dos que, entretanto, se vencerem, até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já, ficam pedidos.

Finalmente, quanto às Executadas B. e A., foram as mesmas condenadas, no Acórdão que ora se dá à execução, a pagar à Exequente a quantia de € 151 265,46, sendo que, no caso da Exectuada A., deverá, a tal valor, ser deduzida a franquia de 10 %, na circunstância, € 15 126,55, quantia esta que aquelas Executadas, até à presente data, ainda não liquidaram e a qual, de ambas, se pede, acrescida dos correspondentes juros moratórios já vencidos, de natureza comercial, contados, desde a data da citação das referidas Executadas, 08.10.2012, às taxas legais sucessivas de 8 %, 7,75 %, 7,5 %, 7,25 %, 7,15 %, 7,05 % e 7 %, no valor de € 88 885,86, sem prejuízo dos que, entretanto, se vencerem, até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já, ficam pedidos.

Para lá dos juros moratórios vencidos e vincendos, são ainda devidos pelas Executadas à Exequente, nos termos do disposto no art.º 829º-A, n.º 4, do Código Civil, juros compulsórios, contados à taxa legal de 5 %, desde a data do trânsito em julgado do Douto Acórdão que decidiu definitivamente o litígio, 03.7.2020, até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já ficam pedidos.”

5) A sentença dada à execução, proferida pela 1ª instância[3], decidiu nos seguintes termos:         

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação, devendo a Autora ser indemnizada[4]; no montante global de € 2 573 305,86 e, em consequência:

a) Condeno o Réu G. a pagar à Autora a quantia de € 2 187 309,98;

b) Condeno a Ré B. a pagar à Autora a quantia de € 385 995,88;

c) As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

d) Condeno a Ré H. a suportar a quantia referida em a), deduzida da franquia de € 6 000;

e) Condeno a Ré A. a suportar a quantia referida em b), deduzida da franquia de 10 %, € 38 599,59;

f) Absolvo as Rés do demais peticionado;

g) Absolvo as Rés do pedido de condenação como litigantes de má fé.”

6) Na parte da fundamentação, a aludida sentença exarou:

“Não se encontrando consagrado em qualquer disposição legal específica, para a hipótese dos autos, em que está em causa um contrato de empreitada e um contrato de prestação de serviços quanto à mesma obra, nem se mostrando, pelos factos provados, a existência de qualquer estipulação, nem expressa nem tácita, de atribuição do regime de solidariedade àquelas obrigações, deve concluir-se pela conjunção, pelo que cada um dos obrigados responde para com o credor por uma parte proporcional da prestação.

Nesta medida, e atendendo aos factos provados, considerando que a responsabilidade primeira pela verificação das anomalias na obra resultou da actuação do G., e bem assim pela reparação deficiente, e que a responsabilidade da Ré B. resulta da aceitação de realização desta reparação deficiente e falta de fiscalização da idoneidade da solução do problema, embora ainda a tentasse fazer, e que adoptou uma postura de vigilância generalizada e globalmente correcta, como resulta dos factos provados, entende-se que a repartição de responsabilidades deve ser de 85 % para o G. e 15 % para a Ré B., razão pela qual o G. é responsável pelo pagamento de € 2 187 309,98 e a B. pelo pagamento de € 385 995,88, quantias a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.”

7) No recurso interposto da sentença proferida supra, a exequente não suscitou qualquer questão relativamente à natureza dos juros de mora aplicáveis à obrigação indemnizatória que reclamava das ali Rés, nomeadamente se eram juros legais de mora aplicáveis às transações de natureza mercantil ou se eram juros legais de mora de natureza civil.

8) Após a admissão desse recurso sobre a sentença da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra decidiu nos seguintes termos:

Decisão:

Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela autora e, em consequência:

1. Revoga-se o segmento da sentença que condenou os réus a pagar à autora a quantia de catorze mil oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos [€ 14 869,48], a título de indemnização pelo consumo extraordinário de oxigénio, e substitui-se o mesmo por decisão a condenar os réus no pagamento à autora no que se vier a liquidar, com dedução, em relação às rés H. e A., das franquias contratuais;

2. Revoga-se o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus no pagamento à autora de indemnização pela margem de comercialização não realizada com os peixes mortos acima do normal, no período de Maio de 2009 a Maio de 2010, e substitui-se o mesmo por decisão a condenar os réus no que se vier a liquidar;

3. Revoga-se o segmento da sentença que condenou os réus no pagamento à autora da quantia de um milhão e quinhentos e cinquenta mil euros [€ 1 550 000], a título de indemnização pela margem de comercialização não realizada com os 3 312 376 peixes que não entraram no processo produtivo da autora de Abril de 2009 a maio de 2010, e substitui-se o mesmo por decisão a condenar os réus no que se vier a liquidar;

4. Mantém-se a parte restante da decisão recorrida.

Julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelo réu G., a que aderiu H., S.A., e pelas rés B. S.A. e A. LTD, Sucursal em Espanha.”

9) Finalmente, mediante acórdão proferido pelo STJ foram decididos os recursos interpostos pelas ali recorrentes G. , A. e B. nos seguintes moldes: “(...) julgam-se ambos os recursos improcedentes, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

10) As executadas, aqui embargantes, procederam ao pagamento à exequente C., no dia 11.3.2021, do montante total de € 202 273, correspondente ao montante líquido de € 151 265,46, a título de capital, acrescido da quantia de € 51 007,54, a título de juros de mora calculados desde 27.9.2012 até à data de 12.3.2021.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A exequente/recorrente invoca diversos “erros de julgamento em que incorreu a sentença”, inclusive, devido a “insuficiência” da matéria de facto indicada em II. 1., supra, porquanto, segundo refere, não deu o devido relevo ao alegado sob os art.ºs 71º a 78º da contestação aos embargos e, assim, à factualidade provada na ação declarativa dos autos principais que se deixou elencada na “conclusão 5ª”, ponto I., supra.

A este respeito, dir-se-á, apenas, que a dita factualidade, obviamente, poderá/deverá ser atendida pelo Tribunal se relevar para a questão em análise, sendo que, como se verá, e ressalvado o respeito sempre devido por entendimento contrário, aquela não é a realidade que se antolha decisiva para responder à questão do presente recurso.

3. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC).

De entre as espécies de títulos executivos taxativamente previstos na lei adjetiva, figuram as sentenças condenatórias (art.º 703º, n.º 1, alínea a) do CPC).

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; (...) e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; (...) (art.º 719º do CPC).

Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano (art.º 559º, n.º 1 do CC, na redação introduzida pelo DL n.º 200-C/1980, de 24.6). A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais (n.º 2).

Na obrigação pecuniária a indemnização (pela mora) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. (art.º 806º, n.º 1, do CC). Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal (n.º 2).

Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código. (art.º 102º, corpo, do Código Comercial). A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito (§ 1º). Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil (§ 2º).[5] Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça (§ 3º). A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais (§ 4º).[6]

4. Os juros legais de mora podem dividir-se em juros civis ou juros comerciais, dependendo da natureza do seu titular, sendo legais os previstos numa norma legal e cuja taxa é fixada por lei (art.º 559º do CC), ou convencionais, quanto decorrem do acordo das partes.

Sendo os juros moratórios, devidos, a título de reparação, pelo incumprimento (tempestivo) de uma obrigação pecuniária (art.º 806º do CC), in casu, e no presente recurso, questiona-se se o segmento injuntivo da sentença aludida em II. 1. 5) e 6), supra - “As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.” -, respeita a juros civis ou a juros comerciais, sabendo-se que a importância do “capital” corresponde ao valor da indemnização pelos prejuízos sofridos pela A./exequente em consequência da entrada massiva de areias e lodos, nos dias 11 e 12 de abril de 2009, na unidade de aquicultura da A. sita na x...[7], nas demais circunstâncias descritas na ação declarativa e que se considerou preencherem os requisitos da responsabilidade civil.

5. Não importando cuidar, propriamente, da evolução legislativa em matéria de juros (civis e comercias)[8], a principal questão da apelação cinge-se à interpretação a dar ao decidido na fase declarativa quando aos juros moratórios devidos.

6. A execução tem por base uma sentença condenatória, sendo que a matéria dos juros moratórios não foi submetida à reapreciação dos Tribunais Superiores [cf. II. 1. 5) a 9), supra].

E sabemos que na fase executiva já devem ter-se por excluídos da discussão os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte de tema no processo de declaração onde o título se produziu; estando agora, pela natureza das coisas, comprimido aquele tema de discussão, restringido ao escrutínio do alcance que emana do título e se há-de refletir na justeza (ou inadequação) dos contornos da que é obrigação (concretamente) exequenda.

No presente enquadramento adjetivo importa sobretudo saber, por um lado, se a obrigação de juros, em que a sentença dada à execução condena, tem em vista os juros comuns, civis, ou os juros comerciais, previstos na lei mercantil, ou seja, trata-se, em suma, e mais do que tudo, uma tarefa interpretativa do título executivo.

7. Em bom rigor a discussão sobre o tipo de juros que complementam o crédito de capital da exequente não se comporta nos limites próprios da ação executiva. A execução visa realizar o direito já acertado; a implementação das providências adequadas à efetivação do direito violado, nas palavras da lei, à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida” (art.º 10º, n.º 4, CPC), sendo que os contornos desse direito hão-de estar precedentemente circunscritos mediante o documento que se designa de título executivo; e é isso que se pretende evidenciar quando se diz que o título determina os limites da execução (n.º 5 do mesmo art.º).

 8. Questionando-se a tipologia dos juros moratórios (devidos à exequente), a temática sobre a respetiva constituição, o seu florescimento na esfera jurídica do credor, gerado a partir de factos jurídicos ancorados em previsões de normas atributivas, e conducente às ilações contidas no dispositivo condenatório da sentença, há-de ter sido escrutinado na própria ação declaratória - o momento certo vocacionado para essa tarefa - e com efeito preclusivo de caso julgado sobre o assunto. Ademais, se essa discussão não houve, o que aconteceu foi que se perdeu a oportunidade. O tempo a ela destinado passou.

Agora há a sentença condenatória; que certifica o direito exequendo. E cuja circunscrição debitória se acha nela assim expressa: as Rés G. e B. foram condenadas no pagamento de indemnizações à A./exequente “acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” [cf. II. 1. 5), supra].

Este título comporta o juro comercial como pretende a exequente?

No tocante aos juros moratórios, as normas atributivas de direito material balançam entre as (´primordialmente`) contidas nos art.ºs 806º, n.ºs 1 e 2, e 559º, n.º 1, do CC, reportando ao juro civil, e as contidas no art.º 102º, início, e § 3º, do Código Comercial, reportando ao juro comercial. Note-se, ao que aqui importa, que em qualquer dos casos estará em causa uma taxa supletiva de juro legal (´fixada pela lei`); no caso civil, de 4 % ao ano (Portaria n.º 291/2003, de 08.4), no caso comercial, as taxas sucessivamente aplicáveis no âmbito da Portaria n.º 597/2005, de 19.7 (e, depois, da Portaria n.º 277/2013 de 26.8.2013) [9].

9. Em tema de interpretação de declarações enunciativas, como é o caso das decisões judiciais, a ordem jurídica fornece apoio em dois universos; potencialmente aproveitáveis. De um lado, regras de interpretação das leis, principalmente contidas no art.º 9º do CC; de outro, regras de interpretação das declarações negociais, obteníveis principalmente dos art.ºs 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do mesmo código.

 O suporte escrito das decisões judiciais exige que se não possa considerar um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso (art.ºs 9º, n.º 2 e 238º, n.º 1 do CC). No mais, dir-se-á que o sentido da declaração enunciativa será o razoavelmente (o ´sensatamente`) impressivo, aquele que o destinatário normal possa inferir do texto (art.º 236º, n.º 1 do CC). Ponderando ainda a presunção de que o juiz, ao exprimir o seu pensamento, terá fixado a decisão mais adequada e mais acertada (art.º 9º, n.º 3 do CC).[10]

10. Aplicando à hipótese estes critérios, que decisão se infere (´por ser a mais expectável`) à impressão de um destinatário normal? A resposta não é intuitiva. Cremos, porém, aceder-lhe desta maneira:

O direito comercial é especial do direito civil. As regras comerciais têm a especificidade típica das situações particulares a que se aplicam. O direito civil, de seu turno, é o ramo geral de direito privado; aplicáveis igualmente às situações jurídicas privatísticas. Mas a relação de especialidade não é imperativa. As situações jurídicas são, via de regra, disponíveis; as partes têm liberdade para poder compor, com autonomia, os respetivos interesses.

Transpondo estas ideias (´que cremos acertadas`) para o panorama da obrigação de juros fica a ideia de que o credor, mesmo sendo empresa comercial, pode optar, em dada situação particular, pela exigência de uma taxa moratória comercial, se a norma atributiva especial lho conceder, ou apenas pela taxa moratória civil, que é a geral. E se a situação for duvidosa, isto é, se não for evidente, inequívoco, que a norma atributiva especial (comercial) concede essa (acrescida) taxa de juros, então mais se impõe uma conduta clara, que permita inferir, para lá de toda a dúvida, que o que se quer fazer valer é o crédito especial do juro comercial, não apenas do civil.

Convocam-se outras vez as regras interpretativas, desta feita estritamente relativas às declarações negociais. O credor há-de evidenciar que pretende o juro comercial, e não o civil (art.ºs 236º, n.º 1, 237º e 238º, n.º 1, CC).

11. Resulta dos elementos juntos à ação executiva que o que proveio da ação declarativa não esclarece se a A./exequente pretendia o pagamento de juros comerciais, e não dos juros civis - não submeteu à consideração do Julgador a comercialidade, ou não, da obrigação de indemnização que invocou como suporte do pedido que ali dirigiu contra as Rés/executadas.

Sendo inequívoca a constituição de um crédito inerente a uma obrigação de indemnização pelos prejuízos aludidos em II. 4., supra, e sendo a lesada uma empresa comercial, nos autos do processo declarativo, nunca se considerou se, relativamente aos juros moratórios peticionados, se pretendia a taxa comercial, ou meramente a civil.

Não decorre, pois, do título executivo que os juros legais de mora a que se refere sejam aqueles que estão previstos no art.º 102º do Código Comercial; dos termos em que a ação declarativa e o pedido foram formulados, também não decorre que fosse pretensão da A./exequente peticionar das Rés/executadas, além do mais, o pagamento de juros de mora contados à taxa de juros prevista no art.º 102º do Código Comercial.

Desajustadamente ocorre a discussão em sede de execução, pois deveria ter acontecido em sede de ação declarativa.

Na ação declarativa este assunto específico esteve ofuscado. Ele não foi aí contraditoriamente discutido - como se impunha. A A./exequente terá configurado o litígio, na respetiva petição inicial, descurando, totalmente, a referência aos juros que pretendia ver considerados em sede de sentença, limitando-se a escrever (apenas) no pedido: “Nestes termos e nos demais de Direito, deve considerar-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, os Réus condenados a pagar à Autora os prejuízos por esta suportados no montante total de € 15.001.743,61, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento”.

Ou seja, a estrita referência à “taxa legal” é equívoca, não permite, com concludência e grau bastante de certeza, inferir que se está desde logo a reportar à taxa moratória comercial apenas a partir da circunstância de o credor ser uma empresa comercial. E esta equivocidade acentua-se se se ponderar que aquela forma de expressão está correntemente aliada, exatamente, ao juro civil; isto é, habitualmente na praxe judicial um pedido reportado ao “juro de mora à taxa legal” refere-se ao juro civil, supletivo, emergente do Código Civil; ao passo que, visando-se a específica e acrescida taxa comercial, é corrente explicitar-se essa intencional opção.

12. Ademais, em face até da discordância que as executadas evidenciam na instância declaratória da oposição, se a exequente houvesse melhor explicitado querer efetivamente fazer valer a taxa de juro comercial na ação declarativa, com toda a certeza, aí viabilizaria o escrutínio (contraditório) do tema e, no final, como questão decidenda posta à apreciação do juiz, seria por este decidida num dos sentidos propostos. Só que a equívoca referência não viabilizou a discussão; e nem a decisão.
E já tão só em sede de requerimento executivo é que a exequente desencadeia a pretensão, agora já explícita, quando aí, agora sim, expressa estarem em dívida, além do mais, “juros moratórios, de natureza comercial”
[cf. II. 1. 4), supra].

13. A sentença da 1ª instância não vai além da referência a “juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento”; os acórdãos da RC e do STJ não se pronunciaram sobre a matéria.

Não resulta do teor das referidas decisões que os juros legais de mora a que se referem sejam aqueles que estão previstos no art.º 102º do Código Comercial para aplicação à mora no cumprimento das obrigações decorrentes de transações mercantis ou comerciais ou, simplesmente, incidentes sobre uma obrigação de indemnização emergente duma relação contratual entre empresas comerciais.

Esta questão nunca foi suscitada pela exequente, não se tratou de questão controvertida, nem foi debatida.

 Só em sede executiva o assunto é explicitado pela exequente e só aqui (substantivamente) foi discutido, e impunha-se à exequente ter suscitado a dita questão na fase declarativa do processo.

Daí, a equivocidade, a incerteza e as dúvidas só permitem interpretar o dispositivo sentencial, dado à execução, como referido ao juro civil.[11]

14. Se para interpretarmos corretamente a parte decisória de uma sentença temos de analisar os seu antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência[12], verifica-se que, na situação em análise, relevantemente, apenas existe o consignado na parte final da petição inicial da ação declarativa e no segmento injuntivo da decisão final, antecedido do aludido em II. 1. 6), in fine, supra.

Antolha-se, pois, evidente que a factualidade descrita na “conclusão 5º”, ponto I. supra, não permite superar as dúvidas que dali decorrem e acolher a pretensão formulada em sede executiva quanto a serem devidos juros de mora à taxa legal dos juros comerciais.

A questão tinha de ser suscitada expressamente na própria ação declarativa onde foi formulado o pedido e proferidas as decisões que originaram o título executivo, pelo que deve entender-se que o que foi pedido e acabou por ser acolhido na decisão final do pleito foram os «juros legais» na previsão do art.º 559º do CC.[13]

15. Este entendimento das coisas não obsta que possamos defender, por exemplo, que a responsabilidade civil pelo incumprimento contratual implica a aplicação dos § 3 e 4 do art.º 102º do Cód. Comercial quando estejam em apreço créditos de empresas comerciais (créditos emergentes de contratos celebrados entre empresários individuais ou coletivos, desde que conexionados com o exercício respetiva atividade comercial), obviamente, se os juros moratórios (comerciais) foram devidamente peticionados na fase declarativa.[14]

16. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela exequente/apelante.


*

18.01.2022


[1] Sendo ainda executadas G., Ace e H., S. A. (cf. requerimento executivo reproduzido a fls. 1 do “apenso/II volume”).
[2]Tendo em conta o requerimento executivo, o título apresentado e os documentos juntos no processo executivo e neste apenso.”

[3] Em 15.5.2018.
[4] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[5] Que rezam o seguinte: - É aplicável o disposto no artigo 1146º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos (art.º 559º-A, sob a epígrafe “Juros usurários”). - É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3 % ou 5 %, conforme exista ou não garantia real (art.º 1146º, n.º 1, sob a epígrafe “Usura”). É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7 % ou 9 % acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real (n.º 2). Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes (n.º 3). O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282º a 284º (n.º 4).

[6] Esta a redação conferida pelo DL n.º 32/2003, de 17.02, que veio estabelecer o regime especial relativo aos atrasos de pagamento em todas as transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.6, alterando, entre outros, o art.º 102º, do Código Comercial (art.º 6º do referido DL).

   Refere-se, logo no preâmbulo deste diploma, por um lado, que a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.6, - que regulamenta todas as transações comerciais - veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transações comerciais (cf., ainda, art.º 1º); por outro lado, que o diploma não se aplica às transações com os consumidores, aos juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efetuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou aos pagamentos efetuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efetuados por companhias de seguro (cf. o art.º 2º do referido DL). No n.º 1 do respetivo art.º 4º ficou estabelecido que «os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações previstas no presente diploma são os estabelecidos no Código Comercial».

   Posteriormente, foi publicado o DL n.º 62/2013, de 10.5, que revogou e substituiu o DL n.º 32/2003, de 17.02, transpondo a Diretiva n.º 2011//7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.02.2011, que veio substituir a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho.
Deu a seguinte nova redação ao art.º 102º do Código Comercial, introduzindo o § 5 e alterando o § anterior: «§
4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de sete pontos percentuais, sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte. §5º No caso de transações comerciais sujeitas ao DL n.º 62/2013, de 10 de maio, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais

   Também neste diploma se excluiu do âmbito de aplicação, entre outros, os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais e os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros (art.º 2º).

   No DL n.º 62/2013, de 10.5 (em vigor desde 01.7.2013 – art.º 15º), com um regime jurídico em muitos pontos idêntico ao do DL n.º 32/2003, de 17.02, mas que introduziu medidas adicionais para dissuadir atrasos de pagamento nas transações comerciais, ficou consignado que persistia o instituído nos art.ºs 6º e 8º do DL n.º 32/2003 e que este diploma se mantinha  em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da vigência do DL n.º 62/2013 (art.º 13º).
[7] Veja-se, nomeadamente, o expendido a págs. 155 do acórdão desta Relação de 10.7.2019.

[8] Defendendo um processo gradual de autonomização da taxa de juros legal comercial face à civil e que, quanto aos juros moratórios, a autonomização surge clara em 1983, por força do DL n.º 262/83, de 16.6,  e que, com o regime instituído pelo DL n.º 32/2003, de 17.02, a taxa de juros legal comercial se encontra desde 2003 totalmente autonomizada da civil, tanto no que concerne aos juros de mora, como quanto aos juros remuneratórios, vide Joana Farrajota, «A propósito do Ac. do Trib. da Relação do Porto de 22.5.2019. Ainda, juros remuneratórios bancários.», sob o item “A progressiva autonomização dos juros comerciais face aos civis. Dos anos 80 ao presente”, in Revista do Direito Comercial, págs. 1699 e seguintes  (também em www.revistadedireitocomercial.com).

  Veja-se, ainda, o referido na “nota 6”, supra.
[9] Aplicável no domínio temporal que releva na situação dos autos - cf. “nota 6”, supra.

[10] Com o entendimento de que “à interpretação da sentença sejam aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e à interpretação das declarações negociais”, vide, nomeadamente, Antunes Varela, RLJ, 124º, págs. 152 e seguinte e, na jurisprudência, de entre vários, o acórdão do STJ de 05.12.2002-processo 02B3349, publicado no “site” da dgsi.

[11] Cf. os acórdãos da RP de 15.4.2013-processo 3389/08.0TJVNF-B.P1, seguido de perto no explanado em II. 6. a II. 13. [intervindo o aqui relator como 2º adjunto, assim sumariado: «I – Instaurada execução, tendo por base uma sentença condenatória, a dúvida sobre saber se a condenação nela contida é a do pagamento em taxa de juro civil ou em taxa de juro comercial tem de ser resolvida em sede de interpretação do sentido da mesma; II – A discussão de fundo sobre se, com respeito a certo crédito, as normas jurídicas de direito substantivo concedem ao credor uma ou outra de tais taxas, não tem lugar próprio na acção executiva; e nem sequer na respectiva oposição, cuja vocação funcional é também outra; III – Na busca do sentido dos actos enunciativos, como é o caso das decisões judiciais, devem ter-se como orientação as regras estabelecidas para a interpretação das declarações negociais, completadas ainda por aquelas que são previstas para a interpretação das leis (artigos 236º, n.º 1, 238º, n.º 1 e 9º, n.ºs 2 e 3, do CC); IV – A mera referência, na sentença condenatória, a juros de mora à taxa legal, tem correntemente o sentido de alusão à taxa civil (artigo 559º, n.º 1, do CC); e deve por isso, em princípio, ser interpretada com aquele significado; principalmente quando na acção declarativa o credor nunca expressamente evidenciou aí visar peticionar a taxa de juros comerciais (artigo 102º, § 3º, do Código Comercial).»] e de 03.12.2020-processo 128/17.8T8PRT-A.P1 [tendo-se concluído: «I - A dúvida sobre se determinada condenação no pagamento de «juros à taxa legal» se refere aos juros civis ou aos juros comerciais é uma questão de interpretação da decisão judicial. II - Na prática judiciária, em regra, a referência a juros de mora à taxa legal tem o significado de juros à taxa civil e assim deve ser interpretada a decisão, sobretudo se na petição inicial o credor não usou expressões que indiciassem que o seu pedido era de juros à taxa comercial e esse aspecto nunca foi suscitado, abordado ou apreciado ao longo do processo. III - Não cabe no objecto da execução nem dos respectivos embargos de executado discutir e decidir se na acção declarativa estavam reunidos os requisitos para o devedor ser condenando a pagar juros de mora à taxa comercial.»], publicados no “site” da dgsi.

[12] Cf. o citado acórdão do STJ de 05.12.2002-processo 02B3349 e, nomeadamente, o aresto que aí se invoca.
[13]Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que o decidido no acórdão do STJ de 08.9.2016-processo 1665/06.5TBOVR.P2.S1, publicado no “site” da dgsi e mencionado na alegação de recurso [com o sumário: «(...) IX - A obrigação de pagamento de juros comerciais respeita à natureza do acto: acto comercial ou não. A circunstância de o pedido ou da causa de pedir assentar em normas do CC não se mostra decisiva para a qualificação da natureza da dívida destinada a reparar os danos causados pela mora (art.º 804º do CC), não sendo esse o critério para qualificar uma obrigação de pagamento de juros como civil ou comercial. X - A circunstância das autoras terem utilizado na formulação do pedido as expressões “acrescida de juros legais de mora” ou “acrescida de juros legais”, não leva a considerar, por via das regras de interpretação, que apenas visaram os juros civis. É que, nos termos do art.º 559º do CC e do art.º 102º, § 3, do CCom, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo.»], não é necessariamente transponível para a situação em análise, porquanto, além do mais, trata-se duma decisão proferida numa ação declarativa e cuja matéria foi objeto de controvérsia nas instâncias e no recurso para o STJ (rectius, no recurso subordinado da autora, pedindo-se a revogação do acórdão recorrido na parte em que condenou os Réus no pagamento de juros à taxa de juros civis e não comerciais), além de que não subsistiam dúvidas quanto à natureza comercial do contrato (obrigações emergentes de um contrato celebrado entre uma sociedade comercial e os sócios, pessoas singulares e colectivas, de uma outra sociedade comercial, tendo por objecto a transmissão de participações sociais de uma sociedade comercial).

[14] Veja-se o acórdão da RC de 21.3.2013-proc. n.º 616/08.7TBPCV.C1 [sumariando-se: «5.- São comerciais (art.º102 § 3º C. Comercial) os juros de mora sobre a quantia referente à restituição do sinal em dobro, pela resolução de um contrato promessa de compra e venda de um bem imóvel celebrado por duas sociedades comerciais, cujo objecto está relacionado com a respectivas actividades.»; pediu-se na ação: «a condenação das rés a pagarem à autora juros vincendos à taxa de juros de mora para as operações de natureza comercial, contados desde a citação até integral liquidação, sobre a quantia de € 130 590,07.»; no articulado inicial, os fundamentos da ação e/ou os termos em que era formulado o pedido permitiam concluir, de forma clara, que era pretensão da autora ser ressarcida pela mora no cumprimento, por via da atribuição do direito a exigir os juros legais de mora à taxa comercial.], publicado no “site” da dgsi.

  Outrossim, por exemplo, no acórdão da RC 12.02.2019-processo 4931/18.3T8CBR-A.C1 (publicado no mesmo “site”), constando do requerimento de injunção: «mantendo-se as facturas em dívida tem a requerente direito a indemnização correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa comercial em vigor, desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento».

   Naquele preciso enquadramento, adere-se ao entendimento expresso por Ana Isabel Afonso, “Sobre o âmbito de aplicação da obrigação de pagamento de juros de mora comerciais”, in Revista do CEJ, n.º 1 (2015), págs. 9 e seguintes, mormente quando refere (como aludido na alegação de recurso): “Sempre que esteja em causa um atraso no pagamento de dívida pecuniária de natureza restitutória ou de indemnização por responsabilidade civil, com origem em relação obrigacional estabelecida entre empresas comerciais, não há dúvida de que se aplica a taxa de juro de mora resultante do § 3 do art.º 102º. Estas hipóteses caem fora do alcance do § 5 [introduzido pelo DL n.º 62/2013, de 10.5], mas correspondem, certamente, a créditos de que são titulares empresas comerciais, reconduzindo-se pois ao domínio de aplicação do § 3”, acrescentando: “há um núcleo de situações respeitantes a relações entre empresas comerciais que não cabem no conceito de “transacções comerciais” às quais há interesse em aplicar uma taxa de juro mais elevada, sujeita ao regime da lei comercial – as dívidas restitutórias e de indemnização por responsabilidade civil, em que se inclui o atraso no pagamento de indemnização por companhia de seguro a empresa”.

   No mesmo enquadramento, será igualmente correta a perspetiva, levada à alegação de recurso, de que a regulação comercial especial em matéria de juros moratórios decorre diretamente do Código Comercial: a taxa supletiva de juros moratórios respeitante aos créditos das empresas comerciais é determinada por Portaria com um limiar mínimo (art.º 102º §§ 3 e 4), sendo elevada em um ponto percentual se estiverem em causa transações comerciais que se enquadrem no DL n.º 62/2013 de 10.5 (art. 102º, § 5) [regime atual] , dada a prevalência da regra especial do art.º 102º do Código Comercial em relação à regra geral do art.º 559º do CC.

   Também se dirá que, pelo menos, no primeiro aresto referido na “nota 11” (veja-se, principalmente, a respetiva “nota 2”), ante o quadro normativo delineado pelos Decretos Leis n.ºs 32/2003, de 17.02 e 62/2013, de 10.5 (cf., ainda, a “nota 6”, supra), considerou-se discutível a aplicação do correspondente regime jurídico (máxime, da taxa de juros comercial) a casos de pagamentos efetuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efetuados por companhias de seguro, perspetiva que, pelo que disse anteriormente quanto ao âmbito de aplicação do art.º 102º do Código Comercial, deverá ser porventura reformulada dando primazia à ponderação dos contornos da concreta relação jurídica.