Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1936/18.8T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 580.º, N.º 1, 581.º E 619.º, N.º 1, TODOS DO CPC
Sumário: A sentença homologatória de partilha através da qual foi adjudicada a um dos interessados a propriedade de um imóvel não é oponível como caso julgado (autoridade de caso julgado) a quem não foi interessado no inventário e que se arroga proprietário desse imóvel. 
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:1

I - A) – 2«[…] AA e BB, residentes no Lugar ..., ..., ..., intentaram a presente acção declarativa de simples apreciação contra CC e DD, residentes na Rua ..., ..., ..., peticionando a declaração de ineficácia da escritura pública de justificação outorgada no dia 13 de Dezembro de 2004, no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 72 a 73 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 64-D, bem como o consequente cancelamento do registo realizado com base nessa escritura.
Para fundamentarem a sua pretensão alegaram os autores, em síntese, que são donos e legítimos proprietários de um terreno de cultura de regadio, cultura de sequeiro, mata de carvalhas e dois castanheiros sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área matricial de 4.150 m2, a confrontar do norte com EE, outro, do sul com FF (Herd.) e outro, do nascente com GG e outros e do poente com HH, inscrito na respectiva matriz rústica sob o  artigo ...09, o qual adquiriram a 2 de Novembro de 1992, em virtude de adjudicação no inventário facultativo, por óbito de II e mulher JJ, com o n.º 56/1990, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., prédio rústico que tratam como sendo coisa sua, fruindo de todas as suas utilidades, o que sempre ocorreu de forma pacífica e à vista de toda a gente.
Mais invocaram os autores que os réus outorgaram em 13 de Dezembro de 2004 no Cartório Notarial ... uma escritura pública de justificação, lavrada a fls. 72 a 73 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 64-D, onde ambos declararam que possuem o aludido prédio, em nome próprio, convictos de que lhes pertence, há mais de vinte anos por  o terem adquirido pelo ano de  mil novecentos e oitenta por compra verbal a II, tendo tais declarações sido confirmadas por três testemunhas.
Por fim, referiram os autores que os factos relatados nessa escritura de justificação não correspondem à verdade, facto que é do conhecimento dos réus e das aludidas três testemunhas, pelo que pugnam pela sua declaração de ineficácia e subsequente cancelamento do registo de propriedade realizado com base nessa escritura.
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Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação e por excepção, tendo começado por arguir a nulidade da partilha realizada no âmbito do inventário facultativo n.º 56/1990, por óbito de II e mulher JJ, por terem sido partilhados bens que não faziam parte do inventário aberto por óbito de II e mulher JJ, em violação do disposto   no   artigo 1729.º do Código Civil, devendo, em consequência, ser os autores considerados parte ilegítima, por não serem os verdadeiros titulares do direito de propriedade sobre o prédio em causa nestes autos.
Referem ainda os réus que os autores nunca exerceram qualquer acto de posse sobre o referido prédio, designadamente desde 2 de Novembro de 1992, porquanto o réu comprou-o a  II em 1980, sendo os réus, e após o falecimento da ré DD apenas o réu CC, quem cultivava o prédio, recolhendo os seus frutos, lavrando-o, regando-o, plantando nele árvores de fruto, recolhendo a lenha produzida, conservando os seus muros e vedações, à vista de todos, sem oposição de ninguém de forma ostensiva e ininterrupta, na convicção do exercício do direito de propriedade correspondente, sendo pois uma posse pública, pacifica, contínua e de boa fé, que vem sendo exercida desde o ano 1980 e até à presente data.
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Foi oficiosamente determinada a realização de um arbitramento ao prédio rústico, com vista à fixação do seu valor venal, encontrando-se o relatório junto a fls. 49 a 59.
Os autores exerceram o contraditório quanto à matéria de excepção invocada pelos réus (cfr. fls. 43).
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Foi deduzido incidente de habilitação dos herdeiros da ré falecida DD, tendo sido declarados habilitados como herdeiros de DD, para prosseguir a presente acção no seu lugar, o seu cônjuge sobrevivo CC, e os seus filhos CC, CC e KK (cfr. fls. 72 a 73v).
Regularmente citados, os réus habilitados vieram aderir à contestação apresentada pelo réu CC (cfr. fls. 78).
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Foi fixado o valor à causa, dispensada a elaboração de despacho saneador, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, tendo-se relegado para sentença o conhecimento da excepção de nulidade da partilha […]»;
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B) - Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida, pelo Juízo Local Cível ..., a sentença de 9 de Dezembro de 2021, que, julgando a acção improcedente, absolveu os réus dos pedidos.
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C) - Inconformados com tal sentença, dela Apelaram os Autores, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentaram as seguintes “conclusões”:
«1. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica da Mm.ª Juíza a quo, afigura-se aos ora Recorrentes que a douta sentença em crise não poderá manter-se, que vêm submetê-la à reapreciação deste Tribunal da Relação.
2. Os recorrentes consideram incorretamente julgados os pontos 5 e 6, a decisão proferida quanto à matéria do ponto do facto provados, devendo ser dados como não provados, o que consta da listagem da fundamentação de facto da sentença ora recorrida, por força do caso julgado
3. Ao ser dado como provado à matéria do ponto do facto 4, que consta da listagem da fundamentação de facto da sentença ora recorrida, a acção terá que ser dada como procedente, por força da caso julgado.
4. A VERIFICAÇÃO DA EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO É DE COHECIMENTO OFICIOSO E ACESSÍVEL AO TRIBUNAL DE RECURSO, MESMO QUE NÃO TENHA SIDO TAL MATÉRIA INVOCADA NO PROCESSO, ANTERIORMENTE À DECISÃO RECORRIDA.
5. A INVOCAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA AUTORIDADE DO CASO JULGADO DISPENSAM A IDENTIDADE DE PEDIDO E DE CAUSA DE PEDIR .
6. O tribunal a quo proferiu Despacho de 10-12-2020, Refª citius 1640670, ONDE RELEGA PARA O INÍCIO DA AUDIÊNCIA FINAL A APRECIAÇÃO QUANTO À UTILIDADE E PERTINÊNCIA DA DILIGÊNCIA REQUERIDA PELOS AA.
7. PESE EMBORA TAL DESPACHO NO INÍCIO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO NÃO HOUVE APRECIAÇÃO DESSE REQUERIMENTO, EM CLARA VIOLAÇÃO DA LEI  POR OMISSÃO DE PRONUNCIA.
8. Os RR, a coberto da sua preocupação (legitima e com total pertinência) sobre a possível verificação de caso julgado, vieram arguir a nulidade da partilha realizada no âmbito do inventário facultativo n.º 56/1990, por óbito de II e mulher JJ, excepção perante a qual deveria o Tribunal deveria ter remetido as partes para os meios comuns como é de elementar justiça.
9. Pasme-se, pois são os RR quem alerta para a violação do princípio de caso julgado, tendo o tribunal feito tábua rasa do caso julgado da decisão do processo de inventário transitado em julgado a 31-11-1994 e sem mais.
10. CONSTA DA CERTIDÃO JUNTA AOS AUTOS COM A P.I. E


NÃO IMPUGNADA, POR SENTENÇA NO PROCESSO DE INVENTÁRIO  PROFERIDA  A  31-  10-  1994,  E TRANSITADA
EM JULGADO em 31-11-1994, que o prédio identificado a 1 da p.i. veio à posse e propriedade dos AA, por adjudicação no Inventário facultativo, por óbito de II e mulher JJ, com o n.º 56/1990 o qual correu termos pela única secção do Tribunal Judicial da Comarca ....
11. Facto dado como provado pelo Tribunal a quo, no ponto 4 dos factos provados, o que por si só é causa da procedência da acção, por prova que as declarações realizadas na escritura quanto à data da aquisição e factos de posse – ano 1980, são falsas.
12. Não pode este mesmo tribunal por força da violação do transito em julgado concluir que nenhum reparo havendo a fazer ao teor da escritura de justificação notarial outorgada no dia 13 de Dezembro de 2004 no Cartório Notarial ... e exarada a fls. 72 a 73 verso  do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 64-D daquele  Cartório Notarial, nem, consequentemente, ao registo efectuado com base na aludida escritura.
13. E não o pode pois que por força do caso julgado na sentença do processo de inventário, pois que pelo menos até 31-11-1994, quem esteve na posse o prédio foram os AA.
14. Tem que se respeitar o decidido no inventário n.º 56/1990 o qual correu termos pela única secção do Tribunal Judicial da Comarca ... (SENTENÇA NO PROCESSO DE INVENTÁRIO PROFERIDA A 31- 10- 1994, E TRANSITADA EM JULGADO) decisão que se impõe nestes autos, não podendo os RR virem invocar ou fazer constar de escritura de justificação que exerciam a propriedade  do  prédio  antes  da  data  de  31-11-1994  por  forma  a    obterem os efeitos da aquisição por usucapião previsto nos artigos 1287º e seguintes do Código Civil quando nesse processo foi decidido que esse bem fazia parte da herança indivisa deixada por II, tendo sido tal bem adjudicado aos AA e tendo estes pago tornas aos demais herdeiros.
15. Ora, a excepção de caso julgado constitui precisamente matéria de apreciação oficiosa (artigos 494º, alínea i) e 495º do CPC), o que, aliás, ilustra plenamente o sentido da vinculação dele decorrente, enquanto impossibilidade de num outro processo se gerar uma decisão contraditória com o caso julgado anteriormente formado.
16. A questão que a este respeito se coloca prende-se com o alcance temático do caso julgado formado pela Sentença homologatória da partilha proferida no inventário, importando determinar – porque disso depende a aferição da incidência aqui do caso julgado – SE DESTA DECORRE O CONTRÁRIO DO AFIRMADO NA DECISÃO ORA IMPUGNADA, GERANDO-SE A SITUAÇÃO DE SOBREPOSIÇÃO (DE CONFLITO) DE AFIRMAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA, SEJAM ELAS CONTRADITÓRIAS OU REDUNDANTES, A QUE A EXCEPÇÃO DE CASO JULGA OBSTA.
17. O caso julgado formado por via do trânsito da Sentença do inventário abrangeu (tematicamente) a asserção contrária à afirmada na Sentença aqui apelada, sendo o conteúdo desta, pois, INCOMPATÍVEL COM O CASO JULGADO QUE JÁ SE HAVIA FORMADO, SENDO AQUELE, E NÃO O QUE AQUI SE DECIDIU EM PRIMEIRA INSTÂNCIA (MESMO QUE SE CONFIRMASSE A SENTENÇA APELADA), QUE PREVALECE.
18. Com  efeito,  quanto  ao  caso  julgado  formado  no  processo  de
inventário, relativamente a questões condicionantes ou modeladoras da forma de realização da partilha, nas quais não tenha ocorrido remessa dos interessados para os meios comuns (para fora do inventário), entendemos abrangidas estas questões condicionantes ou modeladoras pelo efeito de caso julgado gerado nesse inventário, nos termos do artigo 671º, nº 1 do CPC. A este respeito, tenha-se  presente o entendimento comum na nossa Doutrina quanto aos reflexos do caso julgado material formado pela sentença de partilha.
19. Na pendência do inventário agitam-se questões e o juiz deve procurar dar-lhes solução sempre que as provas a produzir se compadeçam com a índole do processo, isto é, quando não demandem larga indagação.
20. Da decisão do juiz resultam efeitos não só para os interessados na herança como também para os intervenientes na solução, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes, entendendo-se que intervieram na solução de uma questão as pessoas que a suscitaram ou sobre ela se pronunciaram, e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta (CPC, artigo 1397º, nº 2).
21. Daqui resulta a subsistência de caso julgado no tocante a todas as questões assim discutidas, com os efeitos atribuídos por lei, desde que procurem suscitar-se de novo.
22. Valem as antecedentes considerações, pois, como afirmação aqui da relevância do caso julgado – da excepção dilatória de caso julgado (artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º – FORMADO PELA SENTENÇA QUE HOMOLOGOU A PARTILHA NO PROCESSO DE INVENTÁRIO N.º 56/1990 O QUAL CORREU TERMOS PELA ÚNICA SECÇÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA Comarca ...,      SENDO       QUE       ESTA       CIRCUNSTÂNCIA
DETERMINARÁ QUE ESTA RELAÇÃO DEVERÁ JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO, POR VERIFICAÇÃO DE UMA EXCEPÇÃO DILATÓRIA (ARTIGO 493º, Nº 2 DO CPC), E JULGAR PROCEDENTE O RECURSO.
23. A sentença de homologação da partilha em processo de inventário forma caso julgado material relativamente às questões condicionantes ou modeladoras da forma de realização dessa partilha, nas quais não tenha ocorrido remessa dos interessados para os meios comuns;
24. A REFERÊNCIA NAS CONTESTAÇÕES À EXISTÊNCIA DO INVENTÁRIO, E DA SUA NULIDADE TEVE A VIRTUALIDADE – TODAVIA DEPOIS DESPERDIÇADA – DE ALERTAR (O TRIBUNAL) PARA O PROBLEMA, MAS, NÃO OBSTANTE, NÃO SE TRADUZIU NO SUSCITAR DA EXCEPÇÃO, DA MESMA FORMA, DEPOIS DA FORMAÇÃO DE CASO JULGADO EM NOVEMBRO DE 2014, NINGUÉM – NEM OS RR. QUE NISSO TINHAM TODO O INTERESSE – INVOCOU A SITUAÇÃO.
25. A CIRCUNSTÂNCIA DE O FUNDAMENTO NÃO VALER AUTONOMIZADO DA DECISÃO IMPLICA QUE A DECISÃO TAMBÉM NÃO PODE VALER AUTONOMIZADA DO SEU FUNDAMENTO: A VINCULAÇÃO À DECISÃO É SEMPRE UMA VINCULAÇÃO À DECISÃO NO CONTEXTO DO SEU FUNDAMENTO. ISTO SIGNIFICA QUE, SEMPRE QUE SE INVOQUE UMA DECISÃO EM JUÍZO, O TRIBUNAL PERANTE O QUAL ESSA DECISÃO É INVOCADA ESTÁ VINCULADO NÃO SÓ À DECISÃO, MAS TAMBÉM AOS FUNDAMENTOS QUE CONSTITUAM ANTECEDENTES LÓGICOS E INDISPENSÁVEIS À SUA EMISSÃO.
26. Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
27. Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
28. Daí que se considere que, ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir – cfr. artigo 580º, nº 1, do CPC), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.
29. O QUE SE VERIFICA NOS PRESENTES AUTOS UMA VEZ QUE, OS RR ARROGAM-SE PROPRIETÁRIOS DO PRÉDIO DESDE 1980, ERAM ENTÃO COMPRADORES EM 1980, E EM ...94 POR DECISÃO NO PROCESSO DE INVENTÁRIO, TRANSITADA EM JULGADO AOS AA FOI ADJUDICADO O PRÉDIO NÃO TENDO OS RR IMPUGNADO TAL PROCESSO,  o que como é obvio podiam e deviam fazer.
30. Ora, à luz dessas considerações, é evidente que o caso julgado formado pela aludida decisão vincula e aproveita aos aqui AA.
31. É certo, portanto, em face do exposto, que nunca poderia ser reconhecido aos aqui RR o direito de propriedade sobre esse prédio, com base numa escritura que contém factos contrários ao caso julgado.
32. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de
mérito - (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC).
33. Os AA apresentaram o requerimento Refª citius 1640670 a 11.11.2020.
34. Foi proferido o Despacho de 10-12-2020, Refª citius 1640670.
35. No início da audiência de julgamento não houve apreciação -desse requerimento, VERIFICA-SE NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONUNCIA.
36. É uma conduta processual anómala, nada aconselhável, porque devia ter havido decisão expressa sobre o requerimento dos AA./recorrente, porque tal matéria reverte caracter relevante para a decisão da causa.
37. Inexistindo pronuncia sobre o requerimento apresentado, que de todo, era essencial para prova e impugnação da escritura de justificação foi omitida pronuncia sobre um facto essencial no processo, concluindo-se pela nulidade da sentença.
38. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, da Constituição da República Portuguesa.
39. Ao omitir pronuncia sobre o requerimento apresentado pelos AA o Tribunal, impossibilitou que os mesmos tivessem acesso ao direito, pois que a junção aos autos de certidão lhes estava vedada por não serem os titulares inscritos e à da defesa dos direitos e interesses que legalmente lhes são protegidos e estão consagrados na CRP.
40. O tribunal teve tratamento e decisões de deferimento quanto ao requerimento apresentado pelos RR a 16/01/2019 Ref. 1262212, em violação do principio da igualdade consagrado na CRP.
41. O Tribunal teve dois pesos e duas medidas, violando o art. 13.º da CRP.
42. Foram   essas   normas   e   princípios   violados,   que   para    os AA/recorrentes, ameaçaram e violaram os direitos que lhes são contemplados na CRP.. […]».
Terminaram pugnando pela procedência do recurso.

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Os   RR.,   na   resposta    à   alegação    de   recurso,    pugnaram pela manutenção da decisão recorrida
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D) – Já nesta Relação o ora relator, em 16/5/2022, proferiu o seguinte despacho, que, notificado às partes, nos termos do artº 655º, nº 1, do NCPC, não obteve reacção das mesmas.
«[…] Na alegação do presente recurso os Recorrentes suscitam:
- A ofensa de caso julgado (autoridade de caso julgado);
- A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
- Relacionada com a apontada nulidade, a violação, pela sentença, do disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, da Constituição da República Portuguesa.
Ora,
- O valor da presente acção foi fixado em 4.200,00 €.
Em matéria cível, a alçada dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000, de harmonia com o disposto no artº 44º nº 1 da Lei n.º 62/2013.
Ressalvadas as situações excepcionais consagradas na lei - v.g., as previstas nos art.ºs 542, nº 3 e 629º, nºs 2 e 3, do novo Código de Processo Civil (doravante, NCPC), e 27º, nº 6 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse Tribunal (nº 1 do citado art. 629º).
Dispondo o nº 2, a) do artº 629, do NCPC, que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado, o presente recurso, não obstante não fosse admissível pelo critério do valor da causa, é permitido em função da ofensa ao caso julgado invocada pelos Recorrentes.
Porém, como é jurisprudência pacífica do STJ, nos recursos que só  são admissíveis em função de alegada violação do caso julgado, a apreciação do Tribunal restringe-se a essa questão (Cfr., v.g.,  Acórdão do STJ, de 23/4/2020, Revista nº 405/06.3TBMNC- C.G1.S1, consultável em “”).
Entendemos, por isso, que, no caso “sub judice” não será de apreciar, ficando arredados do objecto do recurso, quer a alegada omissão de pronúncia, quer a invocada violação, pela sentença, do disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, da Constituição da República Portuguesa. […]».3
*
E) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1,  ambos do novo Código de Processo Civil4 (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões  dos   recorrentes,  sem   prejuízo   do     conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.   Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se   veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente     se     haja     apreciado,     salientando-se  que,
 “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”5 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, estando este Colectivo em concordância com a posição assumida pelo relator no despacho de 16/5/2022, a questão a solucionar no presente recurso, restringe-se a saber se a sentença recorrida violou a autoridade do caso julgado formado pela sentença homologatória (transitada em julgado) da partilha proferida nos autos de inventário facultativo n.º 56/1990, por óbito de II e mulher JJ, partilha essa onde o prédio rústico, cuja propriedade se discute nos autos, descrito em 2), foi adjudicado, a 2 de Novembro de 1992, restrição essa que exclui a apreciação, quer da alegada omissão de pronúncia, quer da invocada violação, pela sentença, do disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, da Constituição da República Portuguesa, quer, evidentemente, da alteração da matéria de facto peticionada pelos Apelantes (conclusão 2ª).
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II - Fundamentação:
A) - Na sentença da 1.ª Instância, no que concerne à decisão proferida sobre a matéria de facto, consignou-se o que se passa a transcrever:
«[…] o tribunal julga provados os seguintes factos:
1) Foi celebrada uma escritura de justificação notarial outorgada    no
dia 13 de Dezembro de 2004 no Cartório Notarial ..., exarada a fls. 72 a 73 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 64-D daquele Cartório Notarial, no âmbito da qual foram intervenientes os réus, na qualidade de primeiros outorgantes, e LL, MM e NN, na qualidade de segundos outorgantes.
2) Na escritura de justificação notarial referida em 1), os réus declararam:
“Que com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do prédio rústico constituído por cultura de regadio, cultura de sequeiro, mata de carvalhos e castanheiros, com a área de quatro mil cento e cinquenta metros quadrados, sito no ..., na referida freguesia ..., a confrontar de norte com EE, do sul com herdeiros de FF, do nascente com GG e do poente com OO, inscrito na matriz respectiva em nome de PP sob o artigo ...09, com o valor patrimonial tributário de 131,24€, o atribuído  de  200,00€ e não descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho.
Que possuem o citado prédio, em nome próprio, convictos de que lhes pertence, há mais de vinte anos por o terem adquirido pelo ano de mil novecentos e oitenta, por compra verbal a II, viúvo, residente que foi na referida freguesia ... e desde então e ininterruptamente lavram e semeiam colhendo frutos, mato e lenha, pastando gado fazendo as obras de conservação necessárias, posse que sempre exerceram, com conhecimento e à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sendo, por isso uma posse pacífica, contínua, pública e de boa fé, pelo que o adquiriram por usucapião,
não tendo todavia, dado o modo de aquisição, documento que lhes permita fazer prova do seu direito de propriedade.”
3) Tendo os segundos outorgantes, advertidos de que incorriam nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público se, dolosamente e em prejuízo de outrem, tiverem prestado ou confirmado declarações falsas, declarado confirmar, por serem verdadeiras, as declarações prestadas pelos réus.
4) No âmbito do processo de inventário facultativo n.º 56/1990 por óbito de II e mulher JJ, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., o prédio rústico descrito em 2) foi adjudicado a 2 de Novembro de 1992 aos autores.
5) Desde 1980 que os réus, e após o falecimento da ré DD a 31 de Maio de 2008, apenas o réu CC na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito da sua esposa, têm possuído o prédio descrito em 2).
6) Cultivando-o recolhendo os seus frutos, leguminosas, batatas, feijão, castanhas, lavrando-o, regando-o, plantando nele árvores de fruto como sejam castanheiros, cuidando dos mesmos, podando-os, regando-os e colhendo os seus frutos, recolhendo a lenha produzida, conservando os seus muros e vedações, à vista de todos, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e na convicção de exercerem um direito próprio.
7) O prédio rústico mencionado em 2) encontra-se inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...09 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...41, pela Ap. ... de 2005/01/20, a favor do réu.
8) II  casou  em  segundas  núpcias  com      ...
GG em 5 de Março de 1980.
4.2. Factos não provados
a) Desde 2 de Novembro de 1992 que os autores tratam o prédio rústico descrito em 2) como se de coisa sua se tratasse, possuindo-o, praticando nele actos, fruindo das suas utilidades, o que ocorreu sem oposição ou violência de quem quer que fosse, sem interrupção no tempo, à vista de todos, mormente das pessoas residentes nas proximidades do prédio e do lugar de ....
b) Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio descrito em 2).
c) Os réus não adquiriram o prédio rústico mencionado em 2) por compra verbal a II, no ano 1980.
d) Aquando do negócio referido em 2), II era viúvo.
e) Desde 1980 que os réus pastavam gado no prédio rústico descrito em 2) e cultivavam no mesmo alfaces, beterrabas e cebolas.
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A restante matéria alegada nos articulados respeita a factos que não relevam para a decisão da causa por se tratar de matéria repetida, conclusiva ou se tratarem de considerações de direito ou matéria de facto instrumental, pelo que o tribunal não a teve em consideração.».
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B) – Estabelece o artigo 580º, nº 1, do NCPC, que as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar há litispendência.
Por outro lado, o artigo 581º do CPC prescreve:
1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. (...).
E estabelece o nº 1 do artº 619 do NCPC: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”.
O caso julgado material pressupõe, assim, a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, ou seja, que tenha transitado em julgado.
Como se salientou no Acórdão desta Relação, de  17/3/2020 (Apelação nº 3745/15.7T8PBL.C2)6, «[…] há que distinguir a excepção de caso julgado, da autoridade do caso julgado, sendo até já dominante o entendimento de que a imposição dos efeitos da autoridade do caso julgado não pressupõe a coexistência das três identidades dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir que se exige para a verificação da excepção de caso julgado. – Vide, neste sentido,  o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.11.2015, proferido no processo n.º 346/14.0T8PVZ.PT (…)
A esse propósito, ensina Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Cbra. Ed., pág. 325), que enquanto pela excepção se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito,
a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão (...), assentando esse efeito positivo numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. […]».
Rui Pinto no texto epigrafado “Exceção e autoridade de caso  julgado
– algumas notas provisórias”, “in” “JULGAR Online, novembro de 2018, pag. 1 e ss., escreve:
«[…] O efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos.
(…)
A jurisprudência costuma designar este efeito como autoridade de caso julgado stricto sensu.
Esta autoridade de caso julgado não se cinge apenas às decisões que, por conhecerem do mérito, fazem caso julgado material. Se é certo que as decisões sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (cf. Artigo 620.º, n.º 1), não deixam, porém, de ser dotadas de efeito positivo externo dentro desse processo.
Efetivamente, o mesmo tribunal que julgou certa questão processual continua vinculado a ela quando julga questão processual conexa, por estar em relação de prejudicialidade ou de concurso. Por ex., se o tribunal julgou improcedente a exceção de incapacidade judiciária do réu por menoridade, não pode, depois, julgar procedente uma exceção de falta de representante judiciário do mesmo.(…)


devemos acrescentar uma condição subjetiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa28.
Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio.
Nesta linha de entendimento, o citado Ac. do TRP de 21-11- 2016/Proc.1677/15.8T8VNG.P1 (JORGE SEABRA) decidiu que a “parte que em acção de reivindicação obtém sentença declaratória do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel não pode, regra geral, em confronto com um terceiro (que não interveio sob qualquer titulo na aludida acção prévia) [sic] invocar a seu favor a autoridade de caso julgado e para efeitos de impor a este ultimo, de  forma reflexa, um certo conteúdo do direito de propriedade (não concretamente esgrimido e decidido na acção anterior) excludente do direito invocado pelo terceiro em posterior acção contra si interposta”. […]».
Como se pode ler no Acórdão do STJ, de 18/06/2014 (proc. nº 209/09.1TBPTL.G1.S1),  «[…]  O  cuidado  com  que  é  tratada    a
eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível  com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil,  2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção. […]».
Em princípio, pois, a sentença só tem eficácia “inter partes”.
Há que atentar, porém, no que se observa no Acórdão da Relação do Porto, de 9 de Janeiro de 2020 (apelação nº 795/17.2T8SJM.P1)7:
«[…] apesar de o art. 619.º, n.º 1, quando se refere aos  limites fixados no art. 581º, inculcar a ideia de que o caso julgado só abrange os sujeitos da relação material controvertida sobre a qual recaiu a decisão, o certo é que tal eficácia do caso julgado pode impor-se em situações que envolvam terceiros que não intervieram na ação. É o chamado efeito reflexo do caso julgado. É o caso dos chamados terceiros juridicamente indiferentes, de todos os sujeitos a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, na medida em que não afeta a consistência jurídica do seu direito. E compreende-se  que assim seja.
A posição do legislador é muito clara a propósito da eficácia subjetiva do caso julgado. De um lado, limita a extensão subjetiva dos efeitos
do caso julgado tendo em conta que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n. 2). De outro lado, essa limitação não parece ser posta em causa pelo carácter excecional daquelas hipóteses em que a natureza ou a estrutura da relação ou da situação que é objeto de acertamento determina efeitos de caráter apenas aparentemente universal, configurando hipóteses de julgado com autoridade e eficácia erga omnes. Fora destes casos, vale o princípio traduzindo no brocardo romano res inter alios judicata tertiis neque nocet neque prodest.
A eficácia subjetiva do caso julgado encontra-se a priori excluída perante terceiros que fazem valer um direito autónomo, fundado numa relação jurídica diversa daquela que foi objeto de decisão anterior, ou que se assumem como titulares de um direito incompatível com aquele reconhecido pelo caso julgado formado inter alios".
Alinhando com a mesma posição, acrescenta o acórdão do STJ de 12.04.2018 (8): "É, todavia, comum reconhecer-se a força reflexa ou expansiva do caso julgado, de modo a assegurar a coerência do sistema perante a existência de relações jurídicas interdependentes, conexas, subordinadas e prejudiciais, tanto mais que, não subsistindo estas em comportamentos estanques, é natural que a solução dada a um conflito influencie reflexamente a solução que deva ser dada a um outro conflito.
A eficácia reflexa que o caso julgado comporta é susceptível, porém, de causar um sacrifício para os interesses de terceiros, o que conduziu, como se sabe, à necessidade de definição dos termos em que tal imposição se pode ter como tolerável, sendo usual, para este efeito, categorizar os terceiros a quem se pretende estender a eficácia do
caso julgado em função do prejuízo que daí para eles derivará[...].
Na primeira categoria, inserem-se os terceiros juridicamente indiferentes. Nela enquadram-se aqueles a quem o caso julgado é insusceptível de causar um prejuízo de índole estritamente jurídica (porque não afecta a integralidade ou a validade dos seus direitos), estando, portanto, adstritos a respeitá-lo. Se o prejuízo causado revestir diferente natureza - mormente, económica, o que se passará, vg., com os credores do devedor relativamente a acções que afectem a solvabilidade deste -, restará ao terceiro a interposição de recurso de revisão com fundamento na existência de simulação processual não detectada pelo juiz da causa (alínea g) do artigo 696.º do Código de Processo Civil).
Na segunda categoria, inscrevem-se os terceiros juridicamente interessados, a quem a expansividade do caso julgado ocasiona um prejuízo jurídico [...]".
Ora, como parece claro, o facto de, aos AA., por decisão transitada em julgado, que homologou a partilha realizada no âmbito do inventário facultativo n.º 56/1990, por óbito de II e mulher JJ, ter sido adjudicado o prédio identificado no ponto 2) dos factos provados, sem que a propriedade desse prédio  haja sido discutida nesse inventário entre os AA e os RR, sendo que estes últimos nem sequer foram “partes” nesses autos, não leva a que se tenha como oponível a eles, a autoridade de caso julgado, v.g., no que concerne à propriedade de tal prédio.
Isto porque também se têm de considerar os RR, que se arrogam proprietários do prédio, nos termos supra expendidos, como terceiros juridicamente interessados, não passíveis, pois, de serem abrangidos pelo chamado efeito reflexo do caso julgado.
Do exposto resulta, efectivamente, que, em relação aos aqui RR, não se formou, nos aludidos autos nºs 56/1990, caso julgado sobre a questão da propriedade do prédio em causa, apreciada na presente acção, e cuja autoridade tivesse que ser considerada na sentença recorrida, pelo que aquela sentença homologatória não cumpria ser aqui atendida, pois que não vinculava os ora RR, não intervenientes nesses autos, nem sujeitos aos efeitos reflexos do caso julgado formado por tal sentença, porquanto insusceptíveis de se considerarem, à luz do que mais acima foi exposto, como terceiros juridicamente indiferentes.
Em conclusão, dir-se-á, pois, que inexiste a ofensa da autoridade do caso julgado, que se imputou à sentença recorrida e que legitimou, em exclusivo, a admissão do presente recurso, recurso este, que, consequentemente, é de julgar improcedente.
Assim, mais não resta senão confirmar a sentença.

*
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar improcedente a Apelação e confirmar a sentença da 1.ª Instância.


Custas pelos Apelantes (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).


28/6/20228

(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)



1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2   Transcrição de extracto do relatório da sentença ora sob recurso.

3 Por lapso omitiu-se no texto original a referência de consulta do Acórdão do STJ, que é http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.

Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

5 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

6  Proferido por este Colectivo e, que se saiba, não publicado.

7 Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.

Acórdão processado e revisto pelo Relator.