Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1229/12.4TBLRA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
REMESSA DO PROCESSO
OPOSIÇÃO JUSTIFICADA
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.99 CPC
Sumário: No âmbito da norma do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, a oposição é justificada quando as razões invocadas expressarem que o réu não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância.
Decisão Texto Integral:

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente o requerimento do exequente, através do qual pediu a remessa dos autos ao tribunal competente (tribunal de trabalho), nos termos previstos no n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil.

Considerou-se na decisão sob recurso que o exequente manifestou a intenção de aproveitamento dos atos e que os executados não apresentaram oposição justificada.

Os executados recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

1 Salvo o devido respeito pela opinião e fundamentação aduzida, impunha-se e impõe-se, julgar improcedente o pedido de remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho.

2 Em 12/03/2013, a Mma. Juiz declarou “este tribunal incompetente, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio” e absolveu “os executados da presente instância”, ordenando ainda a notificação das “partes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º nº 2 do Código de Processo Civil”

3 Ao abrigo daquela norma, sendo a incompetência absoluta decretada depois de findos os articulados, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta pressupõe a verificação de dois requisitos cumulativos: o acordo das partes sobre o aproveitamento dos articulados e o requerimento do autor a pedir a remessa do processo para o tribunal competente.

4 Dentro do prazo, e por Requerimento de 23/05/2013, os Recorrentes vieram dar cumprimento a tal Despacho, informando que “não aceitam que os articulados sejam aproveitados, mesmo que o Exequente requeira a remessa do Processo para o Tribunal de Trabalho de Leiria”, traduzindo-se numa manifestação inequivocamente expressa dos Recorrentes no sentido de discordância do aproveitamento dos actos processuais já praticados.

5 Atenta a postura manifestada pelos Recorrentes, é por demais evidente que estes não estavam de acordo com o aproveitamento dos articulados, condição imperativa para a remessa dos autos para o tribunal competente, atenta a norma em vigor.

6 Esse mesmo foi o entendimento da Mma. Juiz que, por Despacho de 28/05/2013, decidiu “nada mais tenho a determinar quanto ao preceituado no art. 105º nº 2 do C.P.C. atenta a falta de acordo das partes”.

7 Não assiste agora razão ao Recorrido em solicitar a remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho, onde, naturalmente, a acção deveria ter sido intentada.

8 Porém, a entrada em vigor da Lei 41/2013 de 26 de Junho, alterou a redacção do nº 2 daquele preceito legal, a que corresponde actualmente o art. 99º, sendo aqui relevante a distinção da parte final, quanto às circunstâncias em que poderá ocorrer a remessa do processo para o Tribunal competente, subsequentemente à verificação da incompetência absoluta, estando findos os articulados: era necessário, no regime anterior a 01/09/2013, o acordo das partes; é necessário, no regime actual, que a eventual oposição à remessa por parte do Autor seja considerada justificada.

9 Sendo efeito da incompetência absoluta a absolvição da instância, acaso a incompetência seja decretada depois de findos os articulados, podem no entanto ser estes mantidos, mediante requerimento do Autor e não oferecendo o Réu oposição justificada.

10 Fazendo uma análise crítica dos Requerimentos apresentados pelos Recorrentes em 06/01/2015 e 23/01/2015, verifica-se que foram elencados e justificados os motivos da sua discordância, consignando clara e taxativamente as razões da sua oposição, em clara obediência às regras de clareza e precisão impostas pela nova Lei.

11 O Tribunal a quo não analisou e valorou criteriosamente os factos alegados naqueles ditos requerimentos, os quais, repita-se, constituem uma oposição devidamente fundamentada e justificada dos Recorrentes.

12 A inexistência de oposição justificada pressupõe uma absoluta ausência e omissão de fundamentos.

13 In casu, atentando na Alegação dos sobreditos Requerimentos dos Recorrentes e como dos factos ali alegados resulta e pode e deve concluir-se, os

Recorrentes fundamentaram de forma expressa, objectiva, clara e suficiente, os motivos e razões da sua oposição à remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho de Leiria, inexistindo, portanto, qualquer vazio de fundamentação, como pretende fazer crer o Tribunal a quo.

14 O douto Despacho recorrido viola o disposto no artigo 99°, nº 2, do CPC, dado que os Recorrentes manifestaram expressa e justificada discordância no aproveitamento processual dos actos já praticados.

15 Deve, em conformidade, ser revogado o dito despacho, e substituído por outro que julgue a oposição oferecida pelos Recorrentes justificada e, consequentemente, indeferir a remessa dos presentes autos para o Tribunal de Trabalho da Comarca de Leiria, extinguindo-se a instância.


*

Contra alegou o exequente, defendendo, em síntese:

A tempestividade do seu pedido de remessa ao tribunal competente;

A “oposição justificada” não deve subsumir-se à mera conveniência dos Executados;

Os Recorrentes elencaram apenas dois fundamentos que na sua perspetiva funda uma “oposição justificada”, a saber:

a) Pelo aproveitameto dos articulados nestes autos, “ não veria apreciado e julgado o seu pedido laboral”

b) Causaria enormissimos prejuizos aos executados se o presente processo fosse tramitado para o Tribunal de Trabalho porquanto os executados poderiam ter que pagar um valor que, não só não devem ao Exequente, como também, assenta a reclamação do Exequente num documento que não tem qualquer valor juridico, e é por isso nulo!!

Antes de mais é falso que pelo aproveitamento dos articulados nestes autos, os Exequentes “não veria apreciado e julgado o seu pedido laboral”, pois que a pretensão dos Recorrentes ainda se encontra em aberto, e por decidir pelo Tribunal de Trabalho de Leiria (encontrando-se designado julgamento para o dia 20 de Maio de 2015);

Negar-se o aproveitamento dos articulados no caso em apreço, acarretaria a perda em definitivo do direito que o Exequente, já tem declarado e apenas pretende que o Tribunal efetive, pela tramitação subsequente à penhora efetuada nos presentes autos;

Por outro lado, e como já se disse, a pretensão dos Executados pode (o que apenas hipoteticamente se concebe) ainda vir a produzir efeitos , se o Tribunal de Trabalho entender declarar nulo o documento subscrito pelas partes e que funda o presente titulo executivo;

Por outro lado alegam ainda “causaria enormissimos prejuizos aos executados se o presente processo fosse tramitado para o Tribunal de Trabalho porquanto os executados poderiam ter que pagar um valor que, não só não devem ao Exequente, como também, assenta a reclamação do Exequente num documento que não tem qualquer valor juridico, e é por isso nulo!!

Havendo uma ponderação dos prejuizos, sempre diriamos que os do Exequente seriam superiores aos dos Executados, pois aquele perderia o seu direito, dado que os executados não possuem outros bens penhoráveis;

Mas como não se trata aqui de apurar o prejuizo do Exequente mas dos Executados, sempre se defende que a “oposição justificada”a que alude o artigo 99 n.º 2 do CPC, deverá reportar-se a causas/fundamentos que não contendam com a mera conveniência, como parece ser o caso dos autos – conveniência essa que se traduz na possibilidade de os executados virem a deduzir embargos tempestivos, e simultaneamente cancelar a penhora que o Exequente logrou fazer.


*

            Questões a decidir:

            A tempestividade do pedido de remessa ao tribunal competente;

            A justificação da oposição a esta remessa.


*

            Factos a considerar (admitidos por acordo):

            A (…) intentou execução contra J (…), Lda e outro no tribunal judicial da comarca de Leiria.

            Este tribunal julgou-se materialmente incompetente e absolveu os executados da instância.

            Esta decisão foi proferida quando a execução já tinha a venda do imóvel penhorado designada.

            A decisão sofreu recurso, vindo o STJ a confirmar a incompetência, por acórdão notificado a 28.11.2014.

            Por requerimento de 15.12.2014, o exequente pediu a remessa dos autos para o tribunal do trabalho de Leiria.

           

Os executados opuseram-se pela forma que resulta dos termos do recurso, supra referidos, e em síntese:

O aproveitameto dos articulados nestes autos levaria a que não fosse apreciado o o seu pedido laboral, concretamente o da nulidade do título executivo;

Continuando o processo no Tribunal de Trabalho, os executados poderiam ter que pagar o valor que não devem ao Exequente.

            As partes têm pendente no tribunal de trabalho uma ação intentada pelos executados (nº 194/13), na qual pedem a nulidade do título que serve de base a esta execução.


*

A tempestividade do pedido de remessa ao tribunal competente;

            O artigo 99º do Código de Processo Civil (doravante CPC), (Efeito da incompetência absoluta), determina:

1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.

2 – Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.

3 – Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.

Esta norma (de aplicação imediata aos autos nos termos do art. 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6) estabelece expressamente que o requerimento do autor deve ocorrer no prazo de dez dias contados do trânsito em julgado da decisão correspondente.

Ora, no caso, a notificação do acórdão do STJ fez-se a 28.11.2014. Não estando certificada a data do trânsito em julgado daquele, de qualquer maneira ele não ocorre antes de 11.12.2014 (cfr. art.685º do CPC e a necessidade de se acautelar uma arguição de nulidades). O pedido foi feito a 15.12.2014, pelo que é tempestivo.

A justificação da oposição à remessa do processo.

Aquela norma corresponde ao artigo 105º do Código anterior, no qual, para a referida remessa, era necessário o acordo das partes.

Subjacente à norma, tanto no regime pretérito como no actual, está uma ideia de relativa e possível economia de atos.

Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, anotando o artigo (vol.1º, 3ª edição, página 204), dizem-nos:

“O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. (…) Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância – o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta –, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância. Assim, aproveitam-se apenas os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citação do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador), mas não os restantes atos praticados pelas partes ou pelo tribunal, nomeadamente as provas produzidas (sem prejuízo do artigo 421º), os despachos eventualmente proferidos (por exemplo, sobre o valor da acção) ou a tramitação de qualquer incidente” (…).

            Como resulta da norma em análise e do art.278º, nº1, a), da mesma lei, a instância extingue-se e não continua no tribunal competente, no qual se inicia uma nova.

Se a instância se extingue e apenas são aproveitados os articulados, o direito do autor não chega a ser conhecido e declarado, ao contrário do que procura defender o recorrido.

Se apenas são aproveitados os articulados, não são aproveitados os restantes atos praticados na execução, pelas partes ou pelo tribunal.

Neste contexto, e na base de um erro do autor, devemos concluir que a remessa do processo não pode prejudicar o réu.

Ora, o réu só não será prejudicado se, não tendo utilizado certo meio de defesa na ação anterior, puder fazê-lo na nova ação.

(Ver, com interesse, acórdão da Relação do Porto, de 1.6.2015, proc. 1327/11, e decisões singulares desta Relação, de 12.2.2015, proc. 141591/13 e de 29.1.2015, proc. 141592/13, em www.dgsi.pt.)

Por conseguinte, obstará à remessa dos autos uma oposição do réu que expresse querer apresentar uma contestação diferente da apresentada.

E, por fim, o tribunal que é incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão manifestada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente.

Vejamos agora o caso concreto.

De acordo com a posição manifestada pelos executados, estes pretendem defender-se com a nulidade do título executivo, questão que colocaram na ação já pendente no tribunal do trabalho mas não colocaram nesta execução. Sendo assim, a par com aquela ação, quererão invocar a exceção na execução a tramitar no tribunal competente.

Por seu lado, o recorrido admite a discussão da nulidade do título mas quer aproveitar todos os atos praticados (penhora e registos).

Como vimos, não se aproveitam todos os atos praticados.

Sendo assim, admitir-se o aproveitamento da execução no estado em que se encontra (preparada para a venda), significaria admitir a venda sem que a questão da nulidade do título esteja decidida. Devemos considerar que a ação pendente no tribunal de trabalho não suspende a execução.

Em consequência, não pode retirar-se ao réu a hipótese de invocar no tribunal competente a questão da nulidade do título e a este tribunal a possibilidade de decidir sobre essa nulidade, sendo esta uma questão prévia à venda.

É certo que o não aproveitamento de todos os atos prejudica o exequente, mas esta consequência resulta do seu erro, restando-lhe servir-se de outros meios para acautelar o património dos executados.

De qualquer maneira, neste particular, não está em causa avaliar o prejuízo do autor mas sim o processual do réu.

Em conclusão, a oposição dos executados mostra-se justificada pela pretensão de deduzir defesa na nova execução, que não deduziu aqui, em coerência com a questão que já está colocada no tribunal competente, embora em processo que não suspende a execução.


*

Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e não se ordena a remessa da execução extinta para o tribunal de trabalho de Leiria.

           

Custas pelo Recorrido.

Coimbra, 2016-04-20

Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira