Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA REMESSA DO PROCESSO OPOSIÇÃO JUSTIFICADA | ||
Data do Acordão: | 04/20/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.99 CPC | ||
Sumário: | No âmbito da norma do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, a oposição é justificada quando as razões invocadas expressarem que o réu não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
O presente recurso vem interposto da decisão que julgou procedente o requerimento do exequente, através do qual pediu a remessa dos autos ao tribunal competente (tribunal de trabalho), nos termos previstos no n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil. Considerou-se na decisão sob recurso que o exequente manifestou a intenção de aproveitamento dos atos e que os executados não apresentaram oposição justificada. Os executados recorreram e apresentam as seguintes conclusões: 1 Salvo o devido respeito pela opinião e fundamentação aduzida, impunha-se e impõe-se, julgar improcedente o pedido de remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho. 2 Em 12/03/2013, a Mma. Juiz declarou “este tribunal incompetente, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio” e absolveu “os executados da presente instância”, ordenando ainda a notificação das “partes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º nº 2 do Código de Processo Civil” 3 Ao abrigo daquela norma, sendo a incompetência absoluta decretada depois de findos os articulados, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta pressupõe a verificação de dois requisitos cumulativos: o acordo das partes sobre o aproveitamento dos articulados e o requerimento do autor a pedir a remessa do processo para o tribunal competente. 4 Dentro do prazo, e por Requerimento de 23/05/2013, os Recorrentes vieram dar cumprimento a tal Despacho, informando que “não aceitam que os articulados sejam aproveitados, mesmo que o Exequente requeira a remessa do Processo para o Tribunal de Trabalho de Leiria”, traduzindo-se numa manifestação inequivocamente expressa dos Recorrentes no sentido de discordância do aproveitamento dos actos processuais já praticados. 5 Atenta a postura manifestada pelos Recorrentes, é por demais evidente que estes não estavam de acordo com o aproveitamento dos articulados, condição imperativa para a remessa dos autos para o tribunal competente, atenta a norma em vigor. 6 Esse mesmo foi o entendimento da Mma. Juiz que, por Despacho de 28/05/2013, decidiu “nada mais tenho a determinar quanto ao preceituado no art. 105º nº 2 do C.P.C. atenta a falta de acordo das partes”. 7 Não assiste agora razão ao Recorrido em solicitar a remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho, onde, naturalmente, a acção deveria ter sido intentada. 8 Porém, a entrada em vigor da Lei 41/2013 de 26 de Junho, alterou a redacção do nº 2 daquele preceito legal, a que corresponde actualmente o art. 99º, sendo aqui relevante a distinção da parte final, quanto às circunstâncias em que poderá ocorrer a remessa do processo para o Tribunal competente, subsequentemente à verificação da incompetência absoluta, estando findos os articulados: era necessário, no regime anterior a 01/09/2013, o acordo das partes; é necessário, no regime actual, que a eventual oposição à remessa por parte do Autor seja considerada justificada. 9 Sendo efeito da incompetência absoluta a absolvição da instância, acaso a incompetência seja decretada depois de findos os articulados, podem no entanto ser estes mantidos, mediante requerimento do Autor e não oferecendo o Réu oposição justificada. 10 Fazendo uma análise crítica dos Requerimentos apresentados pelos Recorrentes em 06/01/2015 e 23/01/2015, verifica-se que foram elencados e justificados os motivos da sua discordância, consignando clara e taxativamente as razões da sua oposição, em clara obediência às regras de clareza e precisão impostas pela nova Lei. 11 O Tribunal a quo não analisou e valorou criteriosamente os factos alegados naqueles ditos requerimentos, os quais, repita-se, constituem uma oposição devidamente fundamentada e justificada dos Recorrentes. 12 A inexistência de oposição justificada pressupõe uma absoluta ausência e omissão de fundamentos. 13 In casu, atentando na Alegação dos sobreditos Requerimentos dos Recorrentes e como dos factos ali alegados resulta e pode e deve concluir-se, os Recorrentes fundamentaram de forma expressa, objectiva, clara e suficiente, os motivos e razões da sua oposição à remessa dos autos para o Tribunal do Trabalho de Leiria, inexistindo, portanto, qualquer vazio de fundamentação, como pretende fazer crer o Tribunal a quo. 14 O douto Despacho recorrido viola o disposto no artigo 99°, nº 2, do CPC, dado que os Recorrentes manifestaram expressa e justificada discordância no aproveitamento processual dos actos já praticados. 15 Deve, em conformidade, ser revogado o dito despacho, e substituído por outro que julgue a oposição oferecida pelos Recorrentes justificada e, consequentemente, indeferir a remessa dos presentes autos para o Tribunal de Trabalho da Comarca de Leiria, extinguindo-se a instância. * Contra alegou o exequente, defendendo, em síntese: A tempestividade do seu pedido de remessa ao tribunal competente; A “oposição justificada” não deve subsumir-se à mera conveniência dos Executados; Os Recorrentes elencaram apenas dois fundamentos que na sua perspetiva funda uma “oposição justificada”, a saber: a) Pelo aproveitameto dos articulados nestes autos, “ não veria apreciado e julgado o seu pedido laboral” b) Causaria enormissimos prejuizos aos executados se o presente processo fosse tramitado para o Tribunal de Trabalho porquanto os executados poderiam ter que pagar um valor que, não só não devem ao Exequente, como também, assenta a reclamação do Exequente num documento que não tem qualquer valor juridico, e é por isso nulo!! Antes de mais é falso que pelo aproveitamento dos articulados nestes autos, os Exequentes “não veria apreciado e julgado o seu pedido laboral”, pois que a pretensão dos Recorrentes ainda se encontra em aberto, e por decidir pelo Tribunal de Trabalho de Leiria (encontrando-se designado julgamento para o dia 20 de Maio de 2015); Negar-se o aproveitamento dos articulados no caso em apreço, acarretaria a perda em definitivo do direito que o Exequente, já tem declarado e apenas pretende que o Tribunal efetive, pela tramitação subsequente à penhora efetuada nos presentes autos; Por outro lado, e como já se disse, a pretensão dos Executados pode (o que apenas hipoteticamente se concebe) ainda vir a produzir efeitos , se o Tribunal de Trabalho entender declarar nulo o documento subscrito pelas partes e que funda o presente titulo executivo; Por outro lado alegam ainda “causaria enormissimos prejuizos aos executados se o presente processo fosse tramitado para o Tribunal de Trabalho porquanto os executados poderiam ter que pagar um valor que, não só não devem ao Exequente, como também, assenta a reclamação do Exequente num documento que não tem qualquer valor juridico, e é por isso nulo!! Havendo uma ponderação dos prejuizos, sempre diriamos que os do Exequente seriam superiores aos dos Executados, pois aquele perderia o seu direito, dado que os executados não possuem outros bens penhoráveis; Mas como não se trata aqui de apurar o prejuizo do Exequente mas dos Executados, sempre se defende que a “oposição justificada”a que alude o artigo 99 n.º 2 do CPC, deverá reportar-se a causas/fundamentos que não contendam com a mera conveniência, como parece ser o caso dos autos – conveniência essa que se traduz na possibilidade de os executados virem a deduzir embargos tempestivos, e simultaneamente cancelar a penhora que o Exequente logrou fazer. * Questões a decidir: A tempestividade do pedido de remessa ao tribunal competente; A justificação da oposição a esta remessa. * Factos a considerar (admitidos por acordo): A (…) intentou execução contra J (…), Lda e outro no tribunal judicial da comarca de Leiria. Este tribunal julgou-se materialmente incompetente e absolveu os executados da instância. Esta decisão foi proferida quando a execução já tinha a venda do imóvel penhorado designada. A decisão sofreu recurso, vindo o STJ a confirmar a incompetência, por acórdão notificado a 28.11.2014. Por requerimento de 15.12.2014, o exequente pediu a remessa dos autos para o tribunal do trabalho de Leiria.
Os executados opuseram-se pela forma que resulta dos termos do recurso, supra referidos, e em síntese: O aproveitameto dos articulados nestes autos levaria a que não fosse apreciado o o seu pedido laboral, concretamente o da nulidade do título executivo; Continuando o processo no Tribunal de Trabalho, os executados poderiam ter que pagar o valor que não devem ao Exequente. As partes têm pendente no tribunal de trabalho uma ação intentada pelos executados (nº 194/13), na qual pedem a nulidade do título que serve de base a esta execução. * A tempestividade do pedido de remessa ao tribunal competente; O artigo 99º do Código de Processo Civil (doravante CPC), (Efeito da incompetência absoluta), determina: 1 – A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. 2 – Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada. 3 – Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral. Esta norma (de aplicação imediata aos autos nos termos do art. 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6) estabelece expressamente que o requerimento do autor deve ocorrer no prazo de dez dias contados do trânsito em julgado da decisão correspondente. Ora, no caso, a notificação do acórdão do STJ fez-se a 28.11.2014. Não estando certificada a data do trânsito em julgado daquele, de qualquer maneira ele não ocorre antes de 11.12.2014 (cfr. art.685º do CPC e a necessidade de se acautelar uma arguição de nulidades). O pedido foi feito a 15.12.2014, pelo que é tempestivo. A justificação da oposição à remessa do processo. Aquela norma corresponde ao artigo 105º do Código anterior, no qual, para a referida remessa, era necessário o acordo das partes. Subjacente à norma, tanto no regime pretérito como no actual, está uma ideia de relativa e possível economia de atos. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, anotando o artigo (vol.1º, 3ª edição, página 204), dizem-nos: “O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. (…) Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar, sendo certo que, a ser assim, o réu gozará, até 01/09/2014, da protecção concedida pela norma transitória do artigo 3º, a) da Lei 41/2013, de 26 de Junho. Como resulta da norma em análise e do art.278º, nº1, a), da mesma lei, a instância extingue-se e não continua no tribunal competente, no qual se inicia uma nova. Se a instância se extingue e apenas são aproveitados os articulados, o direito do autor não chega a ser conhecido e declarado, ao contrário do que procura defender o recorrido. Se apenas são aproveitados os articulados, não são aproveitados os restantes atos praticados na execução, pelas partes ou pelo tribunal. Neste contexto, e na base de um erro do autor, devemos concluir que a remessa do processo não pode prejudicar o réu. Ora, o réu só não será prejudicado se, não tendo utilizado certo meio de defesa na ação anterior, puder fazê-lo na nova ação. (Ver, com interesse, acórdão da Relação do Porto, de 1.6.2015, proc. 1327/11, e decisões singulares desta Relação, de 12.2.2015, proc. 141591/13 e de 29.1.2015, proc. 141592/13, em www.dgsi.pt.) Por conseguinte, obstará à remessa dos autos uma oposição do réu que expresse querer apresentar uma contestação diferente da apresentada. E, por fim, o tribunal que é incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão manifestada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente. Vejamos agora o caso concreto. De acordo com a posição manifestada pelos executados, estes pretendem defender-se com a nulidade do título executivo, questão que colocaram na ação já pendente no tribunal do trabalho mas não colocaram nesta execução. Sendo assim, a par com aquela ação, quererão invocar a exceção na execução a tramitar no tribunal competente. Por seu lado, o recorrido admite a discussão da nulidade do título mas quer aproveitar todos os atos praticados (penhora e registos). Como vimos, não se aproveitam todos os atos praticados. Sendo assim, admitir-se o aproveitamento da execução no estado em que se encontra (preparada para a venda), significaria admitir a venda sem que a questão da nulidade do título esteja decidida. Devemos considerar que a ação pendente no tribunal de trabalho não suspende a execução. Em consequência, não pode retirar-se ao réu a hipótese de invocar no tribunal competente a questão da nulidade do título e a este tribunal a possibilidade de decidir sobre essa nulidade, sendo esta uma questão prévia à venda. É certo que o não aproveitamento de todos os atos prejudica o exequente, mas esta consequência resulta do seu erro, restando-lhe servir-se de outros meios para acautelar o património dos executados. De qualquer maneira, neste particular, não está em causa avaliar o prejuízo do autor mas sim o processual do réu. Em conclusão, a oposição dos executados mostra-se justificada pela pretensão de deduzir defesa na nova execução, que não deduziu aqui, em coerência com a questão que já está colocada no tribunal competente, embora em processo que não suspende a execução. * Decisão. Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e não se ordena a remessa da execução extinta para o tribunal de trabalho de Leiria.
Custas pelo Recorrido. Coimbra, 2016-04-20
Fernando Monteiro ( Relator ) António Carvalho Martins Carlos Moreira |