Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
712/14.1TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: HABILITAÇÃO
INCIDENTE
CESSÃO DE CRÉDITO
ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 11/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 577 CC, 263, 356 CPC
Sumário: 1. A cessão ( art. 577º Código Civil ) -, é o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou uma parte do seu crédito.

2. No incidente de habilitação de adquirente ou cessionário - art. 376.° do anterior Cód. Proc. Civil (356º NCPC) -, mesmo na falta de oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar se a transmissão ou cessão é válida, apreciando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão.

3. O incidente de habilitação de adquirente previsto nos arts. 271.°, aI. a) e 376.°, do CPC (263º e 356º NCPC), sendo o meio adequado para realizar a substituição de alguma das partes em acção declarativa, à luz do princípio de economia processual pode e deve aplicar-se, por analogia, mesmo no âmbito da acção executiva para, embora em desvio às regras normais da legitimidade neste domínio, de um modo mais fácil e rápido, possibilitar a intervenção do adquirente do bem hipotecado.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

B (…) S.A., requerente nos presentes autos, notificado da sentença que julgou improcedente o presente incidente de habilitação, não se conformando com a mesma, veio dela interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

A. A decisão de que se recorre, que julgou o incidente de habilitação improcedente, por não provado, considerando que o requerente não juntou aos autos quaisquer contratos de onde resulte que ocorreu a transmissão de créditos em causa, constitui uma errada interpretação dos factos constantes do documento junto pelo Apelante e a sua errada valoração e dos esclarecimentos devidamente prestados.

B. Bem como constitui uma errada interpretação e aplicação dos artigos 2630 e 3560 do Código de Processo Civil e do artigo 577º do Código Civil.

C. O Apelante celebrou com o B (…), PLC., em 2 de setembro de 2015 e em 31 de março de 2016, todos com efeitos a 1 de abril de 2016, contratos ao abrigo dos quais foram transmitidos um conjunto de créditos do segundo para o primeiro, todos os direitos e garantias acessórias aos créditos cedidos, assim como a sua posição processual nos processos judiciais em curso para cobrança dos mesmos.

D. Para efeitos de comprovação em JUIZO da cessão de créditos e garantias ocorrida, nomeadamente para efeitos de habilitação processual do Apelante, o B (…), PLC e o Apelante outorgaram um documento denominado "declaração de cessão de créditos para efeitos de habilitação de cessionário" - doravante designado "declaração", datado de 26.04.2016, que foi apresentado no presente incidente de habilitação.

E. Conforme consta da referida declaração (cfr. ponto 6), "devido à especial dimensão e complexidade dos Contratos, parte dos quais se encontram redigidos em língua inglesa, as Partes emitem a presente declaração para os efeitos de comprovar a cessão de créditos e garantias ocorridas, nomeadamente para efeitos de habilitação processual do B (…) S. A. ¬Sucursal em Portugal" .

F. E porque se tratam de contratos que contêm cláusulas sigilosas e confidenciais que ambas as partes pretendem salvaguardar, não são divulgados publicamente, tudo conforme explanado ao Meritíssimo Juiz a quo em requerimento apresentado em 13.01.2017.

G. Em anexo ao documento junto aos autos, existe uma lista de créditos cedidos (anexos I e II), cujos créditos elencados integram o conjunto de créditos cedidos pelo B (…), PLC ao Apelante, tendo sido devidamente identificada, por meio de requerimento apresentado em 28.10.2016, a página do anexo referente ao crédito cedido relativo aos executados.

H. O documento junto aos está subscrito pelo Apelante, na qualidade de cessionário, e pelo B (…) PLC, na qualidade de cedente, e contém a descrição dos contratos celebrados que estiveram na base do negócio operado entre as duas entidades, identificando o objeto do negócio jurídico e as partes intervenientes.

I. Ainda na referida declaração, no ponto 3, pode ler-se que "no âmbito da Operação e por efeitos dos referidos contratos, foram cedidos, nos termos e para os efeitos do artigo 5770 e sego do Código Civil, um conjunto de créditos, os quais, com efeitos a 1 de abril de 2016, passam a ser, para todos os efeitos legais, da titularidade do B (...) , S.A. - Sucursal em Portugal, sendo este, por conseguinte, o respetivo credor".

J. Tal como se depreende do conceito de contrato, o mesmo depende da vontade das partes, sendo a cessão de créditos, de igual modo, um negócio jurídico operado por vontade das partes, no caso, cedente e cessionário.

K. Notificados os requeridos, a saber, o cedente e os executados - que foram nos termos e para os efeitos previstos no artigo 356º do CPC, estes não apresentaram contestação à habilitação requerida .

L. Para além de o presente incidente de habilitação ter sido liminarmente recebido pelo Tribunal a quo, os requeridos não se opuseram nem impugnaram de algum modo a validade do documento junto aos autos pelo requerente.

M. São já inúmeras as sentenças, transitadas em julgado, que habilitaram o aqui Apelante, julgando como bastante para prova da cessão de créditos operada o documento apresentado nestes autos, nomeadamente, nos processos n.º 4289/15.2T8LRA-A e 4290/15.6T8LRA-A, pendentes no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Alcobaça e no Juiz 3 do Juízo Central Cível de Leiria, respetivamente, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, duas ações paulianas em são réus alguns dos executados nos autos principais a que está apenso o presente incidente e onde são objeto dos referidos processos os mesmos créditos cedidos.

N.     No documento junto aos autos verifica-se manifestada a vontade das partes de ceder e de adquirir determinados direitos de crédito, melhor identificados na listagem anexa através do nome do cliente e do número dos contratos associados a cada cliente.

O. Acresce que o crédito cedido em questão não configura um crédito garantido, pelo que não se encontra abrangido por outro documento, designadamente pelas escrituras públicas de cessão de créditos e respetivas garantias outorgadas em 31.03.2016, conforme alegado oportunamente.

P. Sendo certo que cabe ao Tribunal, na falta de contestação, verificar se o(s) documento(s) apresentado(s) pelo requerente do incidente prova a cessão, entende-se que mal andou o Meritíssimo Juiz a quo ao não valorar o documento junto pelo Apelante, que oportunamente justificou a não junção do contrato de cessão, que não juntou em nenhum dos inúmeros incidentes de habilitação apresentados em juízo.

Q. Atuando do mesmo modo no presente incidente de habilitação, na convicção de que, tal qual nos demais incidentes, o documento apresentado constitui prova bastante da cessão de créditos em questão, encontrando-se preenchidos os requisitos necessários à habilitação de cessionário.

R. Sendo, ainda, certo que a instância pode modificar-se, quanto às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, por ato entre vivos, como prevê o artigo 263°, nº 1 do C.P.C.

S. Dúvidas não subsistem de que esta substituição ocorreu mediante cessão de créditos operada entre as Partes, sem qualquer oposição, passando a ser parte na relação substantiva do litígio o cessionário.

T. Preceitua o n.º 2 do artigo 263° do C.P.C. que na falta de acordo (sendo certo que não existiu qualquer oposição) só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.

U. Fica demonstrado que a cessão de créditos nunca visou dificultar a posição dos Requeridos.

V. A douta sentença violou o disposto nos artigos 263° e 356° do Código de Processo Civil e no artigo 577° do Código Civil.

W. A não consideração do documento junto como prova bastante da cessão de créditos em apreço, constitui uma errada interpretação dos factos constantes dos documentos juntos pelo Requerente .

X.     Do documento junto aos autos verifica-se que as Partes ali manifestaram a vontade de ceder e de adquirir um determinado direito de crédito.

Y. Sendo que a prova produzida no incidente, através do documento junto e dos esclarecimentos prestados, bem como a ausência de qualquer intenção de prejudicar a posição dos Requeridos, mostram-se bastantes para que a habilitação do cessionário seja deferida.

*

Não foram proferidas contra-alegações.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem do elemento narrativo dos Autos, em decorrência da sua própria revelação, designadamente, importando fazer ressumar, que:

- Na decisão em causa se consagra:

«FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão não se provaram quaisquer factos.

b) FACTOS NÃO PROVADOS

1. A B (…), SA celebrou com o B (…) PLC em 2 de Setembro de 2015 e em 1 de Abril de 2016, contratos ao abrigo dos quais foram transmitidos créditos e garantias da segunda para a primeira.

2. Entre os quais o crédito detido sobre os executados subjacentes aos autos principais.

c) CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

Os factos não provados resultaram da ausência de prova em relação aos mesmos produzida.

A requerente alega terem sido celebrados contratos ao abrigo dos quais adquiriu o crédito que o exequente detinha sobre os executados nos autos principais, pese embora, não juntou aos autos quaisquer contratos de onde resulte que ocorreu essa transmissão de créditos.

A requerente apenas junta aos autos uma declaração de cessão de créditos (fls. 20 verso e 21), que não constitui qualquer documento de prova bastante para o efeito, e embora tenha junto uma listagem com uma relação de vários créditos, onde consta o nome dos executados, não juntou o documento que prova a cessão, ou seja, o contrato.

Na verdade, a não oposição dos executados também não é suficiente para se considerar que foi outorgado um contrato de cessão.

Nos termos do disposto no artigo 356°, n° 1, alínea b) do CPC, a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio para com ele seguir a causa, faz-se nos seguintes termos: b) Se houver contestação o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário, ora, daqui decorre que impõe-se a análise pelo tribunal do documento que prova a cessão, e o único documento que o pode provar é o contrato celebrado entre as partes.

Ora, no caso em apreço, não foi junto o contrato, apesar das várias insistências do tribunal, por essa razão se deu como não provados os factos acima e1encados.

 

IV. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Dispõe o artigo 577.°, n.º 1 do Código Civil que" o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor".

Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, a cessão de créditos é "um negócio de causa variável ou policausal, podendo ter por base uma venda, uma doação, uma dação em cumprimento etc."]

No caso em apreço, não se provou que tenha ocorrido qualquer cessão do crédito em causa, pelo que, sem necessidade de mais considerações, julgo o presente incidente improcedente, por não provado.

V. DECISÃO

Face ao exposto, julgo improcedente o presente incidente de habilitação.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (artigos 539.0 n." 1 do CPC e artigo 7°, n° 4 e tabela II do RCP)».

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art° 608º, do mesmo Código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

A. A decisão de que se recorre, que julgou o incidente de habilitação improcedente, por não provado, considerando que o requerente não juntou aos autos quaisquer contratos de onde resulte que ocorreu a transmissão de créditos em causa, constitui uma errada interpretação dos factos constantes do documento junto pelo Apelante e a sua errada valoração e dos esclarecimentos devidamente prestados.

B. Bem como constitui uma errada interpretação e aplicação dos artigos 263º e 356º do Código de Processo Civil e do artigo 577º do Código Civil.

Apreciando, diga-se que a cessão - na emergência do que se consagra no art. 577º Código Civil (admissibilidade da cessão) -, é o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou uma parte do seu crédito (vid. A. Varela, Obrigações, 2.°-254). Nesta conformidade, verifica-se a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Consiste, portanto, esta figura na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Sublinhe-se que não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo. O credor que transfere o crédito, o terceiro para quem ele é transferido e o devedor, respectivamente, recebem os nomes de cedente, cessionário e devedor cedido (Almeida Costa, Obrigações, 269).

Como sua emergência, são requisitos da cessão: a) um acordo entre o credor e o terceiro; b) consubstanciado num facto transmissivo (fonte da transmissão); c) a transmissibilidade do crédito (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980,2.º-90). Deste modo, configurando-se, pois, como requisitos da cessão de créditos, referencialmente, um acordo entre o credor e o terceiro, consubstanciado num pacto transmissivo, que é a sua fonte, e desde que o crédito seja transmissível, o regime da cessão de créditos é definido em função do negócio em que se baseia, tendo de ser reduzido a escrito, se a sua fonte de transmissão o exigir (Ac. RP, 16-10-1995: BMJ, 450.º-555).

Com tal esquisso, elemento típico nuclear e essencial da cessão de créditos é que o cessionário seja um terceiro, diferente, por conseguinte, do próprio devedor (Ac. STJ, 11-3-2004: CI/STJ, 2004:CJ/STJ, 2004, 1º-124).

-

Isto dito, retenha-se, da economia dos Autos, por imperativo de análise, que, em função do que se consagra no art. 362.º Código Civil (noção) - “prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.

Ora, as declarações escritas são verdadeiros documentos (art. 362.º), embora apenas narrativos ou de cariz testemunhal (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares, n.º 113, e Vaz Serra, BMJ, 111.º-74). Isto priva-os de força probatória plena (art. 376.º, n.º 2), mas não deixam de ter relevância, pois constituem indício do facto respectivo (Alberto dos Reis, Código Anotado. 4.º, págs. 25 e 312, e Vaz Serra, RLJ, 96.º-176. e BMJ, 112.º-170) a apreciar livremente pelo Tribunal (art. 366.º) (Ac. RC, 24-5-1972: BMJ, 218.º-316).

Em princípio, pois, quando a lei exige documento para certo tipo de negócio jurídico requere-o como forma que o negócio deva revestir, portanto como algo indispensável à sua existência válida, pelo que o documento não pode ser dispensado se se quer dar vida a um acto conforme com a Lei e dotado de relevância jurídica. Se o documento é exigido somente para a prova do negócio jurídico (documento probatório), o acto celebra-se validamente por qualquer modo, não tendo que ser reduzido a escrito. Em princípio, também, a prova desse acto só pode produzir-se através de documento escrito; essa exibição apenas poderá ser substituída por confissão expressa judicial ou por confissão expressa extrajudicial constante de documento de valor igualou superior. Se o documento é exigido para a formação do negócio - como requisito de forma e, portanto, como condição de validade (documento substancial) -, há que provar a feitura do documento. A prova do documento pode advir da junção da sua cópia. Assim; a) uma cópia, quer oficial, quer particular (fotocópia), vale o mesmo que o original quando não seja impugnada; b) uma cópia oficial vale o mesmo que o original quando seja impugnada, mas o impugnante não prove a sua desconformidade com o original; c) uma cópia particular (fotográfica) vale o mesmo que o original quando seja impugnada, mas o apresentante prove a sua conformidade com o original. Desta feita, a fotocópia particular, não impugnada, de um contrato de cessão (…) é prova bastante da válida celebração desse contrato (Cf. Parecer de Inocêncio GaIvão Telles: CJ, 1984,4.º-5).

É certo que os documentos particulares não provam, por si só, a sua proveniência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria. Não obstante, a autenticidade deles (só) pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte ou através do reconhecimento judicial. Se a parte contra a qual o documento particular é oferecido nada disser, a autenticidade do mesmo considera-se provada, nos termos do art. 374.°, n.º 1, do Código Civil (todavia, se a parte a quem o documento é oposto impugnar a veracidade da assinatura ou se disser que não sabe se ela é verdadeira, quer a argua de falsa quer não, compete ao apresentante fazer a prova da veracidade - n.º 2 do mencionado art. 374.° -, alternativa que aqui não teve perfil, mantendo por isso validade e alcance o primeiro enunciado) (Cf. Ac. RE, 29-1-1987: BMJ, 365.°-712).

A idêntica conclusão se chegando como decorrência do seguinte enunciado: o n.º 1 do art. 374.º do Cód. Civil, ao estatuir que se consideram verdadeiras a letra e assinatura de um documento particular não impugnado pela parte contra quem o documento é apresentado, apenas torna indiscutível que a pessoa a quem o documento é atribuído fez as declarações que dele constam. Determinar se tais declarações e em que medida as mesmas vinculam o seu autor não respeita à força probatória do documento, mas à eficácia da declaração (n.º 2 do art. 376.º do Cód. Civil. Assim, enquanto os documentos autênticos fazem prova plena, qualquer que seja o facto representado (art. 371.º, n.º 1, do Cód. Civil), o documento particular cuja veracidade esteja reconhecida só tem essa força probatória quanto aos factos nele referidos que sejam contrários ao interesse do declarante, o que se exprime pela enunciação da regra de que o documento autêntico prova plenamente erga omnes e o documento particular apenas prova inter partes (Cf. Ac. STJ, 24-4-2002, Rev. n.º 2655/01-4.ª: Sumários, 60.º).

-

Circunstancialmente, emerge dos Autos - não se podendo, com o alcance definido -, ignorar que:

C. O Apelante celebrou com o B (…), PLC., em 2 de setembro de 2015 e em 31 de março de 2016, todos com efeitos a 1 de abril de 2016, contratos ao abrigo dos quais foram transmitidos um conjunto de créditos do segundo para o primeiro, todos os direitos e garantias acessórias aos créditos cedidos, assim como a sua posição processual nos processos judiciais em curso para cobrança dos mesmos.

D. Para efeitos de comprovação em JUIZO da cessão de créditos e garantias ocorrida, nomeadamente para efeitos de habilitação processual do Apelante, o B (…), PLC e o Apelante outorgaram um documento denominado "declaração de cessão de créditos para efeitos de habilitação de cessionário" - doravante designado "declaração", datado de 26.04.2016, que foi apresentado no presente incidente de habilitação.

E. Conforme consta da referida declaração (cfr. ponto 6), "devido à especial dimensão e complexidade dos Contratos, parte dos quais se encontram redigidos em língua inglesa, as Partes emitem a presente declaração para os efeitos de comprovar a cessão de créditos e garantias ocorridas, nomeadamente para efeitos de habilitação processual do B (…) S. A. ¬Sucursal em Portugal" .

F. E porque se tratam de contratos que contêm cláusulas sigilosas e confidenciais que ambas as partes pretendem salvaguardar, não são divulgados publicamente, tudo conforme explanado ao Meritíssimo Juiz a quo em requerimento apresentado em 13.01.2017.

G. Em anexo ao documento junto aos autos, existe uma lista de créditos cedidos (anexos I e II), cujos créditos elencados integram o conjunto de créditos cedidos pelo B (…), PLC ao Apelante, tendo sido devidamente identificada, por meio de requerimento apresentado em 28.10.2016, a página do anexo referente ao crédito cedido relativo aos executados.

H. O documento junto aos Autos está subscrito pelo Apelante, na qualidade de cessionário, e pelo B (…) PLC, na qualidade de cedente, e contém a descrição dos contratos celebrados que estiveram na base do negócio operado entre as duas entidades, identificando o objeto do negócio jurídico e as partes intervenientes.

I. Ainda na referida declaração, no ponto 3, pode ler-se que "no âmbito da Operação e por efeitos dos referidos contratos, foram cedidos, nos termos e para os efeitos do artigo 577º e seg. do Código Civil, um conjunto de créditos, os quais, com efeitos a 1 de abril de 2016, passam a ser, para todos os efeitos legais, da titularidade do B (...) , S.A. - Sucursal em Portugal, sendo este, por conseguinte, o respetivo credor".

J. Tal como se depreende do conceito de contrato, o mesmo depende da vontade das partes, sendo a cessão de créditos, de igual modo, um negócio jurídico operado por vontade das partes, no caso, cedente e cessionário.

N.     No documento junto aos autos verifica-se manifestada a vontade das partes de ceder e de adquirir determinados direitos de crédito, melhor identificados na listagem anexa através do nome do cliente e do número dos contratos associados a cada cliente.

O. Acresce que o crédito cedido em questão não configura um crédito garantido, pelo que não se encontra abrangido por outro documento, designadamente pelas escrituras públicas de cessão de créditos e respetivas garantias outorgadas em 31.03.2016, conforme alegado oportunamente.

Daí que, ao invés do considerado, se considerem provados!

Em consequência de que se deixam de ter - os na decisão de 1ª Instância, aí reputados como b) FACTOS NÃO PROVADOS

 

1. A B (…) SA celebrou com o B (…), PLC em 2 de Setembro de 2015 e em 1 de Abril de 2016, contratos ao abrigo dos quais foram transmitidos créditos e garantias da segunda para a primeira.

2. Entre os quais o crédito detido sobre os executados subjacentes aos autos principais;

Agora, também, considerados inclusos nos FACTOS PROVADOS.

Assim se configura como incontroverso e incontrovertível que, no incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, haja ou não oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar da validade de transmissão ou cessão (Ac. RP, de 10.9.2012: Proc. 4257/08.0TJVNF-B.P1.dgsi.Net). Levando, do mesmo modo, a considerar que o incidente de habilitação de adquirente previsto nos arts. 271.°, aI. a) e 376.°, do CPC (263º e 356º NCPC), sendo o meio adequado para realizar a substituição de alguma das partes em acção declarativa, à luz do princípio de economia processual pode e deve aplicar-se, por analogia, mesmo no âmbito da acção executiva para, embora em desvio às regras normais da legitimidade neste domínio, de um modo mais fácil e rápido, possibilitar a intervenção do adquirente do bem hipotecado. (Ac. STJ, de 28.11.2002, Agr. n.º 2897/02-2.ª: Sumários. 11/2002). Sem que, circunstancialmente, qualquer oposição à execução haja sido proficientemente deduzida.

Em todo o caso, no incidente de habilitação de adquirente ou cessionário - art. 376.° do Cód. Proc. Civil (356º NCPC) -, mesmo na falta de oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar se a transmissão ou cessão é válida, apreciando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão (Cf. Ac. RP, de 27.9.2004: JTRP00037164.dgsi.Net). Deste modo, se os requerentes peticionaram a sua habilitação, alegando, em base em documentação que juntarem, terem obtido a cessão de um crédito e os requeridos, na oposição, nada alegaram, nos termos supra expressos, não se pode contrariar que, para o efeito pretendido, tal prova se consumou.

Assim, não pode deixar de relevar a - alegada e comprovada -, circunstância de:

K. Notificados os requeridos, a saber, o cedente e os executados - que foram nos termos e para os efeitos previstos no artigo 356º do CPC, estes não apresentaram contestação à habilitação requerida.

L. Para além de o presente incidente de habilitação ter sido liminarmente recebido pelo Tribunal a quo, os requeridos não se opuseram nem impugnaram de algum modo a validade do documento junto aos autos pelo requerente.

Desta arte, como vem impetrado, “o documento apresentado constitui prova bastante da cessão de créditos em questão, encontrando-se preenchidos os requisitos necessários à habilitação de cessionário pois dele se verifica que as partes ali manifestaram a vontade de ceder e de adquirir um determinado direito de crédito. Em consequência, sendo a prova produzida no incidente, através do documento junto e dos esclarecimentos prestados, bem como a ausência de qualquer intenção de prejudicar a posição dos Requeridos - que os Autos não revelam -, mostram-se bastantes para que a habilitação do cessionário seja deferida”.

Razões que determinam atribuir resposta afirmativa às questões em 1.

**

Podendo, assim concluir-se, sumariando (art. 632º,nº7 NCPC) que:

1.

A cessão - na emergência do que se consagra no art. 577º Código Civil (admissibilidade da cessão) -, é o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou uma parte do seu crédito. Nesta conformidade, verifica-se a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito. Consiste, portanto, esta figura na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional. Sublinhe-se que não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo.

2.

Com tal esquisso, elemento típico nuclear e essencial da cessão de créditos é que o cessionário seja um terceiro, diferente, por conseguinte, do próprio devedor.

3.

Em função do que se consagra no art. 362.º Código Civil (noção) - “prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.

4.

Ora, as declarações escritas são verdadeiros documentos (art. 362.º), embora apenas narrativos ou de cariz testemunhal. Isto priva-os de força probatória plena (art. 376.º, n.º 2), mas não deixam de ter relevância, pois constituem indício do facto respectivo a apreciar livremente pelo Tribunal (art. 366.º).

5.

Quando a lei exige documento para certo tipo de negócio jurídico requere-o como forma que o negócio deva revestir, portanto como algo indispensável à sua existência válida, pelo que o documento não pode ser dispensado se se quer dar vida a um acto conforme com a Lei e dotado de relevância jurídica. Se o documento é exigido somente para a prova do negócio jurídico (documento probatório), o acto celebra-se validamente por qualquer modo, não tendo que ser reduzido a escrito.

6.

A prova desse acto só pode produzir-se através de documento escrito; essa exibição apenas poderá ser substituída por confissão expressa judicial ou por confissão expressa extrajudicial constante de documento de valor igualou superior. Se o documento é exigido para a formação do negócio - como requisito de forma e, portanto, como condição de validade (documento substancial) -, há que provar a feitura do documento.

7.

A prova do documento pode advir da junção da sua cópia. Assim; a) uma cópia, quer oficial, quer particular (fotocópia), vale o mesmo que o original quando não seja impugnada; b) uma cópia oficial vale o mesmo que o original quando seja impugnada, mas o impugnante não prove a sua desconformidade com o original; c) uma cópia particular (fotográfica) vale o mesmo que o original quando seja impugnada, mas o apresentante prove a sua conformidade com o original. Desta feita, a fotocópia particular, não impugnada, de um contrato de cessão  é prova bastante da válida celebração desse contrato.

8.

A idêntica conclusão se chegando como decorrência do seguinte enunciado: o n.º 1 do art. 374.º do Cód. Civil, ao estatuir que se consideram verdadeiras a letra e assinatura de um documento particular não impugnado pela parte contra quem o documento é apresentado, apenas torna indiscutível que a pessoa a quem o documento é atribuído fez as declarações que dele constam. Determinar se tais declarações e em que medida as mesmas vinculam o seu autor não respeita à força probatória do documento, mas à eficácia da declaração (n.º 2 do art. 376.º do Cód. Civil. Assim, enquanto os documentos autênticos fazem prova plena, qualquer que seja o facto representado (art. 371.º, n.º 1, do Cód. Civil), o documento particular cuja veracidade esteja reconhecida só tem essa força probatória quanto aos factos nele referidos que sejam contrários ao interesse do declarante, o que se exprime pela enunciação da regra de que o documento autêntico prova plenamente erga omnes e o documento particular apenas prova inter partes.

9.

No incidente de habilitação de adquirente ou cessionário - art. 376.° do Cód. Proc. Civil (356º NCPC) -, mesmo na falta de oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar se a transmissão ou cessão é válida, apreciando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão. Deste modo, se os requerentes peticionaram a sua habilitação, alegando, em base em documentação que juntarem, terem obtido a cessão de um crédito e os requeridos, na oposição, nada alegaram, nos termos supra expressos, não se pode contrariar que, para o efeito pretendido, tal prova se consumou.

10.

No incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, haja ou não oposição dos requeridos, compete ao juiz verificar da validade de transmissão ou cessão. Levando, do mesmo modo, a considerar que o incidente de habilitação de adquirente previsto nos arts. 271.°, aI. a) e 376.°, do CPC (263º e 356º NCPC), sendo o meio adequado para realizar a substituição de alguma das partes em acção declarativa, à luz do princípio de economia processual pode e deve aplicar-se, por analogia, mesmo no âmbito da acção executiva para, embora em desvio às regras normais da legitimidade neste domínio, de um modo mais fácil e rápido, possibilitar a intervenção do adquirente do bem hipotecado.

10.1.

Nesta conformidade, o documento apresentado constitui prova bastante da cessão de créditos em questão, encontrando-se preenchidos os requisitos necessários à habilitação de cessionário, pois dele se verifica que as partes ali manifestaram a vontade de ceder e de adquirir um determinado direito de crédito. Em consequência, sendo a prova produzida no incidente, através do documento junto e dos esclarecimentos prestados, bem como a ausência de qualquer intenção de prejudicar a posição dos Requeridos - que os Autos não revelam -, mostram-se bastantes para que a habilitação do cessionário seja deferida.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, por se considerar que o documento junto aos autos prova a referida cessão de créditos, consequentemente declarando habilitado o Apelante na presente execução.

Sem Custas

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo