Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/07.3TBPNC.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
ÁREAS DESSES PRÉDIOS
SERVIDÃO
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENAMACOR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 18º, Nº 1 DO DL Nº 384/88, DE 25/10, E 1380º DO CC
Sumário: I – Para poder haver preferência tem, necessariamente, um dos prédios que ser um minifúndio (área inferior à unidade de cultura); porém, basta que um o seja, uma vez que também em tal hipótese se está a caminhar no sentido da eliminação dos minifúndios.

II - O direito de preferência previsto no artº 1380º do CC pressupõe sempre que um dos prédios em causa tenha área inferior à unidade de cultura.

III - Na acção para exercício do direito de preferência previsto no art. 1380º do CC, o autor também carece de alegar e provar que à data da compra o adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com aquele que adquiriu.

IV - A prova da existência de servidão constituída por usucapião não se basta com a prova da existência de um trilho e das características deste - ainda que este esteja bem caracterizado, inclusive, por sinais inequívocos de passagem -, sendo mister provar factos reveladores de posse relevante para a aquisição desse direito por essa via originária (cfr. artº 1287º CC).

V - Sendo a servidão um direito real com o conteúdo de possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de outro prédio, a aquisição desse direito por usucapião depende da demonstração da posse, integrada esta pelos dois elementos a que aludem os artºs 1251º e 1252º, n.º 2 do CC: o “corpus” (elemento material) e o “animus” (elemento psicológico).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1 – J… e mulher, I… intentaram, em 23/08/2007, no Tribunal Judicial de Penamacor, acção com processo sumário, de preferência, contra M… e mulher, A… (1ºs RR), B… e mulher, C… (2ºs RR), alegando, em síntese, serem proprietários do prédio rústico sito no lugar denominado de Pequitos, com a área de 30,3250ha, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …, registado na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob o n.º …, confinante com o prédio rústico, com a área de 45.250 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, registado na mesma Conservatória com o n.º …, prédio este que, em 27/02/2007, foi vendido pelos 1°s RR ao Réu B…, sem que eles, AA., pudessem exercer o seu direito de preferência em tal aquisição, já que não lhes foi dado conhecimento do projecto da venda.

Para alicerçar o invocado direito de preferência, para além da referida confinância e do disposto no artº 18º do DL nº 384/88, de 25/10, e nos artºs 1380º e 416º, ambos do Código Civil, sustentam beneficiar do estatuído no artº 1555º do mesmo Código, já que, alegam, aquele seu prédio n.º 00… estava onerado, a favor do prédio vendido, com servidão de passagem constituída por usucapião.

2 - Os RR, na contestação que apresentaram, para além de terem deduzido pedido reconvencional - o que veio a determinar que os autos seguissem termos na forma de processo ordinária -, defenderam-se alegando, em síntese, que:

- Os AA não gozavam da preferência alicerçada na confinância, mais que não fosse, pelo facto de os RR adquirentes do prédio preferendo, serem, à data a transmissão, proprietários de prédio confinante (artigo matricial …) com aquele (artigo matricial …), sendo, aliás, os únicos confinantes (artº 416º do CC);

- A preferência arrimada na confinância também carecia de suporte legal em razão de qualquer um dos dois prédios em causa - o preferendo e o dos AA - ter área superior à da unidade de cultura, que, “in casu”, é de 20.000 m2 para terras de cultura arvense e de 30.000 m2 para terras de sequeiro;

- Inexiste a servidão de passagem que os AA invocam, sendo o acesso ao prédio preferendo feito pelo lado norte deste prédio, por um caminho que vem de leste e serve e passa igualmente nos prédios inscritos na matriz sob os artigos …

3 - Na réplica que apresentaram, os AA. contrariaram a defesa dos RR e, contestando o pedido reconvencional, terminaram pedindo a improcedência deste.

4 - Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto que se considerou já estar assente e à elaboração da base instrutória, objecto, ambas, de posterior reclamação dos AA, que veio a ser atendida.

5 - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença (em 16/07/2010), que absolveu os RR dos pedidos.

B) - Inconformados com tal sentença, dela recorreram os AA, que, a terminar a alegação desse recurso - admitido como Apelação, com efeito meramente devolutivo -, ofereceram as seguintes conclusões:

Terminam pugnando pela procedência do recurso, com a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que desse guarida aos seus pedidos.

Nas respectivas contra-alegações os Recorridos defenderam que se deveria negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

C) - Questões a resolver:

Em face do disposto nos art.ºs 684º, nº 3 e 4, 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões, no sentido que deve ser tomado o estatuído no artº 660º, n.º 2 (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

Assim, a questão a solucionar, consiste em saber se os autos permitem afirmar que os AA gozam do direito de preferência na aquisição do prédio rústico que os 1ºs RR venderam ao R. J...

II - Na sentença da 1.ª Instância considerou-se como factualidade provada, a seguinte matéria:

«…»

III - A) -  Iniciando a análise da problemática em causa pela interpretação do artº 18º, nº 1, do DL nº 384/88, de 25/10, em conjugação com o preceituado no artº 1380º do CC, recorda-se o que se escreveu a propósito no Acórdão desta Relação de 5/09/2006 (Apelação nº 95/06)[3]: «Com a vigência do CC de 1966 e até à entrada em vigor do citado DL n.º 384/88 (Diploma que veio rever o emparcelamento rural em geral) a asserção efectuada na sentença recorrida era irrepreensível; efectivamente, o art. 1380.º do CC exigia - e continua a exigir - para conceder o direito de preferência, que estabelece como direito recíproco, que os terrenos confinantes - quer o terreno vendido quer o do confinante que pretende preferir - tivessem área inferior à unidade de cultura.

Artigo 1380.º do CC de 1966 que alterou a disposição legal - Base VI, n.º 1, da Lei n.º 2116, de 14-08-62 - que, tendo em vista obstar aos inconvenientes das explorações agrícolas de reduzida dimensão, havia introduzido tal direito de preferência; Base VI, n.º 1, que aludia à área inferior à unidade de cultura apenas em relação ao prédio alienado, concedendo e aproveitando tal preferência a todos os proprietários de terrenos confinantes com o minifúndio vendido, independentemente da área desses terrenos.

Foram pois duas as alterações então introduzidas pelo art. 1380.º do CC de 1966:

Por um lado, o requisito da área inferior à unidade de cultura passou a referir-se quer ao prédio alienado quer aos prédios confinantes:

Por outro lado, estabeleceu-se o direito de preferência como um direito recíproco, que liga os titulares de todos os prédios confinantes.

Na disposição inicial -  Base VI da Lei n.º 2116, de 1962 -  que estabelecera tal direito de preferência consagrara-se uma solução algo inequitativa -  uma vez que, enquanto os proprietários de prédios com área superior à unidade de cultura gozavam de preferência na venda de minifúndios confinantes, o inverso não ocorria -  que o CC de 1966 removeu.

Porém, fê-lo em termos que acabaram por se revelar demasiado restritos, passando o seu art. 1380º do CC a constituir-se como um obstáculo à concretização da ideia que presidiu ao mecanismo da preferência legal: extinção paulatina dos minifúndios.

É neste contexto -  com o objectivo de concretizar a ideia inicial da preferência legal -  que nasce o art. art. 18.º do DL n.º 384/88 (Em cujo preâmbulo, o legislador se queixa abertamente da magreza dos resultados práticos alcançados com a legislação anterior), visando alargar o regime da preferência legal estabelecido pelo art. 1380º do CC.

Por outras palavras, o legislador manteve o seu interesse na eliminação dos minifúndios - atentos os graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna condições mínima de rentabilidade - o que, evidentemente, acontece (eliminação dos minifúndios) quer quando o minifúndio é objecto de alienação e se concede a preferência aos donos dos terrenos confinantes quer quando é o dono do minifúndio a preferir na alienação de terrenos confinantes, sejam estes de área inferior ou superior à unidade de cultura.

Daí que o art. 18º do DL n.º 384/88, remetendo para o art. 1380º do CC, prescreva expressamente o seguinte:

“Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art. 1380º do CC, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”

Preceito que tem que ser interpretado à luz da evolução legislativa referida, tendo presente o sentido e o espírito de tal evolução, mas sem perder de vista a ratio de tal direito de preferência legal.

Isto é, para poder haver preferência tem, necessariamente, um dos prédios que ser um minifúndio (área inferior à unidade de cultura), porém, basta que um o seja, uma vez que, também em tal hipótese, se está a caminhar no sentido da eliminação dos minifúndios.»[4].

A mesma conclusão se extraiu no Acórdão do STJ de 20/05/2003 (Revista nº 03A575), onde, referindo-se à evolução legislativa do artº 1380 do CC, bem como ao estatuído no DL n.º 103/90, de 22/3 (Regime do Emparcelamento Rural e seu regulamento), se escreveu: «Resulta, assim, que na mira do novo regime legal estava, como anteriormente, a eliminação dos minifúndios, incrementando-se o aumento dos prédios e das explorações dentro dos limites a estabelecer.

Os estabelecimento dos "limites mínimos" da superfície dos prédios rústicos e das explorações agrícolas foi relegado pela lei - art. 21.º - para decreto regulamentar, o dito DL 103/90.

A tal respeito, o art. 53.º desde último diploma limitou-se a manter m vigor a Portaria n.º 207/70, mas prevê a anexação e inscrição matricial oficiosas dos prédios rústicos contíguos, pertencentes ao mesmo proprietário, «com a área global inferior ao dobro da unidade de cultura ou ao limite mínimo das explorações agrícolas».

Crê-se que está aí consagrado o critério adoptado pela lei relativamente às dimensões dos prédios e explorações para satisfação dos objectivos anunciados e, em parte, sempre prosseguidos: - a eliminação dos minifúndios, agora acelerada, designadamente através da atribuição do direito de preferência legal, em ordem a fazer desaparecer os que, conjuntamente com o prédio confinante, não atinjam o dobro da unidade de cultura, o que, ao fim e ao cabo, se traduz em que a existência do direito de preferência pressuponha sempre que um dos prédios tenha área inferior à unidade de cultura.».

Perfilhando este colectivo o entendimento que ora se acaba de expor, de que o direito de preferência previsto no artº 1380º pressupõe sempre que um dos prédios em causa tenha área inferior à unidade de cultura, é linear que no caso “sub judice”, tendo, tanto o prédio preferendo, como o prédio dos AA, área superior à da unidade da cultura a considerar -  20.000 m2 para terras de cultura arvense e de 30.000 m2 para terras de sequeiro (Portaria nº 202/70 de 2.Abr. e artº 53º do D.L. 103/90, de 22 de Março) - não se verifica um dos requisitos exigidos pela lei para que aos AA assistisse o direito de preferência que invocam.

Acresce que na acção para exercício do direito de preferência previsto no art. 1380º do CC, o autor também carece de alegar e provar que à data da compra o adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com aquele que adquiriu.

Trata-se de facto constitutivo do direito de preferência, “o qual só existe, só se constitui, se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante; tal o que resulta do elemento literal da norma e da sua história, designadamente da alteração introduzida pelo art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25-10”.[5]

Ora, no caso “sub judice” também não se provou que os RR adquirentes não fossem proprietários confinantes do prédio que lhes foi vendido, prova essa cujo ónus, como resulta do exposto, cabia aos AA.

É certo que os AA defendem que tal prova foi feita, alicerçando essa afirmação na circunstância de ter sido dada resposta negativa ao quesito 13º, que tinha o seguinte teor: «Os RR. J… e mulher, M… são donos e possuidores de algum prédio confinante com o prédio referido em B)?».

Só que tal resposta, ou seja, a circunstância de não se ter dado como provada a matéria do mencionado quesito não significa que se entenda como provado o inverso daquilo que nele se perguntava.

Efectivamente, é entendimento jurisprudencial sólido que a resposta negativa a um facto da base instrutória, não implica a prova do facto contrário.[6]

Na abordagem atinente à preferência resultante da servidão invocada pelos AA, começa-se por recordar o texto do artº 1555º, que, no seu nº 1, dispõe: «O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante.».

Referindo o nº 2 do artº 1547º do CC, que “as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos”, há posições divergentes quanto a considerar como servidão legal uma servidão de passagem constituída por usucapião e, consequentemente, a considerar que uma tal servidão confere ao proprietário do prédio com ela onerado a preferência estabelecida no nº 2 .

Disso se dá conta no Acórdão do STJ de 15/12/1998 (Proc nº 98A971), lembrando-se que, na doutrina, Menezes Cordeiro[7] entende que «as servidões legais não podem constituir-se por usucapião, não sendo aplicável / alargado o regime das servidões legais, com a preferência a elas inerente, às servidões constituídas por usucapião.», enquanto que Henrique Mesquita[8] «… afirma que, "segundo entendimento pacífico da doutrina (cita Pires de Lima, "Lições de Direito Civil-Direitos Reais", publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., p. 368, e Oliveira Ascensão, "Direito Civil-Reais, 5ª ed., 1993, pp. 258-260) e da jurisprudência (cita os acórdãos do STJ de 20.12.74, no BMJ, nº 242-295, e da RE de 16.5.91), o direito de opção que o artigo 1555º atribui ao proprietário do prédio serviente pressupõe apenas a existência de uma servidão legal de passagem - isto é, de uma servidão estabelecida em benefício de um prédio encravado, seja qual for o título por que se tenha constituído".».

Seguindo o entendimento de que a servidão legal de passagem, ao menos para efeitos do direito de preferência previsto no nº 1 do artigo 1555º do Código Civil, não pode ser constituída por usucapião, nem por destinação de pai de família, refere-se, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação do Porto de 29/05/2006 (Apelação nº 0457234)[9].

Perfilhando o entendimento contrário assinalam-se os Acórdãos do STJ de 08 de Maio de 2007 (Revista nº 07A767) e de 24/06/2010 (Revista nº 2370/04.2.TNVFR.S1).

É claro que, seguindo-se o entendimento de que a dita servidão não pode ser constituída por usucapião, inviabilizada ficaria a procedência da acção arrimada na preferência fundada nessa constituição.

Mas, ainda que se siga o entendimento contrário, ou seja, aquele que admite que as servidões legais se podem constituir por usucapião - posto que, evidentemente, atenta esta forma de constituição, se trate de servidão aparente (artºs 1293º, al. a), e 1548º, nº 1, do CC) -, entendimento este que parece ser o melhor e é o perfilhado maioritariamente pela jurisprudência, nem assim se vislumbraria possibilidade de êxito à presente acção, pois que factualidade suficiente não existe alegada que consinta dar como verificada a usucapião que os AA invocam.

Efectivamente, a prova da existência de servidão constituída por usucapião não se basta com a prova da existência de um trilho e das características deste - ainda que este esteja bem caracterizado, inclusive, por sinais inequívocos de passagem -, sendo mister provar factos reveladores de posse relevante para a aquisição desse direito por essa via originária (cfr. artº 1287º CC).

Sendo a servidão um direito real com o conteúdo de possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de outro prédio, a aquisição desse direito por usucapião, depende da demonstração da posse, integrada esta pelos dois elementos a que aludem os art.ºs 1251º e 1252º, n.º 2, do CC: o “corpus” (elemento material) e o “animus” (elemento psicológico).

Importaria aos AA alegar, pois, para além das características do trilho que evidenciassem inequivocamente a servidão, que os beneficiários de tal direito passavam por tal trilho, de carro e a pé, utilizando há mais de 20 anos, ininterruptamente, sempre que necessitavam, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que o faziam por direito próprio (“animus”).

A passagem por prédio alheio, nas situações que isso decorre de encrave de outro prédio rústico, pode resultar da mera tolerância dos proprietários daquele, por via da existência de boas relações de vizinhança, pelo que assume, em tal caso, particular importância, não só a inequivocidade dos sinais de onde resulte a aparência da servidão, como a alegação das características da posse conducente à usucapião, incluindo o “animus” possessório.

Já no Acórdão de 02/10/2007 desta Relação (Apelação nº 361/04)[10] - com manifesta semelhança com o presente caso, até no que respeita ao quadro factual aí dado como assente -, se evidenciou a necessidade de, quem pretende demonstrar a existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião, alegar, além do mais, os factos integradores de uma posse pública e pacífica (cfr. arts. 1293°, al. a), 1297° e 1300°, n.° 1, do CC).

E quanto ao “animus” lembrou-se nesse aresto que, a presunção estatuída no artº 1252º do CC, dispensa - uma vez demonstrada a materialidade dos actos possessórios -, a respectiva prova, mas não dispensa a sua alegação por parte do respectivo interessado.

Ora, no caso “sub judice”, sem alegarem, ao menos de forma expressa, factualidade que integrasse o carácter pacífico e público da posse, os AA, na parte da sua petição que se reporta à servidão que invocam - essencialmente, os artºs 13º e 14º da p.i. -, nada alegaram quanto ao apontado “animus” possessório.

O que se acaba de concluir revela, assim, a manifesta improcedência do peticionado pelos AA com fundamento no disposto no artº 1555º do CC, pelo que, já se vê, mesmo entendendo-se ser possível constituir, por usucapião, a servidão aí prevista, alcance útil não teria a reapreciação da matéria de facto que os Apelantes requereram.

Assim, restar-nos-ia, em face do exposto, concluir que se decidira acertadamente na 1ª Instância ao absolverem-se os RR dos pedidos, sendo de julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Do exposto resulta o acerto da decisão recorrida e, consequentemente, a improcedência da Apelação.

III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, mantendo o decidido na sentença recorrida.
 
Custas pelos Apelantes.

Coimbra[11],


(Falcão de Magalhães)

(Regina Rosa)

(Jaime Ferreira)



[1] Código este aplicável na redacção anterior àquela que lhe foi introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24/08.
[2] Consultáveis na ” Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ, ou os correspondentes sumários, citados sem referência de publicação.
[3] Acórdão relatado pelo Exmo. Sr. Des. Barateiro Martins e consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[4] O sublinhado é nosso.
[5] Acórdão do STJ de 15/05/2007 (Revista n.º 958/07 - 6.ª Secção), sumariado em “http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Civieis/C%C3%ADvel%202007.pdf”.

[6] Assim, por exemplo, o Acórdão do STJ de 04/01/1982 (Revista nº 069814).
[7] Servidão legal de passagem e direito de preferência", na Revista da Ordem dos Advogados, 50º, 1990, III, pp. 574 e ss., e Parecer de 8.8.88, na CJ, 1992, 1º- 63.
[8] RLJ, ano 129º, pp. 189-190.
[9] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[10] Relatado pelo ora Exmo. Sr. Conselheiro Távora Victor e disponível em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/”.