Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/12.2PBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
INÍCIO
PRAZO
RECURSO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO, POR EXTEMPORANEIDADE
Legislação Nacional: ART. 28.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16/9; ART. 103.º, 372.º E 411.º, DO CPP
Sumário: I - Como resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do CPP.

II - A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos.

III - O prazo de interposição do recurso conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria como resulta expressamente do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, bem como do preceituado no artigo 372.º, n.º 4 do mesmo diploma legal.

IV - Em face da leitura da sentença em audiência, têm de considerar-se dela notificados todos os sujeitos processuais (Mº Pº, arguido, assistente e partes civis) que tenham estado ou devessem estar presentes ao julgamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No então 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, Processo Comum Singular n.º 3/12.2PBCTB, por sentença proferida em 19 de Março de 2014 e depositada no mesmo dia, o arguido A..., com os sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, a) e 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, e de dois crimes de ameaça qualificada, previstos e punidos, cada um, pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, a) do Código Penal, na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6 (seis) euros, num total de 1320 (mil trezentos e vinte) euros.

2. Inconformado com a sentença, dela recorreu o arguido, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1.ª - O presente recurso restringe-se à apreciação da matéria de direito.

2.ª - Discordando-se vivamente da medida da pena aplicada de prisão de três anos e seis meses.

3.ª - É que, se deu como provado, entre o mais, que o arguido não regista antecedentes criminais, encontra-se socialmente inserido, a prática dos factos imputados verificou-se após o decurso de mais de vinte anos de casamento deste com a assistente e num período marcado pela ruptura conjugal.

4.ª - Antes destes factos, a vida em comum do arguido com a assistente era normal, sem registo de qualquer ocorrência.

5.ª - Assim, afigura-se-nos que, a aplicação de uma pena mínima de prisão de dois anos seria a justa e adequada à culpa do arguido e satisfazia as necessidades de prevenção, suspensa na sua execução por igual período, encontrando-se tal suspensão sujeita ao regime de prova.

6.ª - Verificou-se, assim, violação do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 71.° do Código Penal assim como foi desrespeitado o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

7.ª - Deverá, assim, condenar-se a arguido em, dois anos de prisão, suspensa.

8.ª - O montante arbitrado a título de indemnização civil de €10.000 (dez mil euros) por danos não patrimoniais mostra-se excessivo, a decisão ora recorrida não procedeu a uma justa e equitativa valoração dos factos provados.

9.ª - A reparação dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração as circunstâncias apontadas no art. 496.º, nº 3, do Código Civil, e deve aproximar-se quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do art. 566.º, do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo Tribunal.

10.ª - A indemnização constante da douta decisão é no mínimo exagerada, face às condições económicas do recorrente e ao tipo legal de crime de que foi pronunciado, e não teve em conta o facto de o recorrente auferir um vencimento mensal de € 1000,00 (mil euros) pagar a prestação mensal referente a empréstimo bancário para aquisição da casa onde habita na importância de € 400,00 (quatrocentos euros) e pagar a título de pensão de alimentos para a filha a importância de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).

11.ª - A fixação da indemnização neste caso não deverá fugir aos parâmetros normais, uma vez que nos encontrámos perante eventos ocorridos aquando da ruptura conjugal num casamento com mais de vinte anos, que não se repetiram, nem se verificam riscos concretos de que venham a repetir-se no futuro.

12.ª - Perante estes elementos, num juízo equitativo, o Tribunal não poderia julgar ajustada a quantia de € 10.000,00, a qual, por ser exagerada e nada razoável, deve ser significativa mente reduzida, a montante não superior a € 1.500,00.

13.ª - A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 40.ºe 71.º do Código Penal e também os artigos 20.º, 32.º, nº 2, 8.º, nºs 2 e 3, 16.º, nº 1, 8.º, nº 2, 26.º e 35.º da Constituição da República Portuguesa. E ainda os artigos 496.º e 494.º do Código Civil.

14.ª - Pelo que nessa medida se deve revogar a douta sentença recorrida no sentido de ser reduzida a pena de prisão a que o arguido foi condenado, ao mínimo legal de dois anos, suspensa por igual período de tempo na sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal. Devendo igualmente ser determinado que o valor indemnizatório fixado é excessivo e desadequado, atenta a factualidade provada, a personalidade do arguido e às suas condições sócio-económicas deste.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada, sendo o arguido condenado na pena de prisão de dois anos suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ser reduzido o montante arbitrado quanto à indemnização cível por danos não patrimoniais, não devendo o mesmo ser superior à quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros).

assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

3. O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

4. O recurso foi admitido, para este Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de fls. 420.

5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida com as rectificações a que alude no seu parecer.

6. No âmbito do artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não houve qualquer resposta.

7. Em 3 de Dezembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea b) do Código de Processo Penal, foi proferida decisão sumária que rejeitou, por extemporaneidade, o recurso interposto pelo arguido A....

8. Desta decisão vem agora o arguido reclamar para a conferência, defendendo a tempestividade do recurso.

9. O Ministério Público respondeu à reclamação dizendo que efectivamente o recurso interposto pelo arguido para este Tribunal deu entrada fora de prazo nos termos consignados na decisão sumária e que a alegação de que a assistente só foi notificada da sentença em data posterior pelo que aproveitará ao arguido esse prazo para interposição do seu recurso não faz o menor sentido e não tem qualquer fundamento legal.

Concluiu dizendo que deve manter-se a decisão de rejeição do recurso do arguido por intempestividade do mesmo, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.

10.Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                          *

II – Fundamentação

1. A questão da extemporaneidade do recurso.

Conforme se assinalou naquela referida decisão sumária:

«Nos termos do disposto no artigo 417.º do Código de Processo Penal, uma vez concluso o processo, o relator deve, no exame preliminar, além do mais, verificar se há condições para proferir decisão sumária, o que sucederá se, por exemplo, o recurso dever ser rejeitado – alínea b) do n.º 6.

O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º ou o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afecte a totalidade do recurso nos termos do n.º 3 do artigo 417.º – alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.

De acordo com o n.º 2 do artigo 414.º do citado diploma, o recurso não pode ser admitido quando for interposto fora de tempo, isto é, quando for interposto fora do prazo legalmente estabelecido.

Assim, importa apreciar a questão da tempestividade do recurso, sendo certo que a sua intempestividade implicará a sua rejeição e, portanto, o não conhecimento do seu objecto.

Como ficou dito, por despacho proferido a fls. 420, o recurso foi considerado tempestivo e por isso admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

No entanto, a decisão que admita um recurso (tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito) não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior (n.º 3 do citado artigo 414.º) pelo que nada obsta, antes se impõe, que se conheça da referida questão prévia.

Em matéria de recursos dispõe o artigo 411.º, n.º 1, b) do citado diploma que o prazo para a respectiva interposição é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença ou acórdão, do respectivo depósito na secretaria.

Como resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.

A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos (como é o caso).

É o que decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2 – cujo âmbito de aplicação é extensivo aos crimes de violência doméstica por remissão expressa daquela norma – conjugado com o artigo 104.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

Neste sentido se têm pronunciado uniformemente a jurisprudência([i]).

Compulsados os autos verifica-se que:

a) A sentença foi proferida, lida e depositada em 19 de Março de 2014 (cfr. acta de fls. 375 a 377 e declaração de depósito de fls. 378);

b) Conforme resulta da acta de audiência em que se procedeu à leitura da sentença estiveram presentes, além do mais, o arguido e o seu ilustre defensor que foram devidamente notificados;

c) O arguido apresentou o seu recurso em 28 de Abril de 2014 (cfr. fls. 388).

Uma vez que o prazo para a interposição de recurso se iniciou no dia 20 de Março de 2014, o prazo de 30 dias a que se refere o n.º 4 do artigo 411.º do CPP esgotou-se no dia 18 de Abril de 2014.

O dia 18/4/2014 foi uma sexta-feira e feriado pelo que o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para a segunda-feira, dia 21/4/2014, podendo, mediante o pagamento de uma multa, o recurso ser apresentado nos três dias úteis subsequentes, isto é, até 24/4/2014 – artigo 139.º, nºs 5 e 6 do CPC ex vi artigo 107.º, n.º 5 do CPP.

Por conseguinte, há-de concluir-se que o recurso apresentado pelo arguido no dia 28 de Abril de 2014 foi interposto fora do prazo legal, assim como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sendo certo que a decisão que o admitiu não vincula o tribunal superior – artigo 411.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Em face do exposto, deve o recurso apresentado pelo arguido ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.»

Reitera-se esta afirmação.

O alargamento do prazo para a interposição de recurso que o reclamante defende, ao pretender que só com a notificação pessoal da assistente deve começar a correr o respectivo prazo para a interposição do recurso, não faz o menor sentido e não tem qualquer fundamento legal, como bem se refere na resposta do Ministério Público.

Aliás, diga-se que a circunstância de a assistente ter sido notificada posteriormente da sentença não faz com que o prazo de interposição de recurso se inicie, mesmo em relação a ela, depois de efectuada tal notificação.

Na verdade, o prazo de interposição do recurso conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria como resulta expressamente do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, bem como do preceituado no artigo 372.º, n.º 4 do mesmo diploma legal, ao estabelecer que «[a] leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência», sendo que, em face da leitura da sentença em audiência, têm de considerar-se dela notificados todos os sujeitos processuais (Mº Pº, arguido, assistente e partes civis) que tenham estado ou devessem estar presentes ao julgamento.

Este o entendimento que tem sido sustentado pela jurisprudência – cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 15/1/1997, Proc. n.º 96P1159, e de 8/5/1997, Proc. 97P278, da Relação do Porto de 1/7/1998, Proc. n.º 9810564, e de 3/5/2000, Proc. 0010223, da Relação de Coimbra de 26/1/2000, Proc. 3260/99 e de 14/1/2004, Proc. 3729/03, e da Relação de Lisboa de 3/4/2001, Proc. 0000365, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Em face do exposto, conclui-se que o recurso apresentado pelo arguido deve ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.

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III – Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em rejeitar, por extemporaneidade, o recurso interposto pelo arguido A....

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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, a que acresce a condenação no pagamento de importância equivalente a 4 UC nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.

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Coimbra, 11 de Fevereiro de 2015

(Fernando Chaves - relator)

Orlando Gonçalves - adjunto)


[i] - Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 19/1/2011 e de 16/3/2011 e decisão de Reclamação de 7/6/2010, do Supremo Tribunal de Justiça de 29/1/2007 e decisão sumária desta Relação de Coimbra de 1/6/2011, disponíveis em www.dgsi.pt.