Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/12.2TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CONTRATO ATÍPICO
CESSAÇÃO
AVAL
RELAÇÕES IMEDIATAS
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 362º DO CÓDIGO COMERCIAL; 17º DA LULL; 201º, Nº 1 CPC
Sumário: I – O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária – acreditamento ou linha de crédito – por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões.

II - O contrato de abertura de crédito constitui um contrato nominado mas atípico (artº 362º do Código Comercial).

III - Trata-se, porém, de um contrato socialmente típico, meramente consensual, num duplo sentido: no sentido de não estar, quanto à sua formação, sujeito a qualquer exigência legal especial, embora a praxis bancária subordine a sua celebração invariavelmente a documento escrito, e possa mesmo ser requerida a escritura pública, se a abertura de crédito incluir um negócio que a exija, como sucede quando surge associada a garantias hipotecárias; no sentido de que a sua validade não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário: ao contrário do que sucede no empréstimo bancário, a abertura de crédito pode ficar perfeita com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, que, aliás, poderá nem sequer chegar a ser movimentado ou mobilizado pelo cliente. Dito doutra forma: a abertura da conta corrente não é um contrato quoad constitutionem.

IV – Por força da sua atipicidade, um ponto, deveras sensível, que também não é objecto de previsão específica, é o da cessação do contrato.

V – Rege neste domínio, em toda a sua extensão, o princípio da autonomia privada: o modo, a forma e as consequências da cessação do contrato são as reguladas por convenção das partes (artºs 405º, nº 1 e 406º, nº 1 do Código Civil).

VI - Na falta dessa convenção, serão aplicáveis, se for esse o caso, as regras da conta corrente em geral, as regras do mandato, relativamente à disponibilidade, e quanto ao saldo, no caso de cessação, as regras do mútuo.

VII - Em qualquer caso, serão sempre aplicáveis, subsidiariamente, as regras do mandato.

VIII – Se não se tiver convencionado qualquer prazo de duração do contrato, qualquer das partes pode pôr-lhe termo; em tal caso o mutuário dispõe do prazo de 30 dias para pagar o saldo em débito (artºs 349º do Código Comercial e 1148º, nº 2 do Código Civil).

IX – Nos casos em que o avalista subscreveu o pacto de preenchimento, segundo a orientação jurisprudencial maioritária, as relações entre avalista em branco são sempre relações imediatas; ergo, é-lhe lícito opor a excepção pessoal, fundada nas relações imediatas entre avalizado e credor; nos casos em que isso não aconteça, como a relação entre portador e avalista não é uma relação imediata e aquele não é sujeito da relação contratual estabelecida entre o avalizado e o portador, e como – diz-se - a excepção do preenchimento abusivo é uma excepção pessoal, fundada nas relações entre avalizado e credor, aquele jamais poderá opô-la (artº 17º da LUsLL).

X - A não convocação da audiência preliminar, nos casos em que a sua realização é vinculada, integra uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, dado que se resolve na omissão de um acto imposto (artº 201º, nº 1 do CPC).

XI - E tratando-se de uma nulidade inominada – e não de uma nulidade da sentença, sujeita a um numerus clausus - ela só é apreciada mediante reclamação da parte interessada na repetição ou eliminação do acto e deve ser alegada no prazo de 10 dias a contar de qualquer intervenção da parte na acção ou da sua notificação para qualquer termo do processo, sempre que a parte não esteja presente no momento em que ela foi cometida (artºs 153º, nº 1; 202º, 2ª parte; 203º, nº 1; e 205º, nº 1 do CPC).

XII - Esta nulidade deve ser imediatamente julgada pelo tribunal após a resposta da contraparte (artºs 206º, nº 3 e 207º, nº 1 do CPC).

XIII - No caso de nulidades cometidas na 1ª instância, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma.

XIV - A perda do direito à impugnação por via da reclamação – v.g., por caducidade – importa a extinção do direito à impugnação por via do recurso ordinário.

XV - Isto só não é assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades que sejam de conhecimento oficioso e de que seja lícito conhecer em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, dado que estas últimas constituem objecto implícito do recurso, pelo podem ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido (artº 205º, nº 3 do CPC).

Decisão Texto Integral: I. Forma de julgamento do recurso.

Dado que a questão objecto da impugnação não é complexa e tem obtido da jurisprudência uma resposta acorde, declaro que o recurso será julgado liminar, sumária e singularmente (artºs 700 nº 1 c) e 705 do CPC).

                II. Julgamento do recurso.

1. Relatório.

Banco S.., SA promoveu, no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra C…, L.da, J… e N…, acção executiva comum, para destes haver a quantia de € 49.993,26, acrescida de juros vencidos, à taxa legal de 4%, no valor de € 1.484,73, e de imposto de selo, no valor de € 59,39.

Alegou, como fundamento desta prestação executiva, que é portador de uma livrança, emitida em 12 de Fevereiro de 2004 e vencida em 5 de Maio de 2011, no valor de € 49.993,26, subscrita por C…, L.da e avalizada pelos demais executados, que não foi paga no vencimento nem posteriormente.

C…, L.da e J… deduziram oposição, pedindo a sua absolvição do pedido.

Fundamentaram a oposição no facto de a livrança ter sido subscrita pelos opoentes e por N…, no âmbito do contrato de abertura de crédito por conta corrente celebrado em 12 de Fevereiro de 2004, em branco, pelo que estão no domínio das relações imediatas, sendo oponíveis as excepções fundadas na obrigação causal, de a exequente nunca lhes ter comunicado a resolução ou a caducidade daquele contrato, pelo que ignoram o valor que se encontra eventualmente em dívida e desde quando, e de em 5 de Maio de Maio de 2011, não deverem ao exequente a quantia de € 49.993,26, tendo, por isso, a livrança sido abusivamente preenchida.

A oposição foi liminarmente indeferida quanto à executada C…, L.da e admitida quando ao executado J...

O exequente afirmou, em contestação, que o executado J… não é sujeito da relação material subjacente, pelo que lhe é vedado opor-lhe eventuais excepções existentes na relação fundamental, que a livrança foi subscrita como garantia do bom cumprimento de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, celebrado entre a executada C…, L.da, pelo prazo de seis meses, renovável, se qualquer das partes não obstasse a essa renovação por comunicação escrita de denúncia, expedida com a antecedência de trinta dias de calendário ao termo do prazo em curso, em virtude do qual abriu a seu favor um crédito em conta corrente até ao valor máximo de € 50.000,00, quantia que lhe disponibilizou e aquela utilizou em seu proveito, que por carta datada de 25 de Junho de 2010 enviada à executada denunciou aquele contrato e, por carta registada com aviso de recepção, deu conhecimento dessa denúncia aos avalistas, tendo em 19 de Setembro de 2011 interpelado a subscritora e os avalistas para procederem ao pagamento, em quinze dias, tendo preenchido, de harmonia com a autorização de preenchimento dos oponentes, a livrança no tocante à data da emissão e do vencimento e ao valor em dívida, e que aqueles devem ser condenados como litigantes de má fé, em multa e em indemnização.

Por decisão de 21 de Setembro de 2012, depois de observar que não havia fundamento nem necessidade de proceder à realização da audiência preliminar, e com fundamento, designadamente, em que o exequente e o opoente, enquanto avalista, estão na relação jurídica cambiária, no domínio das relações mediatas, não podendo defender-se com a excepção do avalizado, salvo a do pagamento, e que não tinha sido suscitada qualquer excepção que o opoente possa opor à livrança dada em execução, julgou-se a oposição improcedente, e, por não haver razão que justificasse a produção de mais prova a esse respeito, julgaria improcedente o pedido de condenação em litigância de má fé.

É esta decisão – cuja notificação ao executado J… foi elaborada no dia 28 de Setembro de 2001 - que aquele impugna no recurso ordinário de apelação, no qual pede a declaração da nulidade derivada da falta de convocação e realização da audiência preliminar para os fins indicados no art.º 508.º- A, n.º 1 a) e b), a anulação do saneador – sentença de fls. e os termos posteriores do processo, devendo, caso o Mmº Juiz a quo entenda que está em condições de conhecer do mérito da causa no saneador, convocar tal audiência preliminar,

O recorrente extraiu da sua alegação – oferecida por via electrónica no dia 26 de Outubro de 2012 - estas conclusões:

Na resposta, o exequente, depois de reafirmar a inoponibilidade das excepções assentes na relação fundamental alegadas pelo recorrente, por este não ser sujeito da relação material subjacente, concluiu pela improcedência do recurso, e reiterou o seu pedido de condenação daquele, por litigância de má fé, em multa, e em indemnização a seu favor.

2. Factos provados.

O tribunal de que provém o recurso julgou provado apenas os factos seguintes:

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].

Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso.

Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].

Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa.

O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[5].

Do modo como é construída a função do recurso ordinário, decorre uma dupla proibição: a da reformatio in melius e in pejus, cuja violação, por importar o conhecimento pelo tribunal ad quem de matéria que não se inscreve na sua competência decisória, determina a nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão correspondente (artºs 668 nº 1 d), 2ª parte, 716 nº 1, 732, 752 nº 3 e 762 nº 1 do CPC).

Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.

A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso[6]: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

Um dos fundamentos da impugnação consiste na nulidade, cometida pelo Sr. Juiz de Direito, resultante da omissão de convocação da audiência preliminar.

Nos termos gerais, as nulidades processuais – que se verificam sempre que seja praticado um acto que não é permitido ou seja omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial e que, apesar da sua designação, implicam apenas, quando relevantes, em regra a anulabilidade do acto praticado e dos demais actos dependentes do acto realizado ou omitido – podem ser nominadas – ou primárias - ou inominadas – ou secundárias (artºs 201 nºs 1 e 2).

As nominadas são aquelas que estão legalmente previstas, como, v.g., a nulidade da petição inicial ou a falta ou nulidade da citação; as inominadas correspondem a qualquer outra prática de um acto não permitido ou omissão de um acto imposto ou de uma formalidade essencial (artºs 193, 194, 195 e 201 nº 1 do CPC).

A não convocação da audiência preliminar, nos casos em que a sua realização é vinculada, integra uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, dado que se resolve na omissão de um acto imposto (artº 201 nº 1 do CPC).

E tratando-se de uma nulidade inominada – e não de uma nulidade da sentença, sujeita a um numerus clausus - ela só é apreciada mediante reclamação da parte interessada na repetição ou eliminação do acto e deve ser alegada no prazo de 10 dias a contar de qualquer intervenção da parte na acção ou da sua notificação para qualquer termo do processo, sempre que a parte não esteja presente no momento em que ela foi cometida (artºs 153 nº 1 202, 2ª parte, 203 nº 1 e 205 nº 1 do CPC)[7]. Esta nulidade deve ser imediatamente julgada pelo tribunal após a resposta da contraparte (artºs 206 nº 3 e 207 nº 1 do CPC).

Ora, o que pode ser impugnado no recurso é uma decisão do tribunal a quo anterior, pelo que é claro que a parte não pode aproveitar esse recurso para suscitar ex-novo uma qualquer questão que deveria ter colocado em momento anterior.

Assim, no caso de nulidades cometidas na 1ª instância, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por nulidade – e não a nulidade ela mesma.

A perda do direito à impugnação por via da reclamação – v.g., por caducidade – importa a extinção do direito à impugnação por via do recurso ordinário.

Isto só não é assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades que sejam de conhecimento oficioso e de que seja lícito conhecer em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, dado que estas últimas constituem objecto implícito do recurso, pelo podem ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido (artº 205 nº 3 do CPC).

Mas não é isso, decerto, o que sucede com a nulidade resultante da não convocação da audiência preliminar.

Uma tal nulidade não é de conhecimento oficioso e o prazo de arguição esgotou-se antes mesmo da expedição do recurso para esta Relação.

Efectivamente, na espécie sujeita é claro que o recorrente tomou conhecimento da nulidade alegada no momento em que foi notificado da decisão final da causa – notificação que foi elaborada no dia 28 de Setembro de 2012 - dado que nesse momento tomou necessariamente consciência que a realização da audiência preliminar tinha sido dispensada (artºs 21-A nºs 1 e 5 da 114/2008, de 6 de Fevereiro, e 254 nº 2 do CPC).

Como, porém, o recorrente só a arguiu na alegação do seu recurso – oferecida no dia 26 de Outubro de 2012 – é irrecusável a extinção, por caducidade, do direito de reclamar contra ela (artºs 144 nºs 1 a 3, 145 nºs 1 e 3 e 153 nº 1 do CPC).

A nulidade apontada – além de não constituir fundamento e objecto admissível do recurso – deve, por isso, considerar-se sanada ou suprida.

De resto, deve ter-se por certo que o Sr. Juiz não cometeu a nulidade acusada.

O incidente declarativo da oposição à execução segue, depois do seu recebimento, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração (artº 817 nº 2 do CPC).

No processo sumário de declaração aplica-se à fase da condensação o disposto nos artºs 509 e 512-A, mas a audiência preliminar só se realiza quando for determinada pela especial complexidade da causa ou pela necessidade de actuar o contraditório (artºs 787 nº 1 do CPC).

Esta última hipótese verifica-se quando o executado não tenha oportunidade de responder a uma excepção deduzida na contestação do exequente (artº 3 nº 4 do CPC).

Assim, por exemplo, se o executado pretender impugnar a excepção invocada pelo exequente ou opor-lhe uma contra-excepção, aquela impugnação e a invocação desta contra-excepção são realizadas naquela audiência.

                Mas não é esse seguramente o caso do recurso.

                O recorrente, alegando que se está no domínio das relações imediatas, contestou a execução alegando a ignorância do valor em dívida, por falta de comunicação da resolução ou da caducidade do contrato de abertura de crédito e do preenchimento da livrança, e a excepção do preenchimento abusivo desta, por na data do vencimento que lhe foi aposta, a subscritora não lhe dever a quantia nela inscrita.

O exequente respondeu impugnando estas alegações do recorrente, salientando que aquela excepção não lhe é oponível, que lhe comunicou a denúncia do contrato de abertura de crédito e o interpelou para pagar a livrança, e que preencheu esta de harmonia com a autorização de preenchimento que aquele e os demais obrigados lhe concederam.

                Como se vê a partir do contraditório desenvolvido pelas partes nos articulados, a questão concreta controversa, quer no plano dos factos quer do seu enquadramento jurídico, resume-se à falta de comunicação da extinção do contrato de abertura de crédito e do preenchimento da livrança, à violação do pacto de preenchimento e à oponibilidade da excepção correspondente ao exequente.

Este não alegou qualquer excepção, antes se tendo limitado a impugnar a que lhe foi oposta pelo recorrente e os demais factos alegados por este como fundamento da oposição.

                Nestas condições, a lei não impunha a realização da audiência preliminar e, por isso, ao dispensar a sua realização, o Sr. Juiz de Direito não cometeu a nulidade acusada pelo recorrente.

                De resto, a não realização daquela audiência foi objecto de decisão específica com fundamento na falta de fundamento ou de necessidade dessa mesma realização e, por isso, o caso não seria nunca de nulidade – mas de error in procedendo, por erro na subsunção, i.e., por equívoco no juízo de integração ou inclusão dos factos na norma reguladora da realização daquela audiência.

Mas pelas razões apontadas, a decisão recorrida nem sequer incorreu num tal erro.

                Maneira que, em face da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, as questões concretas controversas que importa resolver são de saber se:

a) Se a excepção da violação do pacto de preenchimento da livrança é oponível ao exequente;

b) Se se verificam os pressupostos de antecipação do conhecimento do mérito da oposição para o despacho saneador.

 A resolução destes problemas vincula ao exame ainda que leve da relação jurídica cambiária e da relação a ela subjacente e dos pressupostos da antecipação do conhecimento do mérito da oposição para o despacho saneador.

3.3. Relação jurídica subjacente.

A decisão impugnada deu como assente que pela executada C…, L.da foi celebrado um acordo denominado contrato de abertura de crédito por conta corrente. Isto é inteiramente exacto.

De forma deliberadamente simplificadora, bem pode dizer-se que o contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária – acreditamento ou linha de crédito – por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões[8].

                Este contrato, de grande alcance prático, serve os interesses de ambas as partes.

Por força dele, o cliente sabe de antemão que dispõe de crédito bancário e em que condições; por seu lado, o banco creditante assegura o percebimento de uma remuneração sem risco – a comissão de abertura de crédito ou comissão de reserva – eventualmente acrescida, relativamente aos fundos disponibilizados mas não utilizados pelo cliente, de uma comissão de imobilização, que surge como contrapartida da desvantagem de ter dinheiro tendencialmente imobilizado e não produtivo.

                O contrato de abertura de crédito constitui um contrato nominado mas atípico (artº 362 do Código Comercial).

Trata-se, porém, de um contrato socialmente típico, meramente consensual, num duplo sentido: no sentido de não estar, quanto à sua formação, sujeito a qualquer exigência legal especial, embora a praxis bancária subordine a sua celebração invariavelmente a documento escrito, e possa mesmo ser requerida a escritura pública, se a abertura de crédito incluir um negócio que a exija, como sucede quando surge associada a garantias hipotecárias[9]; no sentido de que a sua validade não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário: ao contrário do que sucede no empréstimo bancário, a abertura de crédito pode ficar perfeita com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, que, aliás, poderá nem sequer chegar a ser movimentado ou mobilizado pelo cliente.

Dito doutra forma: a abertura da conta corrente não é um contrato quoad constitutionem.

                O contrato de abertura de crédito pode assumir diversas modalidades.

De harmonia com o critério das suas garantias, a abertura de crédito pode ser caucionada ou a descoberto, conforme o cumprimento da obrigação do creditado seja ou não assegurado por garantias reais, v.g., hipoteca, ou pessoais, v.g., livranças; de acordo com o critério da sua realização, a abertura de conta pode ser simples ou em conta corrente, consoante o crédito é utilizado de uma só vez ou em tranches.

                Quanto ao seu conteúdo, o contrato é fonte de uma pluralidade de direitos e deveres.

Do lado do banco creditante, destaca-se, naturalmente, a obrigação de disponibilização da soma pecuniária convencionada, obrigação que pode ser cumprida de múltiplas formas e através de prestações de tipo diverso, como, por exemplo, a entrega directa de dinheiro ou pagamento de cheques sacados pelo creditado, sendo lícito às partes estipular os pressupostos ou limites da sua realização[10].

                Do lado do creditado, avulta, evidentemente, a obrigação do pagamento de comissões e juros, sendo corrente a prestação, por este, de garantias de reembolso do crédito, v.g., através de livranças[11].

                A abertura de crédito produz, portanto, este efeito fundamental: uma disponibilidade de dinheiro, através de actos subsequentes.

Dado que vale, neste domínio, em toda a sua plenitude, o princípio da autonomia privada, tudo dependerá daquilo que for convencionado: o cliente poderá movimentar as importâncias através de pedido escrito dirigido ao banqueiro ou através da celebração sucessiva de verdadeiros e próprios contratos de mútuos bancários, ou mesmo automaticamente, sacando a descoberta sobre uma conta de depósitos à ordem acoplada ou anexa à abertura de crédito.

                Por força da sua atipicidade, um ponto, deveras sensível, que também não é objecto de previsão específica, é o da cessação do contrato.

Rege, portanto, também neste domínio, em toda a sua extensão, o princípio da autonomia privada: o modo, a forma e as consequências da cessação do contrato são as reguladas por convenção das partes (artºs 405 nº 1 e 406 nº 1 do Código Civil).

Na falta dessa convenção, serão aplicáveis, se for esse o caso, as regras da conta corrente em geral, as regras do mandato, relativamente à disponibilidade, e quanto ao saldo, no caso de cessação, as regras do mútuo.

Em qualquer caso, serão sempre aplicáveis, subsidiariamente, as regras do mandato[12].     

Assim, por exemplo, se não se tiver convencionado qualquer prazo de duração do contrato, qualquer das partes pode pôr-lhe termo; em tal caso o mutuário dispõe do prazo de 30 dias para pagar o saldo em débito (artºs 349 do Código Comercial e 1148 nº 2 do Código Civil).               

                Discute-se a exacta natureza do contrato de abertura de crédito. Seja ela qual for, neste contrato salienta-se o seu fundamento final - a disponibilidade de dinheiro, mas que não equivale a um crédito: o crédito surge, mas posteriormente, por via potestativa, em simples execução do contrato[13].

                Trata-se, assim, de um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa[14].

                O contrato de abertura de crédito corresponde a uma operação económica unitária e a um tipo contratual autónomo, sedimentado na praxis comercial e bancária, designadamente através de cláusulas contratuais gerais e usos bancários.

Pelos seus efeitos imediatos, é um contrato único, mas exige, no seu desenvolvimento e para que seja possível atingir a sua plena função económico-social a constituição de outras relações jurídicas, designadamente contratuais.

Quer dizer, nos seus efeitos imediatos, o contrato de abertura de crédito é susceptível de conduzir à celebração de outros contratos, v.g. de mútuo bancário.

                O reconhecimento desta realidade e a utilização, neste contexto, da categoria do contrato-quadro – para caracterizar a relação entre o contrato inicial e os sucessivos contratos a que pode dar origem – não podem, porém, ter como consequência prejudicar a coerência e a unidade da operação económica nem a autonomia e o carácter unitário do contrato de abertura de crédito.

Pelo contrário, deste modo sublinha-se o carácter instrumental e dependente dos sucessivos actos – designadamente contratos – que concretizam o programa fixado no contrato-quadro.

Em face deste recorte sumário dos ingredientes do contrato de abertura de crédito e se voltarmos os olhos para o documento - que não foi objecto de impugnação – denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente – tem-se por certo que entre o recorrente e a executada C…, L.da foi concluído um contrato da espécie apontada.

E se avançarmos na qualificação de um tal contrato, dir-se-á ainda que se trata de um contrato de abertura de crédito caucionada.

O cumprimento das obrigações que dele emergem para aquela executada foi assegurado por uma livrança em branco, subscrita pela mesma executada e avalizada, na qualidade de garantes, designadamente pelo recorrente.

E o conteúdo daquele documento é mesmo mais rico, não se limitando às declarações de vontade integrantes do contrato comercial apontado – antes insere uma autorização de preenchimento, pelo exequente, daquela livrança pelo valor que estivesse em dívida à data do seu preenchimento e a sua imediata apresentação a pagamento.

E no plano subjectivo, aquele documento não foi subscrito apenas pela executada C…, L.da mas também, na qualidade declarada de garante, pelo recorrente. 

Quer dizer: o recorrente é também parte, designadamente, no acordo através do qual foi concedido ao exequente autorização para o preenchimento da livrança que serve de título executivo, e na qual o recorrente figura na qualidade de avalista.

Caracterizada a relação jurídica subjacente à emissão da livrança e determinados os respectivos sujeitos, importa examinar a relação jurídica cambiária.

3.4. Relação jurídica cambiária.

                A oposição fundamenta-se num vício que afecta a execução.

Se for julgada procedente, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC).

                Nem sempre se justifica exigir a proposição de uma acção condenatória como meio de obter um título executivo.

Se a obrigação se encontra titulada por um documento escrito, pode inferir-se, com elevado grau de probabilidade, a sua constituição.

Numa tal eventualidade, justifica-se que se dispense a acção declarativa e se permita ao credor, utilizando esse documento como título executivo, instaure directamente a acção executiva.

É esta nitidamente a orientação do direito português que atribui, muitas vezes avulsamente, a um conjunto cada vez mais amplo de documentos, a qualidade de título executivo (artº 46 b) e c) do CPC).

                Na oposição à execução baseada num título extrajudicial podem ser invocados todos os fundamentos que é possível deduzir como defesa no processo de declaração (artº 816 do CPC).

Portanto, nessa oposição pode usar-se quer a defesa por impugnação quer a defesa por excepção (artº 487 do CPC).

Isto é assim, uma vez que o título extrajudicial não se baseia em nenhum processo declarativo e, consequentemente, a oposição não está condicionada por nenhuma regra de preclusão.

Não há, assim, qualquer restrição quanto à invocação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos na oposição deduzida contra um título extrajudicial.

                No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

                O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o opoente[15].

Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova.

Assim, por exemplo, se o embargante impugnar a letra ou assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil)[16].

Da mesma maneira, é sobre o opoente que recai o encargo de provar, por exemplo, a prescrição da obrigação, ou melhor, dos seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo exequente; o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil).

Se o executado conseguir provar estes dois elementos estruturais da prescrição – prescrição que, sendo, para este efeito, um facto extintivo do direito de crédito de crédito alegado pelo exequente, é ao mesmo tempo fonte do direito potestativo invocado pelo executado de extinguir a relação obrigacional – passa a ser sobre o exequente que recai o ónus de provar o facto extintivo – renúncia do executado à prescrição – do direito potestativo invocado pelo devedor[17].

                Pela mesma razão, é sobre o opoente, subscritor da letra ou da livrança emitida em branco, preenchida posteriormente, que serve de suporte à execução, que recai o ónus da prova da existência do acordo de preenchimento e da sua inobservância[18].

                O instrumento de que o exequente é portador é legalmente qualificado como livrança, no qual a executada C…, L.da, o recorrente e o recorrido figuram nas posições jurídicas de subscritor, avalista e tomador, respectivamente (artº 75 da LUsLL).

A livrança é, como a letra de câmbio, um título de crédito em sentido estrito e à ordem.

Contudo, diferentemente da letra, não enuncia uma ordem de pagamento de uma pessoa a outra e a favor de uma terceira - mas simples e directamente uma promessa de pagamento (artºs 1 e 75 LUsLL).

                Daí que as pessoas que inicialmente figuram na livrança não são três - como ocorre na letra de câmbio - mas apenas duas: o subscritor e o tomador.

                Todavia, a livrança é um título de crédito de formação sucessiva, um título susceptível de representar uma pluralidade de obrigações cambiárias, todas com igual objecto: determinada prestação pecuniária.

                A obrigação inicial é a do emitente do título - o subscritor.

Aquela surge com a declaração cambiária deste na forma de uma promessa de pagamento.

                Por força da promessa de pagamento em que se resolve a declaração cambiária de subscrição, a executada C…, L.da - subscritora – obrigou-se a pagá-la ao portador no vencimento, rectior, a entregar-lhe a quantidade de espécies pecuniárias nela inscrita; (artº 28, ex-vi artº 78 da LUsLL).

A esta obrigação inicial pode adicionar-se uma obrigação de garantia: a constituída pelo aval.

Pelo aval, um terceiro garante o pagamento da livrança por parte do subscritor; ao lado da obrigação do subscritor da livrança vem inserir-se a decorrente do aval, que cauciona aquela.

                Por força da declaração cambiária de aval – que consiste, justamente, no acto pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o pagamento dela por parte de dos seus subscritores – o recorrente assumiu uma obrigação de garantia – garantia da obrigação do avalizado, que a cobre e cauciona (artºs 30 e 31, ex-vi artº 77, XI, da LUsLL).

A lei é terminante na declaração de que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (artº 32, I, da LUsLL).

Trata-se, todavia, não de uma responsabilidade subsidiária – mas de uma responsabilidade solidária, dado que não goza do benefício da excussão prévia (artº 47, I, da LUsLL).

Além de não ser subsidiária, aquela obrigação só imperfeitamente é uma obrigação acessória relativamente a do avalizado: trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da obrigação do avalizado no plano formal, dado que a obrigação do avalista se mantém ainda que a obrigação garantida seja nula, excepto se nulidade decorrer de vício de forma.

                Portanto, no que respeita aos efeitos do aval, do ponto de vista da situação passiva do avalista, o aspecto mais relevante é este: o carácter solidário da responsabilidade do avalista, com a dos demais obrigados cambiários: o avalista não goza do benefício da excussão prévia do subscritor da livrança, respondendo em primeira linha pelo seu pagamento diante do portador.

                Para além de literal, a obrigação cambiária é também abstracta.

A criação da obrigação cartular pressupõe uma relação jurídica anterior que constitui a relação jurídica subjacente ou fundamental, causa remota da assunção da obrigação cambiária.

Todavia, por força do princípio da abstracção, a causa encontra-se separada do negócio jurídico cambiário, decorrente de uma convenção extra-cartular: a convenção executiva em conexão com a relação fundamental.

                A obrigação cambiária é vinculante independentemente dos vícios da sua causa: as excepções causais são inoponíveis ao portador da livrança precisamente porque decorrem de uma convenção executiva extra-cartular, exterior ao negócio jurídico cambiário (artº 17, ex-vi artº 77, 1ª parte, da LUsLL).

                Mas isto só é assim nas relações mediatas – i.e., aquelas que se verificam entre um subscritor e um portador que se lhe não siga imediatamente na cadeia cambiária e que, portanto, não é sujeito da convenção extra-cartular - as excepções ex-causa só são oponíveis demonstrando-se que o portador, ao adquirir a livrança, procedeu, conscientemente, em detrimento daquele que lhe opõe a excepção (artº 17, ex-vi artº 77, 1ª parte, da LUsLL).

                Portanto, o devedor cambiário não pode opor a terceiros excepções fundadas na relação fundamental ou causal da livrança, a não ser que esses terceiros tenham, ao adquirir a livrança, procedido conscientemente em detrimento do devedor.

                É, portanto, indispensável que o portador tenha agido, ao adquirir a letra, com a consciência de prejudicar o devedor.

No entanto, uma coisa é a intenção de prejudicar, outra, a consciência de prejudicar: o portador, ao adquirir a livrança, pode agir com o propósito de prejudicar o devedor mediante a inoponibilidade, por este, das excepções que tinha contra os precedentes portadores e pode proceder apenas com conhecimento dessas excepções e do prejuízo que é causado ao devedor com a perda delas.

O adquirente da livrança, embora não a adquira com a intenção de iludir as excepções do devedor, pode fazê-lo sabendo que o devedor é prejudicado pela circunstância de não poder valer-se delas contra o novo portador.

                Não é suficiente, portanto, o simples conhecimento, pelo adquirente, da existência das excepções, visto que a lei exige que o portador tenha agido conscientemente em detrimento do devedor e não age conscientemente em detrimento do devedor quem somente tem conhecimento das excepções que este poderia opor aos portadores antecedentes; não obstante esse conhecimento, pode o adquirente ter razões para supor que o devedor não será prejudicado, não excluindo, necessariamente, esse conhecimento, a boa fé do adquirente.

Exige-se, assim, que o adquirente ao adquirir a letra conhecesse a existência da excepção e tivesse consciência de prejudicar o devedor: uma tal consciência significa ter o adquirente conhecimento de que prejudica, com a perda das excepções o devedor, e que ele aceita, voluntariamente, este resultado, querendo provocá-lo ou, ao menos, aceitando-o[19].

A prova deste facto incumbe, naturalmente, ao excipiente (artº 342 nº 2 do Código Civil).

                Todavia, nas relações imediatas, i.e., nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato: porque os sujeitos cambiários o são simultaneamente da convenção executiva, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta.

Quando isso suceda, o subscritor ou obrigado cambiário pode opor ao portador as excepções decorrentes das relações pessoais entre ambos.

                No caso do recurso, como decorre da prova documental a livrança que serve de título executivo foi emitida em branco.

                A livrança pode ser entregue a terceiro e entrar na circulação em branco.

Livrança em branco é aquela em que falta algum dos requisitos enunciados na lei, mas que incorpora, ao menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária.

                Para que exista uma livrança em branco é necessário que lhe falte algum ou alguns dos requisitos essenciais da livrança, havendo no entanto, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário; este obrigado segundo uma opinião só pode ser o subscritor, embora segundo outra – doutrina que se tem por preferível – possa ser um diverso subscritor[20].

                A lei não faz distinção nem põe limitações acerca da extensão do que falta no título, podendo ser deixadas em branco todas as declarações necessárias para a existência da livrança ou só algumas delas (artº 10, ex-vi artº 77, 11ª parte, da LUsLL).

Basta, portanto, que no título destinado a tornar-se livrança exista uma assinatura que possa valer como assinatura do subscritor ou de outro obrigado cambiário, porque doutro modo não poderia verificar-se a hipótese prevista na lei de uma livrança incompleta quando foi emitida, i.e., de uma livrança susceptível de ser completada sem necessidade de uma ulterior cooperação do emitente (artº 10, ex-vi artº 77, 11ª parte, da LUsLL)[21].

                Para existência de uma livrança em branco é necessário que o documento incompleto, subscrito, v.g., pelo subscritor, tenha sido emitida, ou seja entregue ao tomador, ou tenha de algum modo chegado à posse de um terceiro.

                A livrança em branco não é, enquanto lhe faltar qualquer elemento essencial, uma letra plenamente eficaz, sendo, porém, para muitos autores, já um título de crédito endossável, com fundamento em que crédito e a obrigação não surgem apenas com o preenchimento, embora esta seja necessário para fazer valer os direitos cambiários. Para haver um tal livrança, é preciso que lhe falta algum ou alguns dos elementos essenciais, havendo, contudo, pelo menos a assinatura do do emitente ou de qualquer outro subscritor[22].

                A entrega do título é, nos termos gerais, um elemento essencial à validade da própria obrigação cambiária, e, portanto, a obrigação cambiária não surge se não se verificar a emissão da livrança pelo seu possuidor.

                Tratando-se, porém, de livrança em branco, a entrega da livrança deve ser acompanhada de uma autorização, pelo subscritor ao credor, para a preencher. Faltando essa autorização o caso não é de livrança em branco – mas de livrança incompleta.

                Com a entrega da livrança assinada em branco o subscritor confere, necessariamente, à pessoa a quem faz a entrega o poder de a preencher e, portanto, o acto de preenchimento tem o mesmo valor que teria se fosse praticado pelo subscritor ou se já tivesse sido praticado no momento da subscrição.

Aquilo que se escreve na livrança em branco considera-se escrito pelo subscritor, sendo de presumir que o conteúdo da letra representa a vontade daquele; esta presunção pode, no entanto, ser ilidida pelo subscritor demonstrando que houve abuso no preenchimento, que a livrança foi completada contrariamente aos acordos realizados (artº 10, ex-vi artº 77 da LUsLL).[23].

                Quem assina, como subscritor, uma livrança em branco pratica precisamente um acto jurídico que tem a mesma natureza que teria se a livrança estivesse, no acto da assinatura, totalmente preenchida: ninguém apõe normalmente a sua assinatura numa livrança sem ter a intenção de assumir uma obrigação cambiária.

                Antes de assinar ou de entregar a livrança em branco, o subscritor – ou outro obrigado cambiário - pode, porém, convencionar com o credor em que termos deve ser feito o preenchimento, qual o conteúdo dos elementos essenciais da livrança ainda em falta.

Esta convenção não está sujeita a forma especial[24].

                Existindo esta convenção, se houver abuso no preenchimento, i.e., se o possuidor da livrança inserir nela contexto diverso do convencionado, pode o subscritor – ou outro obrigado cambiário - opor a excepção de abuso.

A excepção consiste, precisamente, na alegação de que a livrança foi assinada e entregue em branco e que o contexto é diferente do que se ajustara.

Como já se observou a prova desta excepção incumbe, claro está, ao subscritor ou subscritores ou outro obrigado cambiário (artºs 342 nº 2 e 378 do Código Civil)[25].

A excepção não é porém oponível ao portador relativamente ao qual os acordos realizados sejam inter alios acta, salvo demonstrando-se que adquiriu a livrança de má fé ou cometido nessa aquisição uma falta grave (artº 10, ex-vi artº 77 da LUsLL).

                Como consequência do carácter literal e abstracto que a obrigação cambiária assume logo que o título na qual se inscreve constitutivamente entra na circulação, a oponibilidade da excepção sofre, portanto, um desvio notável: a excepção do preenchimento abusivo não pode ser oposta àquele portador que a recebe completamente preenchida, salvo se este, ao adquiri-la, estiver de má fé ou, adquirindo-a, cometer falta grave (artº 10 da LUsLL)[26].

Com o nítido propósito de facilitar a circulação da livrança em branco, estabelece-se como momento decisivo para avaliar da boa ou má fé do portador mediato, o da recepção da livrança: a má fé posterior não releva.

Portanto, o conhecimento do real conteúdo da convenção de preenchimento ou o seu desconhecimento por grave negligência só relevam, para recusar ao portador a protecção, se ocorrerem no momento da transmissão do título.

A má fé superveniente, que consiste no conhecimento ou na ignorância negligente daquele preenchimento abusivo, é, assim, indiferente.

                Na espécie do recurso, é patente que a livrança foi – duplamente – subscrita em branco dado que dois subscritores dela – a executada C…, L.da e designadamente, o recorrente – assinaram o título correspondente incompleto, designadamente quanto ao seu valor.

Trata-se, aliás, de uma situação típica: avalizado e avalista subscrevem ambos em branco o título, que o primeiro entrega, de seguida ao terceiro, o qual aquando do preenchimento surgirá como beneficiário.

                A razão deste modo de proceder é clara – o reforço da garantia cambiária de uma dívida fundamental de carácter ainda incerto: o subscritor principal entrega o título à sua contraparte na relação extracambiária com vista a assegurar a satisfação de um direito de crédito futuro, eventual e ilíquido, normalmente resultante de uma situação de incumprimento; porém, para fortalecer a posição do credor, adiciona-se um segundo devedor no plano estritamente cambiário, ou seja um devedor que não é, em princípio, parte naquela relação fundamental, mas que materialmente se assume como garante das consequências patrimoniais desvantajosas provocadas pelo incumprimento do contrato avalizado.

                Neste contexto pergunta-se: ao avalista que subscreveu o título em branco é também facultada a excepção da violação do pacto de preenchimento?

                A resposta vincula, segundo a orientação jurisprudencial corrente, a um distinguo consoante o avalista tenha ou não subscrito o pacto de preenchimento e, portanto, se situe nas relações imediatas ou mediatas.

                No primeiro caso, i.e., nos casos em que o avalista subscreveu o pacto de preenchimento, segundo aquela orientação jurisprudencial, as relações entre avalista em branco são sempre relações imediatas; ergo, é-lhe lícito opor a excepção pessoal, fundada nas relações imediatas entre avalizado e credor[27]; no segundo caso, como a relação entre portador e avalista não é uma relação imediata e aquele não é sujeito da relação contratual estabelecida entre o avalizado e o portador, e como – diz-se - a excepção do preenchimento abusivo é uma excepção pessoal, fundada nas relações entre avalizado e credor, aquele jamais poderá opô-la (artº 17 da LUsLL)[28].

                Esta solução tem-se por exacta, embora seja discutível a via utilizada para a alcançar.

Realmente, pode perguntar-se se o problema colocado pela subscrição em branco e pela oponibilidade da excepção do preenchimento abusivo deve ser resolvido por recurso à dicotomia relações mediatas/relações imediatas – e, portanto, por recurso ao artº 17 da LUsLL – ou antes pela aplicação da norma especificamente ordenada para a regulação da subscrição em branco – o artº 10 da LUsLL – a qual permite que o avalista possa prevalecer-se de certas vicissitudes de uma relação fundamental à qual é alheio.

                Realmente o credor-portador que preenche o título em desconformidade com o acordo de preenchimento que ele próprio celebrou – tenha ou não o avalista participado nessa convenção – estará quase sempre de má fé e, quando assim não seja, incorre certamente em falta grave, dado que no momento em que adquiriu o título, conhecia ou devia conhecer o acordo de preenchimento por ele próprio concomitantemente subscrito.

Em tal caso verificam-se, portanto, os dois pressupostos de que o artº 10 da LUsLL faz depender a invocação do preenchimento pelo subscritor em branco e, no balanço dos interesses subjacentes, compreende-se que a tutela penda para o lado deste último, dada a inidoneidade do portador[29].

                Seja como for, mesmo para o entendimento jurisprudencial corrente – que corresponde a jurisprudência firme do Supremo – assente na dicotomia relações imediatas/relações mediatas, ao avalista é também facultada a alegação da excepção do preenchimento abusivo, desde que tenha tido intervenção no pacto de preenchimento: em tal caso, porém, compete-lhe a alegação e a prova do abuso do preenchimento abusivo[30].

                E é esse justamente o nosso caso.

Desde que, também ele subscreveu o pacto de preenchimento, ao recorrente é lícita a oposição ao recorrente da excepção do preenchimento abusivo da livrança[31].

                E sendo isto assim, é meramente consequencial a inexactidão do fundamento invocado pela decisão recorrida para julgar improcedente a oposição.

                Resta, porém, saber se mesmo à luz deste entendimento do problema estão ou não reunidos os pressupostos para a antecipação dessa decisão de improcedência para o despacho saneador.

                3.5. Pressupostos da antecipação do mérito da oposição para o despacho saneador.

O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da acção – como o mérito desta (artº 510 nº 1 do CPC).

No plano das funções atribuídas ao despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual: o despacho saneador visa fundamentalmente evitar a que se atinja a fase da sentença sem qualquer controlo sobre a admissibilidade da apreciação do mérito da causa e que, por isso, se possa frustrar a função essencial dessa sentença.

Na verdade, a apreciação do mérito da acção e o proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (artº 658 do CPC).

Mas em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho saneador: o tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do pedido reconvencional ou ainda da procedência de alguma excepção peremptória (artº 510 nº 1 b) do CPC).

Caso isso suceda, o despacho saneador fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença e dele cabe, naturalmente, recurso de apelação (artº 510 nº 3, 2ª parte, e 691 nº 1 do CPC).

Portanto, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento; caso contrário, i.e., se os elementos fornecidos pelo processo não justificarem essa antecipação, o processo deve prosseguir para a fase da instrução, realizando-se a apreciação do mérito na sentença final.

Esta conclusão deve valer para os casos em que para os factos alegados sejam admissíveis várias soluções plausíveis da questão de direito: neste contexto, sendo admissíveis vários enquadramentos possíveis da causa, não se deve antecipar, para aquele momento, aquele conhecimento, se este corresponder apenas a uma dessas soluções possíveis da questão de direito.

Neste caso, não sendo seguro e insofismável que o autor não tem o direito que se arroga ou que os factos apurados conduzem a uma solução jurídica favorável ao réu, deve deixar-se para a sentença final esse conhecimento, de modo a que a decisão seja verdadeiramente conscienciosa.

É conveniente que a decisão jurisdicional seja pronta; mas é igualmente curial que seja justa.

Em nítida obediência aos princípios da celeridade e da economia processuais, a lei quer que o mérito da causa seja arrumado logo no saneador.

Mas não sacrificou a esses princípios outras exigências também axiologicamente relevantes.

O mérito da causa será julgado no despacho saneador se a questão puder ser decidida nesse momento, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas (artº 510 nº b) do CPC).

Quando isso ocorre, não há necessidade que o processo atravesse a fase complicada, morosa e pesada da instrução e da audiência discussão e julgamento.

Para que há-de prosseguir o processo, se não há factos sobre os quais possa incidir a prova ou se há já factos que devam considerar-se assentes que excluem, de harmonia com a lei substantiva aplicável, uma decisão de procedência?

Não é razoável que, em nome do direito à prova, i.e., à apresentação de provas destinadas a provar os factos alegados em juízo, como dimensão ineliminável do direito ao processo justo, se prossiga num processo para demonstrar factos que, mesmo a provarem-se, não garantem à parte a procedência do direito que pela acção pretende fazer valer e declarar.

Sempre que o estado da causa, à luz da lei substantiva aplicável, permita o proferimento de uma decisão de procedência ou improcedência, a parte não pode, legitimamente, queixar-se da lesão dos direitos de acesso ao direito, à tutela efectiva e ao processo justo que lhe são constitucionalmente atribuídos.

Ponto é, claro está, que se deva concluir, no caso, pela exactidão dessa antecipação do conhecimento do objecto da causa.

Mas não é isso que ocorre na espécie sujeita.

Realmente, o recorrente alegou, entre outras coisas, que na data que o recorrente apôs na livrança, ele e a avalizada lhe não deviam a quantia que aquele nela inscreveu - € 49 993,26 – e que o apelado também não lhes comunicou a denúncia do contrato de abertura de crédito nem o preenchimento da livrança e que ignora o valor da dívida e a data desde a qual esta existe – alegações que o recorrente pronta e validamente impugnou na contestação da oposição.

                Estes factos - sobretudo o relativo ao facto de o recorrente e a garantida não serem devedores da quantia pela qual a livrança foi preenchida pelo recorrido – além de relevantes são, pois, controvertidos e, portanto, devem ser sujeitos a instrução e ao exercício da prova.

                Ergo, por falta da indispensável base fáctica, não se verificam no caso os pressupostos da antecipação para o despacho saneador da apreciação do mérito da oposição.

De resto, relativamente a um dos objectos da causa – a litigância de má fé do recorrente, invocada pelo recorrido – é patente a falta desse mesmo pressuposto.

Como é axiomático os factos que revelam a litigância de má fé devem provar-se.

Porém, a decisão impugnada julgou logo improcedente o pedido de condenação, por litigância de má fé, em multa e em indemnização, do recorrente, deduzido pelo recorrido, por uma dupla razão: por não ser possível concluir com toda segurança que tal ocorreu; por não haver razões que justificassem a produção de mais prova a tal respeito.

Quer dizer: quanto a este objecto é a decisão impugnada, ela mesma, que reconhece que os elementos fornecidos pelo processo, nesse momento, não eram suficientes para uma decisão conscienciosa.

O que mostra que a verdadeira razão da improcedência foi a falta de justificação do prosseguimento da causa apenas para se conhecer apenas daquela pretensão processual.

Todavia, ainda que entendesse que podia conhecer do objecto material da oposição, a decisão recorrida sempre deveria ordenar o prosseguimento da causa para apreciar o pedido de condenação do executado como litigante de má fé formulado pelo exequente.

Dado que – como é evidente – o facto de o objecto material da oposição dever ficar arrumado no saneador não constitui critério de improcedência do pedido de má fé, a causa sempre deveria prosseguir de modo a que fosse proferida sentença, ainda que limitada ao conhecimento do referido pedido.

Em absoluto remate: a decisão recorrida não é juridicamente exacta, tanto no plano substantivo como no plano adjectivo.

A sua revogação é, pois, meramente consequencial.

As custas deste recurso devem ser satisfeitas pela parte que nele sucumbe: o recorrido (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento do objecto processual do recurso, a respectiva taxa de justiça dever ser fixada nos termos da Tabela I-B, que integra o RCP (artº 6 nº 2).

                4. Decisão.

                Pelos fundamentos expostos, concedo provimento ao recurso, revogo a decisão impugnada, e determino a sua substituição por outra que promova, como for de direito, os ulteriores termos da causa.

                Custas do recurso pela apelante e pela reclamada, na proporção da respectiva sucumbência, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B integrante do RCP.

                                                                      Henrique Antunes (Relator)

                                                                       José Avelino Gonçalves

                                                                       Regina Rosa


[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, pág. 138 e ss., e Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51, Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida.
[3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[5] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.
[6] Ac. do STJ de 23.05.96, CJ, II, pág. 86.
[7] Acs. do STJ de 14.02.04 e de 14.05.09, www.dgsi.pt.
[8] José A. Engrácia Antunes, Contratos Comerciais. Almedina, Coimbra, 2009, pág. 501, Sofia Gouveia Pereira, O Contrato de Abertura de Crédito Bancário, Principia, Cascais, 2000, págs. José Simões Patrício, Direito Bancário Privado, Quid Iuris, Lisboa, 2004, pág. 310 e Ricardo Benoliel de Carvalho, “Notas sobre a abertura de crédito bancário”, Revista Bancária, nº 29, 1972, págs. 25 a 27; Acs. da RL de 20.04.89, CJ, XIV, pág. 141, do STJ de 25.10.90, BMJ nº 400, pág. 583, de 13.10.00, CJ, STJ, III, pág. 174 e de 21.10.08, CJ, STJ, III, pág. 78
[9] Ac. da RP de 09.10.92, CJ, XVII, V, pág. 209, e J. Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 365.
[10] Ac. da RC de 26.11.02, CJ, XXVII, V, pág. 21.
[11] Ac. da RL de 15.11.01, CJ, XXVI, I, pág. 121.
[12] Ac. do STJ de 08.06.93, BMJ nº 428, pág. 528.
[13] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 544.
[14] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, cit. págs. 542, nota 1359.

[15] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 177.
[16] Cfr., v.g., Acs. da RC de 06.02.90, BMJ nº 394, pág. nº 330, pág. 543 e da RL de 04.11.97, BMJ nº 471, pág. 448.
[17] Acs. da RP de 10.10.95, CJ, XX, IV, pág. 211 e do STJ de 01.10.98, www.dgsi.pt.
[18] Assim, no tocante a cheque emitido com data em branco, completado posteriormente, cfr. o Assento do STJ de 14 de Maio de 1996, DR, II Série, de 11 de Julho de 1996. Cfr. Acs. do STJ de 28.07.92, BMJ nº 219, pág. 235 de 28.05.96, BMJ nº 457, pág., 401, de 17.04.08 e 23.04.09, www.dgsi.pt., da RP de 21.10.96, CJ, 96, V, pág. 183 e 27.01.98, CJ, STJ, 98, I, pág. 40. No caso de non liquet, aplica-se igualmente, quer as regras gerais quer as eventuais regras especiais (artºs 516 do CPC e 346 nº 2 do Código Civil). Cfr. Ac. da RP de 05.02.98, CJ, 98, I, pág. 207.
[19] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1975, pág. 75, José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, pág. 37, Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Lisboa, 1990, págs. 116, 126 e 127, Vaz Serra, RLJ Ano 105, pág. 376 e Acs. do STJ de 12.10.78 e 26.06.73, BMJ nºs 280, pág. 343 e 228, pág. 233.
[20] RLJ, Ano 55º, pág. 210.
[21] José A. Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito, Coimbra Editora, 2009, págs. 65 e 66.
[22] Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Lisboa, 1990, pág. 76 e Vaz Serra, RLJ Ano 109, pág. 264 e Títulos de Crédito, BMJ nº 61, pág. 264 e Paulo Sendim, Letra de Câmbio, vol. I, Coimbra, 1979, págs. 32 a 34; Acs. do STJ de 24.10.02, 20.05.04 e 12.07.05, www.dgsi.pt. Em sentido diverso, concluindo que a letra em branco não tem efeito como letra, só surgindo como título cambiário após o preenchimento – embora atribua a este carácter retroactivo, cfr., José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, págs. 117 e 118.
[23] Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ nº 111, pág. 168 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., Coimbra, 1985, pág. 421.
[24] Ac. do STJ de 13.12.07, www.dgsi.pt.
[25] Acs. do STJ de 28.05.96, BMJ nº 457, pág. 403, 01.10.98, BMJ nº 480, pág. 482 e 20.10.96, www.dgsi.pt.
[26] Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1975, págs. 129 a 142.
[27] Entre outros, os Acs. da RP de 27.06.06, 14.11.06, 29.11.06, da RE de 01.03.07 e do STJ de 24.10.02, www.dgsi.pt.
[28] V.g., Acs. do STJ de 06.03.03, 20.03.03, 11.11.04, 05.12.06, 06.03.07, 19.06.07, da RL de 16.10.03, 30.06.05, 21.09.06, 24.04.07, da RP de 20.05.03, 20.11.06, 27.02.07, e da RC de 31.01.06 e 14.02.06, www.dgsi.pt.
[29] Carolina Cunha, Letras e Livranças, Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, Coimbra, 2012, 592 a 597.
[30] Acs. do STJ de 08.10.09, 23.04.09, 09.09.08, 04.03.08 e 19.06.07, www.dgsi.pt. Todavia, o carácter materialmente autónomo da obrigação do avalista, obsta a que este invoque como causa da respectiva nulidade a indeterminabilidade da obrigação que assumiu, com fundamento na ausência ou desconhecimento do pacto de preenchimento da livrança em branco: Ac. do STJ de 23.04.09.
[31] Note-se que se o demandado demonstrar, no contexto do preenchimento abusivo do título, que a quantia nele inscrita é superior à que resulta dos critérios do acordo de preenchimento, ao contrário do que sucede com o preenchimento injustificado – que leva ao afastamento da pretensão cambiária e executiva – a única consequência, seja qual for a fundamentação que se tenha por exacta, é a reconfiguração daquelas pretensões, devolvendo-as aos limites excedidos pelo credor. Cfr. Acs. do STJ de 30.03.06 e da RP de 01.06.06.