Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ESTEVES MARQUES | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO | ||
Data do Acordão: | 10/06/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE SEIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | 25º DA CRP, 143º DO CP | ||
Sumário: | 1.O tipo objectivo do art. 143° do Código Penal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de eventual incapacidade para o trabalho. | ||
Decisão Texto Integral: | 10 Proc. nº66/09.8GAOHP.C1 RELATÓRIO
A matéria fáctica considerada provada na sentença recorrida foi a seguinte: * Considerando que as conclusões da motivação balizam o objecto do recurso, a única questão a apreciar consiste em saber se a matéria de facto que foi dada como provada integra ou não a prática do crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artº 143º nº 1 CP, por parte da arguida CEstá aqui em causa saber se o enquadramento jurídico da materialidade provada feito na decisão recorrida foi o correcto. O Mmº juiz fundamentou a absolvição da arguida, no entendimento de que um empurrão não assume dignidade penal, porquanto, como refere, não causou ferimentos clinicamente avaliáveis, nem sequer dor física. Mas não tem claramente razão. Vejamos porquê. Desde logo temos que a inviolabilidade da integridade física da pessoa humana está garantida constitucionalmente (artº 25º nº 1), sendo que o artº 143º nº 1 CP, veio consagrar que “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de….”. Trata-se a nível subjectivo de um crime doloso, exigindo-se o dolo em qualquer uma das suas modalidades (artº 14º CP). E no que concerne à face objectiva do tipo escreve Paula de Faria Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205. “A lei distingue duas modalidades de realização do tipo: a) ofensas no corpo e b) ofensas na saúde. Muitas das vezes haverá coincidência entre estas duas formas de realização do tipo; assim será, por exemplo, quando o agente, espetando uma seringa no braço da sua vítima, lhe causa uma infecção. Mas não necessariamente. Casos há em que existe uma lesão no corpo sem que concomitantemente haja lesão da saúde. Pense-se na controvertida agressão à bofetada (leve) sobre uma pessoa, sem qualquer sofrimento ou incapacidade para o trabalho, e que parte da jurisprudência (Ac. da RL de 26-6-90, CJ XV-I1I 172) tinha, à luz da versão anterior do art. 142°, como integrando o tipo legal de injúrias. Outra foi, no entanto, a última palavra do STJ, que fixou jurisprudência sobre esta matéria no Ac. de 18-12-91, qualificando o dito comportamento como ofensa corporal. Por outra banda, poderá haver lesões da saúde que não configuram ofensas no corpo, pois que inclusivamente aumentam o bem estar do lesado (será o caso da administração de estupefacientes). Pode aqui recorrer-se à impressiva imagem, utilizada por ESER (cf. S/ S / ESER § 223 1), de dois círculos que se cruzam embora mantenham a sua autonomia. O tipo legal do art. 143° fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados (aliás estamos perante uma ofensa no corpo mesmo quando a vítima, mercê da ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, não se encontra em condições de sentir qualquer dor), ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho, cf. LEAL-HENRIQUES / SIMAS SANTOS 136). Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que, como é evidente, todas estas circunstâncias sejam de ter em conta pelo juiz, nos termos do art. 71°, para determinação da medida da pena “. Por outro lado deverá igualmente ter-se presente o Assento do STJ de 91.12.18 DR, I Série-A, de 8 de Fevereiro de 1992., nos termos do qual se estabeleceu que “Integra o crime do artº 142º do Código Penal, a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho” O tipo legal do art. 143° fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados (aliás estamos perante uma ofensa no corpo mesmo quando a vítima, mercê da ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, não se encontra em condições de sentir qualquer dor), ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho, cf. LEAL-HENRIQUES / SIMAS SANTOS 136). Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que, como é evidente, todas estas circunstâncias sejam de ter em conta pelo juiz, nos termos do art. 71°, para determinação da medida da pena “. Uma pessoa pode ser maltratada fisicamente independentemente do resultado. Ora no caso em análise em que a arguida C deu um empurrão na M essa actuação pressupõe sempre a necessidade de utilização de violência Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Tomo IV, pág. 379. sobre a pessoa, constituindo desse modo uma agressão à integridade física da vítima. Assim considerando que ficou igualmente provado que “a arguida actuou de forma deliberada, livre e consciente, pretendendo e conseguindo atingir, lesar e causar mau estar no corpo e saúde de outrem, bem sabendo que essa conduta era proibida e punida por lei penal” (ponto 5 da matéria de facto), preenchidos estão todos os elementos do crime em causa. Daí que haja que avançar para a medida da pena. Nos termos da referida disposição legal, a moldura legal ou abstracta do crime cometido pela arguida é a de prisão até 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias. O artº 70º CP fornece ao juiz o critério geral que deve presidir à escolha das penas. Assim, de acordo com a referida disposição legal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja “ a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (Artº 40º nº 1 CP) Como escreve, a propósito, Maria Fernanda Palma Casos e Materiais de Direito Penal, pág. 32. “ A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial “. E no que concerne à reintegração social a que alude o referido artº 40º CP, diz ainda a referida autora que tal “ significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.”. Assim sendo, diremos que à escolha da pena apenas presidem razões ou exigências de prevenção. Por isso afastada está a relevância da culpa na escolha da pena. Ora no caso dos autos justifica-se a preferência pela pena de multa, já que as consequências para a integridade física da ofendida não foram graves Por isso crê-se que a aplicação de uma pena de multa promove a recuperação da delinquente e reprova suficientemente a sua conduta. A graduação em concreto do número de dias da pena de multa obedece, exclusivamente, aos critérios estabelecidos no nº 1 do Artº 71º CP (concretizados no nº 2 do mesmo artigo) sem esquecer que, de acordo com o artº 40º nº 2 CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Em Figueiredo Dias·, colhe-se a propósito deste tema que “ a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso; a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa: de uma ou de outra forma, é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível”. Significa isto que na determinação da medida concreta da pena de multa, a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial) intervêm apenas na fixação do número de dias de multa. Ora no caso dos autos, tendo em conta que: a) O grau de ilicitude dos factos é de grau médio; b) A arguida agiu com dolo directo; c) A ausência de antecedentes criminais; d) Que as exigências de prevenção geral são relevantes face á frequência com que se verificam este tipo de crimes; Entende-se adequada, justa e equilibrada a aplicação à arguida da pena de 40 dias de multa. A fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa obedece ao disposto no artº 47º nº 2 CP – cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 Euros e 500 Euros - e em que releva exclusivamente a situação económico e financeira e os encargos pessoais do condenado. Ora tendo em conta que a arguida está desempregada, vive em casa de seus pais com um filho de 8 anos de idade e aufere uma pensão de 200 euros, entende-se ser de fixar o quantitativo correspondente a cada dia de multa no mínimo, isto é em 5 euros, o que perfaz a multa global de 200 Euros. DECISÃO Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juizes desta Relação, em conceder provimento ao recurso, e consequentemente: |