Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9789/17.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR
RECLASSIFICAÇÃO POSTERIOR
PRINCÍPIO DA IRREDUTABILIDADE DO VENCIMENTO
Data do Acordão: 03/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 129º, Nº 1, E 258º DO C.T./2009.
Sumário: 1. Se os ora RR. desempenharam efetivamente funções próprias da categoria de CRT, sendo certo que foi esta categoria que a ora A. decidiu atribuir-lhes bem como a retribuição base prevista para a mesma, tal retribuição constituiu uma contrapartida devida pela efetiva prestação do correspondente trabalho de carteiro.

2. Se a A. entendeu classificar os RR. como CRT e pagar-lhes a respetiva remuneração base ou outra superior, tal decisão só à mesma é imputável e não pode, por força da ordenada reclassificação em MOT, vir agora peticionar as diferenças das remunerações base alegando ter pago um valor superior quando este foi a contrapartida prevista, escolhida e devida para o trabalho efetivamente prestado.

3. A admitir-se a tese da A. assistiríamos a uma diminuição dos vencimentos base dos RR. não prevista no nosso ordenamento jurídico e, consequentemente, à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.

4. A pretensão da recorrente esbarra, ainda, com o princípio da irrenunciabilidade/indisponibilidade do direito à retribuição, posto que os contratos de trabalho ainda perduram.

Decisão Texto Integral:








Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

C..., S.A., com sede em ...

intentou a presente ação de processo comum contra

J..., residente em ... e

R..., residente em ...

alegando, em síntese que:

Os RR. foram reclassificados em MOT (motorista) desde 20/02/1995 e março de 1988, respetivamente; com o AE 1996 a carreira MOT tornou-se menos favorável que a de CRT quer a nível salarial quer nos tempos de progressão, pelo que, aquela reclassificação implica que os RR. tenham de restituir à A. diferenças remuneratórias resultantes da sua progressão enquanto CRT por comparação à que teriam enquanto MOT; a A. tem direito às diferenças de vencimento base que pagou a mais aos RR. ao longo do tempo.

Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada procedente por provada e, consequentemente, serem os RR. condenados a pagar à A. as quantias de €10.602,74 e de €6.547,31, respetivamente, a título de diferenças na progressão da carreira vencidas bem como as vincendas, acrescidas de juros  de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação e até integral pagamento.

   Realizou-se a audiência de partes e na qual não foi obtida a conciliação das mesmas.

   Os RR. contestaram alegando, em sinopse, que:

A retribuição paga pela A. aos ora RR. foi-o como contraprestação devida pelo trabalho efetivamente prestado e pela forma que aquela entendeu adequada, o que os RR. aceitaram; a retribuição paga pela A. aos RR. integra o contrato individual de trabalho existente entre as partes, independentemente da categoria que lhe estava ou está atribuída; a A. não pagou a mais aos RR., pelo que nada tem a receber dos mesmos; conforme resulta dos IRCT`s aplicáveis, a remuneração não está dependente da categoria profissional, o trabalhador pode auferir uma remuneração superior ao respetivo limite máximo de referência sem que daí decorre a alteração da sua categoria profissional; por força do princípio da irredutibilidade da retribuição, inexistindo qualquer norma legal que permita reduzir a retribuição por efeito de uma mudança de categoria profissional, a pretensão da A. carece de fundamento.

Termina dizendo que deve a a presente ação ser julgada improcedente e não provada, dela se absolvendo os RR. com as legais consequências e que deve a A. ser condenada como litigante de má fé, em multa e condigna indemnização, esta a favor dos RR., em montante não inferior a € 1.000,00 para cada um.

Foi, então, proferido despacho saneador.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento conforme resulta da ata de fls. 271 e segs.

De seguida foi proferida a sentença de fls. 273 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:

“Por todo o atrás exposto julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência:

1. Absolvemos os RR. da totalidade dos pedidos formulados nos autos pela A. ;

2. Custas a cargo da A.

A A., notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

...                                                                                        

Os RR. responderam ao presente recurso concluindo nos seguintes termos:

...                                                       

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 319 e segs., concluindo que o recurso deve improceder.

A A. veio responder a este parecer concluindo como nas alegações de recurso.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do C.P.C. - redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, assim, apreciar a questão suscitada pela recorrentes qual seja:

Se por força da reclassificação dos RR. na categoria de motorista, a A. tem direito a pedir a devolução das quantias que pagou aos mesmos a título de vencimento base correspondente à categoria de CRT na parte que excede a prevista para aquela.

III – Fundamentação

a-) Factos provados constantes da sentença recorrida:

...

b) - Discussão

Se por força da reclassificação dos RR. na categoria de motorista, a A. tem direito a pedir a devolução das quantias que pagou aos mesmos a título de vencimento base correspondente à categoria de CRT na parte que excede a prevista para aquela.

A A. ora recorrente intentou a presente ação contra os RR. pedindo a sua condenação no pagamento das diferenças entre vencimento base de CRT e de MOT que entende ter pago a mais desde as datas em que os mesmos foram reclassificados em MOT mas tendo recebido o vencimento base superior respeitante à categoria de CRT.

A sentença recorrida julgou improcedente esta pretensão da A. com a seguinte fundamentação jurídica:

“Dispõe o art. 258.º do CT2009 (diploma legal a que se fará referência ao longo da decisão, sem menção diversa), sob a epígrafe – Princípios gerais sobre a retribuição:

1 - «Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho».

2 - «A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie».

3 - «Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador».

4 - «À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código».

Desta conjugação resulta claramente que, a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida – cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1.º, 9ª, Ed., 1994, pág. 395.1), integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de caráter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário – neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 410.º; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.

É pacífico (veja-se João Leal Amado, in Contrato de Trabalho págs. 298.º e sgs.) que a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 258.º, está em perfeita sintonia com o caráter oneroso do contrato de trabalho.

Chamando à colação as palavras de Bernardo Xavier, in “introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português”, in RDES, 1996, p. 90 «há que ter o maior cuidado com uma política patronal de relações de trabalho assente no disfarce de atribuições remuneratórias com outro título ou com diverso invólucro».

Com efeito, conforme salienta João Leal Amado na obra supra citada, política patronal que, note-se, pode ser ditada pelas mais variadas razões, desde motivos de ordem fiscal até ao intento de possibilitar ao empregador a supressão, no futuro, desta ou daquela atribuição patrimonial, caso as circunstâncias assim o recomendem.

Destarte, por força daquela presunção, provando-se a existência de uma dada prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao trabalhador, recairá, portanto, sobre aquele o ónus de demonstrar que não se verificam, in casu, os elementos próprios e caracterizadores da retribuição.

O que, manifestamente a aqui A. não logrou provar, é que conforme é bem salientado na decisão proferida na ação comum sob o n.º ... (constante nos autos): “Dir-se-á, quanto a tanto, que se a R. procedeu ao pagamento, a alguns dos representados do A., das enunciadas prestações, tanto decorre, unicamente, da categoria na qual decidiu integrá-los, mau grado as funções que, efetivamente, desempenhavam. Em rigor, trata-se, pois, de conduta condicente com o tratamento, em termos de enquadramento profissional, decidiu levar avante”.

Sufraga-se na íntegra tal entendimento, ao que acresce não ser despiciendo o facto dado por provado em 19), nos termos do qual, por expressa indicação dos respetivos superiores hierárquicos os RR. sabiam que, a qualquer momento, lhes podia ser atribuída funções de carga e descargas de correio ou encomendas postais, tratamento, separação, divisão e distribuição postal próprias da do grupo profissional/categoria profissional de carteiro.

Ou seja, a A. enquanto detentora por excelência do poder de direção, de conformação e de organização, tinha a alavanca necessária para, querendo, colher vantagens com a atribuição errónea da categoria profissional àqueles seus subordinados.

Destarte, pela nossa parte, entendemos que a errónea qualificação da categoria profissional do contrato de trabalho que tenha sido executado, não pode permitir a devolução de montantes retributivos auferidos com o argumento de se tratar de carreiras com progressões distintas.

Na verdade, sendo o contrato de trabalho, um negócio jurídico de execução continuada, o reconhecimento da própria natureza híbrida da retribuição, que não é apenas o preço do trabalho, suscitam questões delicadas e desaconselham a destruição dos efeitos já produzidos (ao menos no plano fáctico), ao que deveria acrescentar-se a própria complexidade da relação laboral.

Acresce que, de harmonia com o art. 129.º n.º 1, al. d), é proibido ao empregador: “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Importa, antes de mais, contextualizar o denominado princípio da irredutibilidade:

Como dizem o Professor Mário Pinto e os Drs. Furtado Martins e Nunes de Carvalho, no comentário às Leis do Trabalho, Volume 1.º, a pág. 100: “Vimos que se proíbe uma regressão salarial, concretizada na redução da retribuição global do trabalhador. Simplesmente, essa retribuição não pode ser entendida como um bloco unitário e incindível, numa perspetiva estritamente aritmética. Retribuição é o correspondente da prestação de trabalho, uma atribuição patrimonial que serve de contrapartida ao trabalho prestado, de acordo com um certo equilíbrio, definido no contrato ou numa parte jus laboral (lei ou instrumento de regulamentação coletiva).

E a regra da irredutibilidade visa proibir uma alteração desse equilíbrio em sentido menos favorável ao trabalhador.

Todavia, o equilíbrio entre as prestações não é, em si mesmo, um bloco incindível.

Podemos descortinar, para além de uma correspondência global, determinados nexos específicos entre certas atribuições patrimoniais e particulares modo de ser do trabalho prestado.

Se, duma parte, temos um núcleo central da retribuição que corresponde ao exercício das funções correspondentes a uma certa atividade, durante o número de horas estipulado como período normal de trabalho, discernimos, doutra parte, outros nexos de correspondência entre específicas atribuições patrimoniais e certos modos de ser da prestação (...) A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), ser entendido de modo formalista e desatendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspetiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação laboral”.

Desta exposição, resulta que a entidade empregadora pode alterar, unilateralmente, a forma de cálculo das componentes retributivas, desde que a referida base de cálculo não constitua um elemento essencial do contrato e desde que dessa alteração não resulte diminuição da retribuição.

Com efeito, a garantia da irredutibilidade da retribuição prevista no art. 129.º, n.º 1, al. d), apenas veda à entidade empregadora a diminuição da retribuição global, nada a obrigando a manter inalterável a estrutura de todos os demais componentes retributivos, designadamente, a base de cálculo dos prémios atribuídos, estando apenas obrigada a manter os montantes médios e não a mesma estrutura de retribuição.

Ora, reportando-nos ao caso sob apreciação, a dar-se guarida à pretensão da aqui A. estar-se-ia no fundo a ferir tal princípio de irredutibilidade.

Com efeito, as retribuições que a A. foi pagando aos RR. ao longo dos anos (na categoria profissional de Carteiro, categoria essa que a A. optou por atribuir aos RR.), atingiu a retribuição global disponível àqueles trabalhadores, acabando por gerar nos mesmos a expetativa razoável, face ao uso criado, de que tal se manteria, e com tais montantes fez face (com toda a legitimidade) às despesas correntes, e à do respetivo agregado familiar.

Destarte, há que julgar a presente ação totalmente improcedente.”

Apreciando a pretensão da recorrente:

Alega a recorrente que a decisão recorrida parte do excerto errado da sentença proferida no processo ... que reclassificou os RR. em MOT, pois o mesmo refere-se única e exclusivamente às prestações complementares e não ao vencimento base; atendendo à retribuição base que é a única peticionada pela A. (diferenças), não está em causa qualquer violação do princípio da irredutibilidade da prestação; que o tribunal a quo parece partir da ideia de que a recorrente decidiu, por mero capricho, enquadrar os RR. na categoria de CRT e pagar-lhes como tal quando bem sabia que estes não desempenhavam as funções de carteiro, o que está errado pois sempre tratou e reconheceu os RR. como carteiros tendo estes desempenhado efetivamente tais funções, razão pela qual sempre auferiram o vencimento inerente à categoria de CRT; que os ora recorridos aquando da propositura da ação com vista à reclassificação em MOT tinham perfeito conhecimento das consequências que poderiam advir da mesma logo desde a contestação da ora A. que aí manifestou a intenção de pedir a devolução dos valores pagos a mais, pelo que, estes agora peticionados não são surpresa para os recorridos mas sim uma consequência do pedido formulado pelos mesmos e do que ficou provado e, ainda, que os recorridos nunca poderiam ter mantido a expetativa razoável de que não veriam a sua retribuição alterada após a decisão que os reclassificou em MOT.

Vejamos:

Resulta da matéria de facto provada que ao longo do tempo a A. sempre tratou e reconheceu os RR. como CRT (carteiros), tendo os mesmos beneficiado das progressões na carreira inerentes a tal categoria.

Por força de uma decisão judicial os RR. foram reclassificados em MOT (motoristas) desde 22/02/1995 e março de 1988, respetivamente.

Mais se apurou que existem diferenças entre as duas citadas categorias de CRT e MOT, nomeadamente, no que respeita às remunerações mínimas mensais, sendo certo que os RR. auferiram desde aquelas datas e enquanto CRT, valores superiores de vencimento base quando comparados com os previstos para a categoria de MOT.

E, por fim, resulta da matéria de facto provada que desde as citadas datas, não obstante os RR. executarem as funções descritas em 18), por expressa indicação dos respetivos superiores hierárquicos ambos os RR. sabiam que, a qualquer momento, lhes podiam ser atribuídas funções de carga e descargas de correio ou encomendas postais, tratamento, separação, divisão e distribuição postal próprias das do grupo profissional/categoria profissional de carteiro.

Pois bem, significa isto que desde as datas em causa os ora RR. desempenharam efetivamente funções  próprias da categoria de CRT, sendo certo que foi esta categoria que a ora A. decidiu atribuir-lhes bem como a retribuição base prevista para a mesma.

Isto para concluirmos que a retribuição base que os RR. auferiram durante tal período constituiu uma contrapartida devida pela efetiva prestação do correspondente trabalho de carteiro.

Assim sendo, desde já avançamos, que não tendo os RR. auferido qualquer remuneração base indevida, não vislumbramos qualquer fundamento legal para lhes ser exigida a devolução do recebido (nomeadamente com base num enriquecimento sem causa).

Aliás, a recorrente não indica qualquer norma jurídica que fundamente o seu pedido.

Na verdade, se a A. entendeu classificar os RR. como CRT e pagar-lhes a respetiva remuneração base ou outra superior, tal decisão só à mesma é imputável e não pode, por força da ordenada reclassificação, vir agora peticionar as diferenças das remunerações base alegando ter pago um valor superior quando este foi a contrapartida prevista, escolhida e devida para o trabalho efetivamente prestado.

Como referem os recorridos, a recorrente retribuiu-os pela forma que entendeu adequada à prestação laboral e que aceitaram, sendo que, o trabalhador pode auferir uma remuneração superior ao limite máximo de referência constante da respetiva tabela salarial, sem que daí decorra a alteração do seu grau de qualificação e da sua categoria profissional (n.º 3 da cláusula 66.ª do AE CTT/2008, publicado no BTE n.º 14, de 08/04/2008; n.º 3 da cláusula 67.ª do AE CTT/2010, publicado no BTE n.º 1, de 08/01/2010 e AE CTT/2015, publicado no BTE n.º 8, de 28/02/2015).

Acresce que, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da irredutibilidade da retribuição (artigo 129.º, n.º 1, d), do CT[2]), no sentido de que o vencimento do trabalhador não pode ser diminuído, salvo nos casos previstos na lei (por exemplo de redução do tempo de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho e de passagem para um regime de trabalho parcial).

Ora, a admitir-se a tese da A. assistiríamos a uma diminuição dos vencimentos base dos RR. não prevista no nosso ordenamento jurídico, sendo certo que não estamos perante uma mudança para categoria inferior prevista na lei.

Na verdade, o artigo 119.º do CT consagra a possibilidade de mudança para categoria inferior que pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço competente no caso de determinar diminuição da retribuição.

Por outro lado, o disposto no n.º 1 do artigo 267.º do CT[3] sob a epígrafe retribuição por exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas, no sentido de que <<o trabalhador que exerça funções a que se refere o n.º 2 do artigo 118.º, ainda que a título acessório, tem direito à retribuição mais elevada que lhes corresponda, enquanto tal exercício se mantiver>>, afasta igualmente a pretensão da A. recorrente, posto que, como já referimos, aos ora RR. podiam ser atribuídas funções próprias das do grupo profissional/categoria profissional de carteiro.

Por fim, a pretensão da recorrente esbarra, ainda, com o princípio da irrenunciabilidade/indisponibilidade do direito à retribuição, posto que os contratos de trabalho ainda perduram.

Face ao que ficou dito, não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que não está em causa qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição nem quando refere que os valores que peticiona são uma consequência do pedido formulado pelos ora RR. com vista à reclassificação e que estes nunca poderiam ter mantido a expetativa de que não veriam a sua retribuição alterada.

Ao contrário do alegado pela recorrente, como se refere na sentença recorrida, as retribuições que a A. foi pagando aos RR. ao longo dos anos como contrapartida da prestação de trabalho na categoria de CRT que lhes atribuiu, gerou nos trabalhadores uma expetativa razoável de que tal se manteria.

E também não faz sentido o apelo da recorrente ao princípio da igualdade e do para trabalho igual, salário igual, desde logo, porque para tanto necessário seria que tivesse resultado provado que todos os trabalhadores ao serviço da A. que desempenham as mesmas funções dos RR. de MOT auferiram e auferem as remunerações mínimas das respetivas tabelas salariais, o que não ocorreu.

Em suma, inexiste qualquer fundamento legal para a pretensão da A. no sentido da condenação dos RR. a devolverem-lhe as diferenças salariais vencidas e vincendas.                                                                Improcedem, assim, as alegações da A. recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.

   IV – Sumário[4]

1. Se os ora RR. desempenharam efetivamente funções  próprias da categoria de CRT, sendo certo que foi esta categoria que a ora A. decidiu atribuir-lhes bem como a retribuição base prevista para a mesma, tal retribuição constituiu uma contrapartida devida pela efetiva prestação do correspondente trabalho de carteiro.

2. Se a A. entendeu classificar os RR. como CRT e pagar-lhes a respetiva remuneração base ou outra superior, tal decisão só à mesma é imputável e não pode, por força da ordenada reclassificação em MOT, vir agora peticionar as diferenças das remunerações base alegando ter pago um valor superior quando este foi a contrapartida prevista, escolhida e devida para o trabalho efetivamente prestado

3.  A admitir-se a tese da A. assistiríamos a uma diminuição dos vencimentos base dos RR. não prevista no nosso ordenamento jurídico e, consequentemente, à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.

4. A pretensão da recorrente esbarra, ainda, com o princípio da irrenunciabilidade/indisponibilidade do direito à retribuição, posto que os contratos de trabalho ainda perduram

                                                                  V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na total improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da A. recorrente.

                                                                             Cª, 2019/03/15

       (Paula Maria Roberto)

          (Ramalho Pinto)

         (Felizardo Paiva)


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                         Felizardo Paiva
[2] O mesmo princípio estava consagrado na LCT e no artigo 122.º, d), do CT de 2003 e consta também dos diversos AE/CTT.
[3] Artigo 22.º, n.º 8 da LCT e 152.º do CT de 2003.
[4] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.