Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
295/06.6ECLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CRIME DE IMITAÇÃO E USO ILEGAL DA MARCA
PERDA DE INSTRUMENTOS E PRODUTOS
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 109º CP,323º, AL. B), 330.º DO CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 36/2003, DE 5 DE MARÇO, E ALTERADO PELOS DECRETOS-LEIS N.ºS 318/2007, DE 26 DE SETEMBRO, 360/2007, DE 2 DE NOVEMBRO, E 16/2008, DE 1 DE ABRIL
Sumário: 1. O artigo 330.º do Código da Propriedade Industrial, por constituir regime especial, prevalece sobre o regime geral de perda de instrumentos e produtos do artigo 109.º do Código Penal.

2. Não devem ser declarados perdidos a favor do Estado, as garrafas de vinho apreendidas quando o elemento figurativo dos rótulos é perfeitamente destacável dos produtos onde estão apostos e, deste modo, a imitação de marca registada evidenciada pelos rótulos não se transmite às garrafas e ao vinho que estas contêm.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No âmbito do inquérito registado sob o n.º 295/06.6ECLSB que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Leiria, a sociedade “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”, interpôs recurso do despacho proferido, pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, a fls. 423/425, com data de 18-09-2009, que declarou perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos (“vinho e garrafas e respectivos rótulos”).
Conclui a motivação de recurso nos seguintes termos (transcrição):
1.ª – Assim o vinho e as garrafas não devem ser declarados perdidos a favor do Estado, tal como os rótulos, por não integrarem a prática do crime de imitação e uso ilegal da marca, p. e p. pelo artigo 323.º, al. b) do Código da Propriedade Industrial.
2.ª – Nem serem considerados matérias ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para a prática desse crime, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 330.º do Código da Propriedade Industrial.
3.ª – A decisão recorrida não se encontra devidamente fundamentada de facto, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, que a torna anulável, em face das boas regras de interpretação e aplicação da lei do nosso ordenamento jurídico.
Termos em que se requer a V. Ex.ª que tome conhecimento do supra exposto, e julgando o recurso procedente, revogue a decisão recorrida e a substituía por outra que ordene a entrega do vinho e garrafas à recorrente, assim se fazendo a costumada justiça.
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2. Em resposta a fls. 451 e 452, o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso.
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 3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, para além de um excurso dogmático sobre a estrutura normativa do artigo 109.º do Código Penal, deixou consignado no parecer de fls. 470/475:
«19. Por sua vez, nos termos do disposto no art. 330.º do Código da Propriedade Industrial, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos em que se manifeste um crime previsto neste Código, bem como os materiais ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados na prática desse crime, excepto se o titular do direito ofendido der o seu consentimento expresso para que tais objectos voltem a ser introduzidos nos circuitos comerciais ou para que lhes seja dada outra finalidade (1); e que os objectos declarados perdidos a que se refere o número anterior são total ou parcialmente destruídos sempre que, nomeadamente, não seja possível eliminar a parte dos mesmos ou o sinal distintivo nele aposto que constitua violação do direito (2);
20. Trata-se, assim, de uma norma de aplicação específica em matéria de ilícitos criminais relativos a direitos de propriedade industrial, introduzido pelo DL n.º 36/2003, de 5 de Março, que inexistia nos Códigos da Propriedade Industrial anteriores, no âmbito de vigência dos quais eram aplicáveis as disposições gerais relativas a objectos apreendidos contrafeitos, designadamente as previstas no art. 109.º do Código Penal;
21. Ora, no caso dos autos, como se retira, quer do despacho que determinou o arquivamento do inquérito, quer do próprio despacho recorrido, o crime de imitação e uso ilegal de marca, da previsão do art. 323.º, alínea b) do Código da Propriedade Industrial, cujos elementos objectivos foram tidos por verificados (v.g. que, sendo o crime apenas punível a título de dolo (genérico), não se teve por suficientemente indiciado esse elemento subjectivo do tipo, razão por que foi determinado o arquivamento do inquérito, nos termos do art. 277.º, n.º 2, do CPP), resultou de a aposição do elemento figurativo do rótulo nas garrafas pôr em causa os direitos da titular da respectiva marca registada;
22. Tal elemento afigura-se-nos perfeitamente destacável, quer da própria garrafa, quer do vinho nelas contido, de modo a que a imitação de marca registada a que se reporta o rótulo nelas aposto se não transmite àqueles (conteúdo e continente), nem com eles forma uma qualquer unidade;
23. Pelo que não vemos obstáculo algum a que seja apenas destruído/inutilizado o respectivo rótulo com a imitação da respectiva marca registada, sem que as garrafas em vidro e vinho nelas contido tenham de seguir necessariamente o mesmo caminho, cuja eliminação, assim, nos parece desproporcionada;
24. Deste modo se salvaguardando os direitos protegidos pela marca registada, bem como a lealdade da concorrência;
25. Razão por que se entende que, sendo possível eliminar/inutilizar o sinal distintivo (rótulo) aposto nas garrafas, apenas devem ser declarados parcialmente perdidos a favor do Estado e determinada a destruição/inutilização dos referidos rótulos, determinando-se a entrega das garrafas e vinho nelas contido ao seu legítimo proprietário.
Termos em que se nos afigura que o recurso merece provimento, pelo que o despacho recorrido dever ser revogado e substituído por outro que decida nos termos propostos».
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4. Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, a recorrente não exerceu o seu direito de resposta.
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5. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim, a única questão delimitativa do objecto do recurso interposto por “S... – Vinhos de Portugal, S.A.” consiste em saber se devem ser declarados perdidos a favor do Estado, como ficou decidido no despacho recorrido, as garrafas de vinho apreendidas à recorrente no domínio do presente processo.


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2. Elementos relevantes à decisão:

A) Em Setembro de 2006, a sociedade “Vinhos B..., Lda.” apresentou a queixa de fls. 5/6 dos autos, denunciando que a “GCT, S.A.” procedia à comercialização de vinho, branco e tinto, embalado pela empresa “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”, com a marca comercial “KO”, constituída figurativamente por uma gravura igual à que constitui a marca de que é titular a queixosa [“Loja da Q…”, registada sob o n.º…, no INP (Instituto Nacional da Propriedade Industrial].

B) Em 21 de Novembro de 2006, na sequência de uma acção inspectiva por parte da ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), foram apreendidos a S... – Vinhos de Portugal, S.A.” 71.800 rótulos de vinho de mesa, tinto e branco, com a marca “KO”, e 7.480 garrafas de vinho, acondicionadas em caixas, nas quais estavam apostos rótulos da referida marca;

C) No desenvolvimento dos termos do inquérito foi a final, em 14-04-2009, proferido despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, do seguinte teor:

«No dia 21 de Novembro de 2006, na Adega “S...», em …, Leiria, pela ASAE, foram apreendidos, à sociedade “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”, os objectos indicados a fls. 2 a 4 (garrafas de vinho e rótulos), visto que os rótulos apreendidos e utilizados nas garrafas reproduziam o sinal misto da marca patenteada com o registo n.º 382126, desde 27 de Junho de 2005.

A intervenção da autoridade teve por base a denúncia de fls. 5, apresentada pela sociedade “Vinhos B..., Lda.” (…).

Na sequência de denúncias semelhantes foram efectuadas apreensões em outros estabelecimentos, que deram origem a vários inquéritos, os quais foram todos eles apensos a estes autos, visto a conexão processual existente, cfr. fls. 90 a 134, 211 a 219.


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Os factos denunciados, em abstracto, são susceptíveis de integrar a prática do crime de imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo artigo 323.º, al. b), do C.P.I..

No acto de apreensão foi apurado que o vinho engarrafado com a marca “KO” era embalado pela “S...” para a sociedade “E… ” (…), em regime de exclusividade, em conformidade com contrato celebrado no dia 23 de Setembro de 1999.

Sendo que esse contrato foi, posteriormente, alterado, tendo dado lugar a outro com as sociedades “…, S.A.” e “…, S.A.” (…).

(…).

A factualidade que se apurou pode sintetizar-se no engarrafamento de vinho, pela “S...”, em garrafa com rótulo contendo imagem figurativa imitada da imagem reservada à mencionada sociedade titular dos sinais gráficos e de marca dos Vinhos B....

Depois, tais garrafas eram distribuídas na cadeia de distribuição de produtos alimentares E…e, posteriormente, da “…SA” e “…SA”.

Os factos originários em torno do engarrafamento com rotulagem irregular ou apócrifa situam a aposição (em garrafas de um outro vinho que não o da queixosa) de rótulos capazes de imitar o sinal figurativo da queixosa.

E da prova produzida resulta não existirem autorias distintas quanto à rotulagem e posterior venda e colocação em circulação daqueles produtos. Com efeito, este consubstanciava acto posterior mas integrada naquele.

Donde, somos de entender que os factos que se indiciam suficientemente integram todos os elementos objectivos do crime supra referido.

Porém, se é assim na vertente objectiva, o mesmo não se pode afirmar quanto ao elemento subjectivo – o dolo (conhecer e querer).

Na verdade, tudo indica mesmo que o rótulo há muito que era utilizado e não se prova que quer os arguidos constituídos, quer as sociedades por si representadas tivessem conhecimento da existência de registo de marca a favor da denunciante com elemento figurativo semelhante.

Ora, o crime em causa só é punível se cometido na forma dolosa, o que não se prova.

Pelo exposto e por se nos afigurar não existirem quaisquer diligências complementares de efeito útil a ordenar, determino o arquivamento dos autos nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal»;

D) A fls. 422/425 dos autos, na sequência do promovido pelo Magistrado do Ministério Público a fls. 397 e 416, e após audição da “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”, o Sr. Juiz de Instrução lavrou o despacho recorrido, ora reproduzido:

«A DM do MP veio a fls. 397 requerer a declaração de perda, a favor do Estado, do vinho contida nas garrafas e dos rótulos respectivos que constituem imitação de marca registada.

“S... – Vinhos de Portugal, S.A.” veio, a fls. 409, deduzir oposição com os fundamentos de que, uma vez que em investigação estava apenas a legalidade da imagem que compôs o rótulo do produto, o vinho e garrafas de vinho deverão ser entregues à lesada.

(…).

Cumpre apreciar e decidir:

Conforme se alcança da prova reunida e constante dos autos, e como se alcança do despacho de arquivamento do MP – que entendemos ter feito uma correcta apreciação das questões de facto e de direito – encontra-se suficientemente indiciada a prática dos elementos objectivos do crime de imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo art. 323.º, al. b), do Código da Propriedade Industrial.

Cfr. cópia do título de registo no INPI de fls. 14 e 15, rótulos de fls. 17 e 18 e parecer do INPI que vai no sentido de que a aposição do elemento figurativo do rótulo em causa põe em causa os direitos da titular da marca “Loja… “.

Apenas foi proferido despacho de arquivamento por não se encontrar suficientemente indiciada a prática do elemento subjectivo do crime em causa, mais concretamente, o dolo, uma vez que tal crime é apenas punido a tal título.

Ou seja, os objectos do crime em causa integram o produto como se encontrava à venda, garrafas, vinho e respectivos rótulos.

Com relevância para a questão dos autos dispõe o art. 330.º do Código da Propriedade Industrial:

(…).

Conforme se alcança do teor da lei, a declaração de perda a favor do Estado abrange os objectos em que se manifesta, na sua totalidade, o crime em causa, não se fazendo uma distinção das diversas partes componentes, a não ser apenas para efeitos de destruição do objecto em causa.

E isto independentemente de o vinho e as garrafas poderem ser ainda aproveitadas como pretende a oponente.

Aliás, seguindo este raciocínio, o Acórdão da Relação de Évora de 22-1-2004, relatado pelo Ex.mo Desembargador Bernardo Domingos, segundo o qual a falsificação do chassis de um veículo automóvel que veio a ser apreendido constitui obstáculo à restituição dos demais elementos do veículo ao comprador de boa-fé, apesar de se estar perante uma parte componente de um veículo automóvel.

Em conformidade, declaro perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos – vinho, garrafas e respectivos rótulos – por integrarem a prática do crime de imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo artigo 323.º, al. b), do Código da Propriedade Industrial.

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 330.º do citado diploma, e após trânsito, determino a destruição dos mesmos.

(…)».


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3. Do mérito do recurso:
Em rigor, estão em confronto duas teses interpretativas diversas do artigo 330.º do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 318/2007, de 26 de Setembro, 360/2007, de 2 de Novembro, e 16/2008, de 1 de Abril), doravante designado apenas por CPI.
De um lado, situa-se o despacho recorrido, expressando, em suma, posição no sentido de que, no caso concreto revelado pelos elementos descritos supra: (i) existe manifestação de um crime de imitação e uso ilegal de marca, p. e p. pelo artigo 323.º, al. b), do CPI; (ii) os objectos referidos no texto do n.º 1 do referido artigo incluem os produtos (garrafas contendo vinho) contendo os rótulos caracterizadores da marca constituída pelo sinal nominativo “OK” e pelo elemento figurativo que se vislumbra, nomeadamente, em fls. 17 e 18 dos autos.
De outro, destaca-se a exegese da recorrente, sufragada, em parte e no geral, pelo Ex. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra. No dizer da primeira: (i) os produtos em causa (garrafas e vinho) não devem ser declarados perdidos a favor do Estado, tal como os rótulos, por inexistir crime de imitação e uso ilegal de marca; (ii) «o crime investigado esgota-se nos rótulos, sendo que os mesmos são perfeitamente destacáveis do resto do produto (garrafas e vinho); ou seja, apenas os rótulos podem ser considerados objecto do crime» (cfr. pontos 8. e ss. da motivação do recurso). Nos termos do parecer acima transcrito, relembramos, o elemento figurativo dos rótulos é perfeitamente destacável dos produtos onde estão apostos e, deste modo, a imitação de marca registada evidenciada pelos rótulos não se transmite às garrafas e ao vinho que estas contêm.
Começamos por afirmar que, efectivamente, a disposição legal aplicável no contexto específico da problemática que vem suscitada é o dito artigo 330.º do CPI, porquanto tal norma, por constituir regime especial, prevalece sobre o regime geral de perda de instrumentos e produtos do artigo 109.º do Código Penal.
Dispõe aquele normativo:
«1 – São declarados perdidos a favor do Estado os objectos em que se manifeste um crime previsto neste Código, bem como os materiais ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para a prática desse crime, excepto se o titular do direito ofendido der o seu consentimento expresso para que tais objectos voltem a ser introduzidos nos circuitos comerciais ou para que lhes seja dada outra finalidade.
2 – Os objectos declarados perdidos a que se refere o número anterior são total ou parcialmente destruídos sempre que, nomeadamente, não seja possível eliminar a parte dos mesmos ou o sinal distintivo nele aposto que constitua violação do direito».
Para a solução a dar à primeira sub-questão, há que considerar o despacho de arquivamento do inquérito, reproduzido supra, com expressão, em síntese conclusiva, no seguinte quadro: afirmação, revelada pelos elementos descritos no mesmo despacho, de prova indiciária suficiente quanto à verificação do tipo objectivo do crime de uso ilegal de marca; inexistência de indícios relativos ao preenchimento do elemento subjectivo do aludido crime, por não estar suficientemente demonstrado que os «arguidos constituídos», entre eles o legal representante da ora recorrente, «tivessem conhecimento da existência de registo de marca a favor da denunciante com figurativo semelhante».
Como vimos, o citado artigo 330.º do CPI fala na declaração de perda de objectos «em que se manifeste um crime (…)».
Trazendo à colação o artigo 107.º, n.º 1, do CP/82, onde era usada expressão equivalente («Serão declarados perdidos a favor do Estado os objectos que sirvam ou estavam destinados a servir para a prática de um crime…»)[1], o entendimento generalizado na jurisprudência e na doutrina tendia a considerar, como Figueiredo Dias[2], que o termo «crime» naquele artigo é sinónimo de facto ilícito típico, no seguinte sentido: «de que a perda deve ser decretada desde que no facto se verifiquem os requisitos (…) exigidos para o facto que é pressuposto de aplicação de uma medida de segurança privativa de liberdade. Ou, dito de forma explícita: torna-se necessária a verificação de todos os elementos de que depende a existência de um crime, com ressalva dos requisitos relativos à culpa do agente. Sujeitos à perda estão, desde logo, tanto agentes imputáveis, como inimputáveis».
Mais adiante, perante o n.º 2 do artigo 107.º e a consideração diferenciada que este normativo impõe em relação à correcta interpretação do n.º 1 do mesmo artigo, esclarece-se na dita obra: «Aqui cabem seguramente os casos em que o agente do facto está determinado, mas o processo deve ser arquivado por qualquer causa de extinção da responsabilidade ou por falta de pressupostos processuais. Mas pode pensar-se que cabem igualmente as hipóteses em que não possa sequer ser determinado o agente ou agente do facto: v. g., aparecendo a pessoa morta a tiro com uma arma perto de si, provando-se quem é o agente, a arma seria declarada perdida, nos termos do art. 107.º-2. Na primeira hipótese, os requisitos parece deverem ser os mesmos anteriormente expostos. Na segunda parece que tem de bastar a verificação de um tipo objectivo de ilícito…enquanto tal for possível mantendo-se desconhecida a pessoa do agente».
A nosso ver, igual interpretação deve ser feita no domínio do artigo 330.º, n.º 1, do CPI, havendo que ter como suficiente, para os efeitos referidos na norma, a verificação de um facto ilícito típico no preciso sentido da doutrina do crime, ou seja, onde esteja presente não só o tipo de ilícito objectivo, como o tipo de ilícito subjectivo.
Ora, no caso específico dos autos, o inquérito foi arquivado precisamente pela falta de indícios suficientes relativos à verificação do tipo subjectivo do crime de imitação e uso ilegal de marca do artigo 323.º, alínea b) do CPI.
Não se manifestando, assim, a prática deste crime, não há fundamento para a decisão de perdimento a favor do Estado dos objectos (garrafas e vinho) apreendidos à recorrente “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”.
Todavia, face aos contornos e à conformação constitutiva dos objectos apreendidos (garrafas de vinho nas quais estão apostos rótulos com sinal figurativo que atenta objectivamente contra o direito de titular de marca registada), e de molde a impossibilitar a colocação no mercado de mercadoria nas referidas condições, o vinho só poderá ser restituído a “S... – Vinhos de Portugal S.A.” após inutilização dos rótulos apostos nas respectivas garrafas.
Pelas mesmas razões, serão também destruídos os demais rótulos apreendidos.
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 III. Dispositivo:
Posto o que precede, os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra, no provimento do recurso, revogam a decisão recorrida, ou seja, o despacho do Sr. Juiz de Instrução que, a fls. 423/425, declarou perdidos a favor do Estado os objectos (garrafas de vinho) apreendidos no âmbito do presente processo a “S... – Vinhos de Portugal, S.A.”, e determinam que tais objectos, depois da inutilização dos rótulos apostos nas garrafas, sejam entregues à referida sociedade, devendo, de igual modo, proceder-se à destruição dos restantes rótulos.
Sem tributação.
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(Processado e revisto pelo relator, o primeiro signatário)
Coimbra, 10 de Fevereiro de 2010

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(Alberto Mira)

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(Elisa Sales)


[1] Actualmente, face ao disposto no artigo 109.º do CP/95, o termo “crime” utilizado pelo legislador de 1982 foi substituída pela expressão “facto ilícito típico”.
[2] As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pag. 617/621.