Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
56/21.2YRCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ARBITRAGEM
NÃO APLICAÇÃO DO NCPC
Data do Acordão: 07/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 63/2011, DE 14/12.
Sumário: As normas do Código de Processo Civil não se aplicam subsidiariamente ao processo de arbitragem regulado pela Lei de Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro –, sem prejuízo das partes ou os regulamentos de arbitragem disporem de modo diverso e de se aplicarem ao processo de arbitragem os princípios gerais que estruturam o processo civil, adequados à natureza privatística do processo de arbitragem.
Decisão Texto Integral:






I. Relatório

a) A Recorrente dirige-se a este tribunal da Relação de Coimbra pedindo a declaração de «… nulidade da sentença arbitral proferida no âmbito dos autos que correram termos no CIMPAS pelo n.º A-2020-0...».

Diz que apresentou no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, uma reclamação para regularização de um sinistro automóvel, ocorrido em 9 de abril de 2020, e preencheu, para o efeito, um formulário de Reclamação, pedindo que a seguradora fosse condenada a pagar-lhe a totalidade dos danos sofridos a título de danos morais, danos patrimoniais e de lucros cessantes, admitindo que, não tendo constituído advogado, não tenha formulado o pedido discriminando que valores peticionava e a que título.

A sentença arbitral, que abaixo será reproduzida, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €600,00 a título de danos patrimoniais e quanto a danos não patrimoniais nada atribuiu, justificando esta decisão com a ausência de prova de tais danos.

b) As causas de nulidade da decisão arbitral apresentadas são as seguintes:

1 – O requerimento inicial era inepto e o tribunal não apreciou a insuficiência da petição, com vista a ordenar o seu aperfeiçoamento ao nível da alegação de factos, apesar da Ré ter aflorado na contestação a ineptidão da petição e ser manifesto que a Requerente não estava representada por advogado, sendo certo que o Centro de Arbitragem também presta serviços de informação e apoio técnico aos seus utentes.

Apesar de tudo a requerente apresentou documentos comprovativos dos valores por si peticionados, pese embora não os referindo no formulário de Reclamação, tais como um orçamento de empresa de rent a car para aluguer de veículo de características semelhantes (câmara de frio) e documentos comprovativos de lucros gerados em vendas realizadas no período homólogo do ano anterior.

2 – A Requerente não foi regularmente notificada da contestação apresentada, o que gera a nulidade de todo o processado posterior.

3 –  A sentença arbitral não se pronuncia sobre todos os elementos de prova juntos pela então Reclamante, como é o caso do orçamento de aluguer de veículo de substituição ou da documentação relativa à faturação da empresa Reclamante em período homólogo do ano transato.

4 –  A sentença não se encontra devidamente fundamentada, pois não se pronuncia quanto à totalidade dos elementos de prova carreados para os autos (orçamento).

5 – A sentença não se pronuncia quanto à totalidade dos valores reclamados, sendo omissa relativamente ao valor peticionado a título de privação do uso de veículo, não fundamentando por que é que essa parte do pedido não foi objeto de apreciação.

6 – A sentença arbitral enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC, já que, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, estando ainda os fundamentos invocados em oposição com a decisão (artigo 33.º do recurso).

6 – A sentença arbitral é ambígua, obscura e ininteligível.

c) A recorrida, citada nos termos do art. 46.º, n.º 2, al. b) da LAV, pronunciou-se nestes termos:

« (…) 3º Na verdade a sentença encontra-se devidamente fundamentada.

4º Nos termos do Art 154º do C.P.C. (aplicável subsidiariamente à Arbitragem nos termos da LAV ), só se verifica falta de fundamentação se não forem inteligíveis as concretas razões de facto e de direito da decisão, a decisão de facto ou de direito insuficiente , em termos tais , que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito que motivaram a decisão , caso em que se verificará a nulidade do acto decisório.

5º Para a validade da decisão arbitral não é necessário que na mesma se mostre efectuada a análise critica das provas, basta que estejam especificados os fundamentos de facto e de direito, e os meios de prova que foram decisivos para a formação do juiz árbtitro, o que no caso em análise se verifica.

6º A decisão arbitral está suficientemente fundamentada, e é perfeitamente inteligível e apreensível pelos respectivos destinatários os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando preceptível o iter lógico seguido na resolução do litigio, não havendo fundamento para ser declarada a sua nulidade.

8º Também não deverá proceder o pedido de anulação de decisão arbitral com base na ineptidão da reclamação, dado que a referida ineptidão não se verifica, e a verificar-se deveria ser invocada no momento oportuno, para ser sanada.

9º A Lei da Arbitragem Voluntária, com vista a aumentar a eficiência dos processos arbitrais, e a dificultar práticas tendentes a permitir a utilização à posteriori de questões que se tivessem sido invocadas no momento oportuno, podiam ser sanadas ou corrigidas, presume a renúncia à impugnação, pelo que não é possível mais tarde obter a anulação da sentença final com base nesse pressuposto ( Cft Artº 46 nº 4 da LAV ).

10º Face ao exposto verifica-se que não há fundamentos para ser proceder à anulação da decisão arbitral, dado que não se verifica a alegada falta de fundamentação da decisão como é alegado pelo Requerente.

11º Analisada a decisão arbitral, verifica-se que a mesma é perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários

12º Também não de verifica a nulidade por omissão de pronúncia, já que as questões fundamentais enunciadas pelo Requerente, foram apreciadas e encontram resposta suficientemente adequada e preceptível, e cujo mérito não cumpre apreciar no âmbito de uma acção anulatória, sendo esse o propósito de Requerente.

13º A decisão arbitral está motivada de forma exemplar, fazendo o Sr. Juiz árbitro uma apreciação cuidada e crítica da prova produzida, pelo que a decisão tomada não merece qualquer censura, nem sofre dos vícios alegados pelo Requerente para fundamentar o pedido de anulação da decisão arbitral, a qual deve ser mantida.

DESTE MODO

A douta sentença arbitral deve ser confirmada e

Assim se fará JUSTIÇA!»

II. Objecto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), o presente recurso coloca apenas a questão de saber se a decisão arbitral é nula, pelas razões já acima elencadas.

III. Fundamentação

a) Matéria processual a considerar

O teor da sentença arbitral, na parte que interessa, é o seguinte:

«Arbitragem - Proc. n….

Aos vinte e três dias do mês de ... do ano de dois mil e vinte, nas instalações (…), o Tribunal Arbitral do CIIVIPAS (Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros) com vista à resolução do litigio em que é

...

Assim, resta à reclamada, enquanto seguradora para a qual o veículo lesante havia transferido a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação de veículos, assumir o dever de indemnizar o reclamante, nos termos dos art. 483.º, n.º 1 e 566.º, n.º 1, ambos do Código Civil.

Em face do exposto e na parcial procedência da reclamação, condena-se a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de €600».

II – Vejamos então o mérito das nulidades invocadas contra a sentença arbitral

(I) Como as partes se referem à aplicabilidade subsidiária das normas do Código de Processo Civil ao processo de arbitragem, cumpre, antes de prosseguir, fazer uma referência à eventual aplicação de tais normas a título subsidiário.

1 -  A Lei de Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro – não prevê a aplicação do Código de Processo Civil a título subsidiário.

Esta lei prevê, sim, a aplicação das normas do Código de Processo Civil em alguns casos concretos, que enuncia expressamente, como no n.º 3 do artigo  30.º (Princípios e regras do processo arbitral) onde dispõe que «Não existindo tal acordo das partes e na falta de disposições aplicáveis na presente lei, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas, devendo, se for esse o caso, explicitar que considera subsidiariamente aplicável o disposto na lei que rege o processo perante o tribunal estadual competente»; no n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 47.º, relativos à execução da sentença arbitral; n.º 3 do artigo 48.º, atinente aos fundamentos de oposição à execução e n.º 5 do artigo 59.º, relativo aos tribunais estaduais competentes para prestar assistência aos tribunais arbitrais.

A exclusão da aplicação das normas do Código de Processo Civil a título subsidiário justifica-se considerando que a arbitragem constituiu um modo específico e autónomo de solucionar conflitos de interesses, na qual se privilegia a economia de meios processuais e a rapidez da decisão.

Ao invés do processo civil, que tem natureza pública, o processo arbitral é regido pela autonomia da vontade das partes.

[Sobre o caráter público do processo civil:

«O direito de acção é, na sua essência, um poder jurídico, de carácter publicístico, conferido a uma pessoa (autor), no sentido de exigir do Estado determinada providência contra uma outra pessoa (réu), através de um conjunto de actos (processo), que se desdobra num duplo momento, tendo a providência requerida um conteúdo essencialmente variável: …» - Antunes Varela. O Direito de Acção e a Sua Natureza Jurídica. Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 126, pág. 169.

«O processo regula a forma de chegar a uma decisão, não o seu conteúdo; e o processo civil é direito público ao passo que o direito que regula o conteúdo da decisão é direito privado» - Castro Mendes. Do Conceito de Prova em Processo Civil. Lisboa: Edições Ática, 1961, pág. 605/606]

Por isso, a arbitragem é um sistema com as suas próprias especificidades, autónomo em relação ao processo civil, o qual prescinde da aplicação rígida de formalidades processuais, sendo um processo informal dirigido por um ou mais árbitros com ampla liberdade de ação.

Aliás, se se aplicasse subsidiariamente o Código de Processo Civil, o sistema ficaria desvirtuado na sua simplicidade e celeridade e seria uma fonte de conflitos permanente entre os que queriam ver aplicadas normas do processo civil e os seus oponentes.

Face à ausência de norma de remissão para o Código de Processo Civil e à indicação pontualizada dos casos em que se aplicam ao processo arbitral as normas do processo civil, tem de se concluir que, face à lei de arbitragem acima citada, está excluída a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Tal não implica que os princípios que regem o processo civil não possam ser aplicados, como por exemplo o princípio do contraditório (expressamente previsto no artigo 30.º, n.º 1, al. c) da LAV), mas os princípios não são propriamente normas legislativas, muito embora possam estar precipitados em normas de um código de processo civil.

2 – Vejamos agora o que diz o Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (em vigor desde 1 de junho de 2019, conforme deliberação do Conselho Diretivo do CIMPAS) (consultado em 24 de junho de 2021 - https://www.cimpas.pt/files/files/Regulamento%20CIMPAS.pdf).

No artigo 32º (Legislação supletiva ou subsidiária), refere o seguinte:

«1. Em tudo o mais é aplicável Lei da Arbitragem Voluntária, no que respeitar à arbitragem institucionalizada.

2. Em caso de omissão caberá ao tribunal arbitral conduzir a arbitragem, suprindo do modo que considerar apropriado, as regras em falta, designadamente aplicando subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral».

Verifica-se que o Regulamento de Arbitragem em causa também não remete para uma aplicação subsidiária e vinculativa do Código de Processo Civil.

Apenas orienta os árbitros («designadamente») no sentido de aplicarem, adaptando, as «regras e princípios do Código de Processo Civil», aos casos omissos com os quais se defrontem, sem descurar a «natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral».

Ou seja, em caso de lacuna, o juiz-árbitro criará a norma aplicável ao caso omisso, devendo utilizar para esse efeito «designadamente» as normas previstas no processo civil, adaptando-as.

Mas isso só ocorre quando comprovadamente exista uma lacuna e «Existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário, não contêm uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global – ou melhor: não contêm resposta a uma questão jurídica» - Baptista Machado. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 194.

 3 – Concluindo, as normas do Código de Processo Civil não se aplicam subsidiariamente ao processo de arbitragem regulado pela Lei de Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro –, sem prejuízo das partes ou os regulamentos de arbitragem disporem de modo diverso e de serem  aplicáveis  os princípios gerais que estruturam o processo civil, adequando-os à natureza privatística do processo de arbitragem.

(II) Sobre os fundamentos da «impugnação da sentença arbitral», o artigo 46.º (Pedido de anulação) da LAV diz quais são e são apenas os seguintes:

«1- Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.

2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:

a) A prova é oferecida com o requerimento;

b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;

c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais exceções;

d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;

e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;

f) A ação de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.

3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:

a) A parte que faz o pedido demonstrar que:

i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afetada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou

ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou

iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou

iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou

v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou

vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou

vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º; ou

b) O tribunal verificar que:

i) O objeto do litígio não é suscetível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;

ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável.

6 - O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.

7 - Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.

8 - Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue suscetível de eliminar os fundamentos da anulação.

9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.

10 - Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objeto do litígio».

Os princípios referidos no n.º 1 do artigo 30.º da LAV são estes:

«1 - O processo arbitral deve sempre respeitar os seguintes princípios fundamentais:

a) O demandado é citado para se defender;

b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;

c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as exceções previstas na presente lei».

Relativamente às causas de anulação do artigo 42.º (Forma, conteúdo e eficácia da sentença) da LAV são as seguintes:

«1 - A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros. Em processo arbitral com mais de um árbitro, são suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral ou só a do presidente, caso por este deva ser proferida a sentença, desde que seja mencionada na sentença a razão da omissão das restantes assinaturas» e

«3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º».

(III) Vejamos de seguida as diversas questões colocadas pelo recurso, tendo em conta o que se acabou de expor.

1 – A recorrente diz que o requerimento inicial era inepto e o tribunal não apreciou a insuficiência da petição com vista a ordenar o seu aperfeiçoamento ao nível da alegação de factos, apesar da Ré ter aflorado na contestação a ineptidão da petição e ser manifesto que a Requerente não estava representada por advogado, sendo certo que o Centro de Arbitragem também presta serviços de informação e apoio técnico aos seus utentes.

Apesar de tudo a requerente apresentou documentos comprovativos dos valores por si peticionados, pese embora não os referindo no formulário de Reclamação, tais como um orçamento de empresa de rent a car para aluguer de veículo de características semelhantes (câmara de frio) e documentos comprovativos de lucros gerados em vendas realizadas no período homólogo do ano anterior.

Vejamos: já se concluiu supra que as normas do Código de Processo Civil não se aplicam ao processo de arbitragem.

Por conseguinte, a omissão do convite ao aperfeiçoamento não gera qualquer vício no processo de arbitragem.

Essa omissão não é fundamento previsto para o pedido de anulação da sentença arbitral, como se vê pela leitura do artigo 46.º (Pedido de anulação) da LAV acima reproduzido.

Improcede este fundamento recursivo.

2 – A Requerente afirma que não foi regularmente notificada da contestação apresentada, circunstância que gera a nulidade de todo o processado posterior.

Cabem aqui as mesmas considerações acabadas de referir, ou seja, as normas do Código de Processo Civil não se aplicam ao processo de arbitragem.

Aliás, se se aplicassem as normas do Código de Processo Civil, essa nulidade teria sido sanada por não arguida atempadamente, no prazo geral de 10 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil.

Tal omissão também não é fundamento previsto para o pedido de anulação da sentença arbitral, como se vê pela leitura do artigo 46.º (Pedido de anulação) da LAV acima reproduzido.

Improcede este fundamento recursivo.

3 –  A sentença arbitral não se pronuncia sobre todos os elementos de prova juntos pela então Reclamante, como é o caso do orçamento de aluguer de veículo de substituição, ou a documentação relativa à faturação da empresa Reclamante em período homólogo do ano transato.

Continuam a verificar-se aqui as razões antes invocadas, ou seja, tal omissão não é fundamento previsto para o pedido de anulação da sentença arbitral, como se vê pela leitura do artigo 46.º (Pedido de anulação) da LAV acima reproduzido.

Improcede este fundamento recursivo.

4 –  A sentença não se encontra devidamente fundamentada, pois não se pronuncia quanto à totalidade dos elementos de prova carreados para os autos (orçamento).

Não procede este argumento recursivo, porquanto a eventual omissão da ponderação de um elemento de prova na fundamentação da sentença não gera o vício de falta de fundamentação da sentença arbitral.

Com efeito, tal omissão poderá conduzir a uma fundamentação deficiente, mas esta deficiência não é fundamento de nulidade, pois a sentença está minimamente fundamentada.

Aliás, mesmo em relação ao processo civil, os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio Nora pronunciaram-se neste sentido, ao referirem que «A segunda causa de nulidade contemplada na disposição é a falta de fundamentação da sentença. Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada. Coimbra Editora, 1985, pág. 687.

No caso dos autos, a sentença contem a indicação dos factos provados, indicação da convicção quanto a eles e a fundamentação de direito.

Por conseguinte, tem de se considerar que está «fundamentada para efeitos do disposto no ponto «vi», da al. a), do n.º 3, do artigo 46.º da LAV, conjugado com o n.º 3 do artigo 42.º da mesma lei.

Por conseguinte, a sentença pode estar fundamentada e conviver com uma omissão de análise em relação a um certo meio de prova apresentado.

Com efeito, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017, no processo 1052/14.1TBBCL (Lopes do Rego), «Está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respectivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando perceptível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio».

É o caso dos autos, como se pode ver pela transcrição da sentença feita atrás.

Improcede, pelo exposto, este fundamento recursivo.

5 – A sentença não se pronuncia quanto à totalidade dos valores reclamados, sendo omissa relativamente ao valor peticionado a título de privação do uso de veículo, não fundamentando porque é que essa parte do pedido não foi objeto de apreciação.

Não assiste razão ao recorrente.

A sentença pronunciou-se quanto aos danos resultantes da privação do uso do veículo, tendo finalizado essa análise deste modo:

«(…) Contudo, não quantifica a reclamante quais os exatos prejuízos sofridos, nomeadamente ao nível de encomendas ou faturação, no período em que se viu privada do BH.

Nesta medida, arbitra-se um valor diário de €20, num total de €600».

Improcede este fundamento recursivo.

6 – A sentença arbitral enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC, já que, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, estando ainda os fundamentos invocados em oposição com a decisão (artigo 33.º do recurso).

Como se vê da transcrição da sentença arbitral, feita acima, a sentença indica os factos provados e não provados, a convicção relativamente à decisão da matéria de facto e a aplicação da lei a esses factos.

Acresce que não há qualquer antagonismo entre os fundamentos da decisão e o respetivo dispositivo.

Aliás, o dispositivo é aquele que seria de esperar após a leitura dos fundamentos.

Improcede, por isso, este argumento recursivo.

7 – A sentença arbitral é ambígua, obscura e ininteligível.

Não procede este fundamento recursivo, porquanto a sentença se mostra com um só sentido e é clara, como se pode constatar pela sua leitura.

8 –  Conclui-se, por conseguinte, que a decisão arbitral contém os fundamentos de facto e de direito que a tornam conforme ao disposto no n.º 3 do artigo 42.º da Lei de Arbitragem Voluntária, improcedendo, por isso, o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão arbitral.

Custas pela Recorrente.


Coimbra, 08/07/2021