Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1006/15.0T8LRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
APROVAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
PRINCÍPIO PAR CONDITIO CREDITORUM
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Leiria - Juízo Comércio - Juiz 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.72, 74, 207, 209, 212, 214, 215, 216 CIRE
Sumário: 1.- Não é suficiente para fundamentar o pedido de recusa da homologação do plano de insolvência o voto em contrário na deliberação de aprovação.

2.- O voto em contrário na deliberação de aprovação e a oposição à aprovação do plano de insolvência consubstanciam, duas realidades distintas, impondo o pedido de recusa de homologação do plano a alegação (atempada) e a demonstração “em termos plausíveis” de um qualquer dos fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do art. 216º do CIRE.

3.- Uma vez aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito a um segundo controlo jurisdicional [o “primeiro” ou “inicial” controlo jurisdicional é o a que alude o art. 207º do mesmo CIRE ), necessitando de ser homologado por sentença judicial, para que seja plenamente eficaz (cfr. arts. 214º a 216º do CIRE)

4.- A formulação da al. a) do nº1 do art. 216º CIRE. implica que se proceda a um exercício intelectual de prognose, por vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.

5. - Só releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezável, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente.

6.- Nos termos do artº 215º do CIRE, o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano aprovado na assembleia de credores, no caso em que ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.

7. - Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes.

8.- A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195, do CPC.

9.- Em função do disposto no nº 1 do artº 216º do CIRE, a homologação deve ser recusada também quando, a pedido de algum credor, se demonstre em ternos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência dele ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

10.- Dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos e que a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. O princípio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.

11.- O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Na sequência da prolação de sentença de declaração de insolvência (requerida), veio a Insolvente C (…) apresentar plano de insolvência, cuja versão final se encontra junto a fls.248 a 250.

O referido plano de insolvência foi submetido a votação em sede de Assembleia de Credores convocada para o efeito e com autorização de votação por escrito, obtendo os seguintes resultados:

A favor: 78,84%

Contra: 21,16%.

Foi dada publicidade à deliberação do plano de insolvência.

Por requerimento de fls. 288 a 290, veio o credor B (…) Instituição Financeira de Crédito, S.A. veio pedir esclarecimento quanto à forma de votação do credor reclamante Banco B (…) S.A., dado que, pela forma como o apresentou, poderá ser entendido como voto escrito sujeito a condição ou com alteração ao plano e que implicaria a rejeição da proposta - cfr. fls.279.

O credor reclamante Banco B (…) S.A. veio esclarecer por requerimento junto a fls.301 que o seu voto é inequívoco e sem quaisquer condições à proposta apresentada.

Por requerimentos juntos aos autos, vieram os credores B (…)Instituição Financeira de Crédito, S.A., S (…) -Instituição Financeira de Crédito, S.A., (…) & Associados, Sociedade de Advogados, RL requerer a não homologação do plano argumentando, em suma, a falta de elementos essenciais consignados nas alíneas a) e e) do artº 195º, do CIRE e ausência de indicação da finalidade do plano, por violação do principio da igualdade entre os credores previsto no artigo 194º, nº 1, do CIRE e inexequibilidade do plano.

A insolvente invocando a não violação de qualquer princípio, pugnou pela homologação do plano de insolvência, invocando a restruturação da sua actividade.

O Digno Ministério Público em representação da Fazenda Nacional veio a fls.319 efectuar pedido de declaração de ineficácia do plano em relação aos créditos da Fazenda Nacional.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Pelos fundamentos supra vertidos, recusa-se a homologação do plano de insolvência apresentado pela insolvente C (…), nos termos do disposto nos artigos 195º, 215º e 216º do CIRE, e em consequência determina-se o prosseguimento dos autos para liquidação.

*

Custas pela massa insolvente.

C (…), melhor identificada no processo em epígrafe, não se conformando com a sentença de fls., dela veio interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

 (…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Resulta dos autos, tendo em conta os documentos e actos processuais nestes autos e respectivos apensos levados a cabo que:

1. De acordo com a lista provisória junta pelo Ilustre Administrador Judicial foram reclamados créditos no valor total de €398.809,34, dos quais €361.387,73 são capital e destes o montante de €215.387,83 é garantido, €7453,03 é privilegiado nos termos do disposto no artigo 98º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, €1509,74 é crédito privilegiado decorrente de IMI e devido à Autoridade Tributária e €218,78 é subordinado.

2. A Insolvente C (…) apresentou plano de insolvência, cuja versão final se encontra junto a fls.248 a 250 e que é do seguinte teor:

“1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A) O incumprimento do plano de insolvência confere aos credores o direito de reclamarem a divida sem qualquer redução, mas deduzidos dos valores que eventualmente tenham já sido pagos no âmbito do plano de recuperação.

B) Nos termos do artigo 209.º, n.º 3 do CIRE, o plano de insolvência acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.

C) E por antecedente ao disposto neste mencionado preceito acautela todos os créditos que venham a ser reconhecidos.

D) Verificando-se a aprovação/cumprimento do presente plano todas as execuções em curso contra a devedora serão extintas.

2. PROPOSTA DE REGULARIZAÇÃO DO PASSIVO

- Alterações das posições jurídicas dos credores.

I – Regularização da dívida aos credores comuns:

Propõe-se assim:

O montante da dívida aos credores comuns a ser regularizada da seguinte forma:

Pagamento de 25% do valor reconhecido em divida (capital):

Pagamento do capital em 144 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação 24 meses após o transito em julgado da data da sentença homologatória do presente plano de insolvência.

Perdão integral dos juros vencidos e vincendos.

II - Regularização da dívida aos credores garantidos:

Único Credor Garantido - B...

_ Empréstimo Hipotecário nº (...) :

- Depósito integral e efetivo, até ao dia 30 do mês da data do trânsito em julgado da sentença de homologatória do presente IPL, do montante de dívida referente às prestações mensais, vencidas, e não pagas de juros de capital do empréstimo, desde 30.04.2015 até ao dia 30 do mês da data do trânsito em julgado da sentença homologatória do IPL;

Na presente data o valor de prestações de juros vencidos e não pagos ascende a 2.465,40 €, e ao dia 30 de cada mês vence-se o valor de juros do montante de 152,61 €, valor ao qual acresce o prémio mensal de valor variável do seguro multirriscos.

Prestação de juros que varia em função da taxa aplicada nos termos das condições contratuais inicialmente contratadas

- Manutenção do período de carência de capital até ao término dos 48 meses, que teve início em 30/11/2013 e data fim em 30/10/2017.

Período em que se vencerão prestações unicamente de juros de capital, variáveis, mensais e sucessivas, determinadas em DRCP – Direção Risco Crédito Particulares função da taxa aplicada nos termos das condições contratuais inicialmente contratadas, no mês seguinte à da data do trânsito em julgado da sentença homologatória do IPL, ao dia 30 de cada mês;

Findo este período, a partir de 30.11.2017, as prestações mensais serão de capital e juros até ao término do contrato (30/08/2049);

- Manutenção do prazo de vencimento (limite) do plano de prestações do empréstimo em vigor, de 515 meses, contados a partir de 08.03.2005;

- Regularização das prestações vencidas e juros não pagos, desde 30/09/2012 a 30/10/2013, através de novo plano de pagamento de 120 prestações, de valor mensal e sucessivo, à taxa de juro contratual de 1,326%, em simultâneo com a prestação do empréstimo, acrescido do prémio mensal do seguro multirriscos, de valor variável, com a 1º prestação a vencer-se no mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do IPL, ao dia 30 de cada mês;

- Regularização das demais despesas vencidas e não pagas, através de novo plano de despesas por nº prestações que se revelar necessário, por forma a não ultrapassar mensalidade de 21,00€;

Plano mensal e sucessivo, à taxa contratual de 0,0001% a pagamento em simultâneo com a prestação do empréstimo, plano de pagamento, e prémio mensal do seguro multirriscos, com a 1º prestação a vencer-se no mês seguinte à data do trânsito em julgado da sentença homologatória do IPL, ao dia 30 de cada mês;

- Manutenção das demais condições contratuais, e em vigor, nomeadamente taxa indexada à Euribor a 3 meses acrescido de 1,10 p.p., e demais condições contratuais conforme previsto no respetivo documento complementar do contrato inicial;

Considerações Finais:

a)- São devidos ao B (…) S.A, todos os valores referentes a prestações vencidas, juros não pagos, respetivos impostos de selo dos empréstimos hipotecários, e demais despesas, vencidos até ao dia 30, no mês do trânsito em julgado da sentença de homologação do presente PER;

b)- São devidos ao Banco B (…) S.A, todos os juros de mora, compensatórios ou outros vencidos, decorrentes de atrasos no pagamento dos créditos do IPL, à taxa de juro aprovada no âmbito deste Plano de Revitalização;B (…) B... S.A não poderá deixar de prosseguir com a ação judicial, para recuperação das dívidas vencidas, reclamadas no presente IPL;

Os pagamentos do presente IPL deverão ser efetuados na conta associada aos contratos iniciais através do IBAN (…), para os créditos comuns e IBAN (…)créditos garantidos, ficando os respetivos pagamentos espelhados no extrato bancário.

Deverá a insolvente assegurar junto do balcão domicílio de contas a sua regular movimentação das contas de depósitos à ordem.

III – Regularização da dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira

Propõe-se assim:

- O montante da dívida a ser regularizada da seguinte forma:

- Os créditos do Estado – Autoridade Tributária, consolidados à data do despacho da nomeação da AIP, no valor de 1.874,88 €, serão liquidados em 150 prestações mensais iguais e sucessivas (no limite máximo possível, nos termos do artigo 196.º, sendo que nenhuma delas poderá ser inferior a 10 unidades de conta).

1. A primeira prestação vence-se no último dia do mês do trânsito em julgado da

Sentença de homologação do presente plano;

2. Pagamento de juros vencidos e vincendos;

3. Pagamento de coimas e custas.”

3. O referido plano de insolvência foi submetido a votação em sede de Assembleia de Credores convocada para o efeito e com autorização de votação por escrito, e teve os seguintes resultados:

- Votou a favor o credor Banco B (…), S.A. que representa 60% dos votos;

- Votaram contra:

- BB (…)-2,2%;

- C (…) S.A.-4,00%;

- S (…)-9,00%;

- A (…)-0,9%

Considerando que estes quatro credores representam 100% dos votos:

A favor votaram: 78,84%

Contra votaram: 21,16%.

4. Foi dada publicidade à deliberação de aprovação do plano de insolvência.

5. Os créditos comuns são no montante de €174.239,96, dos quais €153.205,83 são capital para efeitos de pagamento no Plano de Insolvência.

6. Em virtude da proposta de pagamento dos credores comuns, é de 25% do capital em 144 prestações, com total perdão de juros vencidos e vincendos e perdão de 75% do capital, com um período de carência de dois anos, o que por simples cálculo aritmético implica o pagamento mensal de €265,98 (25% de €153.205,83 = €38.301,46 : por 144 prestações = 265,98€).

7. O crédito garantido encontra-se em incumprimento desde 30-09-2012, estando em dívida prestações de capital e juros entre 30/09/2012 e 30/10/2013, sendo que terá existido um período de carência de pagamento de capital pelo período de 48 meses, desde 30/11/2013 a 30/10/2017.

8. No referido período venceram-se apenas prestações de juros;

9. O pagamento desta prestações de juros também foi incumprida, no caso a partir de 30/04/2015 até à presente data.

10. Estão em dívida de prestação de juros o valor de, pelo menos, €2465,40.

11. Todos os meses vence-se uma prestação de juros de €152,61.

12. Nos termos do plano será pago pela Insolvente, 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação, o valor total das prestações de juros não pagas e que se cifram, à presente data – que será superior na data de vencimento – em €2465,40.

13. O período de carência de capital permanecerá e será liquidado até 30/10/2017 o valor da prestação de juros, atualmente em €152,61.

14. Após esta data vencem-se normalmente as prestações de capital e juros.

15. O Valor das prestações de capital e juros não liquidados e que se venceram antes do período de carência – de 30/09/2012 e 30/10/2013, serão pagos em 120 prestações mensais, sem perdão de capital e sem perdão de juros vencidos ou vincendos.

16. As restantes despesas não se encontram identificadas no Plano erão pagas em novo plano de despesas em número de prestações que se revelar necessário.

17. A Insolvente aufere o Salário Mínimo Nacional, tendo no ano de 2013 o total de rendimentos do período atingido os €13.196,89.

18. Correu termos processo de revitalização nº 1465/15.1T8LRA a pedido da aqui insolvente e não foi homologado o plano de recuperação elaborado;

19. Foram apreendidos os seguintes bens:

- Verba 1

Quota de 2.550€ na sociedade F (…), Lda e avaliada em 2.550,00;

- Verba 2

Prédio- Casa de habitação inscrita na matriz predial sob o artigo 191 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueiró dos Vinhos sob o nº 796 e avaliado em €192.500, objecto da garantia.

Verba 3

Veículo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, com a matricula (...) UG e avaliado em €750,00.

*

Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1.

- A decisão de não homologação vem na sequência de requerimento com esse objetivo formulado por um credor deduzido posteriormente à ocasião da deliberação da assembleia que homologou o plano;

- Não se devendo assim atender a tal requerimento.

Apreciando, diga-se que o Ac. da RC, de 13.05.2014, Proc. nº 192.13.9TBFVN.C.C1 - precisamente, o que vem invocado, a este respeito, pela Recorrente -, havendo, então, como Relator o senhor Desembargador Luis Cravo, foi subscrito, como 2º Adjunto, pelo actual Relator do presente Acórdão. Aí se firmou, e, aqui se sedimenta, tal fazendo, de novo, ressumar, através de remissão intertextual expressiva, que:

«(…) a manifestação da oposição por parte do credor em momento anterior à aprovação do plano constitui pressuposto de atendibilidade do pedido de não homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia, e porque no que tange à oposição à homologação judicial do Plano de Insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 216º do C.I.R.E., não podia a mesma ter-se por manifestada, sem mais, com o simples voto em contrário na deliberação de aprovação, posto que anteriormente à aprovação do plano não fora formulado um pedido de recusa de homologação do mesmo (na forma exigida pelo artigo 216º, nº 1 do C.I.R.E.)».

O que, aqui, nos presentes Autos, acontece, levando em consideração - no dizer da recorrente -, que “a decisão da não homologação vem na sequência do requerimento do credor BBVA, que representa 2,2% dos votos expressos; tendo o referido requerimento sido efectuado posteriormente à data da votação do plano de insolvência”; por isso intempestivo.

Continua a se ter por entendimento legal e correcto, sendo consequentemente de sancionar.

-

No entanto, como, lá, então, se justificava:

«Na verdade, uma vez aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito a um segundo controlo jurisdicional [o “primeiro” ou “inicial” controlo jurisdicional é o a que alude o art. 207º do mesmo C.I.R.E.  ], necessitando de ser homologado por sentença judicial, para que seja plenamente eficaz (cfr. arts. 214º a 216º do C.I.R.E.).

E de facto, no caso de ter admitido a proposta de plano de insolvência – art. 207º, nº 2 do C.I.R.E. – o juiz notificará as entidades mencionadas no art.º 208º do mesmo C.I.R.E para, querendo, emitirem parecer sobre ela e convocará a assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano – art. 209º, nº 1 do C.I.R.E..

Sendo que, na assembleia de credores, presidida pelo juiz – art. 74º do C.I.R.E –, têm direito de participar os credores (com ou sem direito de voto), bem como outras pessoas – art. 72º do C.I.R.E. –, tornando-se necessário, para se poder deliberar sobre o plano de insolvência, que estejam presentes ou representados credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto – arts. 212º, nº 1, e 211º, nº 1, ambos do citado CIRE.

De referir que a proposta considerar-se-á aprovada se obtiver mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções – art. 212º, nº 1 do dito C.I.R.E..

Na sequência, posto que aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito, então, a um segundo controlo jurisdicional, necessitando de ser homologado por sentença judicial, para que seja plenamente eficaz (cfr. arts. 214º a 216º do C.I.R.E.).

Sem embargo, pode suceder que seja apresentado um pedido de não homologação do Plano de Insolvência, o que pode ter lugar pelo próprio devedor insolvente (obviamente caso não tenha sido ele o “proponente”), quer por algum credor (ou sócio, associado ou membro do devedor) – art. 216º do C.I.R.E. (precisamente com a epígrafe de “Não homologação a solicitação dos interessados”).

Com efeito, nos termos deste normativo:

«1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:

a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.

b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.»

 Em anotação a esta norma, é sublinhado que a procedência do pedido depende da demonstração de uma das situações que, alternativamente, estão consagradas nas duas alíneas do nº1, e só em presença de cada caso concreto pode concluir-se sobre o mérito do requerimento [Assim LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, in “Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas Anotado”, Reimpressão, Quid Juris, Lisboa, 2009, a págs. 716-720]

 Ora, vem-se entendendo que sobre o credor que pretende beneficiar do disposto no nº 1 do artigo 216º do C.I.R.E., incumbe o ónus de, cumulativamente: i) comunicar a sua oposição ao plano antes de este ter sido considerado aprovado; ii) solicitar a recusa da homologação do plano; iii) com tal solicitação, demonstrar em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar. [Seguimos de perto o constante do Ac. do T.R.Coimbra de 18-01-2011, no proc. nº 294/10.3TBVNO-G.C1,  acessível em  www.dgsi.pt/jtrc]

É, precisamente, em linha com este entendimento que a melhor doutrina refere que a formulação da al. a) do nº1 do art. 216º do C.I.R.E. implica que se proceda a um exercício intelectual de prognose, por vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele [Referimo-nos ao autores anteriormente citados].

«Quanto aos credores isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele (…).

Ora é exactamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade, exactamente porque importa averiguar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.

Casos haverá em que a prova não será difícil (…) quando se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento ou…um reembolso superior ao estabelecido no plano». [In CIRE, Anotado, II, 2006, a págs. 124]»

No caso vertente, sucedeu que:

«Na sequência da prolação de sentença de declaração de insolvência (requerida), veio a Insolvente C (…) apresentar plano de insolvência, cuja versão final se encontra junto a fls.248 a 250.

O referido plano de insolvência foi submetido a votação em sede de Assembleia de Credores convocada para o efeito e com autorização de votação por escrito, obtendo os seguintes resultados:

A favor: 78,84%

Contra: 21,16%.

Foi dada publicidade à deliberação do plano de insolvência.

Por requerimento de fls. 288 a 290, veio o credor B (…) Instituição Financeira de Crédito, S.A. veio pedir esclarecimento quanto à forma de votação do credor reclamante Banco B (…), S.A., dado que, pela forma como o apresentou, poderá ser entendido como voto escrito sujeito a condição ou com alteração ao plano e que implicaria a rejeição da proposta - cfr. fls.279.

O credor reclamante Banco B (…), S.A. veio esclarecer por requerimento junto a fls.301 que o seu voto é inequívoco e sem quaisquer condições à proposta apresentada.

Por requerimentos juntos aos autos, vieram os credores B (…)Instituição Financeira de Crédito, S.A., S (…)-Instituição Financeira de Crédito, S.A., G (…) & Associados, Sociedade de Advogados, RL requerer a não homologação do plano argumentando, em suma, a falta de elementos essenciais consignados nas alíneas a) e e) do artº 195º, do CIRE e ausência de indicação da finalidade do plano, por violação do principio da igualdade entre os credores previsto no artigo 194º, nº 1, do CIRE e inexequibilidade do plano».

Assim se configura que o credor B (…) Instituição Financeira de Crédito, S.A. não cuidou, em momento anterior à aprovação, de formular um pedido de recusa de homologação do Plano de Insolvência na forma exigida pelo art. 216º, nº 1 do C.I.R.E., a saber, operando o cotejo entre a situação que decorreria para si da aplicação do proposto Plano de Insolvência, com a estimativa do que receberia no caso de venda universal, para por essa via e através de tal, demonstrar, em termos plausíveis, que ficaria numa situação pior na 1ª hipótese.

Em tais termos, manifestamente, o que fez não basta para preencher a exigência de demonstração plausível plasmada na lei…[vide quanto à operacionalização deste critério legal, os acórdãos deste mesmo T.R. de Coimbra, de 18.10.2011 (no proc. nº 2873/10.0TBLRA.C1) e de 25.10.2011 (no proc. nº 329/10.0TBMGL-E.C1), ambos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt/jtrc.]

Adere-se, assim, ao entendimento jurisprudencial constante do aresto invocado na própria decisão recorrida, a saber, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Novembro de 2013 [proferido no proc. nº 1785/12.7TBTNV.C1, também acessível em www.dgsi.pt/jtrc.], isto é, também quanto a nós, no que tange à exigida oposição (para efeitos de não homologação do Plano de Insolvência), não pode a mesma ter-se por manifestada, sem mais, com o simples voto em contrário na deliberação de aprovação, não sendo, pois tal suficiente para fundamentar o pedido de recusa da homologação do plano de insolvência, pois que o voto em contrário na deliberação de aprovação e a oposição à aprovação do plano de insolvência consubstanciam, duas realidades distintas, impondo o pedido de recusa de homologação do plano a alegação (atempada) e a demonstração “em termos plausíveis” de um qualquer dos fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do art. 216º do C.I.R.E....»

Nestes termos, procede inabalavelmente - também no presente circunstancialismo -, nesta parte, a alegação recursiva, concluindo pela intempestividade da formulação deste referenciado pedido de não homologação do Plano de Insolvência!

Daí se configurar como afirmativa a resposta às questões em 1.

2.

A referida decisão deverá ser declarada nula ou revogada pois,

- a decisão de não homologação alicerça-se na alegação constante na mesma decisão de que o plano aprovado viola o principio da igualdade entre os credores,

- alegação com a qual não concordamos pois,       I

- o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, impondo antes que situações objectivamente diferentes sejam tratadas de modo diferente;

- é o que sucede no caso, em que a hipoteca com a qual é garantido o crédito do B..., justifica um tratamento diferenciado face aos demais créditos, todos eles comuns;

- se o processo de insolvência prosseguisse os seus normais termos para liquidação da massa insolvente, não há qualquer dúvida que o produto da excussão do bem imóvel reverteria exclusivamente para o credor hipotecário e não seria sequer suficiente para o pagamento integral desse crédito, visto que o credito garantido é no montante de 215.387,83€ e o bem imóvel dado em hipoteca foi avaliado em 192.500,00€ para além de que os restantes bens todos somados têm um valor de 3.300,00€;  

- o que leva a concluir-se com clareza que a não homologação do plano aprovado pelos credores colocaria estes numa situação muito mais desfavorável do que aquela que teriam com a homologação do plano.

Cumpre, sequencialmente, no presente recurso, apreciar e decidir a questão da invocada violação do dever oficioso de não homologação do Plano de Insolvência (art. 215º do C.I.R.E.), com o fundamento, agora, de que:

- a decisão de não homologação alicerça-se na alegação constante na mesma decisão de que o plano aprovado viola o principio da igualdade entre os credores.

Retomando considerações pressuponentes, volve dizer, para que produza os efeitos jurídicos ao qual se mostra ordenado, o Plano de Insolvência deve ser objecto de homologação judicial.

Trata-se aqui, então, «do exercício do “segundo” controlo jurisdicional do Plano de Insolvência, a que já se aludiu anteriormente.

Com efeito, resulta do invocado art. 215º do C.I.R.E. que o juiz da insolvência está, vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano de insolvência, devendo recusar, ex officio, a sua homologação, designadamente, caso o seu exame o leve a concluir que se verificou uma violação, não negligenciável, de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

De referir que, neste particular, o recurso tem efectivamente por fundamento a violação, não negligenciável, de normas aplicáveis ao conteúdo do plano determinantes da recusa da sua homologação, sendo que essa violação radicaria, segundo a expressão da Recorrente em que:

“- o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, impondo antes que situações objectivamente diferentes sejam tratadas de modo diferente;

- é o que sucede no caso, em que a hipoteca com a qual é garantido o crédito do B..., justifica um tratamento diferenciado face aos demais créditos, todos eles comuns;

- se o processo de insolvência prosseguisse os seus normais termos para liquidação da massa insolvente, não há qualquer dúvida que o produto da excussão do bem imóvel reverteria exclusivamente para o credor hipotecário e não seria sequer suficiente para o pagamento integral desse crédito, visto que o credito garantido é no montante de 215.387,83€ e o bem imóvel dado em hipoteca foi avaliado em 192.500,00€ para além de que os restantes bens todos somados têm um valor de 3.300,00€;  

- o que leva a concluir-se com clareza que a não homologação do plano aprovado pelos credores colocaria estes numa situação muito mais desfavorável do que aquela que teriam com a homologação do plano”.

A tal respeito, diga-se não ser, realmente, necessário, para que um Plano de Insolvência seja aprovado, a unanimidade de votos dos credores – incluindo, por exemplo, os afectados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos, ou das suas garantias no caso dos credores privilegiados – bastando, por um lado, que obtenha o voto favorável de mais de dois terços de todos os votos emitidos (trate-se de credores comuns, garantidos ou privilegiados) e, por outro lado, que mais de metade dos votos correspondam a créditos não subordinados.

Todavia, tal não invalida que o Plano de Insolvência tenha que observar certas regras de procedimento na sua elaboração e quanto às normas do seu conteúdo.

Discorrendo sobre tal, já foi sublinhado o seguinte:

«Note-se que, quer se trate de normas de procedimento quer de normas de conteúdo, em causa estão sempre normas processuais, i.e., normas que definem uma consequência processual, ou, mais concretamente, aquelas cuja previsão desencadeia um efeito processual.

À vista do plano aprovado, com a finalidade última de o homologar ou de recusar a sua homologação, o juiz deve, portanto, proceder a um duplo exame: exame do acto sob o ponto de vista do procedimento; exame sob o ponto de vista do seu conteúdo.

No primeiro caso, o exame terá por objecto as normas de tramitação, i.e., de normas que regulam a sequência de actos que constituem o processo relativo à apresentação e aprovação do plano; no segundo, esse objecto é constituído pela normas de conteúdo, i.e., pelas normas processuais que permitem determinar o conteúdo desse mesmo plano.

No exame do ponto de vista do procedimento, o magistrado procurará averiguar se o plano acatou as normais processuais integrantes do iter, marcado na lei, conducente à sua aprovação; no exame do conteúdo, o juiz indagará se o plano observou as normas que conformam a respectiva substância, designadamente, as que definem um conteúdo vinculado desse mesmo plano.

Numa palavra: o juiz deve examinar se se verifica, quer no plano do procedimento relativo à aprovação do plano de insolvência, quer no plano atinente ao seu conteúdo, uma qualquer nulidade processual, i.e. se se praticou um acto que não é permitido ou foi omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial (artº 201 do CPC (195º NCPC), ex-vi artº 17 do CIRE).

Todavia, para recusar, oficiosamente, a homologação do plano não é suficiente a constatação de que houve violação tanto de normas de tramitação como de normas relativas ao conteúdo do plano.

A ofensa de normas de qualquer destas espécies só autoriza a recusa da homologação se for não negligenciável, exigência que vincula, evidentemente, à distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes e que traz, naturalmente, implicada a concessão ao juiz de um largo poder de apreciação.

Essa apreciação deve nortear-se pelos princípios orientadores, em geral, da nulidade processual, entre os quais se conta o da essencialidade, de harmonia com o qual a nulidade não se verifica se a prática ou a omissão do acto ou da formalidade não influir no exame e na decisão da causa (artº 201 nº 1, in fine, do CPC (195º NCPC), ex-vi artº 17 do CIRE).

Numa palavra: só releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezável, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente.» [citámos agora o Ac. do T.R.Coimbra de 06-11-2012, no proc. nº 444/06.4TBCNT-Q.C1,  acessível em  www.dgsi.pt/jtrc.].

Ora, estando, como está, em causa o controlo da legalidade do Plano de Insolvência – e não, note-se, o seu mérito – não deixa, contudo, de legitimamente ser invocada a violação de uma norma que conforma a substância do dito Plano de Insolvência, mais concretamente uma que define um conteúdo vinculado desse mesmo Plano de Insolvência, in casu, no circunstancialismo alegado, segundo o qual “a decisão de não homologação alicerça-se na alegação constante na mesma decisão de que o plano aprovado viola o principio da igualdade entre os credores”.

Aferindo, destaque-se, circunstancialmente, aquilo que se conforma como sistemática relevante, e que, em decisório, se fez relevar:

«Ora, conforme defendido pelo credor reclamante B (…) Instituição Financeira de Crédito, S.A.no caso dos autos, resulta que de acordo com a lista provisória junta pelo Ilustre Administrador Judicial foram reclamados créditos no valor total de €398.809,34, dos quais €361.387,73 são capital e destes o montante de €215.387,83 é garantido, €7453,03 é privilegiado nos termos do disposto no artigo 98º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, €1509,74 é crédito privilegiado decorrente de IMI e devido à Autoridade Tributária e €218,78 é subordinado.

Procedendo ao cálculo aritmético temos créditos comuns o montante de €174.239,96, dos quais €153.205,83 são capital para efeitos de pagamento no Plano de Insolvência.

A proposta de pagamento destes créditos, ou seja dos credores comuns, é de 25% do capital em 144 prestações, com total perdão de juros vencidos e vincendos e perdão de 75% do capital, com um período de carência de dois anos, o que por simples cálculo aritmético implica o pagamento mensal de €265,98 (25% de €153.205,83 = €38.301,46 : por 144 prestações = 265,98€).

Da leitura do plano retira-se que o crédito garantido encontra-se em incumprimento desde 30-09-2012, estando em dívida prestações de capital e juros entre 30/09/2012 e 30/10/2013, sendo que terá existido um período de carência de pagamento de capital pelo período de 48 meses, desde 30/11/2013 a 30/10/2017.

Neste período venceram-se apenas prestações de juros.

O pagamento destas prestações de juros também foi incumprida a partir de 30/04/2015 até à presente data.

Estão em dívida de prestação de juros o valor de, pelo menos, €2465,40.

Todos os meses vence-se uma prestação de juros de €152,61.

Nos termos do plano será pago pela Insolvente, 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação, o valor total das prestações de juros não pagas e que se cifram, à presente data – que será superior na data de vencimento – em €2465,40.

O período de carência de capital permanecerá e será liquidado até 30/10/2017 o valor da prestação de juros, atualmente em €152,61.

Após esta data vencem-se normalmente as prestações de capital e juros.

O valor das prestações de capital e juros não liquidados e que se venceram antes do período de carência – de 30/09/2012 e 30/10/2013, serão pagos em 120 prestações mensais, sem perdão de capital e sem perdão de juros vencidos ou vincendos.

As restantes despesas, e que não se encontram descriminadas no plano em análise, serão pagas em novo plano de despesas em número de prestações que se revelar necessário».

Daí que se não possa deixar de assentir em que - como se fez relevar em decisório -, face ao que se vem de dizer:

«(…) torna(r)-se evidente que existem diferenças substanciais no tratamento dado aos créditos comuns face ao crédito garantido, a saber: não existe qualquer perdão de juros vencidos; não existe qualquer perdão de juros vincendos e não existe qualquer perdão de capital, sendo as prestações de juros vencidos serão pagas na totalidade e numa única prestação logo no início da execução do plano.

O crédito do credor garantido será liquidado na sua totalidade, incluindo despesas, cedendo a este credor apenas conceder tempo à insolvente, e os credores comuns estão sujeitos a um perdão total de juros e 75% do capital, sendo certo que o credor garantido representa percentagem significativa do crédito para, por si só, aprovar o plano.

Estamos perante um tratamento desproporcional e desadequado, sendo certo que a Insolvente não apresentou justificação para tal tratamento desigual, como seria exigível nos termos do disposto no artigo 194º do CIRE.

Acresce que, dispõe o artigo 693º do Código Civil que a Hipoteca nunca abrange os juros de mais do que os relativos a três anos, e em violação do citado preceito legal (194º do CIRE) que estatui o Princípio da Igualdade, o credor garantido será ressarcido do valor decorrente das prestações de juros e capital vencidas entre 30/09/2012 e 30/10/2013, em 120 prestações mensais, sem perdão de capital e sem perdão de juros vencidos ou vincendos, ao contrário dos restantes créditos comuns.

Ou seja, o referido credor garantido será ressarcido de forma diferenciada quanto aos juros que se venceram desde 30/09/2012.

Na decorrência do que vem de ser dito, concordamos com o entendimento expresso pelos credores que vieram requerer a não homologação do plano no sentido de que há violação do principio da igualdade, já que o plano de insolvência para os créditos garantidos tem um tratamento não só mais favorável, mas muito mais favorável, do que os créditos comuns, sem que para isso haja qualquer razão atendível.

É que não só se prevê a satisfação integral dos créditos garantidos e respectivos juros, a par da manutenção da garantia, como se lhes adiciona um novo privilégio, a quase completa anulação das outras dívidas dos devedores libertando os seus rendimentos, assim melhor garantindo a satisfação daqueles e face à redução dos créditos comuns, resulta uma superior garantia.

Logo, há um maior sacrifício de alguns credores, o que traduz um tratamento privilegiado sem uma justificação material da desigualdade, justificando-se assim a rejeição da sua homologação».

E sem que se possa olvidar, igualmente em destaque assinalado, que:

«O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/11/2015, in www.dgsi.pt), sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso o Plano de Insolvência aprovado, não seria oponível ao credor Fazenda Nacional que não anuiu ao mesmo, caso fosse o plano de insolvência em causa homologado».

Por decorrência, assume ênfase específica fazer, por tal modo, ressumar, nos termos do artº 215º do CIRE, o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano aprovado na assembleia de credores, no caso em que

«ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes.

A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195, do CPC [ Cfr. como se defende no Ac TRL de 12.12.2013, proferido no proc. 1908/12 e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, p.713.]

Dispõe o nº 1 do artº 216º do CIRE que a homologação deve ser recusada também quando, a pedido de algum credor, se demonstre em ternos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência dele ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

Por sua vez o nº 2 do artº 192º do CIRE estabelece uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros ao consagrar que “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.

E no que respeita ao conteúdo do plano de recuperação, o art. 195º do CIRE dispõe que “O plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência” (nº 1), em comparação com os resultados projectados a partir da sujeição da liquidação do património ao regime geral da insolvência (nº 2, al. d).

Estabelece ainda o artº 194º que o plano obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas (nº 1 do artº 194º) ou do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (nº 2 do artº 194º).

Como tem sido entendido “ a igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria, nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por serem justificadas as circunstâncias objectivas” [Cfr. Ac do TRG de 18.06.2013, proferido no proc. 743/12].

E, conforme ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pp. 641], entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações, contam-se, para além da distintiva classificação e das categorias hierárquicas dos créditos, a diversidade das suas fontes.

No art. 47, distinguem-se três classes de créditos: créditos “garantidos e privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos “comuns”. Os créditos “garantidos e privilegiados são aqueles que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes (alínea a) do nº 4 do artº 47º do CIRE. Créditos subordinados são os que se encontram descritos nas diversas alíneas do artº 48º, para o qual a alínea b) do nº 4 do artº 47º remete e créditos comuns, os demais créditos (alínea c) do nº 4 do artº 47º do CIRE.

Referem, ainda, aqueles autores que, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos e que a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. O princípio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante (cfr. Ac. TRG de 19-6-2014, Proc. nº 404/13.9TBBCL.G2, Relatora:           HELENA MELO,  in dgsi.pt)..

-

Com efeito, o princípio da igualdade não implica um tratamento absolutamente igual, antes impõe que situações diferentes sejam tratadas de modo diferente.

No processo falimentar, aos credores cabe decidir, com larga autonomia, a forma como recuperar os seus créditos. Daí que, tendo em conta a tendencial igualdade dos credores no processo falimentar – “par conditio creditorum” – haverá que não esquecer que, decretada a insolvência, desaparecem os privilégios dos créditos do Estado e outras entidades, designadamente da Segurança Social, nos termos do art. 97º, nº1, al. a) do CIRE.

O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres (Cf. Ac. do STJ de 25/3/2014, Proc. nº 6148/12.1TBBRG.G1.S1, Relator: Fonseca Ramos, in dgsi.pt).

Assim se configurando como impostergável considerar, em termos de factualidade apurada, supra consignada, e de teleologia de normativos supra convocados, ser, precisamente, o evidente atropelo de um tal valor de proporcionalidade que torna intolerável o plano de insolvência em crise.

Aliás, vem-se entendendo, que devem ser consideradas como não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza; todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores [Vide o Ac. do T.R.Coimbra de 01-10-2013, no proc. nº 1786/12.5TBTNV.C2,  acessível em  www.dgsi.pt/jtrc.]

Temos para nós que embora apresentado sob uma formulação diversa e levando em conta algumas especificidades do novo regime da insolvência, o art. 215º do C.I.R.E. continua a orientação do Direito anterior no sentido de conferir ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano.

O que tudo serve para dizer que cumpre ao caso a não homologação oficiosa do Plano de Insolvência, ao abrigo do art. 215º do C.I.R.E., uma vez que está em causa uma não negligenciável violação de uma norma imperativa, que acarretaria a produção de um resultado que a lei não autoriza, na medida em que se trata de uma norma relativa ao conteúdo do Plano de Insolvência – i.e., uma nulidade processual relevante – que constitui, por si, fundamento idóneo ou bastante de recusa oficiosa da sua homologação pelo juiz da insolvência.

De onde haver de concluir pelo acerto da decisão de não homologação impugnada, por esta via, improcedendo o recurso.

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

No que tange à exigida oposição (para efeitos de não homologação do Plano de Insolvência), não pode a mesma ter-se por manifestada, sem mais, com o simples voto em contrário na deliberação de aprovação, não sendo, pois tal suficiente para fundamentar o pedido de recusa da homologação do plano de insolvência, pois que o voto em contrário na deliberação de aprovação e a oposição à aprovação do plano de insolvência consubstanciam, duas realidades distintas, impondo o pedido de recusa de homologação do plano a alegação (atempada) e a demonstração “em termos plausíveis” de um qualquer dos fundamentos consagrados nas alíneas a) e b) do art. 216º do C.I.R.E.

2.

Uma vez aprovado pelos credores, o plano de insolvência é sujeito a um segundo controlo jurisdicional [o “primeiro” ou “inicial” controlo jurisdicional é o a que alude o art. 207º do mesmo C.I.R.E. ], necessitando de ser homologado por sentença judicial, para que seja plenamente eficaz (cfr. arts. 214º a 216º do C.I.R.E.).

3.

A formulação da al. a) do nº1 do art. 216º do C.I.R.E. implica que se proceda a um exercício intelectual de prognose, por vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.

4.

Só releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir; quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezável, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente.

5.

Face à factualidade considerada assente por provada, haverá de prevalecer o entendimento expresso pelos credores que vieram requerer a não homologação do plano “no sentido de que há violação do principio da igualdade, já que o plano de insolvência para os créditos garantidos tem um tratamento não só mais favorável, mas muito mais favorável, do que os créditos comuns, sem que para isso haja qualquer razão atendível. É que não só se prevê a satisfação integral dos créditos garantidos e respectivos juros, a par da manutenção da garantia, como se lhes adiciona um novo privilégio, a quase completa anulação das outras dívidas dos devedores libertando os seus rendimentos, assim melhor garantindo a satisfação daqueles e face à redução dos créditos comuns, resulta uma superior garantia”.

6.

Logo, há “um maior sacrifício de alguns credores, o que traduz um tratamento privilegiado sem uma justificação material da desigualdade, justificando-se assim a rejeição da sua homologação”.

7.

Configurando-se como incontroverso que, nos termos do artº 215º do CIRE, o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano aprovado na assembleia de credores, no caso em que ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes.

8.

A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195, do CPC.

9.

Em função do disposto no nº 1 do artº 216º do CIRE, a homologação deve ser recusada também quando, a pedido de algum credor, se demonstre em ternos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência dele ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.

10.

Dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos e que a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. O princípio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.

11.

O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere, aos que deles beneficiam, um direito absoluto. Esse direito de crédito pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla, a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na legalidade do exercício de direitos e deveres.

12.

O que tudo serve para dizer que cumpre ao caso a não homologação oficiosa do Plano de Insolvência, ao abrigo do art. 215º do C.I.R.E., uma vez que está em causa uma não negligenciável violação de uma norma imperativa, que acarretaria a produção de um resultado que a lei não autoriza, na medida em que se trata de uma norma relativa ao conteúdo do Plano de Insolvência – i.e., uma nulidade processual relevante – que constitui, por si, fundamento idóneo ou bastante de recusa oficiosa da sua homologação pelo juiz da insolvência.

De onde, haver de concluir pelo acerto da decisão de não homologação impugnada, por esta via, improcedendo o recurso.

*

IV. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão.

Custas respectivas, pela recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

*

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo