Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
322/13.0TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: ACESSÃO
POSSE
VALIDADE
RELAÇÃO JURÍDICA
SUCESSÃO. POSSUIDORES SUCESSIVOS. ACTO TRANSLATIVO
Data do Acordão: 03/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1256º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Para que se possa verificar a acessão na posse é necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse, que haja uma relação jurídica entre os dois possuidores, fenómeno que não se verifica, p. ex., entre o vencedor da acção de reivindicação e o detentor ou possuidor nela vencido.

II - Sendo o acto translativo da propriedade nulo (segundo invocado pelas autoras, compra verbal do prédio identificado há cerca de 10 anos), conforme decorre dos arts. 875º e 220º do CC, não poderá operar a acessão na posse, que exige a existência de um vínculo jurídico válido entre as duas posses.

III - No caso dos autos, sendo os atos translativos da propriedade nulos, a posse não é titulada, não sendo assim possível aplicar o instituto da acessão na posse.

Decisão Texto Integral:    


         Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

            Na Comarca de Viseu - Viseu - Inst. Central - Secção Cível - J1, M…, residente na Rua do …; e P…, residente na Rua …,intentaram a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra A…, solteira, residente na Rua …; M… e mulher E…, residentes na Rua …; a herança aberta por óbito de J… e sua esposa M…, falecidos, respectivamente, em 27/04/2003 e em 11/03/1995, sendo esta representadas por aqueles M… e A… – enunciados como sendo 1ºs RR; F… e mulher M…, residentes na Rua … – falecidos ele em 10/05/2000 e ela em 5/07/2013, tendo sido habilitados como seus herdeiros F… e M…, em apenso próprio junto – identificados na petição como 2ºs RR; contra a sociedade “S… & Filhos, L.da”, com sede na Rua … – indicada na petição como sendo a 3ª Ré; M…, viúva, residente na Rua … -  identificada na petição como sendo a 4ª Ré; I… e mulher M…, residentes na Rua … – 5ºs RR.; M… e marido V…, residentes na Rua … – 6ºs RR.; M… e mulher G…, residentes na Rua … – 7ºs RR.; L… e mulher M…, residentes no lugar de … – 8ºs RR.;  M…, solteira e interdita, sendo representada pela sua tutora, M… – 9ª Ré; e contra M… e marido A…, residentes na Rua … - 10ºs RR., pedindo:

a) A condenação dos 1ºs e 3ºs a 10ºs réus a reconhecer que a parcela de terreno a retirar do prédio identificado em 6º e identificada no artigo 17º da PI pertence à Herança aberta por óbito de M…, falecido em 18/11/2010,a fim de ser partilhada no referido inventário.

b) Condenarem-se os 2ºs a 10ºs réus a reconhecer que o prédio identificado no artigo 37º pertence à Herança aberta por óbito de M…, falecido em 18/11/2010, a fim de ser partilhado no referido inventário.

c) Condenarem-se os 3ºs a 10ºs réus a reconhecer que o prédio identificado no artigo 8º pertence à Herança aberta por óbito de M…, falecido em 18/11/2010, a fim de ser partilhado no referido inventário.

d) Que seja ordenada a desanexação da parcela identificada no artigo 17º da petição do artigo matricial rústico nº … do concelho de Tondela, freguesia de …, que se encontra efetuado sobre o prédio mãe, que deu origem ao prédio da Herança de M…, por o mesmo constituir um prédio autónomo, independente e demarcado daquele.

e) Deve ser ordenado ao Serviço de Finanças de Tondela a inscrição na matriz da parcela de terreno identificada no artigo 17º da petição e com essas características, bem como a retificação do artigo matricial … da freguesia de …, do concelho de Tondela, no sentido de aí se retirar à área total do prédio, aquela que pertence à Autora, ficando aquele prédio com a área de 23.000 m2.

f) Deve ser declarado que a assinatura com o nome de M… não foi aposta pelo seu punho no doc. 20 que se junta, sendo falsa, declarando-se a nulidade deste contrato e os 3º a 10ºs réus condenados a reconhecer essa nulidade.

g) Deve ordenar-se o cancelamento dos registos que venham a efetuar-se sobre os prédios identificados nos artigos 6º, 8º, 17º e 37º da freguesia de …s, concelho de Tondela, à exceção da presente ação.

Para tanto e muito em resumo, alegam:

Que corre termos no Tribunal de Tondela sob o processo nº …, o inventário aberto por óbito de M…, falecido em 18/11/2010.

Que o falecido deixou os seguintes filhos: …

Que também deixou viúva, a Ré M...

Que nesse dito processo de inventário não foi relacionado como bem da herança a área de 9000m2 que o falecido comprou de forma verbal aos 1ºs RR., ..., área essa a retirar do prédio rústico sito em …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o artigo …, concelho de Tondela.   

Que em 2005 o dito de cujus comprou verbalmente aos 1ºs Réus a dita área, por quinze mil euros, que logo pagou, área essa que originou o prédio descrito em 17º da p.i..

Que a partir dessa data o dito de cujus, e quem o antecedeu na posse, exerceu os actos correspondentes ao direito de propriedade, como se fosse coisa sua, amanhando a terra e tendo cravado marcos a dividir a mesma, sem oposição.

Que o prédio tem uma configuração distinta do remanescente, pelo que se justifica a sua desanexação.

Que há cerca de 10 anos o mesmo de cujus adquiriu verbalmente aos 2ºs réus, pelo preço de três mil euros, o imóvel identificado no artigo 37º da PI, tendo praticado os actos possessórios correspondentes ao exercício do direito de propriedade, bem como os antecessores.

Que tais prédios não foram relacionados no referido inventário, devendo tê-lo sido.

Que se encontra relacionado no dito inventário aberto por óbito de M… um direito de crédito, no montante de € 15.000,00, alegamente respeitante a um contrato promessa alegadamente celebrado pelo autor da herança, descrito no artigo 54º da PI, que não foi assinado pelo falecido, não sendo verdadeiro o contrato referido.

Que nunca o autor da herança fez tal promessa de compra e venda, nem recebeu qualquer quantia a título de sinal e de início de pagamento.

Razões pelas quais tem razão de ser a presente ação, nos termos peticionados.


II

            Contestaram os RR…, impugnando parte dos factos alegados pelas Autoras e negando que M… tenha comprado a área de terreno referida na petição.

Que essa área foi comprada em 2006 pelos RR. L… e M…, data a partir da qual passaram a ter a respectiva fruição e uso.

Que foram estes RR. que cederam essa mesma área à sociedade Ré, para seu uso, mas apenas como sua comodatária.

Que nunca o falecido M… comprou o prédio referido no ponto 37 da petição, que era dos 2ºs RR, a quem foi comprado mas pelos 7º e 8º RR., em 2006, pelo preço de € 2.500,00.

Pelo que esses ditos prédios nunca pertenceram ao falecido M…, razão pela qual não podem ser partilhados na herança por ele deixada.

Que confirmam a existência do contrato promessa referido pelas Autoras, bem como a genuinidade das suas assinaturas, havendo dos RR/contestantes todo o interesse na celebração do contrato de compra e venda prometido.

Em reconvenção, alegam estes RR. o supra exposto.

Terminaram pedindo a improcedência da ação e que as Autoras/reconvindas sejam condenadas a reconhecer que a área referida nos pontos 6 e 17 da petição e o prédio referido no ponto 37º da p.i. pertencem aos Reconvintes...; Que se declare que o contrato promessa de compra e venda referido pelas AA. é válido e eficaz, ..., devendo as AA. ser condenadas a a celebrar o contrato prometido, juntamente com os demais herdeiros do promitente vendedor.  


III

            Responderam as Autoras, onde mantêm o antes por elas alegado e impugnando os factos em contrário alegados pelos RR contestantes.

            Pedem a improcedência da reconvenção.


IV

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador sentença, no qual não foi admitida a reconvenção deduzida pelos RR./reconvintes, e se conheceu do mérito da presente causa /ação, nos seguintes termos (fls. 236 a 240):

“...

Conforme se extrai da factualidade alegada, é pretendido o reconhecimento de um direito de propriedade com fundamento no instituto da usucapião, face à nulidade dos atos transmissivos da propriedade dos mesmos, uma vez que não observaram a forma legal exigida (art. 220º do CC).               

 Acresce que não tendo decorrido o prazo exigido por lei de prática dos atos de posse e respetivo animus para que seja declarado constituído o direito de propriedade por usucapião (art. 1294º do Código Civil), pretendem as autoras que seja aplicado o instituto da acessão da posse (art. 1256º do CC), juntando assim a sua posse à do antepossuidor.

Sucede que sendo o ato translativo da propriedade nulo (segundo invocado pelas autoras, compra verbal do prédio identificado em 6º da PI em 2005, e compra verbal há cerca de 10 anos do prédio identificado em 37º), conforme decorre dos arts. 875º e 220º do CC, não poderá operar a acessão na posse, que exige a existência de um vínculo jurídico válido entre as duas posses (neste sentido, cf. Ac. do STJ de 2.5.2012, no proc. 1588/06.8TCLRS.L1.S1; Ac. do STJ de 7.4.2011, no proc. 956/07.2TBVCT.G1.S1; e Ac. do STJ de 18.10.2012, no proc. 5978/08.3TBMTS.P1.S1, bem como a doutrina abundante nos mesmos citada, em www.dgsi.pt).

 No caso dos autos, sendo os atos translativos da propriedade nulos, a posse não é titulada, não sendo assim possível aplicar o instituto da acessão na posse.

Assim, não se encontrando completo o prazo mínimo para a aquisição originária da propriedade, tal implica a total improcedência dos pedidos formulados na PI sob as alíneas a) e b).

Por outro lado, não se pode considerar ter sido exercida a posse durante o período necessário à criação de um direito real de propriedade em determinada parcela de terreno, a desanexar de um certo prédio, pelo que, por idênticas razões, não se poderá declarar a desanexação de uma parcela de um prédio por se verificarem os pressupostos da usucapião.

Acresce que não poderia a peticionada desanexação ser declarada judicialmente com outro fundamento para além da aquisição de parte de um prédio por usucapião (o que não é possível nos autos, por faltar o requisito de prazo), pois é sabido que a desanexação de prédios fora desses casos obedece a requisitos específicos, carecendo de ser aprovada por entidades administrativas, designadamente o Município, não podendo os tribunais substituir-se nessas funções específicas a tais entidades, a quem cabe a competência para aferir determinados requisitos para a desanexação a efetuar.

Das decisões administrativas é que caberá eventual recurso a tribunal – o que implica, sem mais, a improcedência dos pedidos formulados em d) e e) da PI.

Quanto ao pedido formulado sob a al. g):

Peticionam as autoras o cancelamento dos registos que venham a efetuar-se sobre os prédios identificados nos arts. 6º, 8º, 17º e 37º da freguesia de …, concelho de Tondela, à exceção da presente ação.

O pedido de cancelamento de atos de registo decorre, normalmente, da procedência de determinado pedido formulado pelo autor que implique o não reconhecimento de determinado direito real que foi registado.

 Ora, e face à improcedência da ação, nos termos acima explanados, é totalmente inútil o conhecimento deste pedido.

Para além disso, e salvo o devido respeito, não poderia nunca proceder o pedido formulado desta forma.

 Desde logo, porque a impugnação de atos de registo deve ser determinada, e incidir sobre atos de registo em concreto, sob pena de se considerar pedido genérico não permitido por lei.

Na realidade, a lei processual apenas admite a formulação de pedidos genéricos nos casos previstos no n.º 1 do art. 558º do CPC, não se podendo este pedido enquadrar em qualquer dos casos admitidos pela norma legal.

Pelo exposto, sempre improcederá igualmente este pedido.

Depois, temos um pedido formulado sob a al. c) através do qual as autoras peticionam a condenação dos réus a reconhecerem que o prédio objeto do contrato promessa transcrito no art. 56º da PI pertence à herança do falecido M...

Ora, como é sabido, um contrato promessa não transmite a propriedade da coisa sobre a qual incide, apenas cria a obrigação para as partes de celebrarem determinado negócio jurídico – no caso, uma escritura pública de compra e venda (cf. arts. 410º, 406º e 875º do Código Civil).

Assim sendo, não se encontrando em causa o direito de propriedade sobre o imóvel em virtude do negócio jurídico invocado, é totalmente inútil o respetivo conhecimento, carecendo inclusive as autoras de interesse em agir no que respeita a este pedido (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 9.11.2004, no proc. n.º 8115/2004-7, in www.dgsi.pt).

Sobraria, assim, o peticionado sob a al. f), cuja utilidade só existiria face ao pedido reconvencional de execução específica deduzido pela 3ª ré – que, como se viu, não foi admitido.

O contrato promessa em causa nos autos foi celebrado alegadamente entre o falecido, enquanto promitente vendedor (e sua então cônjuge), e a 3ª ré, enquanto promitente compradora; não foi, ao contrário do alegado, transferida a propriedade do imóvel para a 3ª ré através do referido contrato, nem é invocada outra causa de interesse em agir por parte das autoras no tocante à veracidade das assinaturas apostas no contrato.

 O que as autoras pretendem é que seja reconhecido que o prédio em causa pertence à herança, o que, como acima se referiu, a eventual validade do contrato promessa referido nos autos não coloca em causa.

Não têm, em consequência, as autoras qualquer interesse no tangente ao referido pedido, face ao objetivo declarado nos autos de reconhecimento da propriedade do imóvel por parte da herança.

Face ao exposto, conclui-se que a aplicação do direito ao caso concreto determinará, necessariamente, a improcedência da ação, o que desde já se declara.

Com os fundamentos referidos, julga-se a presente ação totalmente improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra si aqui formulados.”.


V

            Dessa sentença interpuseram recurso as Autoras, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:

1º - Está em causa no presente recurso, face aos factos alegados na P.I., saber se a Herança de M… adquiriu os bens identificados nos artigos 17º e 37º da P.I. por usucapião juntando à sua posse derivada a posse dos antecessores.

2º - A construção jurídica da acessão na posse não exige que esta seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de negócio jurídico formalmente válido.

3º - A posse invocada pelas Autoras a favor da Herança de M… sendo derivada não é titulada, presumindo-se de má-fé, conducente a um prazo de aquisição por usucapião de 20 anos, que as Autoras se propõe provar.

4º - A Meritíssima Juíza a quo ao entender que para ocorrer a acessão na posse tem que haver um ato translativo válido, não acolhe a melhor solução jurídica quanto a esta questão e a que respeitam os pedidos formulados nas alíneas a) e b) da P.I.

5º - Propondo-se as Autoras provar os factos que julgam verificados para dar como provados os pedidos formulados nas alíneas a) e b), os pedidos formulados nas alíneas d) e e) são mera decorrência da procedência do pedido formulado na alínea b).

6º - Devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, quanto às questões ora colocadas em recurso, e os ulteriores termos processuais até julgamento (inclusivé).

7º - Termos em que deve a Sentença proferida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos até julgamento.


VI

Contra-alegaram os Recorridos, M… e outros, onde também formulam as seguintes conclusões:

Em todas as questões levantadas pelos recorrentes concluímos que as mesmas, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, carecem de qualquer razão e fundamento legal.

Assim sendo, como de facto e de direito o é, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser integralmente mantida a sentença recorrida, com as legais consequências.


VII

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância (como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo), nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação da questão de poderem ou não ser julgados procedentes os pedidos formulados pelas Autoras de reconhecimento de que as parcelas ou prédios identificados nos pontos 17º e 37º da p.i. foram adquiridas pela herança deixada pelo falecido M… por usucapião, beneficiando o alegado adquirente – a herança aberta por óbito desse M… - do instituto da acessão, como é invocado pelas Autoras.

            Por outras palavras, apenas é posta em causa a apreciação negativa – de improcedência – que na sentença proferida é feita em relação aos pedidos formulados nas alíneas a), b), d), e) e g) da petição; não é posta em causa a apreciação, também negativa, que na sentença é feita em relação às alíneas c) e f) do petitório – veja-se a transcrição dessa sentença feita supra.

            O que muito claramente resulta das alegações recursivas e respectivas conclusões, supra transcritas.

            Claro está que também não está em causa a decisão que não admitiu o pedido reconvencional, já que desta decisão não foi interposto recurso pelos Reconvintes.

            Para suportar o recurso interposto, as Recorrentes dizem não poderem concordar com a tese/fundamentação da sentença proferida, já que, defendem, pode a herança Ré beneficiar do instituto da acessão na posse, como alegaram e pretendem que seja reconhecido.

            E para tanto defendem que ‘... esta figura jurídica não exige que a posse seja transmitida através de um negócio jurídico válido, pelo que verificados os restantes requisitos da posse deve somar-se à posse da herança a posse dos seus antecessores em cada um dos prédio’.

            ...

            ‘Se a posse for conferida ao actual possuidor através da entrega do bem, mas sem que a transferência dela se faça por negócio formalmente válido, a consequência será (somente) a de se ter a posse como não titulada e de má fé. Nestas circunstâncias, caso o actual possuidor queira beneficiar da acessão, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), a posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada, ..., sendo necessário para a aquisição por usucapião do imóvel a transcorrência do prazo de 20 anos (somados os prazos de ambas as pessoas), porque se trata de uma posse não titulada e de má fé.’.

            Claro está que os Recorridos discordam da tese defendida pelas Recorrentes e aderem à tese defendida na sentença.

            É, pois, este o cerne do recurso interposto e a questão que cumpre apreciar.

            E apreciando, diremos que estamos de acordo com a tese defendida na sentença recorrida, tese essa que embora não esteja assente na letra da lei, que nada prevê a este respeito, é a seguida por parte da doutrina e pela maioria da jurisprudência dos Tribunais superiores, segundo se nos afigura.

            Como se pode ver em Manuel Rodrigues ‘A Posse. Estudo de Direito Civil Português, pgs. 245/253’, onde escreve: ‘Os efeitos da posse na sua existência e na sua intensidade estão, em grande parte, dependentes do tempo por que ela dura.

...

            Sucede, com a maior frequência, que a posse de determinado indivíduo é insuficiente para que seja permitido invocar certos efeitos possessórios; mas se ajuntar à sua posse a daquele de quem adquiriu o direito que possui, obterá uma posse com a duração suficiente para produzir aqueles efeitos. Donde o problema de se saber se tal junção é permitida...

            ... na aquisuição derivada há sucessão de posses, mas aqui a sucessão tem uma natureza diferente da sucessão por morte, já que não pode pôr-se de lado a causa por que o adquirente foi investido.

...

            Na sucessão por acto inter-vivos a causa da aquisição é dominante.

...

            A junção ou acessão de posses não é arbitrária, está sujeita a certas regras que o Código Civil português não menciona ...

...

            É condição que haja um vínculo jurídico entre o novo e o antigo possuidor.

            E este vínculo pode revestir várias modalidades.

            Pode ser um negócio jurídico, uma venda, ou troca, ou doação em pagamento; mas pode ser uma expropriação, uma execução, etc.

            Este vínculo deve, todavia, ser válido.

            Se o acto de transmissão do direito não é válido, não há transmissão do jus possidendi que aqui é a causa da junção dos jus possessionis, embora o negócio jurídico nulo caracterize a posse.”.

            O mesmo é defendido pelos Prof.es Pires de Lima e A. Varela, in ‘Código Civil anotado, vol. III, notas ao artº 1256º (Acessão na posse)’, onde escrevem que ‘ .. é necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse, que haja uma relação jurídica entre os dois possuidores, fenómeno que não se verifica, p. ex., entre o vencedor da acção de reivindicação e o detentor ou possuidor nela vencido’.        

Na jurisprudência e, segundo nos parece, na sua corrente maioritária, também é este o entendimento que é seguido, como se pode ver nos seguintes arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt/j...:

- Ac. STJ de 7/04/2011, Proc.º nº 956/07.2TBVCT.G1.S1;

- Ac. STJ de 18/10/2012, Proc.º nº 5978/08.3TBMTS.P1.S1;

- Ac. Rel. Porto de 7/01/1976, BMJ 256, pg. 170;

- Ac. Rel. Porto de 9/11/1982, C. J. 1982, vol. V, pg. 210;

- Ac. Rel. Porto de 30/04/1998, BMJ 476, pg. 489;

- Ac. Rel. Coimbra de 19/05/1981, C.J. 1981, vol. III, pg. 206;

- Ac. Rel. Coimbra de 31/01/2006, Proc.º nº 3933/05.

Face ao que nos é imposto que sufraguemos a tese da sentença recorrida, julgando, por isso, improcedente o presente recurso, o que se decide, pois que é alegado que a transmissão das parcelas de terreno em causa para Mário Pereira apenas ocorreu em 2005/2006 e sem haver qualquer título de transmissão (por mera aquisição verbal).


VIII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pelas Recorrentes.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 01/03/2016

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                   Des. Manuel Capelo