Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3481/08.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR
SUBEMPREITADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
Data do Acordão: 11/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.ª JUÍZO CÍVEL DO TJ DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 2 DO ART.º 393.º DO CC
Sumário: I – Nem o dono da obra, nem o empreiteiro são civilmente responsáveis pelo acidente que vitimou um trabalhador da firma subempreiteira em obra de construção civil, provocado por uma grua, no decurso de trabalhos de cofragem por essa sociedade levados a efeito;

II – É sobre a subempreiteira que incide a responsabilidade decorrente da presunção de culpa do n.º 2 do art.º 393.º do CC;

III – Por a responsabilidade laboral e civil se confundirem na mesma entidade, não pode haver lugar à acção sub-rogatória da entidade seguradora que suportou o pagamento das indemnizações e pensões por acidente de trabalho.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

A... – Companhia de Seguros SA”, ora “B...Companhia de Seguros, SA” intentou, no 3.ª Juízo Cível do TJ da comarca de Leiria, acção com forma de processo ordinário contra “C... Lda.”, “D...SA”, “E... Lda. e “F...Companhia de Seguros SA”, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da importância de € 76.088,30, acrescida de juros desde a citação e, ainda, no pagamento das pensões que vier a pagar na pendência dos presentes autos, bem como das pensões que se vencerem no futuro a liquidar ulteriormente.

Alegou, em síntese, que no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº 82014118 pagou a título de salários ao sinistrado a quantia de € 1.896,66 com despesas médicas em virtude da assistência prestada ao sinistrado H (...) liquidou a quantia de € 20.697,64, com despesas de tribunal despendeu a quantia de € 244,75 e a título de pensões pagou, até à data de entrada da petição inicial, a quantia de € 53.247,43, sendo que tais pagamentos foram pagos em consequência de um acidente de trabalho em que foi interveniente esse sinistrado, trabalhador da segurada da A. a sociedade G (...), SA., numa obra levada a cabo pela ré C (...), durante a execução de trabalhos de cofragem num muro do primeiro piso da referida obra.

            Dadas as suas dimensões, tais trabalhos eram efectuados com o auxílio de uma grua, que havia sido locada pela Ré “ E (...)” à Ré “ D (...)”, tendo o acidente ocorrido quando o trabalhador sinistrado, então munido de capacete de protecção e botas de segurança com biqueira de aço, se encontrava a proceder à fixação das tiges de um taipal de cofragem e foi atingido na cabeça e nas costas pelas lingas que auxiliavam a deslocação do taipal de cofragem através da grua, as quais, subitamente, se soltaram do gancho da grua, que dispunha, apenas, de uma patilha de segurança simples quando deveria dispor de uma patilha de segurança com mola ou contrabalanço, de forma a manter o gancho da mesma sempre fechado, sendo que a falta de contrapeso torna a patilha de segurança ineficaz quando existam grandes oscilações, como foi o caso, para além de que a referida grua não travava em condições nem buzinava, razão por que são as RR. as responsáveis pelo acidente, a título de culpa, encontrando-se a A. no direito, por sub-rogação, de lhes exigir as quantias pagas.

            Citadas, contestaram, a Ré “ C (...)”, alegando que se dedica ao comércio de veículos automóveis e prestação de serviços de manutenção e reparação e com vista à construção de um hangar de stand e oficinas para comercialização de uma das marcas que representa celebrou com a Ré “ D (...)” um contrato de empreitada pelo qual esta se obrigava a efectuar todos os trabalhos necessários à conclusão das obras definidas nos projectos, segundo as normas e procedimentos da arte da construção, da segurança, higiene e saúde no trabalho, tendo a Ré “ D (...)” apresentado seguro para garantir a responsabilidade civil geral e particular da obra adjudicada e de todas as actividades previstas no contrato e que, por via de tal contrato e por força da autonomia de que goza o empreiteiro, não tem vigilância efectiva da obra, pelo que nunca lhe poderá ser exigível a prevenção dos danos que dela possam advir.

            A Ré “ E (...)”, alegando que as lingas ou correntes não se podem ter soltado do gancho da grua, sem que antes tenha acontecido qualquer outro facto, que o sistema de segurança do gancho da grua em causa era de origem e era garantido e homologado para e pela marca “Comansa”, estava em perfeitas condições de funcionamento aquando da montagem e da utilização da grua no momento do acidente e se a patilha de segurança de que o mesmo dispõe se encontrava partida, tal ocorreu em virtude do acidente e por ocasião do mesmo.

            Mais alegou que antes do acidente nem a Ré “ D (...)”, nem qualquer trabalhador da obra alertaram a Ré “ E (...)” para o estado da patilha ou mesmo da grua, obrigação que se lhes impunha por força do contrato de locação celebrado entre ambas e, por outro lado, por força desse mesmo contrato era obrigação da Ré “ D (...)” a celebração de um contrato de seguro que cobrisse todos os riscos inerentes à utilização da grua, incumbindo apenas à contestante a responsabilidade inerente às operações de montagem e desmontagem da grua e, de todo o modo, o acidente em causa nos autos deveu-se a uma utilização imprudente da grua, por pessoa não habilitada para o efeito, que bateu ou permitiu que os componentes do sistema de elevação batessem no muro em construção e respectiva cofragem, o que provocou a queda das correntes ou o embate destas no sinistrado, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

            Também a Ré “ D (...)SA” contestou e requereu a intervenção principal de “ A (...), Companhia de Seguros SA”, com quem celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil, alegando que no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a ré “ C (...)” adjudicou diversos trabalhos a empresas da especialidade, a execução das cofragens, descofragens e escoramentos foi adjudicada à empresa “ G (...) SA”, sendo que para execução de tais trabalhos foi necessária uma grua, para a qual foi celebrado um contrato de locação de equipamento com a Ré “ E (...)”, que no dia do acidente estavam em curso trabalhos de cofragem do muro do piso -1, sendo a deslocação dos taipais de cofragem efectuada com a referida grua, tendo o acidente ocorrido quando as correntes que auxiliavam a deslocação dos taipais de cofragem se soltaram do gancho da grua e caíram em cima de H (...) , trabalhador da sociedade “ G (...), SA.”, desconhecendo-se quais as causas determinantes de tal ocorrência, sendo que até ao dia do acidente, a grua laborou diariamente e nunca foi detectado qualquer defeito ou avaria na patilha de segurança do gancho, que sempre funcionou em condições de segurança, nem tão pouco a patilha sofreu qualquer dano na obra desde a sua montagem.

            Alegou ainda que não houve qualquer desrespeito das prescrições de segurança no trabalho relativamente à organização e manutenção do seu estaleiro e que o estabelecimento das regras de segurança a observar concretamente na obra eram da responsabilidade do dono da obra, cabendo por sua vez ao empregador, no caso a sociedade “ G (...)”, o dever legal de assegurar a segurança e a saúde dos seus trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, sendo por isso responsável pelo sinistro ocorrido com o seu trabalhador.

            Contestou, por último a Ré “ F (...)”, começando por invocar a excepção da sua ilegitimidade passiva, porquanto se está no âmbito do contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil e, quanto ao mais, alegou que não lhe foi participado qualquer sinistro pela Ré “ E (...)”, desconhecendo, por isso, quaisquer circunstâncias atinentes ao mesmo ou danos advindos e, de todo o modo, a ser responsabilizada a Ré “ E (...)” pelos factos alegados pela autora, sempre a responsabilidade da seguradora estaria afastada por força do contrato de seguro.

            Na réplica que apresentou, a A. pugnou pela improcedência da excepção de ilegitimidade invocada e pelo indeferimento do seu chamamento enquanto seguradora da Ré “ D (...)”.

Foi indeferida a intervenção principal provocada da seguradora “ A (...)”, requerida pela ré “ D (...)” e proferido despacho de aperfeiçoamento da p.i, que a autora acatou.

            A Ré E (...) e a autora requereram a intervenção principal provocada da ré “ F (...)”, o que foi indeferido.

            A A. veio, entretanto, alegar que em cumprimento da sentença homologatória proferida no Tribunal de Trabalho das Caldas da Rainha pagou as seguintes quantias:

            a) A título de salários € 1.896,66;

            b) Despesas médicas € 20.697,64;

            c) Despesas de Tribunal € 244,75;

            d) Pensões e subsídios € 105.770,53, requerendo, a final, a alteração dos factos 11 e 12 da base instrutória.

            Foi admitido tal requerimento, como ampliação do pedido e aditados à base instrutória os respectivos factos 11-A e 12-A.

            Realizada audiência preliminar foi proferido o despacho saneador onde, além do mais, se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré “ F (...)”.    Seleccionada a matéria de facto, foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

            Proferida decisão sobre a matéria de facto, dela não houve reclamação.

            Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu as RR., do pedido.

            Inconformada, recorreu a A., apresentando alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

1ª- Ocorre erro de julgamento da decisão de facto tomada nos pontos 7º, 8º, 9º e 18º da Base Instrutória, que o Tribunal teve por não provados e que devia ter por demonstrados.

2ª - Os meios probatórios que impõem a decisão de facto diversa (de negativa para positiva) quanto aos citados factos dos pontos, 7º, 8º, 9º, e 18º da BI, assentam nas declarações da testemunha J..., gravação CD áudio aos 29/02/2012 com inicio pelas 11:18:58 e termo pelas 12:03:45, e início pelas 13:40:23 e termo pelas 13:54:27, e na passagem do depoimento em causa de 10:27 a 11:35 onde este afirma que tinham informado o encarregado da obra, Sr. L (...), que o cadernal não se encontrava em condições, isto uns dias antes e naquele dia voltou-se a afirmar que a mesma não estava em condições; na passagem de 12:17 a12:48 onde afirma que a patilha não tinha a mola e que provavelmente ao mexer-se desencaixou as correntes. Se tivesse a mola não acontecia porque era a patilha de segurança; e na passagem de 12:54 a 13:26 onde afirma que trabalha em gruas desde 1997, que tem formação de segurança onde aprendeu que a grua tinha que ter a mola, e que por isso chamou a atenção ao encarregado.

3ª - A modificação da decisão de facto assenta também no depoimento da testemunha M (...) em gravação CD áudio aos 29/02/2012 com início pelas 14:18:52 e termo pelas 15:14:58, e na passagem do depoimento de 05:13 a 05:26 onde afirma que já se tinha falado que aquela grua tinha um perigo no cadernal; na passagem de 07:25 a 07:32 onde afirma que o próprio H (...)tinha avisado e tinha falado entre todos que a mola não estava em condições; na passagem de 08:25 a 08:40 onde diz que as correntes caíram porque concerteza se desencaixaram, não caíram de qualquer maneira; na passagem do depoimento de 9:56 a 9:59 onde afirma que desencaixaram porque não tinha a patilha de segurança em condições; e na passagem do depoimento de 10:20 a 10:57 onde diz que a patilha estava meio aberta, faltava-lhe o peso suficiente para a fechar.

4ª - A modificação da decisão de facto assenta também no depoimento da testemunha N (...), em gravação CD áudio aos 29/02/2012 com início pelas 15:14:59 e termo às 15:52:45, e na passagem do depoimento de 09:07 a 09:10 onde afirma que a patilha de segurança não estava em condições; na passagem de 10:27 a 10:53 onde afirma que a patilha de segurança não estava em condições, faltava lá algo a fazer com que a patilha ficasse fixa; na passagem de 12:25 a 12:58 onde afirma que dias antes tinha falado que aquilo (patilha) não estava em condições e que comunicaram ao responsável da obra, o encarregado.

5ª - Impõe decisão de facto diversa o depoimento da testemunha I (...), em gravação CD áudio aos 01/03/2012 com início pelas 09:56:15 e termo pelas 11:07:39, na passagem de 21:42 a 21:44 onde afirma que a grua não tinha a patilha de segurança; e na passagem de 22:30 a 22:33 onde afirma que o gancho não fechava completamente.

6ª - Impõe também a modificação da matéria de facto o depoimento da testemunha O (...) (perito averiguador da A) em gravação CD áudio 01/03/2012 com inicio pelas 14:18:06 e termo pelas 15:02:18, o qual reforçou todo o conteúdo do Relatório dos autos e elucidou as diligências efectuadas para o elaborar, e a passagem do depoimento oral de 12:11 a12:20 onde afirma que faltava o peso na patilha para que com as oscilações o gancho não abrisse; passagem de 13:22 a 13:32 afirma que a patilha não estava fechada e o gancho não estava na vertical; a passagem aos 13:45 afirma que se tivesse contra peso a patilha tinha fechado e o gancho não abria; e por último a passagem aos 14:58 onde afirma que com todos os trabalhadores com quem falou estes lhe comunicaram que a patilha não estava a funcionar.

7ª - Milita no mesmo sentido da modificabilidade da decisão de facto, o depoimento da testemunha P (...), gravação CD áudio aos 10/04/2012 com início pelas 10:49:37 e termo pelas 11:38:2 da passagem de 12:25 a 13:29 onde diz que na altura do sinistro estava de férias e quando regressou o ACT tinha levantado questão relativamente à patilha de segurança do gancho, porque poderia ter sido esta a causa do acidente. O inspector da ACT pediu a sua substituição. A E (...) fez a substituição por outra patilha com contra peso mas a Inspecção de Trabalho não concordou com esta patilha e pediu a sua substituição por uma patilha com mola, e a E (...) substituiu a patilha por uma de mola.

8ª - Impõe a modificação da decisão de facto o teor e conteúdo do inquérito de acidente de trabalho (ACT) na sequência da visita de 29/07/2005, e que se encontra nos autos e onde vem exarado que relativamente à obra não constava a avaliação dos riscos inerentes à instalação e utilização da grua, nem quaisquer medidas de prevenção a adoptar para evitar ou limitar os efeitos dos riscos, nem era prevista operação de deslocação de taipais através de grua ou quaisquer outros equipamentos, e de maior importância ainda, no dia da visita foi verificado que a patilha de segurança do gancho colocado na grua não se encontrava a funcionar em condições de segurança, nomeadamente por não ter pressão de forma a evitar a sua abertura e que conclui que foi o não funcionamento em condições de segurança da patilha da grua, a permitir que a argola que reunia as “lingas”se soltasse do gancho, provocando o acidente de trabalho.

9ª - Todos os concretos meios probatórios supra, testemunhais e documentais tal como identificados, impõem decisões diversas aos citados pontos, 7º,8º, 9º e 18º da BI, devendo, em sede de reponderação, vir a ter-se por demonstrado / provado que o gancho da grua dispunha de patilha de segurança simples sem mola ou contra balanço de modo a obter o gancho sempre fechado (ponto 7º da BI), que a grua não travava (ponto 8º da BI), que a vitima tinha capacete e botas com biqueira de aço (artº 9º da BI) e que o manobrador da grua deixou que os componentes do sistema de elevação (cabos, cadernal, gerador e correntes) batessem no muro em construção e cofragem, provocando a queda das correntes e o embate no sinistrado (18º da BI).

10ª - A decisão de facto no que respeita ao ponto 1º da Base Instrutória revela-se excessiva na medida em que extravasa claramente os limites do que vinha perguntado em sede instrutória, exorbitando do que vinha quesitado, afastando-se do que vinha alegado e um tal vicio, faz com que a resposta não possa ser tida em devida conta, devendo considerar-se como não escrita nos termos conjugados dos artigos 653º e 646º, 4 do CPC.

11ª - A sentença recorrida, apesar de entender que no caso dos autos o sinistro se desenvolve no seio de uma actividade perigosa – cofragem de muro com auxílio de uma grua – integrável no artigo 493º, 2 do CC, e que estabelece presunção legal de culpa sobre quem a exerce, invertendo a regra geral do ónus de prova a recair sobre o lesado e obrigando quem exerce uma tal actividade a demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstancias com o fim de prevenir eventuais danos decorrentes da referida actividade perigosa, o certo é que vem sufragar que as Rés C (...), E (...) e D (...) foram e são totalmente alheias ao ocorrido exercício da referida actividade perigosa a que se reporta a norma em causa, cuja solução assenta numa presunção legal de culpa do artigo 344º, 1 do CC, com inversão da regra geral do ónus da prova tal como previsto no artigo 342º, 1 do CC.

12ª - Sufraga a sentença que a Ré C (...) era apenas a dona da obra não tendo domínio da mesma nem a sua direcção efectiva, que a D (...) era e foi empreiteira, e que apesar de ser um seu funcionário que manobrava a grua no momento do sinistro não detinha a direcção da obra, e que a co-Ré E (...) apenas locou e montou a grua, não tendo qualquer outro contacto póstumo com a obra nem qualquer direcção desta.

13ª - Em remate, a sentença refere que a D (...) adjudicou/subempreitou os trabalhos à empresa G (...), SA, e que só esta entidade é que tinha a plena e exclusiva direcção dos trabalhos e da obra e o pleno domínio sobre a forma como a empreitada ia decorrendo.

14ª - Em consequência, perante a tábua dos factos que a sentença teve por adquiridos, concluiu que nenhuma das RR. demandadas tinha qualquer domínio de facto ou direcção efectiva sobre as obras e trabalhos e sobre a forma como a empreitada ia decorrendo, não se lhes aplicando, a nenhuma delas, a presunção de culpa do artigo 493º, 2 do CPC, não tendo sido elas as lesantes, não estando, por isso, adstritas à obrigação de provarem que não tiveram culpa na eclosão do sinistro e assente tais pontos de vista, optou pela absolvição de todas as co-Rés, e também da co-Ré F (...) na qualidade de segurador da E (...), Ldª.

15ª – A A. discorda da subsunção operada na sentença recorrida na medida em que a pretensão da A. enraíza no artigo 31º, nº 1 da Lei 100/97 de 13/09, onde expressamente se textua que quando o acidente (de trabalho) for causado por terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles nos termos da lei geral.

16ª - Ora, nos termos da lei geral e como decorre do artigo 493º, 2 do CC, quem causar danos a outrem no exercício de actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los excepto se demonstrar que empregou todas as diligências exigidas pelas circunstâncias, com o fim de os prevenir, estabelecendo-se assim uma inversão do ónus da prova.

17ª - O dono da obra, no caso a C (...), foi quem pôs em marcha todo o itinerário causal do sinistro quando mandou construir um hangar de stand e oficinas para a comercialização de uma das marcas automóveis que representava, ao tempo, cujas obras, mediante empreitada, adjudicou à co-Ré D (...).

18ª - A obra de construção civil que a C (...) sabia que iria ser levada a cabo com intervenção de grua, constitui a exercitação de uma actividade perigosa por sua própria natureza e pela natureza dos meios utilizados e uma tal conduta e comportamento da C (...) cai no âmbito e na alçada do nº 2 do artº. 493º do CC e, no fundo, integra a base e a plataforma de onde emergiram todas as condutas das demais co-Rés, todas elas convergentes, igualmente perigosas pela sua própria natureza e pela natureza dos meios utilizados.

19ª - A C (...), como proprietária e dona da obra, não pode ficar isenta da génese e potenciação da actividade perigosa prevista pelo legislador no artigo 493º, 2 do CC, e embora o sinistro esteja intrinsecamente ligado ao modo de funcionamento da grua, porque as “lingas “ desta soltaram-se do gancho e na queda atingiram a vitima na cabeça causando-lhe a morte, o certo é que ocorre no âmbito da actividade da construção, no caso indiscutivelmente exercida de forma e modo perigosos e esta actividade foi na circunstância iniciada e desenvolvida mediante o contributo convergente de todas as co-Rés demandadas.

20ª - O acidente é um produto assim dos vários comportamentos e acções de todas as co-Rés, e nenhuma destas pode alhear-se da perigosidade inerente à natureza dos meios utilizados.

21ª - Perante a A. todas as co-Rés respondem solidariamente pela reclamação exercitada nos autos independentemente do grau e da modalidade de participação do resultado ou produção dos danos, solução esta que decorre dos artigos 490º e 497º, 1, e 500º do CC, na medida em que todas as co-Rés criaram e desenvolveram condições para a produção do dano, tendo contribuído para o mesmo, independentemente umas das outras e a morte da vitima é fruto de um aglomerado de condutas de todas as co-Rés demandadas, no âmbito daquilo que poderá designar-se de nexo de causalidade cumulativa ou alternativa.

22ª - A Ré C (...), por ser a dona da obra, a D (...) por ser a empreiteira da obra e por ter sido um funcionário seu que manobrava a grua no momento do sinistro e a Ré E (...) que foi quem locou e montou a obra, todas, convergentemente, têm condutas em clara conexão e convergência com o sucedido.

23ª - A sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do que vem disposto no artigo 31º da LAT; dos artigos 342º, 1; 493.º, 2 ; 494º, 1; 350º, todos do CC, e a correcta interpretação e aplicação de tais normativos e ainda do que vem disposto nos artigos 490º, 497º, 1 e 500º do CC induz a ter de decidir-se que a sentença deve ser condenatória, responsabilizando, solidariamente, todas as co - Rés, incluindo a Seguradora F (...), a pagar à A. e ora recorrente os valores peticionados.

Concluiu, assim, pela revogação da sentença e sua substituição por outra que modifique a decisão de facto no que concerne à factualidade inserida nos pontos 7º, 8º, 9º e 18º da BI, dando-os por provados face aos meios probatórios testemunhais e documentais juntos ou subsidiariamente conheça da excessividade da resposta à factualidade contida no ponto 1 da b. i., considerando-se tal matéria como não escrita, nos termos dos artigos 653º e 646º, 4 do CPC, devendo o acórdão, em qualquer circunstância, condenar todas as co-Rés a pagar solidariamente à A. a quantia devida, acrescida dos juros de mora legais.

As recorridas apresentaram resposta, a pugnar, todos elas, pela manutenção da sentença recorrida.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo colocadas as seguintes questões:

            a) – Impugnação da matéria de facto relativamente à matéria das respostas dadas aos art.ºs 7, 8, 9, 18 da b. i.

            b) – Excessividade da resposta dada ao art.º 1.º da b. i.

            c) – Reapreciação do mérito da causa no sentido da culpa e responsabilidade solidária das RR.

*

2. Fundamentação

2.1. De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1 - No exercício da sua actividade, “S..., S.A.” celebrou com a sociedade “ G (...), S.A.” contrato de seguro do ramo “acidentes de trabalho” na modalidade de “folhas de férias” mediante o qual assumiu a responsabilidade pelos encargos obrigatórios provenientes de sinistros envolvendo os trabalhadores desta, titulado pela apólice 82014118.

2 - Entre esses trabalhadores estava H (...) , com a categoria profissional de encarregado de construção civil.

3 - No dia 27 de Julho de 2005, pelas 13 horas e 30 minutos, ocorreu um sinistro envolvendo o trabalhador identificado em 2 numa obra que estava a ser levada a cabo pela “ C (...), Lda.”, na Zona Industrial (...), Marrazes.

4 - Essa obra visava a construção de um hangar de stand e oficinas para a comercialização de uma das marcas automóveis que “ C (...), Lda.” representa, tendo sido a empreitada adjudicada a “ D (...), S.A.”.

5 - A Ré D (...) SA adjudicou à sociedade G (...) SA a execução de cofragem em:

1.Sapatas e vigas de fundação;

2. Pilares com arestas quebradas;

3. Lajes fungiformes, incluindo o fornecimento de moldes recuperáveis e o escoramento necessário à execução da laje do piso 0 do corpo B;

4. Vigas;

5. Muros com cofragem cuidada nas duas faces.

6 - Para a execução do trabalho referido em 5 foi necessária uma grua, tendo para o efeito sido alugada pela ré E (...), Ldª, à ré D (...) SA uma grua de marca Comansa, tipo S 40.10, número 78, ano de fabrico 1986 com 18 metros de altura e 42 metros de alcance.

7 - No dia 08 de Julho de 2005, “ E (...), Lda.” montou a grua e fez os testes de funcionamento, emitindo o “certificado de montagem de grua” constante de fls. 132, sem qualquer reclamação.

8 - A grua laborava diariamente na obra, nunca tendo sido detectado qualquer defeito ou avaria na patilha de segurança do gancho.

9 - Na data referida em 3 estavam a ser executados trabalhos de cofragem num muro do primeiro dos pisos da referida obra, sendo os trabalhos de montagem dos taipais de cofragem efectuados com o auxílio da grua referida em 6, a qual se encontrava a ser manobrada por I (...), funcionário da Ré D (...)SA.

10 - Nas circunstâncias referidas em 9 H (...) estava a proceder à fixação das tiges de um taipal de cofragem quando foi atingido, pelo menos na cabeça, pelas lingas que auxiliavam a deslocação do taipal de cofragem através da grua.

11 - Essas lingas soltaram-se do gancho da grua.

12- O sistema de segurança do gancho da grua era de origem.

13 - Em consequência dos factos referidos em 10 H (...) veio a falecer em 29.09.2005.

14 - Com vista à regularização do sinistro, “ A (...) – Companhia de Seguros, S.A.” pagou as seguintes quantias:

a) € 1.896,66 (mil oitocentos e noventa e seis euros e sessenta e seis cêntimos) a título de salários pagos ao sinistrado;

b) € 20.697,64 (vinte mil seiscentos e noventa e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de despesas com assistência médica prestada ao sinistrado;

c) € 244,75 (duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) a título de despesas de Tribunal;

d) € 53.247,43 (cinquenta e três mil duzentos e quarenta e sete euros e quarenta e três cêntimos).

15 - Em 30 de Setembro de 2011, o valor das pensões e subsídios pagos referidos em d) ascendeu ao montante de € 105.770,53 (cento e cinco mil, setecentos e setenta euros e cinquenta e três cêntimos).

16 - “ A (...) – Companhia de Seguros, S.A.” constituiu ainda uma provisão matemática no valor de € 184.969,54 (cento e oitenta e quatro mil novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).

17 - Em 30 de Setembro de 2011, o valor dessa provisão era de 168.383,96 (cento e sessenta e oito mil, trezentos e oitenta e três euros e noventa e seis cêntimos).

18 - Em 27 de Julho de 2005, “ E (...), Lda.” tinha transferida a sua responsabilidade civil respeitante à sua actividade de montagem e comercialização de gruas novas e usadas para a “ F (...), Companhia de Seguros, S.A.”, através da apólice n.º 008407113791, cujas cláusulas constam de fls. 152 a 155.

19 - À data do sinistro, “ D (...), S.A.” tinha transferido a sua responsabilidade civil transferida para a “ A (...) – Companhia de Seguros, S.A.” por contrato titulado pela apólice RC54791928.

*

            2.2. De direito

            Recortadas que foram as questões suscitadas nas conclusões das alegações recursivas, elas próprias delimitadoras do thema decidendum, comecemos pela impugnação da matéria de facto:

            a) – Como se referiu, a A. recorrente invoca erro de julgamento da matéria vertida nos art.ºs 7.º, 8.º, 9.º e 18.º, ou pelo menos, 7.º e 8.º, a todos tendo o tribunal a quo respondido negativamente, pretendendo-se, pela via do recurso, uma resposta positiva com fundamento nos depoimentos das testemunhas, colegas de trabalho da vítima, J (...), M (...) e N (...), do manobrador da grua I (...), de O (...), perito avaliador e P (...), director de obra da Ré D (...) e no teor do Inquérito da Inspecção-Geral do Trabalho de fls. 320 e ss.

            Perguntava-se naquele art.º 7.º se “Gancho esse [da grua] que dispunha de uma patilha de segurança simples, sem mola ou contrabalanço, de modo a manter o gancho sempre fechado?”, no 8.º se “A grua não travava e não tinha buzina?”, no 9.º se “ H (...) estava munido de capacete de protecção e botas de segurança com biqueira de aço quando foi atingido?” e no 18.º se “Esse trabalhador [ I (...), operador da grua] deixou que os componentes do sistema de elevação (cabos, cadernal, gancho, correntes) batessem no muro em construção e respectiva cofragem, o que provocou a queda das correntes ou o embate destas em H (...) ?”.

            A resposta negativa a tais factos assentou genericamente na fragilidade e contradição da prova testemunhal, a impedir a tomada de uma convicção suficientemente forte e segura sobre o modo como ocorreu o acidente, mais concretamente a queda das correntes do gancho da grua.

            Salientou-se na fundamentação às respostas negativas dos art.ºs 7.º e 18.º que “(…) os depoimentos das testemunhas J (...), M (...)e N (...), pareceram-nos demasiado concertados, revelando-se também quando instadas a concretizarem afirmações, imprecisos e contraditórios com declarações anteriormente feitas. Por esta razão, apesar de terem aludido a dia de muito vento que poderá ter motivado a queda das correntes, estas afirmações são contrariadas por L (...) que declarou terem trabalhado normalmente naquele dia, sendo que Q (...) referindo-se ao peso das correntes de cerca de 20/30 Kg e R (...) ao tipo de gancho em causa, depuseram no sentido de que o vento, só por si, e ainda que não existisse patilha de segurança nunca poderia provocar a queda das correntes.

            A testemunha I (...) (…) acabou por revelar um depoimento muito pouco esclarecedor, muito confuso e contraditório, pelo que em nada ajudou a a fundamentar a convicção do tribunal.

            Quanto à existência ou não de patilha de segurança também Q (...) e R (...) explicaram o sistema de segurança existente nas gruas de marca Comansa, sendo desta marca (…) a que foi montada em obra. Tal sistema é um sistema de contrapeso (…) e que, por isso mesmo, não permite a saída da argola de onde pendem as correntes da grua, oferecendo, por isso e ao contrário das conclusões da Inspecção Geral do Trabalho que foram relatadas pela testemunha O (...) (…) maiores condições de segurança do que um sistema de segurança com mola, o qual foi após o acidente montado em obra.

            O depoimento da testemunha T... (…) que quando efectua os testes de carga que vêm referidos no certificado de montagem de fls. 132 tem que colocar correntes no gancho, analisando por isso o estado do mesmo e atestando que o mesmo se encontrava em boas condições”.

            Fundou-se ainda na concertação, imprecisão e contradição dos depoimentos daquelas testemunha colegas de trabalho da vítima, quanto à oscilação da patilha e aviso ao encarregado da obra, no que foram contrariadas por este, L (...) ou por P (...).

            Por seu turno, o teor da resposta ao art.º 8.º (se a grua não travava ou não tinha buzina) foi fundamentado na falta de produção de prova e ao 9.º (se a vítima usava capacete ou botas de segurança) igualmente na falta de qualquer meio de prova credível.

            Apreciando, importa salientar que a par dos depoimentos em que a recorrente fundou o recurso, dada a complexidade e melindre da causa, procedeu-se à audição integral de toda a prova produzida nas várias sessões de audiência.

            E a convicção daí resultante, em conjugação com os elementos documentais referidos na decisão da matéria de facto, mormente no Inquérito da Inspecção Geral do Trabalho, em que a impugnação também se funda, é a mesma da 1.ª instância. De certeza, apenas, a queda letal das correntes na cabeça do infeliz H (...), que se soltaram do gancho da grua quando operava em trabalhos de cofragem para a sua entidade patronal “ G (...)”, que não é parte na acção.

            Saber da razão por que as correntes se soltaram do gancho é dúvida que persiste ao fim da audição dos 21 depoimentos produzidos em audiência...

            Relativamente àquelas que fundamentam a impugnação, o colega de trabalho J (...), que mais perto estava do falecido, salientou que a grua, após ter deixado um taipal para ser colocado, voltou de novo, as correntes embateram no ferro (armado) “fizeram balão”, desengataram-se e caíram em cima do falecido e que “já tinham” informado, dias antes o encarregado da obra ( L (...)) de que o cadernal não se encontrava em condições e nesse dia (do acidente) “voltou-se a afirmar” que o chefe de obra (falecido) já tinha chamado a atenção do encarregado.

            Colocando-se a hipótese de ter-se devido ao vento aquele embate, sustentou que no dia do acidente havia muito vento, que até os impediu de trabalhar na parte da manhã.

            Também o colega de trabalho M (...) salientou que “já tinha falado que aquela grua tinha um perigo no cadernal” e que “naquele dia estava muito vento” e que trabalharam mesmo de manhã e que o próprio H (...)já tinha dito que o gancho não estava bom, que isso “tinha sido falado”, que as correntes caíram talvez com o vento e porque o gancho não tinha a patilha de segurança em condições.

            O igualmente colega N (...) aludiu ao vento, que não os impediu de trabalhar, que a patilha não estava em condições e que dias antes “já se tinha falado nisso”, o que transmitiu ao H (...), que faleceu.

            Quanto ao embate das correntes no muro, disse que, quando embateram no taipal, já vinham soltas.

            Trata-se de depoimentos com uma concertada parcialidade como que a favor do colega falecido e imprecisão no que respeita ao facto de “já antes se ter falado” sobre a falta de condições do gancho da grua e contradição com a demais prova no que respeita à existência de vento forte no dia do acidente e suspensão dos trabalhos na parte da manhã por essa razão, o que foi negado por exemplo pela testemunha L (...), presente no local do acidente (foi ele que chamou o INEM) e que num discurso coerente asseverou que todos os dias, desde que foi montada, a grua trabalhou sem problemas, mormente no dia do acidente, não havendo vento que tal impedisse, nunca ninguém lhe tendo chamado a atenção para qualquer deficiência de funcionamento do gancho.

            Quanto à testemunha I (...), manobrador da grua, o seu depoimento foi contraditório, vacilando e mudando o seu teor em função das instâncias e contra-instâncias.

            Começando por salientar não haver muito vento no dia e tendo trabalhado com a grua da parte da manhã, garantiu as condições da grua, gancho bom, a fechar bem, pondo como hipótese da queda das correntes o facto de os trabalhadores, aquando da recepção dos taipais as terem enganchado mal. Mais tarde e negando qualquer embate das correntes na cofragem acabaria, como que em exculpação declarar que “o gancho se calhar era aberto” e que “não fechava completamente”…

            A testemunha O (...) (perito avaliador de acidentes de trabalho) mais não fez que reproduzir o teor do relatório por si elaborado a fls. 549, que viu o contrapeso da patilha partido após o acidente, não sabendo, contudo, se à data da montagem da grua o mesmo assim estava ou não.

            Finalmente, a testemunha P (...) director da obra, então ausente em férias, afirmou ter substituído a patilha do gancho por uma mola por imposição da Inspecção Geral do Trabalho, mas que até ao acidente a grua trabalhou bem e diariamente.

            Quanto ao Inquérito da IGT, de livre apreciação probatória, colhe-se dele com utilidade que a Ex.ma Inspectora subscritora dois dias após o acidente verificou que a patilha de segurança do gancho da grua não se encontrava a funcionar em condições de segurança, nomeadamente por não ter pressão de forma a evitar a sua abertura, o que permitiu que a argola que reunia as lingas se soltasse do gancho, provocando o acidente de trabalho.

            O sentido do art.º 7.º é que, antes do acidente e independentemente deste, o gancho não dispunha da segurança devida.

            No entanto, as dúvidas sobre se as correntes saltaram por a patilha não fechar devidamente por falta do contrapeso ou se tal aconteceu por força do embate das correntes no taipal (se embate houve) que poderiam levar à quebra que o contrapeso apresentava e consequente desprendimento das correntes, são avolumadas pelo depoimento coerente do técnico que ensaiou a grua, T (...), que asseverou que nos testes de carga, que certificou, abriu a patilha de segurança com as mãos e verificou a existência do contrapeso em perfeitas condições.

            Da prova produzida e dos depoimentos prestados de quem faz do uso de gruas profissão, ficaram, pois, dúvidas sobre se a queda das correntes sobre a vítima se deveu a qualquer embate prévio no muro, que levasse à abertura da patilha de segurança do gancho por possível quebra do contrapeso ou contrabalanço, se por má colocação das correntes aquando do recebimento dos taipais, se foi o gancho que embateu no chão, se houve outra razão…

            Daqui decorre que e à luz do art.º 516.º do CPC aplicável, os art.ºs 7.º e 18.º não podiam ter-se dado como provados.

            Quanto ao 8.º e 9.º foi matéria que a recorrente não reportou aos meios de prova invocados, nem efectivamente a prova que foi produzida permite levar à sua comprovação, por desconhecimento dos que sobre ela depuseram.

*

            b) – Quanto à alegada excessividade da resposta dada ao art.º 1.º da b. i., perguntando-se nele se “ D (...), SA” adjudicou, por sua vez, a execução das cofragens, descofragens e escoramentos da obra à sociedade “ G (...), Lda.” e respondendo-se que o fez relativamente à cofragem das sapatas e vigas de fundação, pilares, lajes fungiformes, vigas e muros com cofragem cuidada nas duas faces, é manifesto que a resposta foi restritiva e explicativa.

            Não há, assim, excesso de resposta que a coberto do disposto no n.º 4 do art.º 646.º do CPC aplicável importe declarar não escrito.

            Em conclusão, na improcedência da impugnação da matéria de facto mantêm-se as respostas dadas à matéria de facto.

*

            c) - Mantida a factualidade, quanto ao direito propriamente dito também a construção jurídica seguida na sentença recorrida não merece censura.

            Sustenta a recorrente que em causa está uma actividade perigosa (obra de construção civil com intervenção de grua) pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 493.º do CC há lugar a inversão do ónus da prova, daí decorrendo a responsabilidade civil solidária para todas as RR, nos termos dos art.ºs 490.º e 497.º, n.º 1, do CC, por essa actividade ter sido “iniciada e desenvolvida mediante o contributo convergente de todas as co-Rés demandadas”, sendo que “o acidente é um produto dos vários comportamentos e acções de todas as co-Rés e nenhuma destas pode alhear-se da perigosidade inerente à natureza dos meios utilizados”.

            Carece de razão.

            Em causa está uma acção sub-rogatória da seguradora laboral estribada no art.º 31.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13.9 (Lei dos Acidentes de Trabalho) vigente à data da prática dos factos[1], dele decorrendo que “quando o acidente for causado por (…) terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral”.

            A questão está, assim, no caso, saber quem é o terceiro civilmente responsável.

            Ora, não pode deixar de ser quem desenvolvia a actividade perigosa, pela natureza do meio empregue (a grua), ou seja, a entidade patronal do falecido e segurada na A. recorrente.

            É orientação jurisprudencial hoje dominante que a construção civil não é considerada uma actividade perigosa para efeitos do n.º 2 do art.º 493.º do CC, sem prejuízo de certos trabalhos o serem (instalação de electricidade ou gás) ou de o serem pelo uso de certa maquinaria, como uma grua.[2]

            Por outro lado, no contrato de empreitada não há um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra, agindo aquele com autonomia, sob sua própria direcção, com vista ao cumprimento da obrigação de resultado a que se obrigara (a realização de certa obra – art.º 1207.º do CC).

            Essa mesma autonomia a tem o subempreiteiro na relação com o empreiteiro.

            Daí que esteja adquirido que nem o contrato de empreitada, nem o de subempreitada consubstanciam uma relação de comissão, não gerando responsabilidade nos termos do art.º 500.º do CC, pelo que o dono da obra não responde pelos danos produzidos a terceiros pelo empreiteiro, nem o empreiteiro é responsável pelos danos causados a terceiros pelo subempreiteiro.

            O empreiteiro e o subempreiteiro em consequência da sua autonomia é que têm de adoptar os cuidados e precauções idóneos a evitar a causação de danos a terceiros.[3]

            Salientam ainda Pires de Lima e Antunes Varela[4] em anotação ao art.º 1213.º “embora a subempreitada seja um contrato dependente da empreitada, o subempreiteiro tem, sob vários aspectos, uma posição autónoma dentro da relação contratual em que interfere. Assim, pelos actos ilícitos que ele pratique, responde ele e apenas ele”.

            Voltando ao caso em apreço, quem desenvolvia tal actividade de cofragem da obra com uso da grua era a subempreiteira “ G (...), SA”, entidade patronal do falecido H (...) e que não é parte na acção.

            Daí que nem à Ré dona da obra, C (...), por falta de qualquer vigilância efectiva sobre a empreiteira D (...), nem a esta (enquanto dona da obra no contrato de subempreitada) fosse de exigir a prevenção de quaisquer danos a terceiros decorrentes da obra subempreitada, a tanto não obstando o facto de o manobrador da grua ter sido um trabalhador da D (...), uma vez que as suas funções eram exercidas sob a orientação da subempreiteira G (...), que geria em exclusivo e com autonomia o desenrolar da obra de cofragem.

Muito menos à outra demandada, locadora da grua, ou sua seguradora.   

Os invocados art.ºs 490.º e 497.º, n.º 1, do CC reportam-se à co-autoria ou cooperação entre vários autores (instigadores ou auxiliares) no acto ilícito, o que manifestamente não ocorre no caso, dada a exclusividade da actuação da subempreiteira na actividade perigosa, nenhum domínio tendo as demais partes na subempreitada.

Há que concluir, assim, como concluiu a sentença recorrida, que a A. ora recorrente não poderia beneficiar da presunção de culpa do n.º 2 do art.º 493.º do CC.

Uma vez assente a responsabilidade na subempreiteira G (...), entidade patronal do falecido e segurada da A., confundindo-se desse modo a responsabilidade laboral com a responsabilidade civil extracontratual na mesma pessoa, ou seja, à falta de terceiro civilmente responsável não pode haver lugar à sub-rogação e, daí, a improcedência da acção que foi correctamente decretada, soçobrando, pois, as conclusões recursivas.

*

            3. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC aplicável)

            I – Nem o dono da obra, nem o empreiteiro são civilmente responsáveis pelo acidente que vitimou um trabalhador da firma subempreiteira em obra de construção civil, provocado por uma grua, no decurso de trabalhos de cofragem por essa sociedade levados a efeito;

            II – É sobre a subempreiteira que incide a responsabilidade decorrente da presunção de culpa do n.º 2 do art.º 393.º do CC;

            III – Por a responsabilidade laboral e civil se confundirem na mesma entidade, não pode haver lugar à acção sub-rogatória da entidade seguradora que suportou o pagamento das indemnizações e pensões por acidente de trabalho.

*

            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela recorrente.

***
Francisco Caetano (Relator)

António Magalhães

Ferreira Lopes


[1] Entretanto revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4.9 e com preceito idêntico no n.º 4 do art.º 17.º.
[2] V. g., Ac. STJ de 13.11.12, Proc. 777/05.7TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt
[3] V. Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos”, 2.ª ed., pág. 464, nota 4 e a jurisprudência aí indicada, v. g., o Ac. RE de 8.11.90, CJ, 1990, V, pág. 247.
V., por mais recente, o Ac. STJ de 14.9.06, Proc. 06B2337, in www.dgsi.pt
[4] Código Civil, Anot.”, II, pág. 881.