Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/16.0GACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
PERVERSIDADE
VÍTIMA AGENTE DE FORÇA PÚBLICA
AGRAVAÇÃO PELO USO DE ARMA
CONCURSO EFECTIVO DE CRIMES
HOMICÍDIO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 131.º E 132.º, N.ºS 1 E 2, DO CP; ART. 86.º, N.º 3, DA LEI 5/2006, DE 23-02
Sumário: I - Se não oferece dúvida que o artigo 132.º do CP não limita taxativamente os factos que constituem as circunstâncias qualificadoras, também é certo que os padrões de uma acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrentes dos exemplos do n.º 2 daquele normativo, constituem elementos da culpa e, como tal, não operam automaticamente.

II – Para a verificação da qualificativa prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, não basta demonstrar única e exclusivamente a qualidade do ofendido, mas será sempre necessário provar a existência de circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Tal só acontecerá se na perpetração do homicídio estiver uma especial baixeza da motivação ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da vítima ou à função que ela desempenhava.

III – O quadro factual revelado nos autos deixa transparecer uma determinação do arguido, formada ao momento, em escassos segundos, numa ocasião em que, pela hora em que se deu a intervenção dos elementos da GNR, não custa a crer que tivesse acabado de acordar, portanto num quadro onde não se descortina um processo de reflexão maturado, não sendo de excluir nas circunstâncias em que atuou – na presença de vários militares que levavam a efeito uma busca à sua habitação com vista à captura de um seu sobrinho, evadido do Estabelecimento Prisional, os quais teria de supor mostrarem-se armados – alguma desorientação emocional na medida em que ninguém [dentro dos padrões de normalidade], e também assim o arguido, nesse contexto, poderia afastar uma forte probabilidade de vir a ser alvejado, o que, será de convir, não é a atuação típica do homicida calculista, pelo menos de acordo com as regras de experiência comum.

IV – No cenário descrito, apesar de a vítima revestir a qualidade de elemento das forças de segurança, então no exercício das suas funções e, assim, se incluir no círculo daqueles a que se reporta a qualificativa da alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, indiciadora de uma especial censurabilidade, em consequência das concretas circunstâncias da ação, é de afastar o funcionamento da referida qualificativa por se mostrar a conduta do arguido ainda a coberto da censura do tipo matricial de homicídio.

V – Na situação, como a dos autos, em que o instrumento utilizado no cometimento do crime de homicídio (no caso, na forma de tentativa) é uma espingarda de caça, relativamente à qual o arguido não detinha licença de uso e porte de arma, verifica-se concurso efectivo entre o dito crime e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 3.º, n.º 6, alínea c), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23.02.

VI - Não há fundamento legal para afastar a agravação prevista no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02, quando o uso de arma não é elemento do crime de homicídio e não leva ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132.º do CP.

VII – Por maioria de razão, essa agravação existe quando os factos integram o crime de homicídio simples (artigo 131.º do CP).

VIII – Não constitui obstáculo à agravação decorrente do n.º 3 do artigo 86.º da Lei 5/2006 a circunstância de o arguido ter sofrido condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, pois que àquela é absolutamente irrelevante que o agente esteja numa situação de legalidade ou ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar ainda que o arguido tivesse licença de uso e porte de arma.

Decisão Texto Integral:

Acordam em audiência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do PCC n.º 5/16.0GACVL do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, C. Branco – JC Criminal – Juiz 2 foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, pronunciado pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, n.ºs 1 e 2, alínea l), com referência aos artigos 22.º e 23.º, todos do C. Penal e artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, com a redação da Lei n.º 17/2009, de 06.05, e de um crime de detenção e uso de arma ilegal da classe D, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, com referência ao artigo 3.º, n.º 6, alínea b), da lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação da Lei n.º 17/2009, de 06.05.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por acórdão de 05.05.2017 decidiu o Coletivo [transcrição parcial do dispositivo]:

- Julgar procedente a pronúncia e, em consequência, condenar o arguido A... pela prática, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132º, n.º 1 e 2, alínea l), ambos do Código Penal, agravado nos termos previstos no artigo 86.º, n.º 3 a 5, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e executado na forma tentada, em conformidade com o disposto nos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência ao disposto no artigo 3.º, n.º 6, alínea c), ambos da lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

- Proceder ao cúmulo jurídico das duas penas de prisão aplicadas ao arguido e, em consequência, condenar o arguido A... na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

- Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil B... e, em consequência, condenar o demandado A... a pagar ao demandante a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

- Condenar o arguido nas custas da ação penal, fixando-se a taxa de justiça em três UC`s, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

- As custas do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante são da responsabilidade do demandado A... , sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

[…]

Assim, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, o Tribunal Coletivo declara perdida a favor do Estado a caçadeira apreendida ao arguido a fls. 12 dos presentes autos, assim como os componentes da munição a que se aludiu, determinando que, após trânsito em julgado desta decisão, se solicite à PSP que providencie, nos termos previstos no artigo 78º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, pela atribuição do destino que tiver por conveniente relativamente a esses bens.

[…].

3. Inconformado recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1 - O Acórdão em crise padece de uma nulidade insanável, por manifesta falta de fundamentação, pelo que, deve ser revogado, com as legais consequências, nos termos da al. a), do n.º 1 do artigo 379.º, conquanto, não cumpre os requisitos do n.º 2, do artigo 374.º, do CPP.

2 - No Acórdão, ora posto em crise, no que à fundamentação diz respeito, verifica-se, efetivamente, a existência de uma enumeração dos factos dados como provados e dados como não provados, contudo, a exposição que é feita dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, não é completa, limitando-se a fazer uma súmula (de parte) das declarações e depoimentos prestados em sede de audiência, não fazendo qualquer referência quanto à credibilidade que cada um mereceu e, bem assim, as razões de tal merecimento.

3 - Não existe um exame crítico das provas produzidas, o que é o mesmo que dizer que não houve uma indicação completa das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

4 - O Tribunal a quo descredibiliza por completo o que foi dito pelo Arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, com exceção da confissão quanto ao disparo realizado, sem referir qual o motivo da credibilidade, sem escalpelizar qual foi a demais prova produzida que infirma as declarações do Arguido e outra em manifesta contradição com o demais.

5 - Pelo contrário, relativamente à tese apresentada pelo Assistente e pelas testemunhas de Acusação, colegas de profissão deste, o Tribunal a quo atribui-lhes credibilidade, conquanto se revelam coerentes e sinceros, sem adiantar qualquer fundamento quanto à razão do seu merecimento, assim como, não faz uma súmula dos factos por eles trazidos a estes autos que levem a tal merecimento.

6 - A única referência a algumas destas testemunhas – D... e G... – cinge-se à referência da sua credibilidade, nada mais sendo adiantado quanto a eles.

7 - Por sua vez, e ao contrário do que sucedeu com as testemunhas da Acusação, o Tribunal a quo retira toda e qualquer credibilidade às testemunhas da defesa, por, pasme-se, serem familiares do Arguido. Mas não faz o mesmo com as testemunhas de Acusação, não obstante serem colegas de profissão do Assistente e de estarem todos em risco de ver insaturado um procedimento disciplinar, por não cumprirem com o protocolo e de serem Arguidos num processo-crime pelos mesmos factos.

8 - Apesar disto, e de não ser atribuída qualquer credibilidade a estes testemunhos, o Tribunal recorrido faz uso de partes dos depoimentos dessas testemunhas para descredibilizar o que foi dito pelo Arguido. Estranha-se que tal suceda. De facto, como pode uma testemunha sem credibilidade infirmar o que é dito pelo Arguido ou por qualquer outra testemunha?

9 - O Tribunal a quo, uma vez mais, sem qualquer tipo de fundamentação, dá como não provado que o Arguido não sabia que o Assistente era militar da GNR, mas sem dizer qual a prova que o infirme.

10 - O Tribunal a quo vai mais longe, concluindo que o Arguido se apercebeu imediatamente que se tratava de um militar da GNR, mas, como até aqui, nenhum fundamento é adiantado para concluir desse modo.

11 - Os factos provados 4 e 26 carecem de absoluta fundamentação, nada sendo adiantado quanto a tal, nem ao motivo pelo qual se conclui que depois do disparo o Arguido continuou a apontar a arma.

Da Contradição Insanável da Fundamentação:

12 - A decisão em crise padece de contradição insanável na sua fundamentação, mormente nos factos dados como provados e não provados, que culminam na nulidade do Acórdão, que levam, necessariamente, à necessidade de ser revogada a decisão prolatada e à realização de novo julgamento.

Senão vejamos,

13 - O Acórdão recorrido dá como provado, no facto 4, que o Arguido continuou a apontar a caçadeira na direção do Assistente, está em manifesta contradição, com o facto não provado 1, que dá como não provado que o Arguido se preparava para efetuar um segundo disparo.

14 - De facto, não se percebe como se pode dar como não provado que o Arguido se preparava para dar um segundo disparo e, ao mesmo tempo, dar como provado que manteve a arma apontada, sendo manifestamente contraditório.

15 - O mesmo sucede em relação ao facto provado 27 e ao não provado 11, conquanto, não se percebe como se conseguem concatenar estes dois factos, dando-se como provado que o disparo foi feito com a arma ao nível da cintura e, imediatamente a seguir, se dá como não provado que que o Arguido não fez pontaria.

16 - De igual modo, estão em contradição os factos provados 3 e 27, conquanto se dá como provado que o Arguido fez pontaria ao peito do Assistente quando disparava com a arma ao nível da cintura.

17 - Mais se estranha que na fundamentação de Direito o Acórdão em crise faça referência a doutrina e jurisprudência que vão num sentido e acabe por decidir num sentido absolutamente oposto.

Senão vejamos,

18 - Relativamente à verificação da qualificação do artigo 132.º, do CP, o Tribunal a quo cita Figueiredo Dias para concluir, e bem, que para que se verifique o preenchimento do tipo subjetivo se torna necessária a verificação de um tipo de culpa agravado.

19 - Acaba decidindo que a simples atuação do Arguido é bastante para concluir pela existência de culpa – que não a agravada – e do preenchimento da norma, em manifesta contradição com a fundamentação expandida.

20 - O mesmo sucede, mas desta vez com uma maior gravidade e de forma mais clara, com a agravação do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei das Armas, onde o Tribunal recorrido cita um Acórdão do STJ para fundamentar a sua decisão que refere expressamente, em jeito de conclusão, que esta agravação é apenas de aplicar quando se não aplique qualquer outra, mas, em manifesta contradição com o referido Acórdão, o Tribunal a quo decide que se verifica a agravação, não obstante ter dado por verificada a qualificação do artigo 132.º, do CP.

21 - O mesmo sucede com a condenação do Arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida e da escalpelização do que seja concurso aparente, onde, não obstante a decisão em crise citar Acórdãos e Doutrina que vão no sentido da verificação do concurso aparente – como infra se escalpelizará – decide pela verificação do concurso efetivo, em manifesta contradição.

22 - O mesmo sucede com a fundamentação da escolha da pena, que não obstante referir, e bem, que não pode haver uma dupla valoração dos factos, nomeadamente, do uso da arma e do facto do Assistente ser militar da GNR, o que é certo, é que fundamenta a escolha da pena e da sua medida atentos esses elementos.

23 - Aqui chegados, o Acórdão prolatado pelo Tribunal a quo padece de contradições insanáveis, nos termos da al. b), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, que, nos termos do artigo 426.º, do CPP, determinam que seja revogada a decisão e a sua remessa para novo julgamento.

Erro Notório na Apreciação da Prova:

24 - Por força do já citado artigo 426.º, do CPP, deve, ainda, o Acórdão em crise ser revogado por se verificar um erro notório na apreciação da prova, nos termos da al. c), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

Senão vejamos,

25 - Não é verosímil que alguém com a estrutura física do Arguido (não obstante a idade, a sua estrutura física é semelhante à de uma criança menor de 18 anos, franzina, como aliás resulta das fotos juntas aos autos) consiga disparar uma arma caçadeira ao nível da cintura e, ainda assim, manter a arma apontada.

26 - Como é facto notório, uma arma como a que foi utilizada na prática do facto, quando disparada “dá um coice” bastante forte que, se quem a está a disparar não estiver preparado, corre o risco de se desequilibrar e cair, só não sucedendo quando a arma está firmemente segura e fixa ao ombro do atirador ou quando o atirador, além de experiência, tem grande força de braços que permita segurar o impacto – o que não é manifestamente o caso do Arguido.

27 - Assim, quando efetuou o disparo, como resulta das regras de experiência comum, a arma exerceu pressão sobre o Arguido, que certamente o fez recuar e mudar a arma de direção. Deste modo, não é verosímil que após o disparo tenha conseguido manter a arma apontada ao Assistente.

28 - Pelo mesmo motivo, não é verosímil, face às regras de experiência comum, que um homem que, não obstante ter tido em tempos a licença de caça, nunca caçou, nem fez qualquer outro uso de armas, consiga com a arma ao nível da cintura fazer pontaria ao peito do Assistente.

29 - De igual modo, não se pode concluir que o Arguido sabia que a sua conduta era adequada a produzir a morte do Assistente. Mais, não se pode concluir que o Arguido pretendia matar o Assistente.

30 - De facto, independentemente da conclusão a que se chegue quanto ao motivo do disparo, o que é certo, é que face às regras de experiência comum, não é verosímil que alguém acabado de acordar, num período de tempo de cerca de cinco segundos (como concluí o douto Acórdão), tenha tempo e capacidade para pensar na forma como vai disparar, apontar ao Assistente e, pior, com a arma ao nível da cintura, saber onde lhe vai acertar.

31 - A concatenação de tais factos é completamente desprovida de ordem lógica, insustentável, que não passa despercebida a uma verificação e observação sem esforço – cf. Ac. STJ de 27/10/2010, CJ – ASTJ – Ano XVIII, tomo III, pág. 243 e ss.

32 - Mostra-se, ainda, inverosímil, face às regras de experiência comum, que se dê como provado que o disparo tenha acontecido pelas 07:00 horas, quando o Assistente dá entrada no Hospital da (...) , de acordo com os documentos juntos aos autos, pelas 07:14 horas.

33 - Ora, do (...) ao referido hospital são, no mínimo, 6,00 Km de distância, que, ainda que percorridos em excesso de velocidade, demora no mínimo 10 minutos, atentas as condições do tráfego e da via.

34 - Assim, para que o Assistente tivesse conseguido em apenas 14 minutos após o disparo chegar ao hospital, seria necessário que a viatura onde foi transportado estivesse aparcada junto à porta da casa do Arguido, a trabalhar, com o condutor lá dentro e que tivesse arrancado de imediato – o que não resulta dos autos – e, bem assim, que não tivessem entrado em qualquer outra casa antes da casa do Arguido.

35 - De facto, como resultou provado, a casa do Arguido não tinha eletricidade nem janelas e o varrimento do local foi feito com lanterna, pelo que, como resulta das regras de experiência comum, a casa estava escura.

36 - De tudo o exposto, cumpre perguntar se, atenta a hora (antes das 7:00, como se referiu), sendo escuro, quais os factos que levam a concluir que o Arguido consegui ver as letras, os dizeres da roupa do Assistente e dos seus colegas?

37 - Face às mais elementares regras de experiência comum, não é possível, não é verosímil, não é crível, que um homem acabado de acordar, como se deu como provado, num local pouco iluminado, com a quarta classe de escolaridade, consiga, imediatamente discernir que se tratavam de militares da GNR e que tenha conseguido perceber isso antes de disparar.

38 - Não se percebe, ainda, como o tribunal a quo dá como provado que o Arguido tinha intenção de matar – e se dá como não provado o contrário – quando, se dá como provado que o tiro foi feito ao nível da cintura, em escassos 5 segundos, quando o Arguido acabava de acordar, numa casa sem iluminação.

39 - O disparo foi feito, não há dúvida, contudo, foi feito nas circunstâncias que já se descreveram e que se dão como provadas no Acórdão recorrido, pelo que não há qualquer possibilidade que o Arguido tenha conseguido realizar dentro de si o tipo pelo qual vem acusado. Nem tal era possível, face às regras de experiencia comum e, bem assim, às condições sociais do Arguido.

40 - Vejamos, uma pessoa normal, que tivesse intenção de fugir à autoridade, ia fazer um disparo a um elemento da GNR, quando no local se encontravam pelo menos três e a arma só dava um disparo (ainda que estivesse a funcionar bem só daria dois), quando de modo algum ia conseguir fugir?

41 - Não se entende como seja possível que, no escuro, a farda dos elementos da GNR não seja confundida com uma vestimenta preta, quando se conclui que estava escuro e a roupa que os elementos da GNR traziam vestida era, como se provou, de um tom escuro (azul), que num local com fraca visibilidade é, naturalmente, parecido com preto.

42 - Tanto mais, quando foram os próprios assistente e seus colegas que confirmaram que na cabeça traziam um “passa montanhas” e que a farda era toda azul-escuro – aliás como resulta das fotos juntas aos autos.

43 - Face ao exposto, o Acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, que deve levar à repetição do julgamento, com as legais consequências.

Sem prescindir,

Do Concurso Aparente - non bis in idem – dupla agravação

44 - De facto, como sobejamente referido em sede de requerimento de abertura de instrução e, depois, em sede de contestação, não pode o Arguido ser condenado pela prática de homicídio qualificado, nos termos do artigo 132.º, do CP e sê-lo também pela agravante do artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas. A tudo isto, acresce o facto de o Arguido ter, ainda, sido condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida.

45 - Salvo melhor entendimento, com tal decisão está a ser colocado em causa o princípio penal e constitucional non bis in idem, da proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos, garantia básica do Arguido ao longo do processo penal, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva – cf. artigo 29.º, n.º 5, da CRP.

Senão vejamos,

46 - O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente o seu nomen juris ou que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos.

47 - Para a identificação de facto tem que tomar-se em linha de conta, por exemplo, os critérios jurídicos de objeto normativo e identidade ou diversidade do bem jurídico lesionado.

48 - Acresce que o Tribunal recorrido faz uso da circunstância de uso da arma contra um militar da GNR mais que uma vez, utilizando-o, também, como agravante na determinação da medida da pena – não obstante ter expandido argumentos no sentido de tal não poder acontecer.

49 - O bem jurídico que se visa proteger com qualquer um dos tipos que se vem escalpelizando é a detenção e o uso da arma – com exceção do crime de detenção de arma ilegal, os outros dois tipos sempre se iriam verificar - ainda que com nomen júris diferente.

50 - No que diz respeito à agravação do n.º 3, do artigo 86.º, da lei das armas:

“3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.”

51 - O crime do qual o Arguido vem Acusado, seja na forma simples, seja na forma qualificada, tem como elemento do tipo o uso de arma – se assim não se entender, cumpre perguntar que crimes existem no Código Penal que pressuponham o uso de arma?

52 - Como tal, não deve ser aplicada a agravação deste dispositivo legal, porque se mostra preenchida a exceção, pelo que não devia o Arguido ter sido condenado por esta agravante e, ao mesmo tempo, pelo artigo 132.º, do CP.

53 - Salvo melhor entendimento, se virmos bem a letra da lei, parece ser esse o escopo da norma agravante do citado artigo 86.º, o de evitar a dupla qualificação – cf. Artur Vargues, supra citado e Ac. do STJ, de 31 de Março de 2011.

54 - De facto, neste Acórdão, conclui-se, e bem, que a agravação do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei das armas apenas se aplica se não for de aplicar outra agravação – uma vez mais, com o objetivo de impedir a dupla agravação – “ […] a agravação do art.º 86, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de acionar efetivamente essa outra agravação […] cf. ac. citado.

55 - Ora, como resulta do que ora se transcreve – sendo que no Ac. recorrido se transcreve mais – apenas se aplica a agravação da Lei das armas se não for aplicada qualquer outra. No Acórdão em crise, foram aplicadas as duas, em desrespeito completo pelos princípios constitucionais e penais já referidos e, bem assim, pela melhor Doutrina e Jurisprudência.

56 - Destarte, é manifesta e flagrantemente inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, por violação do n.º 5, do artigo 29.º, da CRP – ne bis in idem - quando interpretada no sentido de que, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, ainda que se verifique uma agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

57 - Aqui chegados, com o devido e necessário respeito por opinião contrária, ao ser o Arguido condenado com uma dupla agravação, a do artigo 132.º do CP e a do artigo 86.º, da Lei das Armas, mostra-se violado o princípio constitucional e penal ne bis in idem, pelo que deve o Acórdão em crise ser revogado e substituído por outro que venha, eventualmente, a condenar o Arguido apenas por uma das agravações.

58 - No que diz respeito à qualificação do artigo 132.º, do CP, cumpre referir, que a mesma apenas se verifica quando a morte (ou a tentativa) tenha sido “produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade” sendo que, as diferentes alíneas referidas no n.º 2, são meros indícios que podem levar, ou não, a essa verificação.

59 - Como refere Silva Dias, a verificação do exemplo padrão do n° 2 do artigo 132.° não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade – no mesmo sentido, Figueiredo Dias, citado no Acórdão recorrido – sendo que, tal indício, não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas, um especial tipo de culpa.

60 - O facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que o Arguido sabia que o Assistente era GNR (o que, como infra se verá, não se concede), não pode levar à verificação automática do preenchimento do n.º 1, do artigo 132.º, do CP. Para tanto, torna-se absolutamente necessário que se verifique uma culpa agravada, que corresponde a um tipo de culpa – e não apenas culpa, sob pena de esta norma se mostrar sempre preenchida e, por isso, esvaziada de conteúdo.

61 - Desta feita, para que se verifique uma culpa agravada, torna-se necessário demonstrar – o que não foi feito na decisão em crise – que o Arguido, no momento da prática do facto, e não em qualquer outro, podia, tinha capacidade suficiente, de agir de outro modo.

62 - O Tribunal recorrido concluiu que se verifica a especial censurabilidade pelo simples facto de o Arguido ter atirado da forma como atirou sobre um militar da GNR e que isso, só por si, revela que não tem respeito pela vida humana e pela instituição da qual o Assistente faz parte. Não adianta qualquer outro fundamento que não seja este.

63 - Acresce que, o simples facto de ter atirado não basta para que se demonstre a especial censurabilidade. Para tanto, como já aqui referido e também no Acórdão recorrido, torna-se necessário demonstrar a culpa agravada, o que, não se basta com a demonstração da existência de culpa – esta sempre existe, caso contrário não haveria condenação.

64 - Há a sopesar o facto de o Arguido ter acabado de acordar, ser ainda cedo, estar escuro dentro da casa, ter sido tudo muito rápido, em não mais de cinco segundo, de acordo com o Assistente, de arma ter sido disparada “ao calhas”, com a arma ao nível da cintura e, bem assim, o não ter tido tempo para processar toda a informação naquele momento. De tais factos, não resulta, salvo melhor opinião, uma culpa agravada – nem o Acórdão em crise adianta quais sejam.

65 - Como refere Figueiredo Dias, a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração ao nível da atitude do agente, de formas de realização do ato especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta diretamente em qualidades do agente especialmente desvaliosas.

66 - Salvo devido respeito por diferente opinião, não se mostra preenchida a qualificação do n.º 1, do artigo 132.º, do CP, conquanto o Arguido não agiu com especial censurabilidade ou perversidade, pelo que, deve ser absolvido nesta parte. Tampouco sabia, o que não é despiciendo, que o Assistente era militar da GNR, como infra se verá, pelo que, a tudo o exposto acresce o facto de se não verificar qualquer das alíneas do artigo 132.º, do CP.

Acresce que,

67 - Face ao ante exposto, facilmente se conclui que entre o crime de detenção de arma proibida e o de homicídio se verifica um concurso aparente, de acordo com o disposto no artigo 30.º, do CP, e não, como decidido pelo Tribunal a quo, efetivo.

68 - “Mas, apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio e uso de arma proibida –, não deve concluir-se por um concurso efetivo de crimes, mas antes aparente.” – cf. acórdão do STJ de 31/03/2011; em igual sentido vão os ensinamentos de Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, páginas 989 e 1015

69 - De facto, a conexão existente entre a conduta da qual o Arguido vem condenado, em relação à arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário, o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo “unidade de sentido social do acontecimento ilícito global”, pois o que o Arguido pretendeu foi impedir a entrada daquele homem em sua casa, protegendo-se a si e aos seus, não sendo o uso de arma proibida mais que o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado.

70 - O autor citado aponta mesmo como exemplo de concurso aparente um caso como este: “Circunstâncias como, p. ex., a de se utilizar arma proibida […] constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio, sob a forma de concurso aparente” (ob. cit., página1017).

71 - Assim, salvo melhor opinião deve dar-se por verificada a existência de concurso aparente entre o homicídio na forma tentada e a detenção de arma proibida, com as legais consequências.

Da Medida da Pena:

72 - De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 77.º, do CP, na medida da pena, em caso de concurso, são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.

73 - No que à personalidade do Arguido diz respeito, o Tribunal a quo considerou, e bem, que este não revela grande propensão para a prática de crimes, atento o seu registo criminal, contudo, nada mais é adianto quanto a tal, como seja a sua condição económico-social, o seu grau de escolaridade, a sua inserção na sociedade…

74 - No que aos factos diz respeito, o Tribunal a quo, em manifesta falta de fundamentação, remete para a gravidade da situação, bem como, o não se ter apurado quanto tempo a arma esteve na posse do Arguido. Quanto a este último, atenta a falta de prova, devia vigorar o princípio constitucional, in dúbio pro reu, e, dessa forma, não prejudicar o Arguido.

75 - Quanto ao homicídio, a gravidade do mesmo já foi levada à fixação da pena, pelo que não pode, agora, ser novamente tida em conta – havendo uma dupla valoração das mesmas circunstâncias.

76 - Aqui chegados, deve a pena única de 8 anos ser revista e fixada no limite mínimo de 7 anos e seis meses (ou na pena máxima que vier a ser fixada em consequência da alteração que infra se vai requerer), de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 77.º, do CP, conquanto, o Arguido se trata de pessoa bem inserida na sociedade, de fraca condição económica e social, calma e educada, bem inserida na sociedade onde reside, respeitadora e respeitada, de condição de saúde muito débil e confessou a prática dos factos, mostrando-se arrependido – pediu desculpa ao Arguido e ao Tribunal mais que uma vez pelo sucedido!

77 - Acresce que, decorre do artigo 70.º, do CP, que se ao caso couber pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequando e suficiente as finalidades da punição.

Ora,

78 - De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, a Lei das Armas, o crime de detenção de arma proibida é punida com uma pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

79 - Face a esta moldura penal, o Tribunal a quo devia ter aplicado ao Arguido uma pena de multa, atendendo ao disposto no artigo 70.º, do CP, conquanto as necessidades de prevenção especial não se mostram muito elevadas e no que à prevenção geral diz respeito, salvo melhor entendimento, a mesma se basta com a aplicação de uma pena de multa – sendo certo que, para a sociedade em geral, a mesma se mostra cumprida com o simples risco de aplicação de uma pena.

80 - Para aplicar a pena de prisão, entendeu o Tribunal a quo que existe a agravante de o Arguido ter feito uso da arma, disparando-a na direção de um militar da GNR. Resta perguntar, quantas vezes tal circunstância foi tida em causa pelo Tribunal? Ora, fez-se uso de tal facto para qualificar e agravar o homicídio e ainda se volta a fazer para “agravar” o uso da arma e, em consequência, a pena aplicada. Salvo melhor entendimento, tal configura uma violação dos já referidos princípios constitucionais do ne bis in idem.

81 - Muito se estranha, que o Tribunal a quo tenha referido que “a especial censurabilidade inerente à circunstância de o arguido ter perpetrado os factos contra um militar da GNR […] não será novamente valorada nesta sede, em virtude de ter determinado já a qualificação do crime de homicídio” e, ainda assim, faça uso de tal argumento para a escolha da pena a plicar e da medida da pena nessa escolha.

82 - Pode ler-se, ainda, na fundamentação do Acórdão que “de igual forma, em face do princípio da proibição da dupla valoração, não irá o Tribunal Coletivo considerar, para efeito de determinação da medida concreta da pena, a especial perigosidade inerente à utilização da arma de fogo […] ” e, ainda assim, tenha tomado tais factos em consideração, como já referido.

83 - Assim, atento que se verificam cumpridas as necessidades de prevenção especial e geral com a aplicação de uma pena de multa, deve a pena ser revista por este douto Tribunal ad quem e, em consequência, ser aplicada uma pena de multa, ainda que perto do máximo.

84 - Se tal não se entender, e se concluir que é de aplicar uma pena de prisão, deve a mesma situar-se no mínimo legal, portanto em 1 ano.

85 - No que ao crime de homicídio na forma tentada diz respeito, devem ter-se em conta os já referidos princípios e normas, pelo que, face aos fatores que militam a favor do Arguido, deve ser aplicada uma pena de prisão que se situe no mínimo legal.

86 - Face às enunciadas necessidades de prevenção geral e especial, determinantes para a medida da pena, tendo sempre como limite a medida da culpa do agente, ponderadas as circunstâncias atenuantes, cumpre verificar, qual deve ser, em concreto, a pena a aplicar ao Arguido.

87 - O Arguido não têm antecedentes criminais, é de modesta condição social e económica, saúde bastante débil e encontra-se perfeitamente integrado na sociedade onde vive.

88 - Assim, sendo o mínimo da pena de 3 anos 2 meses e 12 dias, face a tudo o que se expôs, deve a pena ser fixada muito próximo deste mínimo.

Suspensão da Execução da Pena de Prisão:

89 - Face ao que ficou exposto supra, tendo em conta que sempre será aplicada pena de prisão igual ou inferior a cinco anos, deve a pena ser suspensa na sua execução, cumprindo-se, assim, o disposto nos artigos 50.º e seguintes do CP.

Da Matéria de Facto:

90 - Face à prova que foi produzida, consideramos, com o devido e necessário respeito, que foram mal julgados alguns pontos da matéria de facto, pelo que, deve ser alterada pelo Tribunal ad quem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 431.º e 410.º, do CPP.

Senão vejamos,

91 – Atentas as declarações supra transcritas, prestadas pelo Arguido, constantes do ficheiro 2017042810003_1717462_2870664, ao minuto 8:07, ao minuto 16:46, ao minuto 18:32, ao minuto 22:33 e ao minuto 41:34, resulta claro que as pessoas que entraram dentro de casa do Arguido não gritaram nada, tampouco se fizeram identificar como sendo elementos da GNR.

92 - Resulta igualmente que o Arguido não fez pontaria, não tinha qualquer intenção de matar, antes sim, limitou-se a disparar, sendo que infelizmente acertou no Assistente, que não sabia ser militar da GNR, mostrando-se arrependido do que fez.

93 - Face ao relatório pericial junto aos autos, a arma utilizada pelo Arguido não estava a disparar corretamente, estando impossibilitada de fazer um segundo disparo e partida. Assim, devia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 13, dos factos não provados.

94 - Face às fotas juntas aos autos e mostradas ao Assistente, devia ter-se dado como provado que os militares da GNR se encontravam vestidos de negro (cor azul escuro) e com a cara tapada. Assim, devia ter-se dado como provados os factos 9 e 15, dos factos não provados.

95 - No ficheiro 20170428104833_1717462_2870664, o Assistente, porque perguntado, ao minuto 21:16 refere que estava escuro no local dos factos, uma vez que quando a lanterna se desligou deixou de conseguir ver bem a cara do Arguido, apenas conseguindo ver a feição da cara.

96 - Assim, deviam ter sido dado como provados os factos 2, 4, 7, 8, 9 e 15 dos factos não provados.

97 - No ficheiro 20170428123345_1717462_2870664, ao minuto 4:09, a testemunha Q... , que esteve presente no momento dos factos, no ficheiro 20170428145607_1717462_2870664, a testemunha R... , ao minuto 1:23, referem que quando deram conta já a GNR estava “em cima deles”, não tendo ouvido a GNR a gritar o que quer que seja.

98 - O que acaba de se afirmar foi confirmado pela testemunha U... , quando no ficheiro 20170428150140_1717462_2870664, ao minuto 1:37, que acrescenta, ainda, que a GNR estava vestida de preto.

99 - Assim, deviam ter sido dados como não provados os factos 3, dos factos provados, na parte em que se gritou GNR, GNR, e como provados os factos 4, 7, 9 e 15, dos factos não provados.

100 - As demais testemunhas que estavam no local, que não militares da GNR, referem que não ouviram gritar GNR – foram descredibilizados por serem familiares do Arguido, contudo, deu-se crédito à versão de todos os militares da GNR, não obstante serem amigos e colegas do Assistente, sabendo que incorrem em responsabilidade disciplinar TODOS no caso de não cumprirem com o protocolo, nomeadamente por não terem gritado GNR.

101 - Cumpre questionar como o Tribunal a quo dá como provados os factos 10, 11, 12 e 13, quando nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

102 - A intenção de matar do Arguido surge pelo facto de ter acertado no peito do Assistente? E se lhe acerta na perna, já não tinha intenção de matar?

103 - Aqui chegados, resta concluir que o Tribunal a quo devia ter dado como provado que:

- Não se via dentro de casa do Arguido, por estar escuro, pelo que não se conseguia ver os dizeres da roupa dos militares da GNR;

- Os militares da GNR não gritaram e não se identificaram como sendo militares da GNR;

- O Arguido não fez pontaria antes de dispara;

- O Arguido não continuou a apontar a arma depois de disparar;

- O Arguido não sabia que aquele homem era militar da GNR;

- O Arguido não pretendia matar o Assistente;

- A arma do Arguido funcionava mal, pelo que, não era capaz de provocar a morte;

- A porta de caso do Arguido estava fechada;

- A arma do Arguido não funcionava bem;

- Os militares da GNR estavam vestidos de preto;

- O Arguido está arrependido.

IV - Do Pedido de Indemnização Civil:

104 - Foi, ainda, o Arguido condenado ao pagamento de uma indemnização de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais ao Assistente. Não pode o Arguido concordar com tão elevado valor.

105 - É certo que ser atingido por tiro é um momento traumático. Mas não é menos certo que (felizmente) o tiro não teve consequências de maior para a vida do Assistente.

106 - Ele continuou a trabalhar, não esteve de baixa médica, a sua recuperação aconteceu rapidamente e tudo correu bem.

107 - Destarte, deve o valor fixado ser reduzido, conquanto não foi feita prova cabal dos alegados danos e, bem assim, o valor é manifestamente exagerado.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado procedente, por provado e, em consequência, ser

1 – Declarada a nulidade do Acórdão por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379, n.º 1, al. a), do CPP; Sem prescindir,

2 – Declarada a contradição insanável e o erro notório na apreciação da prova e, em consequência, ser ordenada a realização de novo julgamento, nos termos do disposto nos artigo 410.º, n.º 2, al.s b) e c) e artigo 426.º, do CPP; Sem prescindir,

3 – Ser aplicada apenas uma agravação, atento o principio ne bis in idem.

4 – Ser declarado verificado o concurso aparente entre o crime de detenção de arma ilegal e o crime de homicídio, com as legais consequências; Sem prescindir,

5 – Ser revista a pena aplica em cúmulo para o mínimo legal;

6 – Ser a pena do rime de detenção de arma ilegal substituída por pena de multa ou, em alternativa, para o mínimo de prisão, de 1 ano;

7 – Ser a pena do crime de homicídio na forma tentada reduzida para o mínimo legal e, em consequência, suspensa na sua execução;

8 – Ser alterada a matéria de facto, nos termos requeridos;

9 – Ser reduzido o valor fixado a título de indemnização;10 – Ser declarada a inconstitucionalidade da norma do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, por violação do n.º 5, do artigo 29.º, da CRP – ne bis in idem - quando interpretada no sentido de que, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, ainda que se verifique uma agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4. Por despacho exarado a 08.06.2017 foi o recurso admitido.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público concluindo:

1. A... , foi, nos presentes autos, condenado pela prática, como autor material e em concurso efetivo, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131º e 132º nº 1 e 2 alínea l), ambos do CPenal, agravado nos termos do artigo 86º nº 3 a 5 da Lei nº 5/006, de 23.02, e executado na forma tentada, em conformidade com o disposto nos artigos 22º e 23º do CPenal;

2. Na pena de 7 anos e 6 meses de prisão e,

3. Pela prática, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do artigo 86º nº 1 alínea c), por referência ao disposto no artigo 3º nº 6 alínea c), ambos da Lei nº 5/2006, de 23.02;

4. Na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

5. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 8 anos de prisão.

6. Certamente por lapso do recorrente foi referido que o presente recurso sobe ao Tribunal da Relação de Guimarães.

7. O certo é que a comarca de Castelo Branco pertence ao distrito judicial de Coimbra;

8. Pelo que o Tribunal de recurso é o Tribunal da Relação de Coimbra.

9. Não existe nenhuma nulidade insanável no acórdão recorrido, uma vez que no mesmo se fundamente, de forma precisa e exaustiva os depoimentos das testemunhas que levaram à convicção do Tribunal recorrido.

10. Valoraram-se pois os depoimentos das testemunhas que prestaram juramento antes de deporem (o que não é o caso do arguido) e que são agentes da autoridade experientes.

11. Não existe qualquer contradição insanável entre o Facto dado como Provado no Ponto 4 e o Facto dado como não Provado no Ponto 1.

12. Uma vez que o arguido, depois de efetuar o disparo – Ponto 4 da Matéria de Facto dada como Provada – manteve a arma apontada ao assistente – Ponto 1 da Matéria de Facto dada como não Provada.

13. Não existe qualquer erro notório na apreciação da prova uma vez que nada impede que depois de se efetuar um disparo a arma fique no mesmo sítio.

14. O denominado “coice” que a mesma provoca, não a obriga a sair da posição de disparo.

15. Aliás o arguido confessou que disparou a arma.

16. O acórdão recorrido condenou, e bem, o arguido pela prática, em concurso real, de um crime homicídio qualificado, na forma tentada, agravado pelo facto de ter sido utilizada uma arma de fogo;

17. Que, como o arguido não tinha licença e uso de porte de arma, foi igualmente condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida.

18. Não existe qualquer inconstitucionalidade na aplicação de tal arguido nos termos feitos pelo acórdão recorrido, uma vez que não existe qualquer dupla valoração.

19. Na realidade as agravantes do artigo 132º do CPenal, não operam automaticamente.

20. Só operam se ficarem provados factos integradores das alíneas que compõem o artigo.

21. Face à Matéria de Facto dada como Provada nos Pontos 2., 3., 4., 10. e 26 ficou provado que o arguido sabia que entrou um militar da GNR do seu quarto

22. E que, não obstante esse facto, o mesmo manteve o propósito de disparar na sua direção.

23. A pena única de 8 anos de prisão aplicada ao arguido está conforme a culpa, o dolo com que agiu, a ilicitude do seu comportamento (quer quanto ao desvalor da ação como do resultado) como `quanto às necessidades de prevenção geral e especial.

24. Não pode ser aplicada uma pena de prisão, suspensa na sua execução ao arguido uma vez que, tal pena é incompatível com a finalidade das penas no nosso sistema jurídico (proteção de bens jurídicos fundamentais) e não acautela suficientemente as necessidades de prevenção geral que a situação reveste.

25. O douto acórdão recorrido não violou qualquer norma jurídica, pese embora nas conclusões de recurso apresentadas não se encontraram indicadas as normas concretas que foram, no seu entender, violadas.

Termos em que o douto acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso apresentado pelo arguido A... .

Mas VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES do Tribunal da Relação de Coimbra farão a acostumada

J U S T I Ç A!

6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a audiência, cabendo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presentes as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões de natureza oficiosa, as questões a apreciar traduzem-se em saber se (i) É nulo, por falta de fundamentação, o acórdão; (ii) Ocorre erro de julgamento, contradição insanável da fundamentação e/ou erro notório na apreciação da prova; (iii) Não se verifica a especialidade censurabilidade ou perversidade necessária à qualificação do crime de homicídio; (iv) Os crimes de homicídio e de detenção de arma proibida encontram-se numa relação de concurso aparente; (v) Viola o princípio ne bis in idem a agravação do crime de homicídio nos termos do artigo 86.º, n.º 3 da Lei das Armas, revelando-se, como tal, inconstitucional a interpretação normativa do preceito em referência levada a efeito pelo tribunal; (vi) As penas, parcelares e única, mostram-se desadequadas ao caso, sendo que deveria o tribunal, no que ao crime de detenção de arma proibida respeita, ter optado pela pena de multa, prevista em alternativa à prisão; (vii) Estão reunidos os pressupostos para determinar a suspensão da execução da pena; (viii) É excessivo o montante indemnizatório fixado.

2. O acórdão recorrido

Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]:

II. Fundamentação de facto

Factos provados

Analisada toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, resultaram provados, com relevo para a decisão a proferir, os seguintes factos:

1. No dia 20 de Maio de 2016, cerca das 07h00, uma equipa do Destacamento de Intervenção do Comando Territorial de Castelo Branco da GNR, acompanhada de elementos do NIC da (...) , dirigiu-se a uma habitação improvisada, instalada nos antigos balneários do campo de futebol, situada junto do campo de futebol da localidade do (...) , (...) , em cumprimento de um mandado de detenção emitido no âmbito do processo n.º 96/13.5TXCBR-B, do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, para detenção do condenado H... , que se encontrava evadido.

2. Os elementos da mencionada equipa de intervenção encontravam-se uniformizados com a farda atribuída àquela equipa, na qual eram claramente visíveis, em letras fosforescentes, os dizeres GNR.

3. Quando os elementos da GNR entraram naquela habitação, tendo gritado previamente “GNR, GNR”, o arguido, munido de uma espingarda de caça, apontou-a na direção do peito do cabo B... , que se encontrava a dois metros de distância do arguido, e disparou, atingindo o ofendido no peito.

4. O arguido continuou a apontar a caçadeira na direção do cabo B... , tendo este avançado na sua direção e imobilizado o arguido, caindo ambos no chão.

5. O disparo efetuado pelo arguido atingiu o ofendido B... no peito, apenas não o tendo matado porque o mesmo envergava, na altura, um colete de proteção balística, onde ficaram alojados duzentos e três fragmentos de chumbo.

6. O arguido não era titular de qualquer licença de uso e porte de arma.

7. A arma mencionada em 3., de marca Antonio Zoli, modelo não referenciável e com o n.º 170467, com canos de 70,8 cm e o comprimento total de 1,165 m, encontrava-se ainda carregada com um cartucho de caça carregado com bagos de zagalote.

8. Como consequência direta e necessária do tiro disparado pelo arguido, o ofendido B... teve necessidade de receber assistência médica no Centro Hospitalar da (...) e ficou com uma cicatriz de cor avermelhada no tórax, na região mamilar direita, com 1,9x1,8 cm.

9. A lesão sofrida pelo ofendido determinou, direta e necessariamente, um período de dez dias para a sua cura, a qual foi fixada em 30 de Maio de 2016, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

10. O arguido agiu consciente e livremente, bem sabendo que a sua conduta era adequada a produzir a morte do ofendido B... e que este era um militar da GNR que se encontrava no exercício das suas funções.

11. O arguido pretendia matar o ofendido B... , só não tendo logrado atingir esse resultado por circunstâncias alheias à sua vontade.

12. Bem sabia o arguido que, atentas as características da arma de fogo e da munição utilizadas, designadamente o seu calibre e potência, quando são utilizadas contra as pessoas são suscetíveis de causar a morte.

13. Sabia ainda o arguido que o modo como utilizou essa arma, atenta a distância a que o arguido se encontrava do ofendido B... quando efetuou o disparo na direção do mesmo, consubstanciava modo adequado para causar a sua morte.

14. O arguido sabia que não podia deter ou utilizar a caçadeira atrás identificada e que não é titular de qualquer licença de uso e porte de armas.

15. O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.

16. O ofendido sentiu enorme temor e receio pela sua vida quando viu a arma apontada na sua direção, tendo tido a convicção de que o arguido o iria matar.

17. O ofendido sentiu dores com o impacto do disparo efetuado contra o seu peito à curta distância a que se encontrava do arguido.

18. O ofendido sentiu dores durante e após os tratamentos a que foi sujeito.

19. A conduta do arguido causou forte inquietação e temor ao ofendido que, após a data em que ocorreram os factos, passou a ter pesadelos.

20. O ofendido passou a sentir receio de desempenhar as suas funções profissionais quando é chamado para a execução de operações policiais de natureza idêntica.

21. O ofendido sente-se muito magoado, angustiado e revoltado por causa da conduta do arguido que o vitimou.

22. Em consequência dos factos praticados pelo arguido, o ofendido sofreu tensão nervosa, stress e abalo psicológico.

23. O ofendido deu entrada no Centro Hospitalar da (...) pelas 07h14.

24. Antes de ocorrerem os factos, o arguido estava a dormir.

25. A habitação do arguido não dispunha de energia elétrica.

26. No momento em que ocorreram os factos, a porta da habitação do arguido estava aberta, tendo previamente sido empurrada com um pontapé desferido pelo primeiro dos militares da GNR que entraram na habitação.

27. O arguido disparou com a arma à altura da cintura.

28. A arma utilizada pelo arguido pertencia ao seu pai, que já faleceu.

29. Essa arma estava guardada na casa da mãe do arguido, situada ao lado da habitação onde ocorreram os factos, tendo o arguido, em data anterior à mencionada em 1., decidido levá-la para a sua casa.

30. O arguido é tido por aqueles com quem priva como pessoa calma, educada, respeitadora e pacífica.

31. O arguido provém de uma família numerosa.

32. Os seus pais eram vendedores ambulantes, exercendo a sua atividade profissional nas feiras e mercados da região.

33. Desde muito cedo, o arguido começou a acompanhar os seus pais no exercício da atividade de venda ambulante de roupa.

34. Quando concluiu o 4º ano de escolaridade, o arguido abandonou a frequência escolar.

35. Aos 18 anos de idade, o arguido começou a viver em união de facto com a sua companheira que, na altura, contava 16 anos de idade, tendo ambos cinco filhos.

36. Também o arguido passou a exercer por conta própria, juntamente com a sua companheira, a atividade de venda ambulante.

37. Na data em que ocorreram os factos, o arguido residia com a sua companheira nos balneários do antigo campo de futebol do (...) , que não dispõem de água canalizada nem do fornecimento regular de energia elétrica.

38. Atualmente, uma parte desse espaço é utilizada por uma Igreja Evangélica para a realização do respetivo culto.

39. A companheira do arguido conta, atualmente, com o apoio dos seus filhos, das noras e dos netos, que residem numa barraca construída no mesmo terreno onde vive.

40. O arguido e a sua companheira recebem o rendimento social de inserção, no valor de € 367,68 por mês.

41. No Estabelecimento Prisional da (...) , o arguido frequenta o curso EFAB 2, que lhe permitirá obter equivalência ao 6º ano de escolaridade.

42. O arguido recebe as visitas da sua companheira e dos seus filhos, que o apoiam.

43. No Estabelecimento Prisional da (...) , o arguido tem mantido um comportamento adequado ao cumprimento das regras vigentes, não gerando situações de conflito com os demais reclusos, nem com os funcionários.

44. O arguido não apresenta quaisquer antecedentes criminais.


*

Factos não provados

Após a realização da audiência de julgamento nos presentes autos, não ficaram provados quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir, não se tendo demonstrado, designadamente:

1. O arguido preparava-se para fazer um segundo disparo na direção do ofendido B... , apenas não o tendo efetuado porque este o impediu.

2. Após o disparo, o arguido executou todos os atos tendentes e necessários à realização de um segundo disparo.

3. O arguido não teve intenção de matar o assistente nem qualquer outra pessoa.

4. O arguido desconhecia que o assistente era militar da GNR.

5. Quando disparou, o arguido estava convencido de que a pessoa que se encontrava na sua habitação era alguém da família V... .

6. O arguido atuou apenas com o intuito de defender a sua vida e os seus bens.

7. O arguido não representou, em momento algum, que a pessoa em causa era militar da GNR ou agente de qualquer outra força ou serviço de segurança.

8. No momento em que ocorreram os factos, ainda estava escuro.

9. Os militares da GNR que se deslocaram à residência do arguido estavam vestidos de preto.

10. O arguido ficou em estado de desespero na sequência da entrada de homens vestidos de preto na sua residência.

11. O arguido não fez pontaria na direção do ofendido.

12. O arguido estava convencido de que as pessoas que se introduziram na sua habitação eram da família V....

13. A arma por si detida não estava apta a disparar corretamente.

14. O arguido ficou assustado, perturbado e com medo das pessoas que entraram na sua habitação.

15. Ao ver, no escuro, homens vestidos de negro e com a cara tapada, o arguido pensou que estava alguém a invadir a sua casa para lhe fazer mal a si e aos seus familiares.

16. O arguido pretendeu apenas impedir a entrada daquele homem na sua casa, protegendo-se a si e aos seus.

17. O arguido levou a arma identificada em 3. dos factos considerados provados para a sua casa devido às ameaças da família V... .

18. O arguido encontra-se arrependido por ter praticado os factos que lhe foram imputados nos presentes autos.


*

Convicção do Tribunal

Para formar a sua convicção acerca dos factos considerados provados, o Tribunal Coletivo atendeu a toda a prova produzida em audiência de julgamento, a cuja análise crítica e conjugada procedeu.

Em todo o caso, importa salientar desde já que as alegações constantes da decisão instrutória, do pedido de indemnização civil e da contestação que não se encontram incluídas no elenco dos factos considerados provados nem no elenco dos factos considerados não provados contêm apenas matéria de direito, alusões genéricas e de natureza conclusiva ou factos irrelevantes para a decisão a proferir.

De todo o modo, cumpre começar por referir que, em sede de audiência de julgamento, o arguido prestou declarações, tendo admitido parte dos factos que lhe foram imputados.

Com efeito, o arguido confessou ter efetuado o disparo que atingiu o assistente B... , negando, no entanto, saber que o mesmo é militar da GNR e que entrou na sua casa de habitação no exercício das suas funções profissionais.

Na verdade, o arguido alegou encontrar-se convencido de que, na data em que ocorreram os factos, as pessoas que entraram na sua residência pertenciam a uma família de apelido V... que se encontrava incompatibilizada com o seu sobrinho H... , por este não ter respeitado o luto exigido por morte da sua companheira, também ela pertencente à mesma família.

Assim, por entender que, sendo tio do mencionado H... , que se encontrava evadido do estabelecimento prisional onde cumpria uma pena de prisão, também o próprio arguido e a sua família estariam abrangidos por ameaças que, anteriormente, teriam sido efetuadas pela citada família V... , afirmou o arguido ter disparado a arma que tinha em seu poder apenas para se defender de agressões que supôs que os membros dessa família iriam perpetrar no interior da sua casa de habitação.

Importa, no entanto, salientar desde já que a explicação avançada pelo arguido não só não se mostrou plausível, como foi contrariada pela demais prova produzida em sede de audiência de julgamento.

Efetivamente, as declarações prestadas pelo arguido revelaram-se inconsistentes e incoerentes, não tendo sido corroboradas pelos demais elementos de prova produzidos em sede de audiência de julgamento.

Em primeiro lugar, não deixará de se notar que, apesar de justificar a sua atuação com base na alegação de que se encontrava convencido de que as pessoas que se introduziram na sua residência pertenciam à família V... e iriam concretizar as ameaças efetuadas por causa da atuação do seu sobrinho H... , o arguido referiu também que nada tinha a ver com esse seu sobrinho e que o mesmo se tinha refugiado numa outra casa afastada daquela onde reside o próprio arguido com a sua família.

Aliás, mesmo depois de ter sido confrontado com a planta junta aos autos a fls. 221, da qual resulta que o local onde o sobrinho do arguido se encontrava quando foi recapturado pela GNR corresponde à parte traseira da casa de habitação do próprio arguido, este último continuou a negar que o seu sobrinho tenha permanecido junto da sua residência durante o período em que esteve evadido.

De facto, foi notória a preocupação do arguido, no decurso das declarações que prestou em audiência de julgamento, em negar factos que pudessem ser-lhe desfavoráveis, nomeadamente no que respeita à possibilidade de ter prestado auxílio ao sobrinho que se encontrava evadido e à circunstância de saber que disparou contra um agente de autoridade.

Contudo, ao negar essa proximidade relativamente ao sobrinho a que aludiu, o próprio arguido revelou a inverosimilhança da explicação por si apresentada, na medida em que, nesse caso, não é plausível que pudesse sentir medo em consequência de ameaças efetuadas por pessoas que se encontravam incompatibilizadas com o sobrinho, e não com o próprio arguido que, segundo afirmou, não teria ajudado o mesmo a esconder-se próximo da sua residência.

De igual forma, apesar de alegar que não ouve bem, o arguido afirmou, em sede de audiência de julgamento, que se encontrava a dormir, no seu quarto, quando ouviu um estrondo e os gritos da sua companheira, que estaria a ser agredida pelas pessoas que entraram na sua habitação.

Como é bom de ver, não é credível que o arguido conseguisse ouvir os gritos da sua companheira e não lograsse ouvir também a voz dos militares da GNR que, ao entrar na sua residência, identificaram a força policial a que pertencem, já que, como decorre das regras da experiência comum, na generalidade dos casos as pessoas do sexo masculino têm tons de voz mais facilmente audíveis do que as pessoas do sexo feminino.

Mas, para além das incoerências mencionadas, não deixará de se acrescentar ainda que, segundo o arguido, a sua companheira teria saído do quarto onde ambos dormiam ainda antes de o arguido ter saído, tanto mais que, como afirmou em audiência de julgamento, o arguido, assim que chegou à porta do seu quarto, teria visto algumas pessoas a agredir a sua companheira.

No entanto, a este propósito, a própria companheira do arguido, inquirida em audiência de julgamento, afirmou que, no momento em que o arguido disparou, ainda se encontrava no interior do quarto de ambos e que as agressões de que alega ter sido vítima teriam ocorrido já em momento posterior ao do disparo efetuado pelo arguido.

Do mesmo modo, quando foi questionado acerca da data em que terá levado a arma apreendida nos presentes autos para o interior da sua habitação, o arguido afirmou que o fez apenas alguns dias antes da data em que os factos ocorreram.

Mais uma vez, inquirida a esse propósito, a companheira do arguido esclareceu que o mesmo já tinha a referida arma em casa há muito tempo, desde a altura em que a mãe do arguido tinha estado doente.

Nestes termos, não poderia o Tribunal Coletivo atribuir qualquer credibilidade às declarações prestadas, em sede de audiência de julgamento, pelo arguido.

Pelo contrário, quer as declarações prestadas pelo assistente B... , quer os depoimentos das testemunhas C... , D... , E... , F... e G... , todos eles militares da GNR, revelaram coerência e sinceridade, motivo pelo qual lhes foi concedida credibilidade.

Efetivamente, tanto o assistente como as testemunhas citadas descreveram, em moldes coincidentes entre si, os factos que se encontram em apreciação no âmbito dos presentes autos, pronunciando-se apenas sobre os factos de que tiveram conhecimento direto e admitindo desconhecer alguns dos factos sobre os quais foram questionados e que poderiam não ser favoráveis ao arguido.

Por essa razão, considera o Tribunal Coletivo que as declarações e depoimentos mencionados revelaram a objetividade, segurança e isenção necessárias para que lhes fosse atribuída relevância probatória.

Com efeito, tanto o assistente, como as testemunhas a que se aludiu esclareceram as circunstâncias em que foi efetuada a intervenção policial que teve lugar na residência do arguido, bem como o motivo que a determinou.

Aliás, a documentação remetida a fls. 421 a 426 dos autos confirma que, de facto, tinha sido emitido, pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, um mandado de detenção referente ao condenado H... , em virtude de este não se ter apresentado no estabelecimento prisional, na sequência de uma saída precária prolongada que lhe tinha sido concedida.

No que concerne às concretas circunstâncias de tempo em que ocorreram os factos, assumiram relevo, por um lado, as declarações prestadas pelo assistente, que confirmou que os factos foram praticados no dia 20 de Maio de 2016, tendo a intervenção policial em causa tido início por volta das 07h00, o que é confirmado também através da análise dos dados mencionados a esse propósito no auto de notícia elaborado a fls. 4 e 5.

Por outro lado, o relatório do episódio de urgência que se encontra junto aos autos a fls. 10 revela que o assistente deu entrada no Centro Hospitalar da (...) quando eram 07h14.

Ora, conforme foi esclarecido pelo próprio assistente em audiência de julgamento, entre o momento em que ocorreu a entrada na habitação do arguido e o momento em que este efetuou o disparo terão decorrido apenas quatro ou cinco segundos, sendo certo que, imediatamente após o disparo, os seus colegas providenciaram logo pelo transporte do assistente até à referida instituição hospitalar.

Assim, tendo em conta a curta distância entre o local onde ocorreram os factos e o Centro Hospitalar da (...) , bem como a prontidão com que foi efetuado o transporte do ofendido depois de ter sido atingido, dúvidas não restam de que os factos tiveram lugar por volta das 07h00.

Também o facto de os militares da GNR a que se aludiu envergarem a farda própria da equipa de intervenção e as concretas características da mesma foram confirmados quer pelo assistente, quer pela testemunha D... .

Aliás, o assistente confirmou que a farda em causa corresponde à que é visível na fotografia junta a fls. 7 dos autos, através da qual podem ser observadas as características da mencionada farda.

O facto de todos os militares da GNR que entraram na casa de habitação do arguido terem gritado, de forma repetida, o nome da força policial a que pertencem foi confirmado, em moldes coincidentes entre si, pelo assistente e pelas testemunhas C... , D... , E... e F... .

Inclusivamente, apesar de ter permanecido sempre na casa de habitação contígua à do arguido, a testemunha F... garantiu ao Tribunal que, nesse local, era audível a voz dos seus colegas que entraram na habitação do arguido a identificar a força policial a que pertencem.

Já no que respeita às concretas circunstâncias em que o arguido efetuou o disparo que atingiu o assistente assumiram relevo as declarações por este prestadas em audiência de julgamento e os depoimentos das testemunhas C... e E... , que, nesse momento, se encontravam junto do assistente.

Efetivamente, tanto o assistente, como as duas testemunhas agora citadas descreveram tais factos de forma pormenorizada e coincidente, referindo que, apesar de o primeiro ter repetido mais uma vez que se encontrava no local a GNR e ordenado ao arguido que largasse a arma, este, empunhando a mesma à altura da cintura, disparou logo de seguida, a uma distância de cerca de dois metros do assistente, após o que o próprio assistente conseguiu ainda avançar na direção do arguido e imobilizá-lo, tendo ambos caído no chão.

Em face da congruência verificada e da credibilidade merecida pelo assistente e pelas testemunhas a que se aludiu, não subsistem quaisquer dúvidas a respeito dos factos agora mencionados.

Aliás, o próprio relatório pericial que se encontra junto a fls. 335 a 346 corrobora as declarações e depoimentos prestados na parte relativa à distância a que foi efetuado o disparo.

Na verdade, decorre do teor do mencionado relatório pericial que, no colete de proteção balística envergado, na altura, pelo assistente, ficaram alojados duzentos e três fragmentos de chumbo, acrescentando-se ainda que “a perfuração observada no colete é compatível com um disparo de arma de fogo, do tipo espingarda caçadeira, à distância de dois (2) metros”.

De facto, como é sabido, o disparo de uma munição de chumbo efetuado com recurso a uma arma caçadeira provoca o imediato desmantelamento dessa munição e a dispersão dos fragmentos que a compõem, sendo certo que tal dispersão tem início logo após a saída da munição da boca do cano da arma.

Assim, dúvidas não restam de que, tendo ficado alojados, numa área muito reduzida do colete que o assistente envergava, um número elevado de fragmentos de chumbo, o disparo foi efetuado a uma distância muito curta, pois, se assim não fosse, tais fragmentos já estariam muito mais afastados uns dos outros no momento em que atingissem o alvo.

Com efeito, resulta do teor do relatório pericial elaborado a fls. 335 a 346 que o colete de proteção balística utilizado pelo assistente apresentava um orifício com as dimensões aproximadas de 20,32x11,90 mm, onde eram visíveis os fragmentos de chumbo a que se aludiu.

Para além disso, as regras da experiência comum revelam também que o disparo, com uma caçadeira, de uma munição de chumbo que atinja a zona do peito de outra pessoa é suscetível de lhe provocar a morte, sendo certo que, no caso em apreço, tal resultado apenas foi evitado devido à proteção inerente à utilização de um colete de proteção balística.

De facto, é sabido que na cavidade torácica se encontram alojados diversos órgãos vitais e, portanto, imprescindíveis para a sobrevivência do ser humano.

Aliás, a violência do impacto provocado pelo disparo a que se tem vindo a aludir é revelada não só pelo já mencionado número de fragmentos de chumbo detetados no colete de proteção balística, mas também através da circunstância de o próprio colete, apesar das suas características, ter sido perfurado e não ter sido suficiente para evitar a produção de um ferimento que, como foi afirmado pelo assistente em audiência de julgamento, começou imediatamente a sangrar.

De facto, a fotografia que se encontra junta a fls. 27 dos autos revela claramente a dimensão do impacto provocado pelo disparo da munição que se encontrava colocada na caçadeira detida pelo arguido.

Nestes termos, conjugando todos os elementos de prova mencionados, não subsistem quaisquer dúvidas a respeito dos factos que se encontram descritos sob os números 1. a 5. do elenco dos factos considerados provados.

Não deixará de se salientar desde já que tanto o arguido, como as testemunhas Q... , S... e T... , que se encontravam na residência do arguido no momento em que ocorreram os factos, afirmaram em audiência de julgamento que nenhum dos militares da GNR que intervieram na diligência a que se tem vindo a aludir se identificou como pertencendo a essa força policial.

Tais depoimentos, contudo, afiguraram-se condicionados pela necessidade de as testemunhas citadas, todas elas familiares do arguido, defenderem a posição processual do mesmo, tentando, de alguma forma, atenuar a relevância e gravidade dos factos.

Na verdade, tais depoimentos não poderão deixar de se considerar inverosímeis, na medida em que não se mostra plausível que militares de uma força policial aos quais é atribuída a função de entrar em residências onde é expectável que seja localizado um cidadão que se encontra evadido de um estabelecimento prisional pudessem atuar sem anunciar, em moldes inequívocos, a qualidade em que atuam, assim colocando em causa a sua própria segurança.

No caso em apreço, tal inverosimilhança é ainda mais manifesta se se atender à circunstância de os militares em causa pertencerem a uma equipa de intervenção à qual, como é sabido, são ministrados formação e treino específicos quer quanto às regras de segurança a observar, quer quanto aos demais procedimentos a adotar em circunstâncias que, por norma, serão adversas.

Deste modo, não poderia o Tribunal Coletivo atribuir qualquer credibilidade aos depoimentos testemunhais a que se aludiu, em detrimento dos depoimentos prestados pelos militares da GNR atrás identificados.

O facto de o arguido não ser, à data da prática dos factos, titular de qualquer licença de uso e porte de arma foi pelo mesmo admitido em sede de audiência de julgamento, apesar de ter começado por alegar que tal licença lhe tinha sido concedida, mas que já tinha caducado.

De todo o modo, as informações prestadas pela PSP a fls. 136 e 428 confirmam que o arguido não é titular de qualquer licença que lhe permita ter em seu poder armas de fogo, sendo certo ainda que não se encontra registada em seu nome qualquer arma de fogo.

Já as concretas características da arma utilizada pelo arguido resultam do teor do relatório pericial elaborado a fls. 335 a 346.

Por outro lado, a assistência médica prestada ao assistente imediatamente após o momento em que ocorreram os factos está documentada a fls. 10, 11 e 276 a 278, enquanto a cicatriz pelo mesmo apresentada e o período necessário para a cura da lesão provocada constam do relatório da perícia de avaliação do dano corporal junto aos autos a fls. 251 a 253.

Assim, em face do teor dos documentos a que se aludiu e dos relatórios periciais mencionados, não poderiam deixar de se considerar demonstrados os factos a que se reportam os números 6. a 9. do elenco dos factos provados.

O arguido alegou, em sede de audiência de julgamento, que desconhecia a circunstância de o ofendido ser militar da GNR e que não atuou com intenção de o matar.

Acontece, porém, que a demais prova produzida em audiência de julgamento, à qual já foi feita referência, infirma, sem qualquer margem para dúvida, as declarações prestadas pelo arguido.

Desde logo, é do conhecimento do comum dos cidadãos a perigosidade associada ao manuseamento e utilização de qualquer arma de fogo, entre as quais se encontra a caçadeira detida pelo arguido.

Aliás, no caso do arguido, que alegou ter sido caçador, tal conhecimento é ainda mais evidente e consistente do que no caso de pessoas que nunca tenham disparado e utilizado qualquer arma de fogo.

Por outro lado, resulta do que foi já mencionado que o disparo que atingiu o assistente foi efetuado pelo arguido a uma distância muito curta, o que significa que era quase nula a possibilidade de a munição disparada não atingir o corpo do assistente.

Acresce ainda que a área corporal atingida corresponde à parte exterior da cavidade torácica onde, como é do conhecimento da generalidade das pessoas, estão alojados diversos órgãos vitais.

Nestes termos, é manifesto que qualquer pessoa que, como o arguido, dispare uma arma caçadeira na direção de outra, a uma distância de cerca de dois metros, apenas pode pretender matá-la, pois, se não for esse o seu propósito, ou não dispara, ou dispara para cima com a arma numa posição vertical ou, se pretender atingir o alvo sem lhe provocar a morte, direciona a arma para outra área corporal, nomeadamente os pés ou as pernas.

Também o facto de o arguido se ter apercebido, imediatamente, de que o assistente é militar da GNR, apesar de ter sido pelo mesmo negado, resultou, de forma inequívoca, da prova produzida em sede de audiência de julgamento.

Em primeiro lugar, decorreu das declarações prestadas pelo assistente e dos depoimentos testemunhais atrás indicados que todos os militares da GNR que entraram na residência do arguido gritaram o nome da força policial a que pertencem, como, aliás, o impõem as mais elementares regras de segurança em circunstâncias idênticas.

Para além disso, imediatamente antes de ter disparado a arma que tinha em seu poder, o arguido não pode ter deixado de ouvir o assistente, que se encontrava a cerca de dois metros de distância, a gritar mais uma vez “GNR” e a ordenar-lhe que largasse a arma, como foi referido pelo assistente e pelas testemunhas C... e E... .

Aliás, admitindo o arguido que, quando ainda se encontrava no quarto, ouviu a sua companheira, que estaria já na cozinha da residência, a gritar, é manifestamente inverosímil que não conseguisse ouvir o assistente, cujo tom de voz, como se constatou em audiência de julgamento, é muito mais facilmente audível do que o da companheira do arguido.

Mas, para além disso, a própria farda envergada pelos militares da GNR que se dirigiram à residência do arguido permite a qualquer pessoa identificá-los com a força policial a que pertencem.

Na verdade, a fotografia atrás mencionada é bastante esclarecedora, tanto mais que, no caso em apreço, os mesmos militares utilizavam ainda um capacete de proteção balística.

Como é bom de ver, esse pormenor, por si só, sempre seria suficiente para que o arguido excluísse a possibilidade de as pessoas em causa serem assaltantes ou os elementos da família que, segundo o arguido, pretenderia fazer-lhe mal.

Inclusivamente, a inconsistência das declarações prestadas a esse respeito pelo arguido decorre também do facto de ter repetido, insistentemente, que as pessoas que entraram na sua residência estavam vestidas de preto e tinham a cara tapada, mas não ter logrado concretizar qualquer peça de roupa ou apetrecho que tais pessoas trouxessem vestido ou colocado na cabeça.

Ainda assim, poder-se-ia questionar se, em face das condições de luminosidade verificadas na altura, seria possível ao arguido e às demais pessoas residentes na sua habitação, visualizar a farda dos militares da GNR que aí se dirigiram.

A este propósito, verifica-se que a testemunha T... afirmou, em sede de audiência de julgamento, que no interior da residência ainda estava escuro e que não se via nada.

Para além de, como já foi dito, o depoimento prestado pela testemunha citada não se revelar merecedor de qualquer credibilidade, o mesmo foi infirmado pelos militares da GNR inquiridos na qualidade de assistente e de testemunhas.

Na verdade, tanto as declarações prestadas pelo assistente, como os depoimentos dos militares da GNR inquiridos como testemunhas se revelaram inequívocos ao referirem que quando entraram na casa de habitação do arguido já era de dia e que a porta da residência estava aberta, o que permitia a quem estivesse no interior observar claramente a farda que os militares da GNR envergavam e as letras constantes da parte da frente e da parte de trás da mesma.

Inclusivamente, a testemunha E... acrescentou ainda que a porta da casa de habitação do arguido está virada para Nascente, o que permitia uma boa visibilidade no interior da mesma.

Por outro lado, também as regras da experiência comum revelam que, no mês de Maio, por volta das 07h00 já é de dia.

Acresce ainda que, como decorre da consulta do registo efetuado pelo Observatório Astronómico de Lisboa[1], no dia 20 de Maio de 2016, na área territorial onde ocorreram os factos, o sol nasceu pelas 06h15, ou seja, muito antes do momento em que ocorreram os factos, o que afasta terminantemente a possibilidade de a farda envergada pelos militares da GNR não ser visível para quem se encontrasse no interior da residência do arguido.

De facto, as fotografias juntas a fls. 217 a 220 dos autos revelam claramente que, durante o dia, com a porta aberta, o interior da residência do arguido fica completamente iluminado pela luz natural.

Assim, dúvidas não restam de que o arguido, nas concretas circunstâncias mencionadas, não pode ter deixado de se aperceber, de imediato, de que se encontrava em curso uma intervenção policial no interior da sua residência.

Aliás, também os factos ocorridos imediatamente após o disparo a que se aludiu revelam que, contrariamente ao que foi afirmado pelo arguido, o mesmo não desconhecia a qualidade de militares da GNR do assistente e demais testemunhas que entraram na sua residência.

Na verdade, as testemunhas C... e E... esclareceram que, em face da necessidade de se providenciar pela prestação de cuidados de saúde ao assistente, foram as próprias testemunhas que executaram a detenção do arguido.

Acontece que ambas as testemunhas foram unânimes ao assegurar que o arguido nunca alterou o seu comportamento agressivo, mantendo sempre uma postura de resistência, tentando dificultar a concretização da detenção.

Ora, se o arguido, como alegou, não se tivesse apercebido imediatamente da qualidade de militares da GNR das pessoas que entraram na sua residência, seria expectável que, em momento posterior, pelo menos quando foi algemado, tivesse alterado o seu comportamento em virtude de, pelo menos nesse momento, ser inequívoco que se travara de uma operação policial.

Contudo, nem nesse momento o arguido manifestou passividade e aceitação da atuação policial que estava a ser executada.

É certo que o arguido declarou ter desmaiado a certa altura e recuperado os sentidos apenas quando já se encontrava no interior do jipe da GNR.

Acontece, porém, que as testemunhas atrás citadas garantiram ao Tribunal Coletivo não se ter apercebido de o arguido, nalgum momento, ter perdido os sentidos, o que, mais uma vez, infirma o teor das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento.

Para além disso, dir-se-á ainda que o facto de o arguido não ignorar que junto da sua residência pernoitava o seu sobrinho H... , que se encontrava evadido do estabelecimento prisional, por si só faria já antever a possibilidade de, mais tarde ou mais cedo, o local vir a ser objeto de uma intervenção policial, já que, como não poderia deixar de ser, as autoridades competentes providenciariam, necessariamente, pela realização das diligências tendentes à captura do mesmo.

Por último, como já foi referido, apesar de ter começado por declarar que é titular de licença de uso e porte de arma, o arguido acabou depois por admitir que a mesma já estaria caducada.

Nestes termos, apreciando os factos praticados pelo arguido à luz das regras da experiência comum, nos moldes indicados, não poderiam deixar de se considerar provados os factos elencados em 10. a 15. dos factos provados.

Relativamente aos danos sofridos pelo assistente em consequência dos factos praticados pelo arguido, nos termos concretizados em 16. a 22., assumiram relevo, em primeiro lugar, as declarações prestadas pelo próprio assistente.

Na verdade, o assistente confirmou que, para além das fortes dores que sentiu em face do impacto do projétil disparado pelo arguido, sentiu também considerável abalo psicológico que chegou a traduzir-se em pesadelos e outras perturbações do sono.

Para além da credibilidade das declarações prestadas pelo assistente, não deixará de se acrescentar que todos os danos invocados configuram, em face das regras da experiência comum, consequência adequada de factos semelhantes aos que se encontram em apreciação nos presentes autos.

Desde logo, apesar de decorrer do teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal junto aos autos a fls. 251 a 253 que a sequela observada pelo Senhor perito médico corresponde apenas a uma cicatriz de muito reduzida dimensão, o certo é que a fotografia de fls. 27 revela, claramente, que a lesão provocada revestia dimensão considerável, o que confirma que, numa fase inicial, não pode ter deixado de causar fortes dores.

Do mesmo modo, é patente que, exercendo o assistente as funções de militar da GNR que integra uma equipa especial de intervenção, estará permanentemente sujeito à possibilidade de ter que intervir em operações de natureza idêntica à daquela que se encontra em causa nestes autos, o que, como é bom de ver, é suscetível de provocar níveis elevados de ansiedade e nervosismo.

Para além do mais, também as testemunhas I... , J... e L... , que revelaram privar regularmente com o assistente, confirmaram ter-se apercebido de que, após a data em que ocorreram os factos, o mesmo passou a revelar-se uma pessoa mais fechada e reservada.

Assim, tendo em conta, em especial, as declarações prestadas pelo assistente, as quais foram corroboradas pelas testemunhas citadas, foram considerados provados os factos a que se aludiu.

Relativamente à hora de entrada do ofendido no Centro Hospitalar da (...) , o Tribunal Coletivo atendeu ao teor dos elementos clínicos juntos aos autos a fls. 10 e 276 a 278.

Os factos descritos sob os números 24. e 25. do elenco dos factos considerados provados foram alegados pelo arguido em sede de contestação, não tendo sido produzida qualquer prova que os infirmasse.

Para além disso, sempre se dirá que se mostra plausível que o arguido estivesse a dormir, tendo em conta a hora a que os factos ocorreram.

Por outro lado, os militares da GNR inquiridos em audiência de julgamento esclareceram que a iluminação da residência era assegurada apenas, no momento em que ocorreram os factos, pela luz natural, sendo certo que, para além disso, o assistente mencionou ainda a lanterna de que se fazia acompanhar.

Já os factos a que se reportam os números 26. e 27. do elenco dos factos considerados provados foram confirmados pelos militares da GNR atrás identificados, razão pela qual não subsistem quaisquer dúvidas a respeito dos mesmos.

O facto de a arma utilizada pelo arguido ter pertencido ao seu pai encontra-se documentado a fls. 136. Efetivamente, resulta do teor da informação prestada pela PSP que a citada arma esteve registada em nome do pai do arguido.

Para além disso, o próprio arguido admitiu que, em data anterior àquela em que ocorreram os factos, decidiu levar a referida arma para sua casa, sendo certo que a circunstância de a mesma ter sido utilizada na ocasião em apreço e apreendida à ordem dos presentes autos confirma esse facto.

Assim, não poderiam deixar de se considerar demonstrados os factos elencados sob os números 28. e 29.

Por seu turno, o facto de o arguido ser tido por pessoa calma, educada, respeitadora e pacífica foi confirmado pelas testemunhas M... , N... , O... e P... que, em sede de audiência de julgamento, revelaram conhecer o arguido.

No que diz respeito aos factos relativos às condições pessoais, económicas e sociais do arguido, o Tribunal Coletivo atendeu ao teor do relatório social elaborado a fls. 804 e 805.

Por fim, a demonstração da ausência de antecedentes criminais por parte do arguido resultou da análise do teor do CRC junto aos autos a fls. 723.

A decisão proferida acerca dos factos considerados não provados resultou da circunstância de não ter sido produzida qualquer prova que fundamentasse a formulação do necessário juízo de certeza a respeito dos mesmos.

Desde logo, o próprio assistente, apesar de afirmar que teve a impressão de que o arguido iria efetuar um segundo disparo, esclareceu que tal impressão consubstanciou uma mera intuição, não tendo resultado da execução de qualquer movimento, por parte do arguido, que permitisse fundamentar essa suspeita.

Nestes termos, não tendo sido produzida qualquer outra prova que confirmasse esse facto, não poderia o Tribunal Coletivo deixar de considerar não provado que o arguido se preparasse para efetuar um segundo disparo quando foi imobilizado pelo assistente (cf. factos descritos em 1. e 2. do elenco dos factos considerados não provados).

Por seu turno, os factos a que se reportam os números 3. a 17. do elenco dos factos não provados são incompatíveis com os factos considerados provados, motivo pelo qual não poderia o Tribunal Coletivo deixar de os integrar no elenco dos factos não provados.

Na verdade, decorre do que já foi mencionado que a prova produzida em audiência de julgamento, nos termos atrás indicados, demonstrou não só que o arguido atuou com a intenção de matar o assistente, mas também que se apercebeu de que o mesmo era militar da GNR.

Por outro lado, não deixará de se notar também que nem as declarações prestadas pelo arguido, nem os depoimentos das testemunhas por si arroladas se mostraram consistentes quanto às ameaças que foram invocadas.

Efetivamente, resultou dos referidos depoimentos e declarações que o sobrinho do arguido mantém um conflito com a família da sua anterior companheira e que, nesse contexto, terão sido efetuadas ameaças.

A este propósito, verifica-se que, de facto, a fls. 348 dos autos foi junta a cópia de um auto de ocorrência do qual resulta que, efetivamente, no dia 9 de Maio de 2016, foi comunicada à GNR, pela testemunha R... , a existência de ameaças efetuadas por indivíduos residentes em Três Povos.

No entanto, ainda que se admita a existência do mencionado conflito e de eventuais ameaças que possam ter sido efetuadas, ficou por demonstrar que as mesmas tenham sido dirigidas ao arguido.

De facto, o próprio arguido não logrou descrever quaisquer circunstâncias concretas em que as invocadas ameaças lhe tenham sido dirigidas.

Por seu turno, a testemunha Q... esclareceu que as referidas ameaças seriam dirigidas ao seu irmão H... .

Já as testemunhas H... e U... afirmaram que quase todos os elementos da família foram ameaçados, embora as testemunhas desconheçam se o arguido também o foi.

Por último, a testemunha S... , companheira do arguido, referiu que não existiu qualquer ameaça que lhe tivesse sido dirigida a si ou ao arguido, acrescentando que as ameaças em causa eram dirigidas aos seus sobrinhos.

Deste modo, não poderia o Tribunal Coletivo deixar de considerar não provado que o arguido tenha suposto que estava a ser agredido por membros da mencionada família V... e atuado com o propósito de se defender a si e à sua família.

No que diz respeito à alegação efetuada pelo arguido, no sentido de ainda estar escuro no momento em que ocorreram os factos, apenas se reitera o que atrás foi mencionado a propósito da hora indicada pelo Observatório Astronómico de Lisboa para o nascer do sol na data indicada nos autos.

Quanto à farda envergada pelos militares da GNR identificados nos autos decorre do que já foi mencionado que a mesma é de cor azul escura, e não preta, como é alegado pelo arguido em sede de contestação.

De igual forma, não só o teor do relatório pericial elaborado a fls. 335 a 346, mas também a própria circunstância de a arma detida pelo arguido ter, efetivamente, efetuado um disparo que atingiu o assistente infirmam a alegação do arguido, no sentido de a mesma não se encontrar apta a disparar corretamente.

É certo que “do exame pericial realizado à presente espingarda caçadeira foi observado que apresentava a superfície da sua coronha quebrada junto à caixa de mecanismos (à esquerda e à direita) e com parte ausente, apresentando também o percutor correspondente ao cano superior quebrado e com parte ausente, não sendo assim possível realizar disparos neste cano” (cf. fls. 337).

Contudo, o relatório pericial a que se tem vindo a aludir é inequívoco quando esclarece que a referida arma “se encontra em condições de realizar deflagrações no cano interior, sem qualquer deficiência assinalável”.

Nestes termos, por terem sido infirmados, nos moldes já indicados, pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, não poderiam deixar de se considerar não provados os factos descritos em 3. a 17. do elenco dos factos não provados.

Por último, cumpre ainda acrescentar que, apesar de ter repetido por diversas vezes, em sede de audiência de julgamento, que se encontra arrependido, o arguido não logrou demonstrar qualquer arrependimento sincero.

De facto, tal arrependimento pressuporia o reconhecimento dos factos por si praticados, bem como da gravidade e censurabilidade dos mesmos.

Ao invés, apesar de, como decorre do que já foi mencionado, se verificar que o arguido disparou propositadamente contra o assistente, sabendo que este é militar da GNR e que se encontrava no exercício das suas funções, o arguido negou reiteradamente essa intenção e esse conhecimento.

Por essa razão, não poderia o Tribunal Coletivo deixar de concluir que o arguido não manifesta qualquer arrependimento sincero, antes persistindo na sua atitude de desculpabilização dos factos e de desvalorização da gravidade dos mesmos.

Assim, ficou também por demonstrar o facto indicado em 18. do elenco dos factos considerados não provados.

3. Apreciação

§1. Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação [artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP]

 Nos pontos 1 a 11 das conclusões invoca o recorrente enfermar o acórdão de nulidade decorrente da falta de fundamentação nos termos do n.º 2 do artigo 374.º do CPP – cf. artigo 379.º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma.

Sobre a fundamentação das decisões dos tribunais, constitucionalmente garantida [artigo 205.º, nº 1 da CRP] e com expressão em diversas normas do CPP [artigos 97.º, nº 5, 374.º, nº 2, 379.º, n.º 1, alínea a)], é pacífico na doutrina e jurisprudência o reconhecimento de duas funções subjacentes: uma de índole endoprocessual, impondo ao julgador a verificação e controle crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso «pleno» da decisão e possibilitando ao tribunal de recurso um juízo suficientemente seguro de concordância ou divergência; outra de índole extraprocessual cujo objetivo é o de tornar possível o controle externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão. É este o sentido das palavras do Tribunal Constitucional quando, no acórdão 281/2005 [DR, II Série, de 06.07.2005], refere: «… apesar do dever de fundamentação das decisões judiciais poder assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, o seu cumprimento só será efetivamente logrado quando permitir revelar às partes – e, bem assim, à comunidade globalmente considerada – o conhecimento das razões “justificativas” e “justificantes” que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, revelar uma “sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade” sustentada na exteriorização do(s) critério(s) normativo(s) que presidem à sua resolução e do seu respetivo juízo de valoração de modo a comunicar, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido», posição, como decorre de inúmeros arestos, sustentada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – [cf. v.g. os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. 05P058), 16.03.2005 (proc. 05P662), 06.12.2006 (proc. 06P3520), 11.10.2007 (proc. 07P3240)].

Ora, o acórdão em questão, debruçando-se sobre os aspetos essenciais, em momento algum, depois de elencar os factos provados e não provados, deixou de convocar os meios de prova – pessoais, documentais, periciais – em que o Coletivo estribou a sua convicção, cuidando, em simultâneo, de explicitar as razões que o levaram a atribuir credibilidade a determinadas testemunhas, em detrimento de outras cujo depoimento, de sentido contrário, até à luz do normal acontecer, se revelaram inverosímeis. Do mesmo passo, deu a conhecer «os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção … se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência» - [cf. Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, p. 229/230].

Assentando em que (i) «O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.º 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige (…) a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência»; (ii) Não decorre da lei que a fundamentação se tenha de debruçar sobre cada facto de per si considerado, tão pouco que seja de descrever o conteúdo das provas utilizadas na formação da convicção – [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, UCE, pág. 968]; (iii) O tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, bastando que essa opção seja explicitada e convincente, por um lado, não se lhe encontrando vedado aceitar ou recusar apenas em parte um depoimento, exigindo-se-lhe, antes, que decante (…), em cada um, o que lhe merece ou deixa de merecer crédito – [cf. Enrico Altavilla, in Psicologia Judiciária, vol. II, pág. 12: “O interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do juiz que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar como verdadeira, certas partes e negar crédito a outras”], é de concluir, sem o mínimo de reserva, cumprir o acórdão de forma perfeitamente inteligível as diferentes exigências ditadas pelo dever constitucional de fundamentação.

Não ocorre, pois, a arguida nulidade.

§2. Da impugnação da matéria de facto

 O dissídio, manifestado pelo recorrente, com a matéria de facto tida por assente no acórdão, encontra concretização em duas vias que, tendo em comum o propósito de desencadear a respetiva sindicância, não se confundem, quais sejam: a dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP e a do erro de julgamento, esta subordinada às exigências normativas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do mesmo diploma.

Com efeito, enquanto por intermédio da primeira o tribunal de recurso, atendendo tão só ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum – sem se socorrer, portanto, de quaisquer elementos à mesma estranhos -, procede ao despiste de eventuais lacunas ou omissões relevantes, de factos entre si ou no confronto com a fundamentação de todo contraditórios ou de juízos manifestamente ilógicos, irrazoáveis a denunciar um erro ostensivo, grosseiro na apreciação da prova e, como tal, a todos os títulos insustentáveis, já na sindicância ampla se impõe ao recorrente que especifique: (i) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, eventualmente, (iii) As provas que devem ser renovadas [destaques nossos], prescrevendo, por seu turno, o n.º 4 [artigo 412.º do CPP] que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

O nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser encarado à luz do entendimento, sistematicamente afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse – [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006, 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª].

Como tal, «A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença», sendo que «A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova» - [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1; no mesmo sentido vide o acórdão do STJ de 18.02.2016, processo n.º 9/13.4PATVR.E1.S1].

Numa situação como esta em que ambas as vias são acionadas, malgrado a ordem pela qual o recorrente as apresenta, é de começar pelo erro de julgamento pois, a ocorrer – sendo certo que na respetiva aferição não se mostra o tribunal de recurso limitado pelo texto da decisão em crise -, pode conduzir à eliminação do vício.

Como assim, debrucemo-nos sobre os pontos 90 a 103 das conclusões, dos quais em síntese, na perspetiva do recorrente, resulta ter errado o tribunal a quo quando: (i) teve como provados os factos 3, 10, 11, 12 e 13; (ii) deu como não provados os factos 2, 4, 7, 8, 9, 13, 15, concluindo nesta sede: «… o Tribunal a quo devia ter dado como provado que:

- Não se via dentro da casa do Arguido, por estar escuro, pelo que não se conseguia ver os dizeres da roupa dos militares da GNR;

- Os militares da GNR não gritaram e não se identificaram como sendo militares da GNR;

- O arguido não fez pontaria antes de disparar;

- O Arguido não continuou a apontar a arma depois de disparar;

- O arguido não sabia que aquele homem era militar da GNR;

- O arguido não pretendia matar o Assistente;

- A arma do Arguido funcionava mal, pelo que, não era capaz de provocar a morte;

- A porta de casa do Arguido estava fechada;

- A arma do arguido não funcionava bem;

- Os militares da GNR estavam vestidos de preto;

- O Arguido está arrependido».

Vejamos de per si os factos. Assim, em relação:

(i) Aos factos inscritos no ponto 3 [factos provados], do seguinte teor: «Quando os elementos da GNR entraram naquela habitação, tendo gritado previamente “GNR, GNR”, o arguido, munido de uma espingarda de caça, apontou-a na direção do peito do cabo B... , que se encontrava a dois metros de distância do arguido, e disparou, atingindo o ofendido no peito».

Coloca o recorrente em crise que a entrada dos elementos da GNR na habitação tenha sido precedida do anúncio - aos gritos - “GNR, GNR”.

Como prova a impor decisão diversa indica as passagens das suas declarações, nas quais nega que tal tenha ocorrido, o mesmo sucedendo com as testemunhas Q... , R... e U... , prova, essa, que, em face do sustentado pelas testemunhas C... , E... , F... e G... , todos militares da GNR, intervenientes na operação e, bem assim, das declarações do assistente, uns e outro explicando, de forma lógica, as razões de segurança que estão na base de semelhante procedimento - posto em prática em todos os casos similares - não tem a virtualidade de provocar qualquer alteração relativamente ao segmento em referência, como ademais, com clareza, bem demonstra o Coletivo na fundamentação da decisão de facto, designadamente quando, colocando em confronto os depoimentos antagónicos, explicita as razões que o conduziram a atribuir credibilidade às declarações dos militares em detrimento das testemunhas, ora convocadas.

Por outro lado, com vista a contrariar o facto de ter apontado a espingarda de caça na direção do peito do cabo B... volta a apelar às suas declarações, nas quais tentou passar a ideia de que se limitou a disparar, sem fazer pontaria, sem qualquer intenção de matar e, outrossim, desconhecendo a qualidade de militar da vítima.

Versão que, pelos motivos suficientemente explanados na fundamentação da convicção, com referência aos meios de prova ali considerados e criticamente apreciados, não logrou convencer o Coletivo, tão pouco – cientes, embora, de uma intervenção de segunda linha, amputada da imediação – este tribunal. Com efeito, o teor do depoimento dos militares da GNR e das declarações do assistente qualquer deles conjugado com o (a) relatório de exame pericial relativo à espingarda caçadeira usada no disparo [quer quanto ao estado de funcionamento da mesma, quer quanto às condições do cartucho carregado]; às características do colete balístico envergado pela vítima [no que respeita à inscrição nas partes frontal e traseira, do destaque em letras brancas e bem visíveis, “GNR”]; à quantidade de fragmentos de chumbo retirados da placa de proteção balística peitoral e do interior do forro da mesma placa; à distância (de dois metros) da vítima em que o disparo foi efetuado, (b) com o relatório de perícia de avaliação do dano corporal, concretamente no que concerne à zona atingida (parte exterior da cavidade torácica), bem ilustrada a fls. 27, (c) com a reportagem fotográfica de fls. 217 e ss. referente à habitação em questão, máxime em relação à luminosidade no seu interior (com especial destaque para as fotos 19 e 20, as quais não suscitam a mínima reserva, uma vez aberta a porta principal, sobre as condições de perfeita visibilidade da porta do quarto do arguido/recorrente para o exterior), contrariam frontalmente a sua versão, não consentindo, muito menos impondo, a preconizada modificação à matéria de facto.

(ii) Aos factos inscritos nos pontos 10 e 11 (factos provados), respetivamente, do seguinte teor: «O arguido agiu consciente e livremente, bem sabendo que a sua conduta era adequada a produzir a morte do ofendido B... e que este era um militar da GNR que se encontrava no exercício das suas funções»; «O arguido pretendia matar o ofendido B... , só não tendo logrado atingir esse resultado por circunstâncias alheias à sua vontade».

Postos em crise em função de haver o Coletivo incorrido em erro no julgamento do ponto 3 dos factos provados [cf. 35 v. da motivação], erro, esse, que conforme acima decidido não se verifica, motivo pelo qual nenhuma alteração, por essa via, é passível de ser produzida nos mesmos. Sempre se acrescentará, contudo, que «O apuramento da intenção do agente, é normalmente uma conclusão que o tribunal pode e deve fazer a partir da avaliação da conduta do arguido, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos a este imputáveis» - [cf. acórdão do TRP de 28.01.1997 (proc. n.º 0001015)], inferindo-se o elemento subjetivo do tipo legal «por presunções naturais, dos factos materiais correspondentes à ação objetivamente considerada» - [cf. acórdão do STJ de 20.04.2016, (proc. n.º 20115.0PDOER.S1].

Pois bem, as circunstâncias da ação, concretamente no que concerne à natureza da arma utilizada (caçadeira), à distância da vítima a que foi efetuado o disparo (dois metros) e, bem assim, à zona visada e atingida (peito) não pode, a nosso ver, deixar margem para dúvida quanto ao ânimo homicida por parte do arguido.

(iii) Aos factos inscritos no ponto 12 e 13 (provados), respetivamente, do seguinte teor: «Bem sabia o arguido que, atentas as caraterísticas da arma de fogo e da munição utilizadas, designadamente o seu calibre e potência, quando são utilizadas contra as pessoas são suscetíveis de causar a morte» e «Sabia ainda o arguido que o modo como utilizou essa arma, atenta a distância a que o arguido se encontrava do ofendido B... quando efetuou o disparo na direção do mesmo, consubstanciava modo adequado para causar a sua morte».

Contrariados – alegação que acaba por se estender aos factos 10 e 11 (provados), os quais já mereceram a atenção deste tribunal – na medida em que nenhuma prova teria sido produzida nesse sentido.

Não é, contudo, o que decorre da fundamentação da convicção, onde com recurso à prova produzida e criticamente valorada, num exercício coerente e lógico, partindo dos atos materiais praticados e das circunstâncias em que o foram o tribunal conclui: «Nestes termos, apreciando os factos praticados pelo arguido à luz das regras da experiência comum, nos moldes indicados, não poderiam deixar de se considerar provados os factos elencados em 10. a 15 dos factos provados». Efetivamente – enfatiza-se - no quadro factual apurado [características da arma utilizada; distância a que foi efetuado o disparo; e zona do corpo visada, sendo que a vítima se encontrava protegida por um colete balístico e daí que as lesões provocadas não hajam ultrapassado as descritas] coisa diferente não seria de esperar.

Não ocorre, assim, fundamento para a preconizada alteração.

(iv) Aos factos inscritos no ponto 2 (factos não provados), do seguinte teor: «Após o disparo, o arguido executou todos os atos tendentes e necessários à realização de um segundo disparo».

Considerando o sentido da impugnação a alusão ao ponto em referência só pode ter ficado a dever-se a lapso do recorrente.

(v) Aos factos inscritos no ponto 4 (factos não provados), do seguinte teor: «O arguido desconhecia que o assistente era militar da GNR».

Vale aqui a apreciação levada a efeito a propósito do ponto 3 dos factos provados, conduzindo a que o ponto em causa permaneça como «não provado».

(vi) Aos factos inscritos no ponto 7 (factos não provados), do seguinte teor: «O arguido não representou, em momento algum, que a pessoa em causa era militar da GNR ou agente de qualquer outra força ou serviço de segurança».

Remete-se, de novo, para a apreciação produzida na análise do ponto 3 dos factos provados, permanecendo inalterado o facto dado como não provado.

(vii) Aos factos inscritos no ponto 8 (factos não provados) do seguinte teor: «No momento em que ocorreram os factos, ainda estava escuro».

As considerações tecidas a propósito do ponto 3 dos factos provados relativas à prova sobre as condições de luminosidade da habitação – concretamente à visibilidade existente do local em que o arguido efetuou o disparo para o lugar onde se mostrava a vítima alvejada - em conjugação com a altura do ano e a hora da intervenção das forças se segurança e, bem assim, com o que infra se dirá relativamente ao ponto 15 (factos não provados), são de manter quanto ao segmento em causa, o qual em consequência não sofre alteração.

(viii) Aos factos inscritos no ponto 9 (factos não provados) do seguinte teor: «Os militares da GNR que se deslocaram à residência do arguido estavam vestidos de preto».

Como prova a impor decisão diversa indica a foto exibida ao assistente (foto 4 a fls. 7) donde resultaria que a farda então envergada pelos militares era azul escura, com o que acaba por corroborar o acerto da decisão enquanto teve por não provado encontrarem-se os mesmos vestidos de preto.

Permanece, assim, inalterado o ponto em questão.

(ix) Aos factos inscritos no ponto 13 (factos não provados), do seguinte teor: «A arma por si detida não estava apta a disparar corretamente».

Contrariado com base no relatório pericial junto aos autos, do qual, contudo, decorre precisamente o contrário: ou seja que a espingarda caçadeira em questão se encontrava «em condições de realizar deflagrações no cano inferior, sem qualquer deficiência assinalável» o mesmo sucedendo com o cartucho carregado que se mostrava «em boas condições de utilização, tendo deflagrado normalmente à primeira percussão» - [cf. relatório de exame pericial de fls. 335 e ss.].

Também aqui não sofre alteração a matéria de facto.

(x) Aos factos inscritos no ponto 15 (factos não provados), do seguinte teor: «Ao ver, no escuro, homens vestidos de negro e com cara tapada, o arguido pensou que estava alguém a invadir a sua casa para lhe fazer mal a si e aos seus familiares».

Como prova a impor decisão diversa indica as declarações do assistente quando referiu «que estava escuro no local dos factos, uma vez que quando a lanterna se desligou deixou de conseguir ver bem a cara do Arguido, apenas conseguindo ver a feição da cara» [cf. ponto 95 das conclusões].

Sucede, porém, que as declarações do assistente vão no sentido de à hora em que se iniciou a intervenção na casa habitada pelo arguido “era dia”, ao abrirem a porta “fica tudo claro lá dentro” [disse], tendo-se, ainda, revelado esclarecedoras quando referiu que independentemente de ser dia ou noite “utilizam sempre a lanterna”, devido aos “pontos mortos”, exigindo o necessário “varrimento”. E quando questionado se o próprio era visível para quem se encontrava no interior da habitação não teve qualquer dúvida em responder em sentido afirmativo. “Os factos” [reportando-se ao disparo] – disse - “aconteceram à porta do quarto para a sala ampla”. “Havia luz”.

Significa, pois, que do contexto global das suas declarações nenhuma dúvida subsiste quanto à visibilidade no interior da habitação, aspeto confirmado pela testemunha C... , militar da GNR, quando referiu: “Já era de dia. Na residência já se conseguia ver perfeitamente. Eram visíveis tudo, crianças, colchões tudo” e, bem assim, pela testemunha E... , militar da GNR com intervenção na operação, ao esclarecer: “Via-se dentro de casa”, “Partes viradas a nascente”; a “Visibilidade era boa”, tudo, aliás, em consonância com o que sem mácula resulta da fundamentação da convicção.

É de manter como não provados os factos constantes do item em causa, sem sustentação credível na prova produzida, revelando-se, também, quanto ao propalado receio [do arguido/recorrente] de que alguém tivesse entrado na habitação para lhe fazer mal realista, conforme às regras da experiência comum, a análise crítica levada a efeito da prova, inclusive na parte em que se debruçou sobre a inverosimilhança do que foi o depoimento das testemunhas de defesa, as quais ainda assim, se revelaram incapazes de concretizar uma ameaça dirigida ao arguido – [cf. o depoimento da testemunha S... , mulher do arguido, quando, reportando-se aos “ V... s”, refere: que saiba não ameaçavam nem a mim, nem ao marido].

Pretende ainda o recorrente que passe a integrar o elenco dos factos provados “que a porta da casa do arguido estava fechada”, circunstância, porém, contrariada sob o ponto 26 [factos provados], o qual não resulta das conclusões expressamente «impugnado».

Contudo, em sede de motivação não deixa de aludir ao ponto 26 dos factos provados o que conjugado com a súmula a que procede sob o n.º 103 das conclusões, torna possível enfrentá-lo.

E se é certo que com vista a alcançar o seu desiderato convoca o depoimento das testemunhas U... e R... [sobrinhos do arguido, mas que na ocasião se encontravam nas suas casas e não na habitação do mesmo] que, neste particular, apenas se reportaram ao modo como se processou a entrada nas suas casas, resulta inequívoco da audição dos registos áudio haver sido tal facto contrariado pelas testemunhas C... , G... – militares da GNR com intervenção na operação - e, bem assim, pelo assistente, não sendo, como tal, também quanto ao dito ponto, por a prova produzida não o impor, de alterar a matéria de facto.

Por fim, com apelo a diversas passagens das suas declarações, insurge-se contra o facto de o Coletivo não ter acolhido “como provado” o seu “arrependimento” – [cf. ponto 18 dos factos não provados].

Não merecendo controvérsia a circunstância do ora recorrente, no decurso da audiência de julgamento, várias vezes se ter declarado arrependido, a verdade é que, como refere o acórdão, fê-lo num contexto de desresponsabilização quanto aos factos relevantes nas suas diferentes dimensões, justificando a sua conduta já em função de, na ocasião, estar escuro; já pelo facto de os militares da GNR em momento algum se terem identificado; já porque os trajes que envergavam impediam o seu reconhecimento; já por via de não ter feito pontaria à vítima, menos ainda à zona do peito; já porque pensou tratarem-se de elementos de uma tal “família V... ” a querer vingança; já pelo facto de não ter agido com intenção de matar, já porque …!

Pergunta-se, então, de que é que o arguido se mostrou arrependido?

Com o devido respeito, não se descortina, sendo naturalmente a declaração nesse sentido de todo insuficiente para acolher como provado o propalado «arrependimento». Na verdade, como dá nota o acórdão do STJ de 16.02.2000 [proc. n.º 99P1189] «O arrependimento é um ato interior que revela uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, nomeadamente, que, perante situação idêntica, não voltará a delinquir. Não permite uma tal prognose favorável e não pode, por isso, ser considerado como verdadeiro arrependimento, a simples declaração do arguido “de que está arrependido”», o mesmo decorrendo do acórdão do Supremo Tribunal de 21.06.2007 [proc. n.º 2042/07-5.ª] na parte em que consigna: «Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, infletir na sua conduta antissocial, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime».


*

Isto dito, analisemos agora os invocados vícios

Da contradição insanável da fundamentação

Vem o vício sustentado na circunstância de o tribunal a quo ter dado como provado no facto 4 que o arguido continuou a apontar a caçadeira na direção do assistente e simultaneamente como não provado [facto 1] que o arguido se preparava para fazer um segundo disparo, pois, na perspetiva do recorrente, tais asserções apresentar-se-iam entre si manifestamente contraditórias.

Contradição, esta, também patente entre o facto provado sob o n.º 27 e o não provado em 11, porquanto – aduz - «não se percebe como se conseguem concatenar estes dois factos, dando-se como provado que o disparo foi feito com a arma ao nível da cintura e, imediatamente a seguir, se dá como não provado que o Arguido não fez pontaria».

Do mesmo modo verificar-se-ia contradição entre os factos provados em 3 e 27, «conquanto se dá como provado que o Arguido fez pontaria ao peito do assistente quando disparava com a arma ao nível da cintura».

Quanto ao mais que nesta sede é objeto de alegação – [cf. pontos 17 a 22 das conclusões] tendo presente respeitar o vício em questão, tal como os demais previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, exclusivamente à decisão de facto, trata-se de matéria que apenas pode ser apreciada no âmbito de um eventual erro de direito.

Pacífico que é poder apenas afirmar-se o dito vício quando, analisada a matéria de facto, se torne evidente ter o tribunal chegado a conclusões irredutíveis entre si que não possam ser ultrapassadas com recurso ao texto da decisão ou às regras da experiência comum, impõe-se reconhecer não assistir razão ao recorrente.

Na verdade, não se vê que contradição – muito menos insanável - possa existir quando se dá por assente [provado] ter o arguido, após o disparo, continuado a apontar a caçadeira na direção do cabo B... e como não provado que o mesmo se preparava para fazer um segundo disparo na direção do ofendido.

Também assim relativamente ao ponto 27 dos factos provados: «O arguido disparou com a arma à altura da cintura» no confronto com o que sob o n.º 11 dos factos não provados se mostra consignado, a saber: «O arguido não fez pontaria na direção do ofendido» - [destaque nosso].

Que contradição? Com o devido respeito não se alcança o mínimo resquício da respetiva verificação.

Incompatibilidade que, igualmente, não ocorre quando no ponto 3 [factos provados] vem assente haver o arguido apontado a espingarda de caça na direção do peito do ofendido e se acolhe sob o ponto 27 [factos provados]: «O arguido disparou com a arma à altura da cintura».

Efetivamente nunca se diz que o disparo tenha sido efetuado numa posição de pura horizontalidade, o que ademais se mostra em consonância – cf. o relatório pericial respeitante ao dano corporal -, com a zona atingida [tórax, zona mamilar direita] e, bem assim, com o relatório do exame pericial de fls. 335 e ss., concretamente no que respeita à zona - região frontal do colete balístico/placa peitoral do mesmo - onde se registou o orifício causado pelo chumbo do carregamento de cartucho de caça proveniente do disparo, relatórios, estes, convocados na fundamentação da convicção.

Concluindo, não enferma o acórdão do vício em questão.

Do erro notório na apreciação da prova

Reserva o recorrente os pontos 24 a 42 das conclusões à demonstração da verificação do vício em referência.

Traduzindo-se o mesmo na formulação de juízos ilógicos, irrazoáveis, arbitrários ou ostensivamente violadores do normal acontecer das coisas da vida, facilmente apreensíveis a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras de experiência comum, encaremos a alegação.

Desconsiderando – cf. n.º 2 do artigo 410.º do CPP - os aspetos que não resultam do texto do acórdão, constata-se vir o erro notório alicerçado, em parte significativa, em pressupostos que não lograram obter resposta satisfatória em sede de impugnação da matéria de facto, tais como a falta de visibilidade no interior da habitação, as características das fardas envergadas pelos militares da GNR intervenientes na operação, a não perceção por parte do recorrente de que se tratavam de elementos das forças de segurança, a ausência de intenção de matar, matéria que em princípio não será retomada.

De novo, com relevância, fica-nos então (i) a impossibilidade de o arguido após ter feito o disparo ainda assim haver continuado a manter a arma apontada na direção da vítima, circunstância que, pese embora o impulso/pressão - “coice” causado pela reação que o projétil, momentaneamente, provoca na arma, não se nos afigura inverosímil, desse modo se justificando o avanço da vítima sobre o arguido com vista a imobilizá-lo – [cf. os factos inscritos em 4 (factos provados)]; (ii) a irrazoabilidade de, disparando com a arma ao nível da cintura, a ter apontado na direção do peito da vítima, aspeto que não se revelando ilógico, encontra toda a sustentação nos relatórios periciais chamados à colação na fundamentação da convicção, concretamente enquanto identificam a zona do corpo atingida [perícia de dano corporal] e a área do colete balístico, envergada pela vítima, onde se deu a perfuração; (iii) a inverosimilhança da hora da ocorrência (07:00h), em função da hora de entrada do ofendido no Hospital da (...) (07:14h), a qual, por via da prova testemunhal criticamente analisada na fundamentação da decisão de facto, conjugada com a data dos acontecimentos e o resultante da pesquisa ao registo efetuado pelo Observatório Astronómico de Lisboa referente à área territorial onde ocorreram os factos [nos termos da própria fundamentação], se mostra para o que se discute nos presentes autos irrelevante. Com efeito, resultaram demonstradas as condições de visibilidade no interior da habitação, sendo que não decorre do texto da decisão recorrida, tão pouco das regras da experiência comum, que um transporte pronto e imediato da vítima ao hospital, atenta a hora do registo de entrada – considerando até o alegado no ponto 33 das conclusões - seja incompatível com a hora da ocorrência.

Por fim, justifica-se regressar à ausência de intenção de matar, para deixar claro não encerrar qualquer contradição, tão pouco a formulação de um juízo ilógico, o facto de se assentar no dolo de homicídio quando resultou demonstrado que o disparo foi desferido pelo arguido com a caçadeira ao nível da cintura, circunstância insuscetível de ser confundida com o direcionamento da mesma ao peito da vítima.

Igualmente destituído de fundamento à configuração do vício a invocada «intenção de fugir à autoridade», a qual em momento algum da decisão é afirmada.

Não ocorre, pois, o invocado vício.

Em síntese, não tendo obtido sucesso a impugnação da matéria de facto, resultando inverificados os arguidos vícios, não transparecendo da decisão omissões relevantes, juízos contraditórios, incompatíveis entre si, irrazoáveis, ilógicos, à revelia das regras da experiência comum, tão pouco que haja ocorrido violação de prova tarifada e/ou valoração de prova proibida, muito menos que o tribunal na dúvida, perante um acervo factual incerto, tenha decidido contra o arguido, tem-se por definitivamente fixados, tal como o foram no acórdão recorrido, os factos.

§3. Da qualificação jurídico-penal do crime de homicídio

Contesta o recorrente a qualificação, à luz do artigo 132.º do C. Penal, do crime de homicídio (tentado), apelando nesse sentido à natureza não automática das diferentes alíneas do n.º 2 do dito preceito, cuja aplicação estaria sempre dependente, conforme decorre do n.º 1, de a morte [verificada ou projetada] ter ocorrido em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, as quais na situação concreta, pese embora o tribunal ter dado como provado o seu conhecimento sobre a qualidade de militar da GNR da vítima, não se verificariam, pois que não se assistiria a uma culpa agravada, tornando-se indispensável para assim concluir demonstrar que o «Arguido, no momento da prática do facto, e não em qualquer outro, podia, tinha capacidade suficiente, de agir de outro modo», aspeto que não decorreria da decisão em crise [cf. pontos 58 a 66 das conclusões].

Vejamos.

Em causa está o funcionamento da circunstância prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal, qual seja a prática do facto contra agente das forças de segurança no exercício das suas funções.

Efetivamente se não oferece dúvida que o artigo 132.º não limita taxativamente os factos que constituem as circunstâncias qualificadoras, também é certo que os padrões de uma acrescida censurabilidade ou perversidade do agente, decorrentes dos exemplos padrão do n.º 2, constituem elementos da culpa e, como tal, não operam automaticamente. Com efeito, vem prevalecendo, quer na doutrina quer na jurisprudência, o entendimento de que qualificação do homicídio opera ao nível da culpa, assentando num tipo de culpa agravado que necessariamente se terá de reconduzir à cláusula geral inserta no n.º1, ou seja à especial perversidade ou censurabilidade do agente.

Nas palavras de Teresa Serra [in “Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena”, Coimbra, 1972, págs. 63 a 65] «(…) a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a conceção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores (…). Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma conceção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente (…). Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exatamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete». Também assim Figueiredo Dias [in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 29, §7] quando refere que à “especial censurabilidade” se pretende imputar «aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial censurabilidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades de personalidade do agente especialmente desvaliosas».

Afigurando-se-nos pacífico que casos há em que se pode verificar qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal e ainda assim não ser de concluir pelas especial censurabilidade ou perversidade do agente, o que importa agora decidir é se se divisam razões que conduzam à qualificação, como ajuizou o Coletivo.

Tem sido entendido que «A comprovação, no facto, de circunstâncias que preenchem um dos exemplos-padrão tem um efeito de indício de especial censurabilidade ou perversidade, efeito de indício esse que, todavia, pode ser afastado mediante a verificação de outras circunstâncias que o anulem (…)» - [cf. o acórdão do STJ de 21.06.2012 (proc. n.º 525/11.2PBFAR.S1; no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 10.12.2008 (proc. n.º 08P3703)].

A uma visão da necessidade de verificação de contraprova que anule o efeito indício, tal como refere o acórdão do TRE de 07.01.2014 [proc. n.º 323/11.3GBGDL.E1] «preferimos o reconhecimento da especial censurabilidade ou perversidade do agente pela positiva e a par da identificação de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art. 132º. Dito de outro modo, importa confirmar o preenchimento da previsão do n.º 1 (…), independentemente de se reconhecer que o “efeito padrão” possa fornecer o indício da existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente (…). Fornece o indício que, precisamente por o ser, carece de complementação».

E assim é no caso da qualificativa prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal. Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 05.09.2007 [proc. n.º 07P2294] «Aqui também estaremos perante uma circunstância indiciadora de um tipo de culpa agravado-exemplo-padrão – pelo que não basta demonstrar única e exclusivamente a qualidade do ofendido, mas será sempre necessário provar a existência de circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Tal só acontecerá, como refere Figueiredo Dias (…), se ao homicídio puder ligar-se uma especial baixeza da motivação, ou um sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular qualidade da vítima ou à função que ela desempenhava».

Pois bem, a situação que nos ocupa deixa transparecer uma determinação do arguido, formada ao momento, em escassos segundos, numa ocasião em que pela hora em que se deu a intervenção dos elementos da GNR não custa a crer que tivesse acabado de acordar, portanto num quadro onde não se descortina um processo de reflexão maturado, não sendo de excluir nas circunstâncias em que atuou – na presença de vários militares que levavam a efeito uma busca à sua habitação com vista à captura de um seu sobrinho, evadido do Estabelecimento Prisional, os quais teria de supor mostrarem-se armados – alguma desorientação emocional na medida em que ninguém [dentro dos padrões de normalidade], e também assim o arguido, nesse contexto, poderia afastar uma forte probabilidade de vir a ser alvejado, o que, será de convir, «não é a atuação típica do homicida calculista, pelo menos de acordo com as regras de experiência comum» - [cf. acórdão do STJ de 21.03.2013 (proc. nº 2024/08.0PAPTM.E1.S1]; por outro lado, embora esteja assente que após o disparo de caçadeira, efetuado nas circunstâncias apuradas, tenha mantido a espingarda – ainda municiada – direcionada ao assistente não se logrou provar que se preparasse para, de novo, o atingir.

Sendo este o cenário, apesar de a vítima revestir a qualidade de elemento das forças de segurança, então no exercício das suas funções e, assim, se incluir no círculo daqueles a que se reporta a qualificativa da alínea l, do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal, indiciadora de uma especial censurabilidade, afigura-se-nos, em consequência das concretas circunstâncias da ação, ser de afastar o seu funcionamento por se mostrar a conduta do arguido ainda a coberto da censura típica do crime de homicídio.

Reconhecendo, nesta parte, razão ao recorrente, decide-se pela subsunção dos factos ao crime de homicídio simples, na forma tentada, posto que se mostram presentes os respetivos elementos típicos objetivos e subjetivos – artigos 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 23.º, todos do C. Penal.

§4. Do concurso com o crime de detenção de arma proibida

Defende o recorrente existir um concurso aparente entre o crime de homicídio tentado e o crime detenção de arma proibida.

A questão de saber se o crime de homicídio cometido com recurso a arma proibida configura um concurso efetivo de crimes ou tão só um concurso de normas tem vindo a ser resolvida maioritariamente no seio da jurisprudência no sentido de que se o uso de arma proibida não conduzir à subsunção da conduta a um dos exemplos padrão do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal então verificar-se-á concurso efetivo.

Isso mesmo decorre do acórdão do STJ de 18.12.2013 [proc. n.º 137/08.8SWLSB.L1.S1], do qual se respiga: «A circunstância de o arguido utilizar uma espingarda caçadeira sem para tal estar legalmente habilitado extravasa e ultrapassa a questão da qualificação do crime de homicídio e existindo um tipo legal de crime que pune semelhante conduta não há razão para que os factos praticados pelo arguido não sejam nele enquadrados».

A mesma orientação é perfilhada no acórdão do STJ de 11.02.2016 [proc. n.º 205/14.7PLLRS.L1.S1], enquanto refere: «Tem vindo este Supremo Tribunal a considerar que existe concurso efetivo entre os crimes de detenção de arma proibida e de homicídio qualificado (…). E isto na consideração de que, tutelando um e outro dos ilícitos bens jurídicos distintos (ali, no crime de homicídio, a vida humana, aqui, no crime de detenção de arma proibida, a segurança das pessoas em geral, face aos riscos decorrentes da livre circulação, detenção e uso de armas proibidas), verifica-se uma situação de concurso efetivo entre os referidos tipos legais quando os factos concretos determinativos da qualificativa do crime de homicídio preenchem o crime de detenção de arma proibida …» - [cf. no mesmo sentido os acórdãos do STJ de 03.07.2014 (proc. n.º 417/12.8TAPTL.S1), de 15.01.2015 (proc. n.º 92/14.5YFLSB), de 23.04.2015 (proc. n.º 86/14.0YFLSB)].

Consagrando o artigo 30.º do C. Penal o critério teleológico ou normativo para a determinação da unidade ou pluralidade de crimes, de acordo com o qual o número de crimes se determina pelo número de tipos legais de crime realizados [concurso heterogéneo] ou pelo número de vezes que o mesmo tipo legal é preenchido pela conduta do agente [concurso homogéneo], e não já o da unidade ou pluralidade de ações criminosas, tutelando os tipos legais dos artigos 131.º do C. Penal e 86.º da Lei das Armas bens jurídicos distintos, parece-nos claro, no caso que nos ocupa, assistir-se a uma situação de concurso efetivo entre os crimes em questão. De facto, a situação de concurso aparente só ocorre quando os factos são formalmente subsumíveis a diferentes normas incriminadoras que entre si se encontram numa relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção de modo que a aplicação de uma delas – a norma punitiva prevalecente – afasta a aplicação das demais, assim, se evitando uma dupla incriminação, o que manifestamente não se verifica entre as normas tipificadoras dos crimes em questão.

Por outro lado, considerando os factos assentes [provados] em 28 e 29 não colhe aqui aplicação a solução encontrada no acórdão do STJ de 31.03.2011 [proc. n.º 361/10.3GBLLE], onde é defendida a verificação de concurso aparente entre os crimes de homicídio e de detenção de arma proibida, nos seguintes termos: «(…), apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio e uso de arma proibida -, não deve concluir-se por um concurso efetivo de crimes, mas antes aparente.

Vão nesse sentido os ensinamentos de Figueiredo Dias, que, (…) considera: «A ideia central que preside à categoria do concurso aparente deve pois ser, repete-se, a de que situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objetiva e/ou objetiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante ou principal, e hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou restantes surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como dominados, subsidiários ou dependentes (…).

Como e viu, o arguido foi ao interior do anexo que lhe servia de habitação, pegou na espingarda, que ali se encontrava, não possuindo a necessária licença de uso e porte, trouxe-a para o exterior, apontou-a á vítima e disparou sobre ela, matando-a. A conexão existente entre a conduta do arguido em relação á arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido do ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global …».

Não é, contudo, esta a realidade dos autos, na medida em que a ligação do arguido à arma não foi fugaz, instantânea; ele tinha-a em seu poder já em data anterior à da ocorrência – [cf. ponto 29 dos factos provados], não se esgotando, assim, a sua ação relativamente à arma com a utilização da mesma contra a vítima. O ilícito de detenção de arma proibida, preexistiu relativamente a esse momento, falecendo, pois, a instrumentalidade ou funcionalidade típica capaz de permitir assentar numa situação de concurso de normas.

Conclui-se, pois, pela verificação de concurso efetivo entre os crimes de homicídio tentado e de detenção de arma proibida.

§5. Da agravação do artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas

Não se conforma o recorrente com a agravação, nos termos do n.º 3, do artigo 86.º da Lei das Armas, da pena correspondente ao crime de homicídio, vendo nisso violação do princípio non bis in idem.

Fá-lo, contudo, não só no confronto com o crime do artigo 132.º do C. Penal [homicídio qualificado] como ainda do homicídio simples, qualificação jurídico-penal que veio agora a vingar – [cf. o ponto 51 das conclusões].

Porém, não lhe assiste razão.

Sempre que em causa esteja circunstância qualificativa ou exemplo padrão diverso do previsto na alínea h) do n.º 2, do artigo 132.º, indiciador de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, na esteira do que pensamos constituir a posição jurisprudencial dominante no sentido de o n.º 3 do artigo 86.º só afastar a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada - como evidencia o acórdão do STJ de 18.01.2012 [proc. n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1] «O repúdio da consideração em termos de pena da qualificativa constante do referido normativo da Lei das Armas ignora as razões de prevenção que lhe estão subjacentes sem qualquer razão legal atendível. Aliás, o próprio artigo 86º é expresso quando liminarmente refere que a qualificativa se refere a penas aplicáveis a crimes cometidos com arma (…)» e mais adiante, reportando-se ao normativo em questão, «Este, como se referiu reflete uma ilicitude que não tem vasos comunicantes com o tipo de homicídio e cuja existência está apenas dependente da ilicitude revelada pela existência da arma na prática do crime» [cf. os acórdãos do STJ de 30.10.2013 (proc. n.º 40/11.4JAAVR.C2.S1), de 31.03.2011 (proc. n.º 361/10.3GBLLE-5.ª)] -, não comungamos [sem embargo de lhe reconhecermos defensores – cf. v.g. os acórdãos do TRE de 07.01.2014 (proc. n.º 323/11.3GBGDL.E1) e de 21.05.2013 (proc. n.º 16/12.4JAFAR.E1)] do entendimento do recorrente.

E se assim é relativamente à realidade que vimos de expor, por maioria de razão o será quando, como agora decidido, os factos integram o crime de homicídio simples [artigo 131.º do C. Penal], de execução não vinculada, em que, por conseguinte, o uso da arma não constitui elemento do tipo. Na verdade, como é dito no acórdão do STJ de 11.02.2016 [proc. n.º 205/14.7PLLRS.L1.S1] «(…) tratando-se de uma situação em que a verificação de uma circunstância qualificativa de caráter geral (ditada por razões de prevenção geral, que têm a ver com a necessidade de reprimir o usos de armas no cometimento de crimes, logo que, não sendo privativa do crime de homicídio, mas transversal a todos os crimes perpetrados nessas condições, aporta um acréscimo à ilicitude da conduta) determina a pena aplicável ao crime, nada obsta a que a mesma opere, nos termos do número 3 do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições» - [cf. no mesmo sentido o acórdão do STJ de 18.01.2012 (proc. n.º 693/09.3JABRG.P2.S2)].

Significa que no caso presente não se verifica qualquer violação do non bis in idem e, como tal, a invocada inconstitucionalidade, desde logo porque não ocorre a qualificação, designadamente da alínea h), do n.º 2 do artigo 132.º - tão pouco qualquer outra -, mas ainda que assim não fosse a proibição da dupla agravação só seria de afirmar se as agravações em questão correspondessem a uma mesma dimensão da ilicitude, ou da culpa, o que não sucede quando uma delas entronca numa culpa acrescida [artigo 132.º do C. Penal] e a outra radica em razões de prevenção geral que se prendem com a necessidade de limitar o recurso às armas, pela perigosidade que representam para bens jurídicos essenciais [penalmente tutelados] na prática de qualquer tipo de crime [artigo 86º, n.º 3 da Lei das Armas].

Por outro lado, não constitui obstáculo à agravação decorrente do n.º 3 do artigo 86.º a circunstância do arguido ter sofrido condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, pois que àquela é absolutamente «indiferente que o agente esteja numa situação de legalidade ou ilegalidade em relação à arma: a agravação teria lugar mesmo que o recorrente tivesse licença de uso e porte de arma» - [cf. o cit. acórdão do STJ de 31.03.2011; no mesmo sentido vide os acórdãos do TRP de 30.09.2015 (proc. n.º 1223/14.0JAPRT.P1), do TRC de 12.10.2011 (proc. n.º 293/10.5JALRA.C1)].

Improcede, nesta parte, o recurso.

§6. Da escolha e medida das penas

Perante a alteração da qualificação jurídica produzida ao crime de homicídio, de acordo com os artigos 131.º, 22.º, nºs 1 e 2, alínea b), 23.º, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal e 86.º, nº 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, com as sucessivas alterações, a moldura penal abstrata correspondente situa-se entre o mínimo de 2 anos, 1 mês e 18 dias e o máximo de 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão.

Necessário se torna, no seio de semelhante moldura, graduar a pena concreta, tendo presente as funções de prevenção geral e especial que lhe presidem, sem descurar a culpa do agente.

De acordo com o ensinamento de Figueiredo Dias “toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” – [cf. Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, pág. 81].

 Antes de tudo é preciso assentar em que «Nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas, porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro – a vida – é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade». Com efeito, «A estabilização contrafáctica das expetativas comunitária na afirmação do direito reclama uma reação forte do sistema formal da administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito» - [cf. acórdão do STJ de 21.06.2012 (proc. n.º 525/11.2PBFAR.S1)].

Ponderando, o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do C. Penal, bem como as circunstâncias que não fazendo parte do tipo militam a favor e contra o arguido, importa considerar que agiu o mesmo com dolo direto; a ação apanhou a vítima de surpresa e momentaneamente sem defesa; depois do disparo, manteve a arma [ainda municiada com um cartucho de caça, carregado com bagos de zagalote] dirigida à mesma, o que intensifica a culpa. Também a qualidade da vítima, que na ocasião se encontrava no exercício das suas funções, não constituiu fator de inibição para o arguido, circunstância que aumenta a censurabilidade; As consequências do crime ao nível das lesões corporais causadas - note-se que a vítima envergava o colete balístico onde se deu a perfuração e ficaram alojados duzentos e três fragmentos de chumbo -, pese embora as dores sentidas, não assumem grande relevância [cicatriz no tórax, na região mamilar direita, com 1,9 x 1,8 cm], também assim o período de doença [dez dias], sem incapacidade de trabalho geral e profissional; De sopesar, igualmente, a insegurança que a ação determinou na vítima, com reflexos negativos quer na sua tranquilidade pessoal, quer profissional, neste domínio de forte pendor considerando a exposição permanente a operações/intervenções de idêntica natureza que as suas funções implicam, sem prejuízo – concede-se – de uma suposta maior preparação ao nível psicológico para enfrentar situações semelhantes; A ilicitude, dentro da moldura penal apurada, é elevada.

Sendo, como já se deixou dito, muito significativas as exigências de prevenção geral, o mesmo não ocorre, mostrando-se o arguido familiarmente integrado e desenvolvendo uma atividade – venda ambulante –, com um percurso vida onde não se detetam condutas desviantes, sendo-lhe reconhecidas pelas pessoas que com ele privam qualidades, e não registando antecedentes criminais, ao nível da prevenção especial.

Tudo ponderado revela-se adequada a aplicação da pena de 6 (seis) anos de prisão.


*

No que ao crime de detenção de arma proibida respeita, foi o recorrente condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Contudo, defende a aplicação da pena de multa prevista em alternativa à prisão.

Corresponde ao crime de detenção de arma proibida do artigo 86.º, nº 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02, pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.

Dispõe o artigo 70.º do C. Penal que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

 «O crime de detenção de arma proibida tem vindo a merecer especial censura do legislador e da sociedade, pelo perigo potencial para a vida e a integridade física das pessoas em geral que constitui a detenção de armas por parte de quem não está autorizado para tal. As exigências de prevenção geral são fortíssimas neste tipo de criminalidade» - [cf. acórdão do STJ de 26.10.2011 (proc. n.º 1112/09.0SFLSB.L2.S1)].

Por outro lado, resultou apurado que o arguido já em momento anterior à data dos factos tinha a arma na sua esfera de disponibilidade, deste modo se afastando o caráter momentâneo da conduta criminosa, circunstância que aliada à considerável proliferação de armas indocumentadas e ao sentimento de insegurança que tal realidade gera na comunidade, desaconselha, no caso, a aplicação de uma pena de multa já que não se vê que a mesma constitua resposta satisfatória às fortíssimas exigências de prevenção geral.

Ainda assim, entende o recorrente que a pena de prisão no que a tal crime respeita se deveria ter quedado pelo mínimo legal, ou seja em 1 (um) ano de prisão.

Pese embora os factos não apontem para um grau de ilicitude que ultrapasse o nível mediano, o dolo manifestou-se na sua forma mais intensa, havendo objetivamente que reconhecer uma atitude de confronto, de algum modo temerário, por parte do arguido, aspeto que indicia uma personalidade, desviada do padrão de normalidade, de afronta à autoridade.

Como assim, não exatamente pelos mesmos fundamentos, encontra adequação a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão cominada pela prática do crime de detenção de arma proibida, a qual, ademais, se mostra muito próximo do limite mínimo legalmente consentido, não havendo motivo para quanto à mesma não manter a decisão recorrida.

§7. Da pena única

Verificado o concurso efetivo entre os crimes de homicídio simples na forma tentada e o crime de detenção de arma proibida há que encontrar a pena única em cuja determinação são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A moldura do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares fixadas aos crimes em concurso – [artigo 77.º do C. Penal].

Transpondo para o caso concreto os limites, mínimo e máximo, da pena de prisão situam-se, respetivamente em 6 (seis) anos e 7 (sete) anos e seis meses de prisão [artigo 77.º, n.º 2 do C. Penal].

Na fixação da pena única o tribunal procede à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido. Na avaliação dos factos importa ter presente a respetiva conexão e, bem assim, a natureza da afetação dos bens jurídicos. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importará, sobretudo, saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade, que não radica na personalidade.

No caso sub judice o crime de detenção de arma proibida preexistiu ao crime de homicídio tentado, pese embora o estrito ato de utilização efetivo da arma tenha servido à prática do mesmo; os bens jurídicos tutelados pela respetiva incriminação divergem entre si; não se deteta no arguido uma tendência criminosa, nada levando a crer que as ações delituosas radiquem na sua personalidade. A negatividade da desvalorização das consequências da sua conduta constitui, porém, circunstância que não permite afastar, de todo, as exigências de prevenção especial, pese embora a respetiva inserção social e a ausência de passado criminal as esbatam.

Tudo sopesado, tem-se por adequada a pena única de 6 (seis) anos e seis (seis) meses de prisão, resultando, assim, prejudicada, em função de não verificação do respetivo pressuposto formal, a ponderação da pena de substituição – [cf. artigo 50.º do C. Penal].

§8. Do quantum indemnizatório

Dissente o recorrente do montante indemnizatório arbitrado ao demandante a título de danos não patrimoniais, o qual – adianta - não tendo tido consequências de maior para a vítima, reputa excessivo.

Na fixação dos danos não patrimoniais rege o disposto no artigo 496º, do C. Civil, sendo o montante da indemnização, nos termos do seu n.º 3, fixado equitativamente pelo tribunal, ponderados os aspetos referidos no artigo 494º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Consabidamente, reparação dos danos não patrimoniais visa compensar, indiretamente, o lesado pelo sofrimento, pela dor e pelos incómodos sofridos, permitindo-lhe, assim, de algum modo, obter uma satisfação capaz de atenuar a intensidade dos males a esse nível causados.

Como consigna o acórdão do STJ de 05.09.2007 [proc. n.º 07P2294] «Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respetivos.

Mas, tal como escapam à admissibilidade do recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal” (…) devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção – em caso de julgamento segundo a equidade às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” (cf. Acs. de 17.6.2004, proc. nº 2364/04-5 e de 29.11.2001, proc. n.º 3434/01-5)».

Ora, a conduta do arguido provocou dores físicas na pessoa do ofendido, causou-lhe temor e receio pela sua vida, tendo, na ocasião em que se deu o disparo, perspetivado o termo desta; determinou-lhe um estado de inquietação e insegurança, com reflexos, de todo compreensíveis e que se mantém, no desempenho futuro das suas funções.

Assim, apesar das sequelas físicas não terem assumido uma especial relevância, o certo é que não se vê que o quantitativo de € 10.000 [dez mil euros] arbitrado pelo tribunal contrarie «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» de modo a demandar correção por parte deste tribunal.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes com compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

a. Condenar o arguido A... pela prática, como autor material, e em concurso efetivo, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23º, 73.º do C. Penal e 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 6 (seis) anos de prisão, e de um crime detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência ao artigo 3º, n.º 6, alínea c), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

b. Condenar mesmo arguido, em cúmulo jurídico das penas de prisão impostas no ponto antecedente, na pena única de 6 (seis) anos e sies (seis) meses de prisão;

c. Revogar, em correspondência com o supra decidido, o acórdão recorrido, o qual, em tudo o mais se mantém.

Sem tributação

Coimbra, 22 de Novembro de 2017

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira – relatora)

(Isabel Valongo – adjunta)

(Alberto Mira – presidente da 5.ª secção)


[1] In http://oal.ul.pt/documentos/solcoimbra2016.pdf