Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2107/03.3TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RESOLUÇÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 224, 428, 432, 434, 436, 566 CC, 661 Nº2 CPC
Sumário: I - O Cód. Civil vigente, nos seus arts. 224.° e seguintes, consagrou a teoria da recepção, ainda que temperada pela teoria do conhecimento. Em tais termos, pressupõe-se, circunstancialmente, um tipo de declaração receptícia ou recipienda - declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário; e não uma declaração não receptícia (declaração que não carece para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, valendo logo que a vontade do declarante, se manifesta em forma legal).

II. A «exceptio» do art. 428º do Código Civil é aplicável a todos os contratos bilaterais, independentemente da estrutura particular assumida pelo sinalagma em algumas categorias desses contratos. Apenas não pode ser invocada entre obrigações não abrangidas pela relação sinalagmática.

III A falta de pagamento do prémio por parte dos autores não legitima a recusa da seguradora em pagar o capital seguro (tal como não seria legítima a recusa do segurado em pagar o prémio por falta de pagamento de qualquer indemnização por parte da seguradora). Pois que, se não existe interdependência entre as duas prestações, não pode a falta de cumprimento de uma servir de fundamento para a recusa no cumprimento da outra.

IV Da conjugação do preceituado nos arts. 566°, n.° 2, do Cód. Civil e 661°, n°2, do Cód. Proc. Civil resulta que só cabe a aplicação do estabelecido neste último (relegando-se para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação do quantum da condenação, se não houver elementos para o fazer na acção declarativa) nos casos em que a lei não imponha ou permita ao julgador o recurso à equidade para fixar a quantidade da condenação ou quando nem mesmo com recurso à equidade for possível a condenação em quantia certa.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A.... viúvo, residente ...,

 B...., solteira, maior, residente ..., e

C.... solteiro, maior, residente .....

instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra

 Companhia de Seguros D.... (por lapso de escrita inicialmente identificada como .....), pessoa colectiva n.° ...., com sede na ...., e

Banco E..... com sede ....(entretanto incorporado por fusão no Banco F... pessoa colectiva n.° ..., com sede na ...., que lhe sucedeu nos autos — fls. 321 e ss.), pedindo:

a) a condenação da ré seguradora a pagar ao segundo réu a quantia de 54.520,14€ (cinquenta e quatro mil, quinhentos e vinte euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data de 28/01/2003, relativa ao capital do seguro de vida celebrado;

b) a condenação do segundo réu a reconhecer que em consequência desse pagamento fica liquidada na totalidade a dívida dos autores relativa a um contrato de concessão de crédito imobiliário celebrado com o primeiro autor e a sua falecida esposa;

c) a condenação da ré seguradora a reembolsar aos autores as prestações que desde 28/01/2003 pagaram e venham a pagar ao segundo réu (que até 18/09/2003 atingiam o montante de 2.783,64€ - dois mil, setecentos e oitenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescido de juros contados desde a data dos respectivos pagamentos;

d) a condenação solidária de ambos os réus a pagarem aos autores as quantias de 5.000,00€ (cinco mil euros) para compensação de danos não patrimoniais e de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) para indemnização de danos patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento contratual, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação.

Alegam, em síntese, que o primeiro autor e a sua falecida esposa G..... (de quem os autores - viúvo e filhos - são os únicos herdeiros) contraíram junto do segundo réu um mútuo no valor de 12.000.000$00, para cuja concessão o segundo réu exigiu que celebrassem com a primeira ré um seguro de vida destinado a cobrir o pagamento da quantia ainda em dívida no caso de morte de qualquer deles. Sucede que a esposa do primeiro autor veio a falecer em 28/01/2003 mas a ré seguradora não procedeu ao pagamento ao réu banco da quantia então em dívida. Questionada pelo primeiro autor, veio a ré seguradora informar que considerou o seguro anulado por falta de pagamento do prémio, alegando ter enviado uma carta a advertir o primeiro autor e a sua esposa da falta de pagamento e das consequências da não regularização da situação no prazo concedido. Os autores negam alguma vez ter recebido esta carta e afirmam desconhecer a anulação do seguro, mais negando que tenha havido qualquer falta de pagamento do prémio, tanto mais que esse pagamento era feito por débito em conta bancária e o primeiro autor deu instruções ao banco para que fossem feitas transferências de outras contas de que também era titular para provisionar aquela através da qual era feito o pagamento. Alegam que o primeiro autor após a morte da esposa continuou a pagar as prestações devidas pelo empréstimo bancário e que toda a situação lhe causou preocupação, desgosto e incerteza, além de ter tido de percorrer mais de 500 km e de gastar 250,00€ em chamadas telefónicas para tentar resolver a situação.

*

Regularmente citadas, ambas as rés contestaram.

A ré Companhia de Seguros D... contestou a fls. 57 e ss., negando ter celebrado qualquer contrato com o primeiro autor e com a esposa, antes tendo esse contrato sido celebrado com a sociedade Companhia de Seguros D...., pessoa colectiva distinta e autónoma. Termina pedindo a improcedência da acção em relação a si e a sua absolvição do pedido.

O segundo réu contestou a fls. 100 e ss., arguindo a incompetência territorial deste tribunal (por violação de cláusula de atribuição de competência inserta no contrato de mútuo) e a sua ilegitimidade para a acção (dizendo que do modo como os autores configuram a acção apenas a primeira ré tem interesse em contradizer, pois está apenas em apreciação o contrato de seguro celebrado e não o de mútuo). Impugna os factos alegados pelos autores, dizendo: que as cartas enviadas o foram para a morada do imóvel adquirido e que os autores declararam na escritura que o mesmo se destinaria a sua habitação própria; que a conta bancária não estava efectivamente provisionada na data de pagamento do prémio do seguro; e ainda que qualquer que seja o desfecho da presente acção, o primeiro autor nunca se desvincularia do crédito que tem perante si, pois o banco é alheio ao contrato de seguro celebrado com a primeira ré. Termina pedindo a declaração de incompetência do tribunal e a procedência da excepção de ilegitimidade (e a sua consequente absolvição da instância) ou, subsidiariamente, a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

*

Replicaram os autores a fls. 121 e ss., alegando que a identificação da ré seguradora no cabeçalho se deveu a erro de escrita (cuja rectificação requerem), mas que a companhia seguradora com a qual foi celebrado o contrato faz parte do mesmo grupo e tem a mesma sede que aquela contestante, pelo que a ré contestante compreendeu perfeitamente o sentido da citação. Pugnam pela improcedência da excepção de incompetência territorial, alegando que a cláusula invocada pelo segundo réu é nula por não identificar as questões concretas que abrange, e defendem também a improcedência da excepção de ilegitimidade por terem pedido a condenação do segundo réu no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, tendo ele, portanto, interesse em contradizer.

*

Na sequência de aceitação por parte da ré contestante (fls. 126), foi admitida a fls. 131 a correcção do lapso de escrita na identificação da primeira ré e ordenada a repetição da citação.

*

Regularmente efectuada a citação, a ré Companhia de Seguros D.... contestou a fls. 137 e ss.. Confirma a celebração do contrato de seguro mas alega que o primeiro autor e a sua falecida esposa não pagaram os prémios vencidos em 01 / 01/1997 e 01/01/1998, pois a conta bancária não tinha saldo que permitisse tal pagamento. Diz ter enviado ao autor e à sua esposa uma carta a conceder-lhes um prazo adicional de oito dias para regularizarem o pagamento mas que estes apesar de a terem recebido não o fizeram, pelo que considerou o contrato de seguro resolvido. Impugna os danos que os autores alegam ter sofrido e termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

*

Replicaram os autores a fls. 187 e ss., negando o recebimento da carta alegada pela ré seguradora e reafirmando o alegado na petição inicial, concluindo como nesta.

*

Nenhum dos réus apresentou tréplica.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Nos termos expostos, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

a) condeno a ré Companhia de Seguros D.... - em cumprimento do contrato de seguro de vida celebrado com A...e mulher G... para garantia do mútuo contraído em 11/1011996 junto do Banco F... — a pagar ao réu Banco F... a quantia de 54.520,14€ (cinquenta e quatro mil, quinhentos e vinte euros e catorze cêntimos), correspondente ao capital daquele mútuo ainda em dívida à data do falecimento de G... (28.01.2003) deduzida do montante das prestações que desde essa data tenham sido pagas ao Banco F... pelos autores, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data do último pagamento efectuado pelos autores;

b) condeno o réu Banco F... a reconhecer que na sequência do pagamento que seja efectuado nos termos da alínea anterior pela ré Companhia de Seguros D.... fica liquidada na totalidade a dívida dos autores relativa ao contrato de mútuo celebrado por A...e mulher G... com o Banco E...., titulado na escritura pública de 11 de Outubro de 1996, lavrada a folhas.... do Livro .... das escrituras diversas do 1.º Cartório Notarial de K...;

c) condeno a ré Companhia de Seguros D.... a pagar aos autores A...., B... e C... a quantia equivalente às prestações que desde a data do falecimento de G... (28/01/2003) tenham entregue ao Banco F... para pagamento do mútuo contraído, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data de cada um dos pagamentos;

d) condeno a ré Companhia de Seguros D.... a pagar aos autores A...., B... e C... a quantia a determinar em incidente de liquidação posterior, num máximo de 250,00€ ( e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da decisão a proferir nesse incidente, relativa aos telefonemas efectuados pelo primeiro autor para a seguradora e para o Banco F..., após o falecimento de G..., para se esclarecer acerca do empréstimo e da vigência do seguro.

COMPANHIA DE SEGUROS D...., nos autos de acção com processo ordinário que, por este Juízo, contra ela e contra o Banco F..., intentou A...., tendo sido notificada da sentença proferida a fls. ... dos autos em que foi decidido condenar a R. parcialmente no pedido., por não se conformar com a referida sentença, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

1. No dia 1 de Janeiro de 1998 venceu-se o prémio relativo ao contrato de seguro do ramo vida referido nos autos, no montante de 341,65€ que não foi pago pelo recorrido nem pela sua falecida esposa.

2. A recorrente enviou ao recorrido carta expedida sob registo datada de 27/02/2008 em que concedeu prazo de 30 dias para o pagamento do referido prémio de seguro, sob pena de resolução do contrato de seguro do ramo vida.

3. A referida carta foi enviada para “ X...” que constitui residência do recorrido e não foi devolvida.

4. O local de destino da referida carta constitui a fracção autónoma objecto do crédito à habitação associado ao contrato de seguro do ramo vida referido nos autos.

5.Na proposta do referido contrato de seguro do ramo vida consta a indicação de duas residências do recorrido e da sua falecida mulher.

6. Na referida proposta consta a indicação de Y..., como residência do recorrido e da sua falecida mulher.

7. Na referida proposta consta também a indicação de Z..., como domicílio do recorrido e da sua falecida mulher.

8. Decorrido o prazo mencionado na referida carta o recorrido e a falecida esposa não pagaram o prémio de seguro.

9.Verificou-se a resolução do mencionado contrato de seguro do ramo vida (artigos 432°, 433°, 434°e 436° todos do Código Civil, 33° do Decreto de 21 de Outubro de 1907, e 7.1 e 8.1 das condições gerais do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos).

10. A resolução do mencionado contrato de seguro do ramo vida implica a inexistência de obrigação da recorrente pagar o capital seguro (artigos 289°,433° e 434° todos do Código Civil, 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907).

11. A obrigação do recorrido e da sua falecida mulher de pagamento dos prémios de seguro constitui prestação correspectiva da obrigação da recorrente de assumir os riscos transferidos e em consequência de pagar o capital seguro.

12. A obrigação do recorrido e da sua falecida mulher de pagamento dos prémios de seguro devia ser cumprida anteriormente ao cumprimento da obrigação recorrente de assumir os riscos transferidos e de pagamento do capital seguro.

13. Os referidos prémios de seguro venceram-se anteriormente ao óbito da mulher do recorrido.

14. A mera efectuação de chamadas telefónicas não confere ao recorrido qualquer direito de indemnização de perdas e danos.

15. Nem sequer se encontra provado que essas chamadas telefónicas tenham sido efectuadas para a recorrente ou em consequência de qualquer comportamento desta.

16. Não se encontram provados os elementos constitutivos do direito a indemnização de perdas e danos em consequência da efectuação de chamadas telefónicas.

17. Incumbia ao recorrido provar a verificação dos pressupostos do direito de indemnização por ele invocado.

18. Não incumbia à recorrente o ónus da prova da falta de verificação dos mencionados pressupostos.

19. A falta de prova dos mencionados pressupostos impõe a absolvição da recorrente do pedido de indemnização contra ela formulado pelo recorrido.

20. A recorrente provou os elementos constitutivos da resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos e da excepção de não cumprimento.

21. Na sentença recorrida ao decidir-se pela condenação parcial da recorrente nos pedidos violou-se o disposto nos artigos 289°, 428°, 432°, 433°, 434°, 436°, 562°, 563°, 564°, 798°, 804°, 805° e 806° todos do Código Civil, 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, 7.1 e 8.1 das condições gerais do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos.

22. Termos em que, deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que absolva a recorrente integralmente dos pedidos, como é de inteira JUSTIÇA.

Os Recorridos A...e outros, notificados das alegações da recorrente, vieram apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que

1. O presente Recurso baseia-se nos temas da resolução do contrato e da excepção de não cumprimento por parte do Ré Recorrente; Vejamos;

2 A Recorrente D... não enviou a carta, contendo o aviso de anulação do seguro de vida por falta de pagamento do prémio, para a morada escolhida para a correspondência que é Y..., indicada no boletim de adesão a fls. 33 e 48;

3 A Ré Recte violou, assim, o disposto no contrato de seguro, não respeitando o domicilio electivo dele constante,

4. A Ré recorrente também não provou que o Primeiro autor e a sua esposa tivessem recebido a carta de resolução ou da mesma tivessem tido conhecimento;

5. Logo a rescisão do contrato de seguro dos autos não observou os requisitos convencionados, o mesmo não foi validamente resolvido e tem de se considerar que vigorava plenamente entre as partes, à data do sinistro - o falecimento da esposa e mãe dos autores.

6. Também não aproveita à Recorrente D... a excepção de não cumprimento do contrato paro justificar a sua recusa a pagar o capital subscrito no seguro de vida em questão: Com efeito,

7. A excepção de não cumprimento do contrato funda-se na relação sinalagmático das prestações a que se encontram vinculadas as partes num contrato;

8. No contrato de seguro, o prémio é a contra-prestação devida pelo segurado à seguradora como remuneração da assunção do risco assumido por esta última;

9. A relação que existe é, pois, entre o prémio e a assunção do risco e não entre o prémio e o capital seguro, como erradamente pretende a Recorrente;

10. O contrato de seguro, sendo bilateral, dele decorrem, necessariamente, prazos e tempos diferentes para o cumprimento das prestações de cada uma dos contraentes;

11. De resto, na maior parte dos casos, ignora-se o prazo de pagamento de indemnização pela seguradora, já que o sua obrigação depende da verificação de facto futuro e incerto;

12. Se não existe interdependência entre as duas prestações, não pode a falta de cumprimento de uma servir de fundamento para a recusa no  cumprimento da outra;

13. Mas, mesmo que, por hipótese, assim não fosse, nem tal excepção de cumprimento seria equacionável, pois a Recorrente não observou o disposto na proposta de adesão do contrato, não remetendo a carta aviso de anulação para a morada designada na mesma;

14. A Recorrente não cumpriu as suas obrigações contratuais, anulando o contrato de seguro sem ter avisado os segurados, nos termos do Lei;

15. Mesmo que assim não fosse, tendo o Recorrido, A...sido casado com G..., no regime de comunhão de adquiridos e esta também segurada da Recorrente, devia ter sido avisada da anulação do contrato de seguro por carta registada e não foi, de que, aliás, não souberam;

16. Assim, era, por conseguinte, indispensável que a Recorrente Seguradora tivesse feito duas comunicaç6es de rescisão do contrato de seguro, uma ao recorrido, e outra ao seu cônjuge, entretanto falecido;

17. Quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges, sendo os dois devedores dos prémios de seguro, não bastando à seguradora comunicar a resolução do contrato apenas ao marido;

18. Assim e pelo que já supra foi referido na doutrinação de Galvão Telles, a rescisão extrajudicial resulta de uma declaração de vontade recipienda porque, para produzir efeitos, terá de ser levada ao conhecimento do outro ou dos outros interessados;

19. Aquando da morte de G..., o dito contrato encontrava-se, com todas suas cláusulas, em vigor;

20. A Ré D... não avisou, o Recorrido e a sua falecida Mulher, quer da suspensão da garantia concedido pelo seguro, quer da resolução do contrato de seguro, por cortas registadas com aviso de recepção, contrariamente ao disposto artigo 33º do decreto de 21 de Outubro de 1907 e nos art°s. 5º nº 1 e 7º n°2 do dec. Lei 162/84 de 18 de Maio, em vigor à data dos factos;

21. Obviamente, que o Recorrido provou que se deslocou várias vezes em número não apurado, às dependências de W... e de K... do Banco F..., após o falecimento do esposa, para esclarecer acerca do empréstimo e da vigência do seguro; percorreu número não apurado de quilómetros; O autor efectuou chamadas telefónicas;

22. As chamadas telefónicas em que o Recorrente foi condenado, relacionam-se directamente com a questão do esclarecimento acerca do empréstimo e do vigência do contrato de seguro, pelo que deve manter-se a condenação a liquidar em execução de sentença;

23. Improcedem as conclusões do recurso e a douta sentença recorrida não violou as normas nele apontadas nem quaisquer outras.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

A) O autor A...era casado com G..., no regime da comunhão de adquiridos - documentos de fls. 8 e 1421;

B) G... faleceu no estado de casada com A...no dia 28 de Janeiro de 2003 — certidão de óbito de fis. 10;

C) C... nasceu no dia 25 de Maio de 1982 e é filho de A...e de G... — assento de nascimento de fls. 11;

D) B... nasceu no dia 20 de Outubro de 1983 e é filha de A...e de G... — assento de nascimento de fls. 12;

E) Conforme certidão de habilitação de fls. 8, a falecida G... deixou como únicos herdeiros:

1. o marido A....;

2. o filho C...;

3. a filha B...;

F) Por escritura de 11 de Outubro de 1996, lavrada a folhas 144 a 147 do Livro 204 F das escrituras diversas do 1.º Cartório Notarial de K..., A...e mulher G... compraram a H.... e mulher I.... , pelo preço de 12.000.000$00, a fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo frente, no bloco “C”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em U...ou X..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° wwww, inscrito na matriz sob o artigo vvvv;

G) A...e mulher G... solicitaram e celebraram com o Banco E.... um mútuo de 12.000.000$00, no regime de crédito bonificado, pelo prazo de 25 anos, na modalidade de prestações constantes com bonificação constante;

H) O empréstimo é reembolsado em trezentas prestações mensais e sucessivas, a primeira com vencimento um mês após a data de 11 de Outubro de 1996 e as restantes em igual dia dos meses seguintes;

1) Para garantir o capital inicial de 59.855,75€ e de todas as responsabilidades assumidas nos termos do referido contrato, juros e todas as demais despesas, A...e mulher G... deram de hipoteca a favor do Banco E.... o imóvel identificado em F);

J) O contrato de mútuo mencionado em G) está sujeito ao regime de crédito com prestações constantes, bonificação decrescente, classe III, com o prazo de amortização de 300 meses, com início em 11 de Outubro de 1996, sendo o capital inicial de 59.855,75€, no qual referem que a “aquisição do imóvel se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”;

K) Como condição para a concessão do financiamento, os mutuários obrigaram-se a celebrar contrato de seguro de vida destinado a cobrir os riscos de invalidez permanente ou morte, invalidez absoluta e definitiva por doença e invalidez total e permanente por acidente, pelo valor mínimo do montante do empréstimo;

L) Antes da celebração do contrato de mútuo a que se alude em G), A...e mulher G... transferiram para a Companhia de Seguros D.... todos os riscos de invalidez permanente ou morte, através do contrato de seguro titulado pela apólice 53/550 e adesão n.° 00408891;

M) Ficou estabelecido que o prémio do contrato de seguro seria pago por débito na conta n.° ..... do Banco F... — dependência da Q..., do mesmo grupo;

N) O beneficiário era o réu Banco E...., na qualidade de credor hipotecário privilegiado;

O) Nos termos do contrato de seguro, a seguradora assumiu, entre outras, a obrigação de proceder ao pagamento ao Banco E.... do capital em dívida pelos mutuários em resultado do empréstimo, em caso de morte de qualquer deles;

P) O contrato de seguro, com todas as respectivas cláusulas, foi proposto a A...e mulher G... pelo próprio Banco E.... e celebrado aos seus balcões;

Q) Por carta datada de 17 de Abril de 2003, dirigida para a morada da Y...., o autor foi informado que a apólice de seguro Vida 53/550, adesão n.° .....havia sido anulada por falta de pagamento em 28 de Setembro de 1998 e que fora notificado pela ré D... no primeiro trimestre desse mesmo ano para a sua regularização, bem como para a consequente anulação, caso o prémio, no valor de 341,65€, não fosse liquidado. Informaram ainda que entraria em incumprimento ao estabelecido no documento complementar à escritura, já que a cobrança do seguro Vida é debitada em conta, a manter provisionada, de forma a se proceder a todos os pagamentos a que ficou obrigado pelo crédito à habitação;

R) O Banco F... remeteu para A...em 14 de Julho de 2003 a carta junta a fls. 35 dos autos, da qual consta, além do mais, o seguinte:

“Agradecemos mais uma vez a comunicação de V. Exa. e após análise do assunto, cumpre-nos reiterar as informações prestadas pelo balcão de W..., pelo que o prémio do seguro de vida apresentado a pagamento sobre a conta n.° ....., em 28 de Fevereiro de 1998, foi devolvido, em virtude da referida conta não se encontrar na referida data provisionada para o efeito.

Nesta conformidade, a D.... a enviou uma notificação, solicitando a respectiva regularização, sob pena de anulação da apólice de seguro em apreço, para a seguinte morada:

Y.....

Em virtude da regularização não se ter verificado nos meses subsequentes à notificação, a mesma foi anulada em 28 de Setembro de 1998.

(...).,,

S) O capital em dívida à data de 28 de Janeiro de 2003 era de 54.520,14€;

T) O autor pagou ao Banco F... ou Banco E...., desde 28 de Janeiro de 2003, o valor de 2.783,64€ de prestações mensais;

U) Após o falecimento de G..., a Companhia de Seguros D.... não pagou ao Banco E...., na qualidade de credor hipotecário privilegiado, o capital coberto pelo seguro;

V) O contrato de seguro do ramo Vida submetia-se às condições particulares e gerais enunciadas no documento junto a fls. 154 a 179, nas quais, além do mais, consta o seguinte:

A Cláusula 7.1 das Condições Gerais determina:

“O prémio acrescido dos encargos legalmente estabelecidos é devido anual ou mensalmente, por débito em conta bancária.

Em caso de não aprovisionamento da conta, a seguradora procederá em conformidade com o disposto no artigo 8.°.”

Por sua vez a Cláusula 8 declara:

“O não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à seguradora nos termos legais a faculdade de, após pré-aviso em carta registada com pelo menos oito dias de antecedência, proceder à anulação do certificado individual.”

W) No contrato de seguro junto a fls. 48 encontram-se manuscritas as seguintes moradas:

Morada de correspondência Y.....

Local de risco — X....

X) O autor, após ter tido conhecimento da realidade evidenciada na alínea U), dirigiu-se à delegação de W... do Banco F...;

Y) Onde solicitou uma explicação para o procedimento referido em U);

Z) Ocorreram transferências de valores entre contas de que o autor era titular;

AA) O Banco F... e com referência à conta indicada em M) sempre enviou os extractos de conta e restante correspondência para a morada dos autores na Y...;

BB) Só após a comunicação do falecimento da esposa é que, junto do autor, o banco tomador levantou a falta do seguro de vida;

CC) Sendo que antes não reclamou junto dele ou da esposa a efectivação de qualquer seguro de vida;

DD) O autor manteve no Banco F... várias contas de depósito;

EE) O gerente da agência de W... do Banco F... reuniu diversas vezes com o autor e alguns gerentes das suas empresas e não lhe comunicou a falta de pagamento do prémio do seguro;

FF)   Ou a sua anulação;

GG) O próprio Banco F... ignorava a resolução do contrato de seguro;

HH) As cartas juntas a fls. 35 e 38, 216 a 218, 226 a 232 foram endereçadas para a morada de X.....;

II) O autor deslocou-se várias vezes, em número não apurado, às dependências de W... e de K... do Banco F..., após o falecimento da esposa, para se esclarecer acerca do empréstimo e da vigência do seguro;

JJ) Nessas deslocações, o autor percorreu número não apurado de quilómetros;

KK) O autor efectuou chamadas telefónicas;

LL) Por se ter tratado de “aquisição de um imóvel destinado exclusivamente à habitação própria e permanente”, o autor gozou de crédito bonificado;

MM) No dia 1 de Janeiro de 1997 venceu-se o prémio relativo ao contrato de seguro identificado em L);

NN) No montante de 344,77€;

00) No dia 1 de Janeiro de 1998 venceu-se o prémio relativo ao contrato de seguro identificado em L);

PP) No montante de 341,654€;

QQ) Que não foi pago pelo autor nem pela sua falecida esposa;

RR) A agência do Banco F... da Q... informou a Companhia de Seguros D.... que o motivo da falta de pagamento dos prémios do seguro foi a falta de saldo suficiente;

SS) Na tabela de motivos de rejeição de transferências bancárias em vigor no Banco F..., a referência “3” significa conta sem saldo ou saldo insuficiente;

TT) A ré Companhia de Seguros D.... enviou ao autor a carta cuja cópia consta de fls. 263, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;

UU) Carta esta que foi expedida sob registo;

VV) A referida carta foi enviada para “ X...”;

WW) Decorrido o prazo mencionado na carta de fls. 263, o autor e a esposa não pagaram o prémio.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

1. Tendo a recorrente enviado ao recorrido carta expedida sob registo datada de 27/02/2008 em que concedeu prazo de 30 dias para o pagamento do referido prémio de seguro, sob pena de resolução do contrato de seguro do ramo vida, decorrido o prazo mencionado na referida carta como o recorrido e a falecida esposa não pagaram o prémio de seguro, verificou-se a resolução do mencionado contrato de seguro do ramo vida (artigos 432°, 433°, 434°e 436° todos do Código Civil, 33° do Decreto de 21 de Outubro de 1907, e 7.1 e 8.1 das condições gerais do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos), implicando a inexistência de obrigação da recorrente pagar o capital seguro (artigos 289°, 433° e 434° todos do Código Civil, 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907)?

2. A recorrente provou os elementos constitutivos da resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos e da excepção de não cumprimento?

Apreciando, diga-se que a declaração de resolução de contrato, fundada na lei ou em convenção, não se traduz em declaração negocial mas em simples acto jurídico e não está sujeita a forma especial (art. 436.º, n°1, do Cód. Civil) (Ac. STJ, 9-5-1995: CJ/STJ, 1995, 2.°- 66). Sendo que - art. 434º do Cód. Civil - se opera através de mera declaração unilateral do credor, a qual se torna irrevogável logo que chega ao conhecimento do devedor e que goza de eficácia retroactiva, salvo no que respeita aos contratos de execução continuada, relativamente às prestações já efectuadas (Ac. RP, 5-12-1996: CJ, 1996, 5.°-208). Quer isto dizer que a resolução do contrato, por falta de disposição especial, é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, como decorre do art. 433º do Cód. Civil (Ac. STJ, 28-11-1975: BMJ, 251 .°-172).

 A relação contratual pode, assim, com tal alcance, ser declarada extinta por uma das partes com fundamento na lei ou em convenção, mediante comunicação à outorgante, nisto consistindo a resolução do contrato. Até porque as partes podem convencionar uma cláusula resolutiva atribuindo a um deles o poder de extinguir a relação contratual se se verificar no futuro um facto incerto (art. 432º do Cód. Civil) (Ac. STJ, 9-5-1995: BMJ, 447.°- 502).

 Por sua vez, a restituição a fazer ao abrigo do art. 289.°, n.° 1, do Cód. Civil está subordinada às regras do enriquecimento sem causa, devendo operar-se a compensação das prestações quando for caso disso (Ac. RL, 17-1-1991: CJ, 1991, 1.°-133). A tanto se reconduzindo, legalmente, neste particular, a sustentação das alegações de recurso.

Isto, efectivamente, a pretexto de a seguradora recorrente - de acordo com o previsto nas cláusulas gerais 7.1. e 8. (alínea V) dos factos provados) - haver enviado ao primeiro autor e à sua esposa a carta referida na alínea TT) dos factos provados, na qual lhes concedeu o prazo de trinta dias para proceder ao pagamento, dizendo-lhes que no caso de não pagamento “o contrato considera-se resolvido ou reduzido, caso V. Exa. tenha adquirido esse direito, de acordo com o previsto nas Condições Gerais da Apólice” (fls. 263). Decorrido esse prazo, o autor e a esposa não procederam ao pagamento do prémio (alínea WW) dos factos provados).

Só que a perfeição contratual disciplinada pelos arts. 224.° a 235.° do Cód. Civil atinge-se quando o acordo entre as partes contraentes contem matéria bastante para alcançar o fim pretendido (Ac. RE, 22-11-1984: CJ, 1984, 5.°-310, e BMJ, 343.º-396). Tal impõe considerar que o Cód. Civil vigente, nos seus arts. 224.° e seguintes, consagrou a teoria da recepção, ainda que temperada pela teoria do conhecimento (Ac. STJ, 24-11-1984: BMJ, 331 .°- 461). Em tais termos, pressupõe-se, circunstancialmente, um tipo de declaração receptícia ou recipienda - declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário; e não uma declaração não receptícia (declaração que não carece para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, valendo logo que a vontade do declarante, se manifesta em forma legal) (Rui Alarcão, Confirmação, 1º, 180).

Dos Autos, sob tal ponto, evidencia-se - tal como assinalado - que

 a ré seguradora provou o envio da carta, sob registo (alíneas TT) e UU) dos factos provados), mais tendo provado que tal envio foi feito para a morada do prédio objecto do contrato de compra e venda que o mútuo contraído se destinou a financiar - “ X...” (alínea VV) dos factos provados).

Ou seja, o único facto que resulta dos autos quanto a este ponto, na verdade,

 é o que constava já da alínea X) dos factos assentes e foi acima transposto para a alínea W) dos factos provados: no boletim de adesão junto a fls. 33 e 48 (através do qual o primeiro autor e a sua esposa iniciaram a contratação do seguro aqui em discussão) constam duas moradas: Morada de correspondência — X.../ Local de risco — Y.....

O que traduz a designação de um individualizado domicílio electivo, estipulado, por escrito, pelas partes, para efeito do contrato de seguro celebrado, nos termos admitidos pelo art.° 84.° do Código Civil (Domicílio electivo), segundo o qual é permitido estipular domicílio particular para determinados negócios, contanto que a estipulação seja reduzida a escrito, como circunstancialmente foi, nos termos referidos.

Nesta evidência, o facto de se ter declarado que o prédio objecto da escritura de compra e venda se destinaria à habitação própria e permanente do primeiro autor e da sua esposa, com efeito, não arreda a convenção das partes de envio de correspondência para uma outra morada. Esta morada convencionada haverá, sempre, de prevalecer, pois resulta da vontade expressa de ambas as partes.

Assim, havendo sido convencionado um domicilio para o envio de correspondência, verifica-se que a carta através da qual a seguradora pretendeu operar a resolução do contrato de seguro foi enviada para uma morada diferente - “ X...” (alinea VV) dos factos provados).

Sem que se possa olvidar, vinculando, ainda a este propósito, a circunstância de a Recorrente se haver limitado a alegar o envio da carta e o facto de o ter feito sob registo (arts. 13.° a 15.° da contestação, a fls. 139). Além disso, veio ainda aos autos declarar que o envio foi feito sem aviso de recepção (fls. 275), pelo que nem através de tal documento pode o tribunal concluir pela recepção da carta.

O que legitima concluir, tal como foi feito, que

não se mostram demonstrados todos os requisitos de que dependia a resolução do contrato de seguro por parte da ré - apesar da prova da falta de pagamento do prémio, falta a prova do recebimento pelos autores da declaração de resolução do contrato. Não estando o contrato validamente resolvido, tem de se considerar que o mesmo vigorava plenamente entre as partes à data da ocorrência do sinistro - o falecimento da esposa e mãe dos autores.

Tudo isto a pretexto de que o ónus da prova (art. 342º do Código Civil) se traduz, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80). Pois se é certo que o ónus de alegar recai sobre a parte a quem incumbe o ónus da prova (RC, 5-7-1994: BMJ, 439.°- 662), certo é, também, que este artigo não impõe aos AA. a prova dos factos integradores da causa de pedir, mas sim dos factos constitutivos do direito (por ele) alegado (A. Varela, RLJ, 116.°- 342). O que decorre do seu nº2, ao estipular-se que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

Nestes termos, ex vi do disposto no art.° 342.°, n.° 2 do Código Civil, à ré cabia, pois, a prova de que a carta através da qual operou a resolução do contrato de seguro foi recebida pelo primeiro autor e pela sua esposa ou, pelo menos, que estes dela teriam tido conhecimento. O que esta, nos termos revelados, não logrou.

A recorrente invoca, ainda, que decorrido o prazo mencionado na referida carta como o recorrido e a falecida esposa não pagaram o prémio de seguro estaria consumada a excepção de não cumprimento do contrato.

Sobre isso, dir-se-á que a excepção de inadimplência (art. 428º do Código Civil) é um reflexo do sinalagma funcional, um corolário da interdependência das obrigações sinalagmáticas. Correspondendo a uma concretização do princípio da boa fé, é um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral.

Apesar de a lei apenas prever a hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, entende-se comummente que a excepção pode ser invocada ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro; só não poderá opô-la o contraente que devia cumprir primeiro (Vaz Serra, na RLJ, 105.°-283, e 108.°-155; P. de Lima e A. Varela, C. C. Anol., vol. 1, 3.ª ed., 381; A. Varela, Obrigações, vol. 1, 4. ed., 319, nota 4).

Aquele hipótese é de assimilar a de haver prazo para uma das obrigações e não o haver para a outra? Galvão Teles (Direito das Obrigações, 4. ed., 359) entende que sim. Mas a solução é duvidosa. Podendo, não obstante, dizer-se que, entre as obrigações que para ambas as partes derivam dos contratos bilaterais há correspectividade, no sentido de que cada uma delas é causa da outra (nexo causal recíproco). Contudo, interessa ver quais são as prestações interdependentes, visto que outras podem existir ao lado delas na relação contratual e a exceptio só aproveita às primeiras (Pires de Lima e Antunes Varela, no lug. cit.) (Ac.STJ, 11-12-1984:BMJ, 342.°- 357).

O que serve, igualmente, para dizer que a «exceptio» é aplicável a todos os contratos bilaterais, independentemente da estrutura particular assumida pelo sinalagma em algumas categorias desses contratos. Apenas não pode ser invocada entre obrigações não abrangidas pela relação sinalagmática (da contraprestação; não contrariedade à boa fé (Cf. José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 1986, 65 e ss.).

E, do mesmo modo, assim sendo, para validar a apreciação feita, segundo a qual

(…) a falta de pagamento do prémio por parte dos autores não legitima a recusa da seguradora em pagar o capital seguro (tal como não seria legítima a recusa do segurado em pagar o prémio por falta de pagamento de qualquer indemnização por parte da seguradora - veja-se neste sentido o acórdão da Relação de Lisboa de 06/11/1996, sumariado em www.dgsi.pt, com o n.° de processo: 004082).

Na verdade, se não existe interdependência entre as duas prestações, não pode a falta de cumprimento de uma servir de fundamento para a recusa no cumprimento da outra.

Consequentemente, a recorrente não provou os elementos constitutivos da resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos e da excepção de não cumprimento.

O que determina serem negativas as respostas atribuídas às questões com os nºs 1 e 2.

3. Não se encontram provados os elementos constitutivos do direito a indemnização de perdas e danos em consequência da efectuação de chamadas telefónicas, já que incumbia ao recorrido provar a verificação dos pressupostos do direito de indemnização por ele invocado, não incumbindopol à recorrente o ónus da prova da falta de verificação dos mencionados pressupostos, sendo que a falta de prova dos mencionados pressupostos impõe a absolvição da recorrente do pedido de indemnização contra ela formulado pelo recorrido?

A este respeito, configura-se como incontroverso que a possibilidade de recurso a juízos de equidade na fixação do montante indemnizatório, ao abrigo do disposto no art. 566°, n.° 3, do Cód. Civil, não dispensa o lesado do ónus da prova de factos de que o tribunal possa socorrer-se para objectivar o juízo de equidade, mesmo na fase de liquidação da condenação genérica (Ac. STA, 14-11-1996: BMJ, 461.°-244).

Ora, como vem apreciado e não sofreu impugnação factual, quanto aos danos patrimoniais, os autores alegavam ter gasto 250,00€ em chamadas telefónicas, resultando provado, apenas, que foram efectuadas as chamadas telefónicas (alínea KK) dos factos provados), mas não ficou provado o montante alegado.

Nesse condicionalismo, emerge, necessariamente, em termos apreciativos, que da conjugação do preceituado nos arts. 566°, n.° 2, do Cód. Civil e 661°, n°2, do Cód. Proc. Civil resulta que só cabe a aplicação do estabelecido neste último (relegando-se para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação do quantum da condenação, se não houver elementos para o fazer na ac

ção declarativa) nos casos em que a lei não imponha ou permita ao julgador o recurso à equidade para fixar a quantidade da condenação ou quando nem mesmo com recurso à equidade for possível a condenação em quantia certa. Por isso, na hipótese de obrigação de indemnização, estando acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exacto do prejuízo, o tribunal só deverá deixar de recorrer à equidade para fixar o montante da condenação se nem sequer lhe for possível, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deva fazer a fixação. A utilização da equidade, ainda que situada na fronteira entre a matéria de facto e a matéria de direito, está já do lado do direito, pelo menos naqueles casos em que lei expressa mande atender à equidade como fonte do direito (Ac. STJ, 10-7-1997: BMJ, 469.°- 524).

Tal significando que, também, foi equilibrado apreciar, no caso aqui em apreço não existir

nada que aponte no sentido da impossibilidade de quantificação concreta do valor gasto pelo primeiro autor em chamadas telefónicas relacionadas com o seguro de vida celebrado — basta pensar que através da simples junção da facturação detalhada dos telefones se poderá concluir pelo valor total gasto em chamadas relacionadas com este assunto. Assim, a quantificação do valor dos danos patrimoniais a ressarcir deverá ser relegada para liquidação posterior, sempre tendo como limite máximo o do pedido aqui formulado, nos termos do disposto no art.° 661.°, n.° 1 do Código de Processo Civil.

O que determina atribuir resposta negativa à questão em 3) configurada.

Consequentemente, a sentença recorrida ao decidir-se pela condenação parcial da recorrente nos pedidos não violou (questão nº4) o disposto nos artigos 289°, 428°, 432°, 433°, 434°, 436°, 562°, 563°, 564°, 798°, 804°, 805° e 806° todos do Código Civil, 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, 7.1 e 8.1 das condições gerais do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos.

Pode, assim, concluir-se que:

1. O Cód. Civil vigente, nos seus arts. 224.° e seguintes, consagrou a teoria da recepção, ainda que temperada pela teoria do conhecimento. Em tais termos, pressupõe-se, circunstancialmente, um tipo de declaração receptícia ou recipienda - declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário; e não uma declaração não receptícia (declaração que não carece para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, valendo logo que a vontade do declarante, se manifesta em forma legal).

2. A «exceptio» do art. 428º do Código Civil é aplicável a todos os contratos bilaterais, independentemente da estrutura particular assumida pelo sinalagma em algumas categorias desses contratos. Apenas não pode ser invocada entre obrigações não abrangidas pela relação sinalagmática.

3. Em tais termos, a falta de pagamento do prémio por parte dos autores não legitima a recusa da seguradora em pagar o capital seguro (tal como não seria legítima a recusa do segurado em pagar o prémio por falta de pagamento de qualquer indemnização por parte da seguradora). Pois que, se não existe interdependência entre as duas prestações, não pode a falta de cumprimento de uma servir de fundamento para a recusa no cumprimento da outra. Até porque a recorrente não provou os elementos constitutivos da resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos e da excepção de não cumprimento.

4. Da conjugação do preceituado nos arts. 566°, n.° 2, do Cód. Civil e 661°, n°2, do Cód. Proc. Civil resulta que só cabe a aplicação do estabelecido neste último (relegando-se para o incidente de liquidação na acção executiva a fixação do quantum da condenação, se não houver elementos para o fazer na acção declarativa) nos casos em que a lei não imponha ou permita ao julgador o recurso à equidade para fixar a quantidade da condenação ou quando nem mesmo com recurso à equidade for possível a condenação em quantia certa.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.