Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
138/08.6TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CASO JULGADO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.328, 497, 498, 671, 673 CPC
Sumário: 1. Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas pelas partes e solucionadas na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.

2. Procedendo uma acção de reivindicação em que o réu invocou, sem sucesso, como excepção peremptória, a aquisição originária do direito de propriedade do prédio reivindicado, através da usucapião, não pode o mesmo réu propor agora acção de reivindicação contra os ali autores, com fundamento na usucapião do prédio, por existir caso julgado.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1.J V (…), residente em (…), Castelo Branco, interpôs a presente acção declarativa de condenação, contra J N (…) e A P (…), casados, residentes na mesma localidade, pedindo:
A) Que seja declarada nula a compra a venda lavrada em escritura de 14/04/2004 do 1º Cartório Notarial de Castelo Branco;
B) Ser ordenado o cancelamento do registo predial respectivo e de todos os registos, posteriormente, operado a favor de pessoas diferentes do autor;
C) Sejam os réus condenados a reconhecer o autor como adquirente a domino e legitimo possuidor do prédio rústico designado “ ...” inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º da secção AX descrito na Conservatória Registo Predial de
Castelo Branco sob o n.º .../20042004 e;
D) Sejam os réus condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua, por parte do autor, o trato do terreno.
Alegou, em suma, ter negociado tal prédio verbalmente e tê-lo adquirido por usucapião, pois é possuidor do mesmo há cerca de 30 anos
Vieram os réus requerer que a presente instância seja declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, sob pena de violação do caso julgado, pois nos autos de processo ordinário com o nº 2018/05.8TBCTB, que corre termos no 3º Juízo deste Tribunal, o prédio atrás identificado, e que o ora autor pretende ver declarado como seu (sendo ordenado o cancelamento do registo predial respectivo a favor do réus), foi reconhecido como pertença dos réus (ali autores), apesar do ora autor (ali interveniente principal associado ao réu desses autos) se ter defendido por excepção alegando ser proprietário do dito prédio, por via de usucapião, o que foi considerado improcedente.
Do relatório da decisão ora em recurso consta que o A. respondeu (embora fisicamente não esteja junta aos autos a resposta do A.) opondo-se a tal pretensão, alegando que intentou contra os aqui RR, a presente acção, que tem como causa de pedir a invocação da aquisição por usucapião do referido prédio rústico, pedindo que os aqui RR, sejam condenados a reconhecê-lo como adquirente a domino e legitimo possuidor; que atento a fundamentação fáctico – jurídica, da douta sentença proferida naqueles autos do 3º Juízo, o aqui A. não logrou ilidir a presunção de titularidade desse mesmo direito, por via do registo predial, prevista na norma do art.º 7 “ex vi” do art.º 5, nº1, do C. Reg. Predial; contudo, o aqui A., aí interveniente principal limitou-se a aderir à contestação do aí réu; mercê de tal, não deduziu pedido que lhe permitisse lograr a demonstração dos pressupostos da usucapião; consequentemente, não foi produzida prova em contrário, que permitisse ilidir a presunção que o direito registado existe e pertence aos ora RR, com inscrição registral a seu favor; daqui que, o ora A. tenha intentado a 30.1.2008 esta acção destinada a obter a apreciação dos fundamentos que consubstanciam a aquisição do direito de propriedade por usucapião do prédio dos autos; concluiu que não se vislumbra como é que se podem retirar efeitos da douta sentença proferida naqueles autos, que permitam juridicamente integrar quer o “instituto” da inutilidade superveniente da lide quer a excepção de caso julgado; por outras palavras, a identidade da causa de pedir há que procurá-la na questão fundamental levantada nas duas acções e concluir que esta causa não se repete porque “não se propôs uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
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De seguida foi proferida a decisão recorrida, que julgou verificada a excepção de caso julgado e absolveu os RR da instância.
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2. O A interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam:
a) A presente acção tem como causa de pedir a invocação da aquisição por usucapião do prédio rústico identificado nos autos, pedindo o A. que os RR sejam condenados a reconhecê-lo como adquirente a domino e legítimo possuidor;
b) Assim sendo esta acção configurava-se como causa prejudicial em relação à que correu termos sob o nº 2018/05 do 3º Juízo do T. Castelo Branco, na qual o ora A. foi interveniente principal, não tendo aí deduzido pedido no sentido de comprovar a aquisição do prédio por usucapião, pois limitou-se a aderir à contestação do R. JVR...;
c) Apesar de ser prejudicial da presente acção a Sra. Juíza do processo 2018/05 não teve tal entendimento, tendo indeferido a suspensão da instância aí requerida, enquanto a Sra. Juíza do presente processo considera haver a excepção do caso julgado, por se a causa se repetir;
d) Ora, não se propôs uma acção idêntica à outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;
e) Assim, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção aduzida e em consonância sigam os autos os seus trâmites até final.
3. Os RR declararam prescindir de oferecer contra-alegações, por concordarem com a decisão recorrida.

II – Factos Provados

Além do que resulta do relatório que antecede, verifica-se da certidão emanada do dito processo 2018/05, junta aos presentes autos, que no mesmo foram autores os ora réus J N (…)e A P (…) e réus (..) e o ora A. J V (…), como interveniente principal passivo.
Os aludidos J N (…) e A P (…) alegaram ser proprietários do citado prédio rústico, por via de compra e venda, com inscrição registral a seu favor, e invasão do prédio pelo réu (…) e seu rebanho de animais, tendo pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre tal prédio rústico, e condenação do mesmo réu a abster-se, com os seus animais, de entrar no mencionado prédio.
O aí réu (…) contestou, reconhecendo entrar no dito prédio com autorização do possuidor do prédio, o ora A. J V (…), que até hoje tinha como proprietário, J V (…) que exerce a posse há mais de 30 anos, por o haver comprado verbalmente, tendo logo recebido autorização da vendedora para ocupar o prédio e cultivá-lo, explorando o prédio desde essa altura à sua vontade, como se fosse seu proprietário, agindo ininterruptamente, de forma pacífica, de boa fé e á vista de toda a gente.
Foi depois proferida sentença, já transitada em julgado, que decidiu:
- Reconhecer os autores (aqui réus) como donos e legítimos possuidores do prédio sito em “ ...”, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º da secção AX e descrito na Conservatória Registo Predial de Castelo Branco sob o nº .../20042004, com base na invocada aquisição derivada e respectiva inscrição registral, e
- Condenou os aí réus, a abster-se de entrar no prédio referido, com ou sem animais, considerando que o ora A. J V (…) não era possuidor do prédio, mas sim simples detentor, pelo que não havia adquirido tal prédio por usucapião.

III – Do Direito


1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts.º 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).
Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.
- Existência (ou não) de caso julgado.

2. O recorrente dá ênfase ao que foi decidido, no processo 2018/05, sobre eventual existência de causa prejudicial. Pouco importa, agora, o que aí foi decidido sobre essa questão. O que importa é apreciar a questão trazida em recurso a esta Relação, ou seja, saber se existe ou não a excepção de caso julgado.
Sabemos que o ora A. foi interveniente principal passivo nos autos 2018/05. Embora não saibamos se a sua intervenção foi espontânea ou provocada, para efeitos de caso julgado o regime é o mesmo.
De facto, a lei só dispõe para a intervenção provocada ao referir que se o chamado intervier no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele (art. 328º, nº 1, do CPC).
Mas a solução é a mesma para a intervenção espontânea, pois esta corresponde, do lado passivo, a uma defesa deduzida pelo interveniente contra o autor da mesma causa, constituindo-se o interveniente, com o seu acto, parte principal na causa pendente, pelo que a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa tem força de caso julgado em relação a tal interveniente, que fica na posição de parte principal (vide o ensinamento de A. Reis, CPC Anotado, Vol., I, pág. 528, e no mesmo sentido E. Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância, 1992, nota 110, pág. 226).
Por outro lado, quando a intervenção espontânea tiver lugar antes do despacho saneador o interveniente passivo ou contestará a pretensão do A., podendo defender-se por excepção, ou oferecerá contestação/reconvenção (art. 323º, nº 1, do CPC), ou se tal intervenção ocorrer depois de tal despacho o interveniente deduz simples requerimento, fazendo seus os articulados do réu (nº 3, de tal normativo).
Se a intervenção passiva for provocada, o interveniente ou oferece o seu articulado de contestação, podendo defender-se por excepção, ou oferece articulado de contestação/reconvenção, ou, então, faz seus os articulados do réu (art. 327º, nº 2, do CPC), salvo se intervier no processo passado o prazo legal, hipótese em que aceita os articulados do réu, parte a quem se associa (nº 4, do citado normativo legal).
Em qualquer caso, de intervenção espontânea ou provocada, a sentença apreciará o direito do interveniente, nos termos por si apresentados, via articulado próprio, conhecendo-se a sua defesa por excepção ou pedido reconvencional, ou via articulado de adesão aos articulados do réu, e consequentemente nos termos e limites apresentados por este (defesa por excepção ou reconvenção).
No caso concreto dos autos 2018/05, como resulta do relatório e factos provados supra, o (…) invocou entrar no prédio dos AA., aqui RR, por o autorizante J V (…)ser o possuidor do prédio rústico e o ter adquirido por usucapião. O ora recorrente interveio nesses autos aderindo ao articulado de contestação do réu (…), conforme afirma (embora em concreto não esteja comprovado pela certidão emanada de tais autos se a intervenção foi por oferecimento de articulado próprio ou por adesão). Ao aderir ao articulado de tal réu o ora recorrente aderiu aos termos precisos em que este apresentou a sua defesa. Como este réu se defendeu por excepção, invocando que o ora apelante J V (…) era o verdadeiro possuidor do prédio rústico e até o tinha adquirido por usucapião, colocou à consideração e apreciação do tribunal se o J V (…) era adquirente de tal prédio por usucapião. Tanto é assim que (como se vê da aludida certidão) na sentença proferida nos autos 2018/05, foram enumerados factos provados respeitantes à eventual aquisição do prédio, por usucapião, pelo J V (…) - factos J) a O) -, factos semelhantes aos que o apelante invocou na petição inicial da presente acção. E o tribunal na sentença proferida no aludido processo 2018/05 acabou por apreciar se o J V (…) era adquirente do mencionado prédio, por via de usucapião, tendo concluído que não (como se vê da indicada certidão).
Como a lei dispõe que o direito do interveniente principal será apreciado na sentença e a mesma constituirá caso julgado no que respeita a tal interveniente, cabe apreciar se ocorrem os requisitos legais do caso julgado.
Sem esquecer que, como é sabido, a excepção do caso julgado visa evitar que o tribunal duplique as decisões com idêntico objecto processual, ou seja contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior, ou decida duas vezes de maneira idêntica (art.º 497º, nº 2, do CPC).
Sobre os aludidos requisitos legais dispõe o art. 498º do CPC, que:
1- Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real.
A identidade de sujeitos tem lugar quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, não obstando à identidade das partes o facto de elas aparecerem no processo em posição inversa da que tiveram naquele em que foi proferida a sentença.
No caso em apreço, verifica-se existir coincidência entre as partes, pois o autor/recorrente foi réu na dita acção 2018/05 enquanto que na presente acção é A., e os ali AA são os aqui RR.
Quanto ao pedido, nos presentes autos o autor peticionou sejam os réus condenados a reconhecer o autor como adquirente a domino e legitimo possuidor do prédio rústico designado “ ...” inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º da secção AX descrito na Conservatória Registo Predial de Castelo Branco sob o nº .../20042004, e que sejam os réus condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua, por parte do autor o trato do terreno. Enquanto nos autos 2018/05 os aí AA, ora RR, pediram que fosse o réu condenado a reconhecer os AA como donos e legítimos possuidores do prédio rústico designado “ ...” inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º da secção AX descrito na Conservatória Registo Predial de Castelo Branco sob o nº .../20042004, sendo o réu condenado a abster-se de entrar no prédio dos AA, com ou sem animais.
Ora, daqui decorre coincidência de pedidos entre as duas acções no que concerne à declaração de reconhecimento do direito de propriedade relativo ao identificado prédio rústico.
No tocante à causa de pedir, nestes autos temos a alegação de factos, na p.i., dos quais decorre a aquisição originária, por usucapião, pelo autor, do mencionado prédio. Nos autos 2018/05 os aí AA, aqui RR, alegaram e provaram factos de onde decorreu a aquisição derivada e respectiva inscrição registral do seu direito de propriedade sobre o mesmo prédio. É certo que se trata de alegação e prova de direito de propriedade, por via de presunção registral não ilidida, mas para obviar ao mesmo e ao pedido de condenação dos réus a abster-se de entrar no prédio referido, com ou sem animais, o aí réu (…), em contestação, alegou os factos dos quais decorreria a aquisição, por usucapião, do dito prédio pelo ora A. nestes autos, J V (…), ali réu por intervenção principal, materializada em actos possessórios com certos caracteres, duração e intensidade (factos esses alegados, como atrás dissemos, em sede petitória nos presentes autos).
Pelo que, neste caso, se verifica existir coincidência entre a causa de pedir nos presentes autos e a defesa por excepção peremptória, a usucapião, apresentada nos autos 2015/08.
Não importando, ao contrário do que o apelante parece significativamente querer relevar nas suas alegações, que não tenha sido formulado pedido reconvencional. A questão da usucapião foi posta, por via de excepção, ao conhecimento do tribunal (no referido processo 2015/08) – o objecto da acção, posto pelos autores na petição inicial, foi assim alargado pela invocação da dita excepção, pelo que o objecto do litígio passou a abarcar a referida usucapião – questão que o tribunal apreciou (como não podia deixar de ser, nos termos do art. 660º, nº 2, do CPC), e julgou não se verificar.
O que acaba de se dizer nos dois últimos parágrafos traz à colação o que diz respeito ao alcance do caso julgado, certo que o art. 671º, nº 1, do CPC, dispõe que: Transitada em julgado a sentença … a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º….
Ora, sobre o alcance do caso julgado estabelece a lei no art. 673º do CPC, que: A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga; ….
Recordemos que naqueles autos 2015/08 foi decidido por sentença, já transitada em julgado:
- Reconhecer os autores (aqui réus) como donos e legítimos possuidores do prédio sito em “ ...”, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º da secção AX e descrito na Conservatória Registo Predial de Castelo Branco sob o nº .../20042004, e
- Condenar os réus a abster-se de entrar no prédio referido, com ou sem animais.
Na delicada questão dos limites objectivos do caso julgado, segundo alguma doutrina, que não seguimos, os limites objectivos do caso julgado confinam-se à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma (Castro Mendes, D. Proc. Civil, Ed. AAFDL, 1978/1979, Vol. III, pág.282/283, Anselmo de Castro, D. Proc. Civil, 1982, Vol. III, pág. 404, e Manuel Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1976, pág.334 e 335).
Entendemos mais curial um critério intermédio, mais moderado, que é professado por Prof. Vaz Serra, na Rev. Leg. e Jurisp., Ano 110, pág. 232, quando afirma reconhecer autoridade de res judicata àquela das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado – desde que se verifiquem os outros requisitos do caso julgado material. Igualmente Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol.III, pág. 253, ensina que “ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”. No mesmo sentido vai Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 578 e 579, e temperadamente L. Freitas, quanto às situações de preclusão das excepções invocadas ou invocáveis, em caso de condenação no pedido (dando como exemplo a procedência duma acção de reivindicação em que o réu, sem sucesso, invocara, como excepção peremptória, a acessão imobiliária, não podendo o réu vir depois propor uma acção de reivindicação fundada na mesma acessão), ou quando a contradição entre os fundamentos da 1ª e da 2ª decisão possa levar à inutilização prática dum direito que a 1ª decisão haja salvaguardado, in CPC Anotado, Vol. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 96º, pág. 183, e Vol. II, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 498º, pág. 350/351, e nota 2. ao artigo 673º, pág. 718/719.
A jurisprudência do STJ entre um critério restritivo puro, isto é, só a parte decisória e nada mais alcançaria foros de indiscutibilidade, e um critério amplexivo puro, isto é, todos os fundamentos da decisão integram caso julgado, vem, maioritariamente, adoptando este critério intermédio, moderado, dos limites objectivos do caso julgado, entendendo que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, antes abrangendo as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material - ver Acórdãos do S.T.J., de 3.5.1990, BMJ, 397, pág. 407, de 24.9.1992, BMJ 419, pág. 648, de 10.7.1997, CJ/STJ, T. II, pág. 165, 27.1.2005, Proc.04B4286, 5.5.2005, Proc. 05B602, 14.3.2006, Proc.05B3582, estes in www.dgsi, e 8.3.2007, CJ/STJ, T. I, pág. 98.
Ora, como acima referido, a questão da aquisição derivada do mencionado prédio, por compra e venda, e respectiva inscrição registral, pelos AA (aqui RR), na acção 2015/08, levou a que a pretensão dos ali AA fosse julgada procedente, com base na presunção legal registral de que beneficiaram por terem o prédio em apreço registado em seu nome. Consequentemente, foi julgado procedente, também, o segundo pedido dos AA para que os RR se abstivessem de entrar no aludido prédio com ou sem animais. Para chegar a esta parte injuntiva da sentença o tribunal teve que apreciar, preliminar e necessariamente, se o aí réu/interveniente principal, e ora A. J V (…), tinha adquirido tal prédio, por usucapião, como vinha invocado, em defesa por excepção, tendo concluído e julgado que tal não aconteceu.
Vemos, assim, que se verificam os pressupostos da excepção do caso julgado, porquanto a decisão proferida no processo 2018/05, de cuja fundamentação se colhe que o tribunal concluiu que o J V (…) não adquiriu o identificado prédio por usucapião, não pode ser agora contraditada, inutilizada na prática, pela pretensão do mesmo, na presente acção, que afinal adquiriu o falado prédio por usucapião, e sejam os réus (ali AA) condenados a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua, por parte do J V (…), o trato do terreno, alegando este materialidade semelhante à alegada naquela outra acção conducente à suposta mas não provada usucapião.
Não procede, pois, o recurso.
3.Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):
i) Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas pelas partes e solucionadas na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final;
ii) É o que ocorre quando numa acção se sentencia os aí AA como donos de um determinado prédio, condenando-se os RR a reconhecê-lo, e a abster-se de entrarem no dito prédio, e nesta acção foi invocada a excepção de usucapião, para obstar à procedência da pretensão dos AA, excepção que a sentença conheceu e solucionou negativamente, e depois um dos Réus nessa acção vem propor outra acção contra os ali AA, ganhadores da causa, invocando a aludida usucapião e peticionado que, por essa via, adquiriu o mesmo mencionado prédio.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso do A./apelante, assim se confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelo autor/recorrente.
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João Moreira do Carmo ( Relator )
Alberto Ruço
Judite Pires