Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
888/11.0TTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
CADUCIDADE
POSTO DE TRABALHO
EXTINÇÃO
PRESCRIÇÃO
CRÉDITO LABORAL
Data do Acordão: 05/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 337º, Nº 1 E 387º, Nº 2 DO CT/2009; 98º-B DO C.P.T..
Sumário: I – O prazo de 60 dias estipulado no nº 2 do artº 387º do CT/2009 é um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho.

II – Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos artºs 98º-B e segs. do C.P.Trabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.

III – Este preceito, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude, apenas excluindo quanto a eles a aplicação do prazo prescricional do artº 337º, nº 1 do CT/2009 que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.

IV - Em todos os outros casos de despedimento individual (p. ex., os despedimentos verbais), para cuja impugnação o trabalhador deva recorrer à forma de processo comum não existe prazo de caducidade do direito de acção e os créditos emergentes de despedimento ilícito ficam apenas abrangidos pelo regime de prescrição previsto no nº 1 do artº 337º do CT/2009.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou, em 29-09-2011, contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum alegando, designadamente, que foi objecto de um despedimento por extinção do posto de trabalho ilícito, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe, entre outros créditos que reclama, uma “compensação de 3 meses de vencimento no montante de € 1650,00”, “nos termos dos artigos 372.º e 366.º do CT” (v. art. 17.º da petição inicial), bem como uma “indemnização por não concessão dos prazos nos artigos 370.º e 371.º do CT – 275 €” (v. art. 33.º da petição inicial).

Alegou que o despedimento ocorreu em 31.05.2011.

Convocada audiência de partes, no seu decurso foi proferido despacho declarando ocorrer erro na forma do processo e mandando prosseguir a acção sob a forma do processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

Deste despacho não houve recurso.

A ré veio então apresentar articulado motivador do despedimento, alegando, designadamente, a caducidade da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, pelo decurso do prazo de 60 dias para a intentar.

O autor, notificado para contestar, veio reproduzir a petição inicial que apresentara.

A ré apresentou resposta.

No termo dos articulados foi proferido despacho saneador no qual se admitiu o pedido reconvencional, mas julgou-se procedente a excepção de caducidade do direito de impugnação judicial do despedimento e absolveu-se a ré dos pedidos referentes às quantias acima assinaladas (€ 1650,00 e € 275,00), uma vez que a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 31-5-2011 e acção foi intentada em 29-9-2011. No mais, determinou-se o prosseguimento do processo para apreciação dos demais “pedidos reconvencionais”.
 

É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar, pretendendo a revogação da decisão recorrida, com as consequências legais.

Alegando, conclui:

[…]

A ré não apresentou contra-alegações. 

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exmª Procuradora-geral Adjunta no sentido de se negar provimento ao recurso.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

A questão que se coloca é essencialmente esta: saber se ocorreu, ou não, caducidade do direito de acção do autor e se extinguiu pelo decurso do tempo o direito aos créditos considerados na decisão recorrida.

Vejamos:

Os factos a atender são os acima descritos.

O Sr. juiz a quo considerou ter ocorrido a caducidade do direito de acção de impugnação do despedimento, uma vez que, tratando-se de despedimento por extinção do posto de trabalho, comunicado por escrito, a acção judicial teria de ter sido intentada no prazo de 60 dias após o despedimento, nos termos do disposto no art. 387.º n.º 2 do CT/2009.

Dispõe essa norma:

O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, excepto no caso do artigo seguinte” [o artigo seguinte refere-se à apreciação judicial do despedimento colectivo e nele se prescreve que “a acção de impugnação do despedimento colectivo deve ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”]

No recurso, o apelante defende que a utilização na norma reproduzida dos termos “pode opor-se ao despedimento” explicita uma faculdade e não uma obrigatoriedade. Assim, na sua posição, se o trabalhador despedido quiser ver resolvida a sua pretensão com maior rapidez através do processo especial regulado nos arts. 98.º-B e segs. do CPTrabalho tem que recorrer a ela no aludido prazo de 60 dias; se o não quiser ou não puder, pode recorrer à acção comum, não vendo, em qualquer caso, caducado o seu direito de acção na impugnação do despedimento pelo decurso daquele prazo.

No regime do Código do Trabalho de 2003, no art. 435.º, n.ºs 1 e 2 dispunha-se que:“1 - A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador. 2 - A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso de despedimento colectivo em que a acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”.

A propósito desta última norma, a jurisprudência, designadamente a desta Relação vinha entendendo que esse prazo de um ano se tratava de um prazo de caducidade. Entre outros, no Ac. desta Relação de 6/11/2008 (in www.dgsi.pt, proc. 399/07.8TTLRA.C1), citado na decisão recorrida, considerou-se que este artigo 435º, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude, apenas excluindo quanto a eles a aplicação do prazo prescricional do art. 381.º n.º 1 do CT/2003 que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato. Esta posição é a que continuamos a defender.

E no caso do n.º 2 do art. 387.º do CT/2009 entendemos, também, que o prazo de 60 dias ali estipulado é, também, um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos arts. 98.º-B e segs do CPTrabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.

Esta interpretação é a que mais se aproxima da razão de ser de um prazo de caducidade do direito de acção de impugnação do despedimento no domínio do CT/2003 e que era a de estabilizar rapidamente a definição dos litígios emergentes dos despedimentos, evitando a eternização, com a inerente insegurança, dessa mesma definição.

É certo que a norma emprega os termos “pode opor-se ao despedimento” e não já a fórmula mais clara “tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento” que era utilizada no art. 435.º, nº 2 do CT/2003.

Mas não se compreenderia que a redução para um prazo tão curto como o de sessenta dias tivesse apenas como consequência a do trabalhador poder ou não optar pela acção especial, a qual em regra não tem como consequência a diminuição dos tempos de duração da acção de impugnação, mas antes a sua simplificação pelo lado da abordagem a ela pelo trabalhador. Se assim fosse, qualquer prazo de caducidade desapareceria – situação que não encontra apoio nos trabalhos legislativos – e os direitos relativos ao despedimento ilícito ficariam apenas abrangidos pelo regime da prescrição previsto no art. 337.º n.º 1 do CT/2009.

Por outro lado, a epígrafe do artigo 387.º, “apreciação judicial do despedimento”, ilumina a disposição do seu n.º 1, quando este refere que a “ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador”, e é a que corresponde ao n.º 1 do art. 435.º, nº 2 do CT/2003. Os termos “pode opor-se ao despedimento” devem, assim, ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de acção judicial regulada na lei adjectiva, no caso o Código de Processo do Trabalho.

O CPT veio regular a acção desenhada no art. 387.º n.º 2 do CT/2009, quando este já tinha desenhado uma forma adjectiva para a mesma (“apresentação de requerimento em formulário próprio”). E estabeleceu uma forma especial para a impugnação dos despedimentos fundados em motivos disciplinares, por inadaptação ou extinção do posto de trabalho. Assim, prevendo-se processo especial, não pode recorrer-se ao processo comum nos termos do disposto no art. 48.º n.º 3 do CPT.

No preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13/10, consignou-se o seguinte:

“Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (…)

Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.” (sublinhado nosso).

Resulta do transcrito que a intenção do legislador foi a de estabelecer um prazo de caducidade para as acções de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador. Em todos os outros casos de despedimento individual (p. ex., os despedimentos verbais), para cuja impugnação o trabalhador deve recorrer à forma de processo comum não existe prazo de caducidade do direito de acção e os créditos emergentes de despedimento ilícito ficam apenas abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT/2009. O contributo da parte do preâmbulo transcrito encontra apoio na letra da lei, conjugando as normas substantivas e adjectivas.

Ou seja, a decisão recorrida está correcta quando declarou a caducidade do direito de acção do autor de impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho, por ele alegado e que lhe foi comunicado por escrito, uma vez que o despedimento (data declarada da cessação do contrato) ocorreu em 31-5-2011 e acção foi intentada em 29-9-2011, portanto, mais de 60 dias depois da primeira data.

A consequência é, então, a de se considerarem extintos pelo decurso do tempo os créditos que forem efeito da ilicitude do despedimento, tal como é nossa posição, como dissemos.

Importa, assim, verificar se os concretos pedidos do autor que foram, por esse motivo, julgados improcedentes são ou não emergentes de despedimento ilícito.

Esses pedidos reportam-se a dois distintos créditos:

O primeiro refere-se à “compensação de 3 meses de vencimento no montante de € 1650,00”, “nos termos dos artigos 372.º e 366.º do CT” (v. art. 17.º da petição inicial).

O segundo a uma “indemnização por não concessão dos prazos nos artigos 370.º e 371.º do CT – 275 €” (v. art. 33.º da petição inicial).

Ora o primeiro dos aludidos créditos reporta-se à compensação por despedimento lícito por extinção do posto de trabalho, como aliás a ré reconhece no art. 28.º da sua resposta à “reconvenção”.

Esse pedido não deve ser assim julgado improcedente por força da caducidade da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Já o mesmo não sucede com o outro pedido, o qual se relaciona com a irregularidade do procedimento para o despedimento.

Por tudo isto, a apelação procederá apenas parcialmente, com a revogação parcial da decisão recorrida no que toca à absolvição da ré do pedido de pagamento da compensação de € 1.650,00.


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III- DECISÃO

Termos em que, na procedência do recurso, se delibera julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida no que toca à procedência da excepção de caducidade, mas revogando-se a mesma no que toca apenas à absolvição da ré do pedido de pagamento da compensação de € 1.650,00 por despedimento lícito por extinção do posto de trabalho, determinando-se o prosseguimento do processo para conhecimento também desta questão.

Custas pelas partes, na proporção de metade para cada.


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Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Manuela Fialho