Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1566/17.1 T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO;
DECISÃO POR DESPACHO JUDICIAL;
NÃO OPOSIÇÃO TÁCITA;
(DES)NECESSIDADE DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO;
NULIDADE
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 64.º DO RGCO; ART. 120.º, N.º 2, AL. D), DO CPP
Sumário:
I – No caso, verificado nos autos, em que o arguido impugnou a matéria de facto contida na decisão administrativa, solicitou a realização de diligências tidas como relevantes para a sua defesa e arralou testemunhas, a posição silente daquele perante a notificação de despacho judicial proferido, “para em 10 dias, informar nos autos se se opõe a que a decisão final seja proferida sem a realização de audiência de julgamento, com a expressa advertência de que assim se considerará caso nada seja dito no referido prazo”, não corresponde a não oposição (tácita) à decisão por simples despacho, porquanto o despacho acima transcrito não mencionou, como era exigível, no referido contexto, os motivos da irrelevância da prova oferecida pelo contestante.
II – A violação do direito de defesa por preterição da realização da audiência de julgamento – diligência essencial para a descoberta da verdade – constitui nulidade enquadrável na al. d) do n.º 2 do art. 120.º do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. Por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária foi o arguido AA, melhor identificado nos autos, condenado, pela prática, a título de negligência, de uma contra-ordenação ao disposto no artigo prevista nos artigos 27º, nº 2, alínea a) 138º e 145º, alínea c) do Código da Estrada, na coima de € 120 (cento e vinte euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias.

2. Inconformado o arguido impugnou judicialmente a decisão.

3. Recebido o recurso – que correu sob o n.º 1566/17.1T9LRA na Comarca de Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Juízo Local Criminal de Leiria - Juiz 3, por despacho de 24-01-2018 decidiu o tribunal pela sua parcial procedência e, em consequência, reduziu para 75 (setenta e cinco) dias a sanção acessória de proibição de conduzir.

4. Não se conformando com o assim decidido recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

“A) Na decisão ora recorrida houve erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada para alem da não boa aplicação do direito;

B ) Assentou apenas, no teor do auto de noticias e este tem a sua força probatória por decorrência do disposto no Art. 169º do CPP, que é aplicável ao processo contraordenacional por via do disposto no Art 41 N° 1 do Dec. Lei Nº 433/92, que não lhe atribui expressamente um valor probatório dado que se consubstancia num documento autêntico, ou seja, reveste apenas de força probatória quanto aos alegados factos percepcionados-presenciados e observados pelo agente autuante, no caso, por quem o lavrou e não aos factos em si mesmos;

C) Não existindo um verdadeiro ónus probatório em sentido formal, vigorando o principio da aquisição da prova articulada com os princípios da investigação o da verdade material e da presunção da inocência do arguido, impõe-se que o tribunal construa os suportes da sua decisão por apelo aos meios de prova validamente produzidos e independentemente que os ofereceu, investigue e esclareça também para a produção das provas que o tribunal necessárias, inclusive para questionar o próprio auto de noticias, podendo por em causa e em duvida a veracidade das alegadas comprovações e verificações que dele constem. Ora, ao decidir como decidiu, por simples, perdoe-se a expressão "despacho " ao tribunal apenas era-lhe permitido conhecer questões de direito. E tendo o recorrente impugnado expressamente, no seu recurso de impugnação, os factos que lhe "são” imputados pela autoridade administrativa e oferecido prova quanto a esses factos, só a prova produzida em audiência de julgamento poderia motivar a matéria de facto que sustenta a condenação do mesmo, sob pena de vir e ter sido condenado sem ter a possibilidade de se defender oferecendo meios de prova quanto aos factos que lhe foram imputados e que constitui uma clara violação das garantias de defesa e do principio do contraditório. Tudo para mais quando esta realidade reporta-se ao facto vertido no aparelho de radar que não é susceptível de ser repartido para efeitos de contraprova abrangendo a fé em juízo, erradamente, esta força probatória.

Tudo isto sem esquecer que, também, a douta decisão recorrida não considerou nem atendeu, o que foi suscitado, em termos de nulidade, ou seja, não se pronunciou no que também era pressuposto para a defesa do recorrente, a verificação dos pressupostos da punição, sua intensidade bem como em relação a quaisquer circunstâncias relevantes na determinação da sanção aplicável (…).

D) Os documentos são meios de prova e não os factos, enunciando assim feitos sobre os factos e afirmando implicitamente a verdade sobre os mesmos, considerando que a realidade é aquilo que as coisas ou os factos são em si mesmo e a verdade aquilo que deles sabemos ou tentamos saber;

E) A douta decisão recorrida não considerou nem atendeu a nulidade suscitada, mormente pronunciando-se sobre o que foi alegado pelo recorrente para a sua defesa, e que é relevante, ou seja, que conheça os factos que lhe são imputados, especialmente no que respeita a verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade bem como em relação a quaisquer circunstâncias relevantes na determinação da sanção aplicável, contendo todos os factos e a sua descrição concreta;

F) Não foram atendidas as demais circunstâncias atenuantes e a exclusão da culpa, presumindo-se, ao contrário, sem qualquer prova produzida, que o mesmo não agiu com o cuidado a que estava obrigado;

G) O auto de notícias quando valorado pelo tribunal em termos de prova "pericial” devera sê-lo, a três níveis, ou seja, quanto à sua validade. No que envolve a sua regularidade formal, quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e a própria conclusão;

H) O auto de notícias só faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante até prova em contrário, alias conforme no mesmo sentido estabelece o código de processo, infracções que presenciaram as autoridades, sendo que esta fé não obsta a que o tribunal possa mandar proceder a quaisquer diligências que julgue necessárias para a descoberta da verdade, com a prova a ser produzida em julgamento

I) Este julgamento não se destina apenas à reprodução do auto de notícias, servindo também para a produção das provas que o tribunal repute necessárias, inclusive para questionar o próprio auto de notícias, podendo pôr em causa e em dúvida a veracidade das alegadas comprovações e verificações que dele constem.

J) O Tribunal ao decidir como decidiu, por simples, perdoe-se a expressão “despacho” era-lhe apenas permitido conhecer questões de direito.

K) Tendo o recorrente impugnado expressamente, no seu recurso de impugnação, os factos que lhe são imputados pela autoridade administrativa e oferecido prova quanto a esses factos, só a prova produzida em audiência de julgamento poderia motivar a matéria de facto que sustenta a condenação do mesmo, sob pena de vir e ter sido condenado sem ter a possibilidade de se defender, oferecendo meios de prova quanto aos factos que lhe foram imputados e que constitui uma clara violação das garantias de defesa e do principio do contraditório.

L) Esta realidade reporta-se ao facto vertido no aparelho de radar que não é susceptível de ser repartido para efeitos de contraprova abrangendo a fé em juízo, erradamente, esta força probatória.

Termos de nulidade, ou seja, não se pronunciou no que também era pressuposto para a defesa do recorrente, a verificação dos pressupostos da punição, sua intensidade bem corno em relação a quaisquer circunstâncias relevantes na determinação da sanção aplicável, contendo todos os factos e a sua descrição concreta, passando pela referência a um dos requisitos legais e que é a situação económica do recorrente, necessário na determinação da sanção.

Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.”

5. A Exma. Procuradora Adjunta respondeu ao recurso, concluindo:

“1. Decidiu a Mma. Juiz a quo, quando julgou o recurso parcialmente procedente reduzir, a sanção acessória de proibição de conduzir de 90 dias para 75 dias.

2. A Douta decisão recorrida debruçou-se, e decidiu, todas as questões suscitadas pelo recorrente em sede de impugnação da decisão administrativa.

3. O recorrente, e o seu Ilustre Mandatário, foi devidamente notificado para em 10 dias, informar os autos se se opunha a que a decisão final fosse proferida sem realização de audiência de julgamento, com a expressa advertência de que assim se consideraria caso nada seja dito no referido prazo, nos termos do disposto no art.º 64.°, n.º 2 do DL n.º 433/82 de 27.10).

4. Os elementos probatórios dos autos constavam da decisão impugnada e foram dados a conhecer ao recorrente, pelo Tribunal, no momento do recebimento da impugnação.

5. O recorrente assumiu ter conduzido a viatura dos autos, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na decisão administrativa

6. Inexiste motivo para duvidar da exactidão e correcção do resultado do cinemómetro constante dos autos e validamente obtido.

7. Improcedem, totalmente, as nulidades invocadas pelo recorrente.

8. Porquanto o recorrente praticou uma contra-ordenação grave (nos termos das disposições conjugadas dos artigos 27.° e 145.°, n.º 1 al. b) do Código da Estrada) e decorre do seu registo individual de condutor que já foi condenado pela prática, nos 5 anos anteriores à prática da infracção em causa, de 2 contra-ordenações graves, não é, legalmente, admissível a requerida suspensão da execução da sanção acessória aplicada.

9. Face à factualidade dada como provada decidiu-se reduzir aquela sanção acessória de 90 dias para 75 dias, por considerar que tal sanção acautelaria as finalidades de punição do caso dos autos.

10. Apenas se pode concluir que bem andou a Mma. Juiz quando decidiu julgar o recurso interposto parcialmente procedente e, em consequência, decidiu reduzir, a sanção acessória de proibição de conduzir de 90 dias para 75 dias.

Aguardamos a decisão de V. Exas. que é, decerto, a mais Justa!

Concluindo, dir-se-á, que se nos afigura que deve ser negado provimento ao recurso e mantida sentença recorrida, que não viola nem posterga qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as invocadas pelo arguido/recorrente.”

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

7. Na Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o visto.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995.

Consequentemente nos presentes autos importa decidir:

- se o silêncio do arguido, na sequência da notificação para o efeito do artigo 64º do RGCO vale como assentimento ou não oposição a que a decisão seja tomada por mero despacho;

- se ocorre nulidade por omissão de pronúncia sobre as questões de Direito e relativas à matéria de facto que foram oportunamente suscitadas pelo recorrente em sede de impugnação judicial;

- se ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova;

- e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada,

- valor probatório do auto de noticia, considerando que a autoridade policial não presenciou o facto, vertido no aparelho de radar.

*

2 - Sinopse processual relevante:

- em 30-06-2017 - cfr fls 30 - o MP requereu fosse designada data para realização da audiência de julgamento.

- Por despacho de 11-07-2017,- cfr fls 37 - foi determinada a notificação do recorrente e do MP, “para que no prazo de 10 dias, informem os autos se se opõem a que a decisão final seja proferida sem a realização de audiência de julgamento, com a expressa advertência de que assim se considerará caso nada seja dito no referido prazo, nos termos e para os efeitos previstos no art 64º nº 2 do RGCO (DL 433/82 de 27-10.

Após a referida notificação o MP - cfr fls 40 - em 12-07-2017 declarou nada ter a opor que a decisão final fosse proferida por simples despacho.

- Em 21-09-2017 - cfr fls 46 - o MP promoveu, face ao silêncio do mandatário do arguido, que fosse designada data para realização da audiência de julgamento.

- Em 23-11-2017 - cfr fls 58 - o MP renovou a promoção de fls 46.

- Em 24-01-2018 foi proferida decisão por despacho judicial - cfr fls 78. Assinala-se que a decisão recorrida contém um lapso na indicação da data da infracção, conforme se constata em fls 1 e 3.

- Inconformado e tempestivamente o arguido interpôs o recurso agora em apreciação.

- Na sequência da decisão da autoridade administrativa, reagiu o recorrente mediante a impugnação judicial de fls. 20 a 23, na qual pôs em causa o auto de noticia que considerou nulo, com a consequente nulidade da decisão administrativa, a factualidade ali vertida, concretizando os motivos de facto, em razão dos quais, entendia, não lhe poder ser a conduta imputada, mormente a avaria do cinemómetro, pondo em causa a sua calibragem e a habilitação dos utilizadores. Solicitou a realização de duas diligências no sentido de se apurar se o aparelho aferidor estava devidamente calibrado e se os agentes que o manusearam tinham específica e concreta formação que os habilitasse a tal. E arrolou uma testemunha - cfr fls 23.

3. Apreciando

Insurge-se o recorrente, além do mais, contra a circunstância de o tribunal a quo ter interpretado o seu silêncio, na sequência da notificação que lhe foi dirigida, em cumprimento do despacho exarado a fls. 37, no sentido de assentimento/não oposição a que a decisão fosse proferida mediante despacho, o que, aduz, resultou em prejuízo do seu direito de defesa, tanto mais que decorre da impugnação judicial a essencialidade da audição da prova testemunhal, expressamente arrolada, por impugnação da matéria de facto.

Com tal fundamento, como forma de garantir o exercício do seu direito de defesa e do principio do contraditório, pugna pela revogação da decisão proferida.

É manifesta a precedência de tal questão relativamente às demais colocadas, cuja decisão pode prejudicar o conhecimento das restantes.

Como supra se assinalou na sinopse, realizada a notificação, no caso do arguido, acompanhada de cópia do despacho, veio o Ministério Público, expressamente, manifestar a sua não oposição à decisão por despacho, tendo-se aquele remetido ao silêncio, após o que, posteriormente promoveu a realização da audiência de julgamento.

Perante o que entendeu o tribunal face à não oposição do recorrente e a uma das posições do Ministério Público, decidir por simples despacho, ora em crise.

Vejamos:

Dispõe o artigo 64º do RGCOC - Decisão por despacho judicial:

«1 – O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.

2 – O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.

É consensual na doutrina e na jurisprudência ser necessária a conjugação dos factores, inscritos no n.º 2, para que a decisão tenha lugar mediante despacho.

Neste sentido, os Cons. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral «Consideramos, assim, adquirido que a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá decidir através de despacho.

(…)

Os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.

Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória … ou peremptória …, ou a questão que é objecto de recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento – cf. “Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, 3.ª Edição, Almedina, págs. 228/230.”

Também António Beça Pereira a propósito entende que «Da conjugação coordenada copulativa e utilizada neste n.º 2, resulta, claramente, que estamos perante dois requisitos cumulativos, a saber: 1.º O juiz considera desnecessária a realização da audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se opõem à decisão do recurso por despacho» - cf. “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 7.ª Edição, Almedina, pág. 134.

E o mesmo defende Paulo Pinto de Albuquerque: «Para a decisão por despacho são necessárias três condições cumulativas: (1) o juiz considerar desnecessária a audiência de julgamento; (2) o arguido não se opor à decisão por despacho, nem requerer produção de prova e (3) o MP não se opor à decisão por despacho. Faltando uma das condições, o juiz tem de marcar audiência de julgamento …» - cf. “Comentário do Regime Geral das Contra – Ordenações”, Universidade Católica Editora, págs. 265/266.

Importa ainda determinar o valor a atribuir ao silêncio do arguido, atendendo até à circunstância de, na sua impugnação, ter indicado uma testemunha.

Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações. Anotações ao Regime Geral”, 5ª edição, Setembro de 2009, Vislis, p. 550, entendem que o juiz não pode decidir por despacho, uma vez que deve entender-se que constitui manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência – tese seguida na jurisprudência, entre outros, os Acs. da RP de 25/10/2006 (Pº 643695), de 17/9/2008 (Pº 2397/08) e de 4/2/2009 (Pº 816413), todos disponíveis in www.dgsi.pt e Ac. RL de 4/3/1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, tomo II, pág. 164.

Já para outros, entre os quais António Beça Pereira, in “Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, em anotação ao mencionado art.º 64º, a oposição exigida pelo n.º 2 do art.º 64.º tem de ser expressa e inequívoca, não podendo ser tida por oposição a circunstância do arguido, na impugnação judicial ter arrolado testemunhas – neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 17.10.2001 (Pº 111027), de 24.01.2007 (Pº 615898) e de 09.02.2009 (Pº 846813), bem como Ac. da Relação de Évora de 11/10/2011 (Pº 272/11.5TBLGS), todos disponíveis in www.dgsi.pt»

Revertendo aos autos e perante a similitude da situação, afigura-se-nos optar pela solução do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.01.2008, do qual se extracta:

«Em termos gerais, a “não oposição” pode ser expressa ou meramente tácita. Porém, não decorrendo da citada norma que a não oposição tácita tem o mesmo valor da expressa, essa consequência terá necessariamente de ser comunicada ao acoimado, isto é, se nada disser no prazo concedido, se terá por assente que não se opõe a que a causa seja decidida “através de simples despacho”.

E a necessidade dessa cominação será ainda maior naqueles casos – como o presente -, em que o acoimado, na impugnação judicial, negue os factos e ofereça prova testemunhal. É que, independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida das questões colocadas na impugnação depois de produzir a prova que ofereceu, ou depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante.

Ora, in casu, o despacho de fls. 37 não contem tais razões, por isso que atenta a forma como foi efectuada a notificação, não podia o Ex.mo Sr. Juiz a quo concluir pela “não oposição”…

A decisão por despacho nos casos em que não tiver sido validamente obtida a não oposição do MºPº ou do arguido a tal forma de decisão «constitui uma nulidade processual susceptível de ser enquadrada na al. d) do n.º 2 do art. 120º do CPP, pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ele deva considerar-se como essencial para a descoberta da verdade» - vide Simas Santos e Lopes de Sousa, em anotação ao RGCO, pág. 376» - cf. CJ, Ano XXXIII, T. I, 2008, págs. 294/295.

Revertendo aos autos, é notório que não podia o julgador, sem ofensa do contraditório e portanto das garantias de defesa, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho, atenta a impugnação dos factos e a apresentação de prova, dos quais pretendia extrair uma realidade incompatível com a prática da contra-ordenação por que foi condenado.

Como se assinalou, o despacho proferido não menciona os motivos da irrelevância da prova arrolada pelo que não poderá a ausência de resposta ser interpretada como não oposição a que a causa seja decidida através de simples despacho, especialmente porque impugnou a matéria de facto, solicitou a realização de diligências relevantes para a sua defesa e arrolou testemunha.

A violação do direito de defesa na preterição da realização da audiência de julgamento – diligência essencial para a descoberta da verdade -, constitui uma nulidade processual, enquadrável na al. d), do n.º 2, do artigo 120º do CPP, no caso atempadamente suscitada - artigos 410.º, nº 3 do CPP e 73.º, n.º 1, al. e) do RGCO, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que designe data para a realização do julgamento.

“De facto, a audiência de julgamento não se destina apenas à «reprodução» do auto de notícia, antes servindo também para a produção de provas que o juiz considere necessárias – necessárias, designadamente, para questionar o próprio auto de notícia, pondo em dúvida a veracidade das «comprovações» ou «verificações» materiais dele constantes... Além disso, há-de ela subordinar-se, por imperativo constitucional, ao princípio do contraditório (cf. o art. 32.º, n.º 5, da CRP) e, bem assim, de realizar-se com observância dos demais princípios que a regem (o da oralidade e o da imediação).

A verdade, porém, é que o radar pode estar avariado ou mesmo não ser preciso, apesar de oficialmente aprovado. Mas, mesmo nessas hipóteses, o direito à defesa e o princípio do contraditório não são afrontados. É que, sabendo-se qual foi o aparelho que, em cada caso, se utilizou, o réu sempre terá a possibilidade de questionar a medição efectuada e, assim, de contraditar o meio de prova em causa. Bastará para tanto requerer que o juiz mande verificar o estado de funcionamento do aparelho, fazendo testar a correcção das medições por ele efectuadas, e que mande, bem assim, averiguar se entretanto o mesmo foi objecto de qualquer reparação. E, ainda que o réu o não requeira, sempre o juiz o pode mandar fazer por sua iniciativa, desde que se lhe suscitem dúvidas sobre qualquer desses pontos. Se, depois de tudo isto, ficar a pairar qualquer dúvida séria no espírito do julgador sobre a exactidão do registo, constante do auto, relativo à velocidade a que seguia o infractor, é bem sabido que uma tal dúvida só pode beneficiar o réu, pois que é da inocência deste que no processo penal o juiz tem sempre de partir, sendo à acusação que cumpre convencer da culpabilidade do réu, carreando as necessárias provas incriminatórias (in dubio pro reo). Ora, o que vem de dizer-se é quanto basta para se poder concluir que o processo, mesmo com a disciplina do art. 64.º, n.º 5, do CE., oferece ao réu «todas as garantias de defesa»: ele serve, com efeito, as necessidades de defesa que no processo se fazem sentir quando está em causa uma infracção do tipo daquela de que os autos dão conta.” - Ac TC de 30/09/2003 Processo n.º 525/02 - Relator – Cons. Paulo Mota Pinto Lisboa, Maria Fernanda Palma, Mário José de Araújo Torres, Benjamim Rodrigues, Rui Manuel Moura Ramos.

Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que designe data para realização da audiência de julgamento.

Sem tributação.

Coimbra, 16 de Maio de 2018

(Texto processado e integralmente revisto pela signatária – artigo 94.º, n.º 2, do CPP.)

Isabel Valongo (relatora)

Jorge França (adjunto)