Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
969/07.4TTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
DIREITOS DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA - 1ª SEC. TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 151º DO CPT; 31º DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (LAT/97).
Sumário: I – Em caso de acidente de trabalho simultaneamente de viação, causado por facto ilícito de terceiro, o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação, um pelo risco, perante o empregador, e outro por facto ilícito culposo, perante terceiro, mas as indemnizações decorrentes do exercício desses direitos não são cumuláveis no que respeita aos mesmos danos a reparar.

II – Se o sinistrado recebe do terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta ainda não a tiver pago, considera-se desonerada da respectiva obrigação no limite do montante pago.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A seguradora autora instaurou contra o réu acção especial de declaração de extinção de direitos resultantes de acidentes de trabalho, nos termos previstos nos arts. 151.º e segs. do CPT, pedindo em via principal que seja declarada a extinção/perda definitiva do direito à pensão remanescente anual, vitalícia e actualizável, sendo exonerada, de modo definitivo, das suas responsabilidades em relação ao réu e decorrentes de acidente de trabalho ou, subsidiariamente que, seja declarada a extinção parcial/perda parcial do direito à pensão remanescente anual, vitalícia e actualizável que foi atribuída ao mesmo e durante o período em que o capital atrás referido permita consumir os valores da já referida pensão anual e vitalícia.

Para tanto, em síntese, alegou: a existência de um acidente de trabalho simultaneamente acidente de viação e que no âmbito da acção (acção principal em relação à presente acção) emergente de acidente de trabalho apensa foram fixadas as prestações em dinheiro devidas pela responsabilidade infortunística e por si assumidas; que em consequência da componente viária do sinistro, foi instaurada acção para efectivação de responsabilidade civil automóvel contra a “A..., S.A” que, correu termos no Tribunal Judicial de Penacova com a Ref.ª ... que no âmbito dessa acção foi fixada a quantia de € 80.000,00 a título de danos não patrimoniais (danos futuros), tendo sido deduzido o valor de € 22.112,70 correspondente a valores de pensões anuais e vitalícias incluindo o capital de remição parcial recebidos pelo réu até àquela data (03.02.2014), restando assim uma diferença de € 57.887,30.

O réu contestou, manifestando o entendimento que, quer da letra, quer do espírito do acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º ... , resulta que aos indicados € 80.000,00 apenas serão deduzidas as pensões que o autor tenha recebido da B... até ao momento em que a ré liquidar a indemnização, ou seja, apenas é dedutível o montante de € 22.112,70 e, não quaisquer outros montantes que posteriormente e, enquanto viver, o sinistrado tenha direito a receber das pensões a que a autora “ B... ” se constitui no dever de as pagar.

Realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a acção e condenar o réu «a reconhecer que o pagamento da pensão anual e vitalícia devida pela seguradora – “ B... - , S.A” -, se encontra suspensa até perfazer o montante de 57.887,30 € (cinquenta e sete mil, oitocentos e oitenta e sete euros e, trinta cêntimos), a partir do trânsito em julgado da presente decisão».

Inconformado, o réu interpôs apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

[…]

A autora apresentou contra-alegações, concluindo:

[…]

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da manutenção do julgado.


*

II- OS FACTOS:

Na sentença recorrida consignou-se a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

III. Apreciação

As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa resolver, no âmbito das conclusões do recurso, consiste em saber se na sentença recorrida se decidiu ou não correctamente quando se determinou a suspensão do pagamento da pensão anual e vitalícia devida pela seguradora autora até perfazer o montante de € 57.887,30.

Vejamos:

Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte, designadamente, para fundamentar a decisão tomada:

«Considerando a pretensão formulada nos autos pelo A., assume particular relevo o art. 31.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de setembro), que previne para a hipótese de o acidente ser causado por companheiro de trabalho ou por terceiros, sendo que o interesse deste normativo reside no especial regime que estabelece sempre que o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação: um pelo risco, perante a empregadora; outro por facto ilícito culposo, perante terceiro que tenha “causado” o acidente (de viação).

E reza assim o dito normativo:

“Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de ação contra aqueles, nos termos da lei geral” (n.º1); “Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido” (n.º 2); “Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante” (n.º 3).

Extrai-se desta disposição legal que quando o facto danoso integra um acidente de trabalho mas também a responsabilidade de um terceiro, os lesados podem peticionar duas indemnizações, uma no foro laboral, outra no foro cível.

Tal sucede, como na situação trazida a juízo, quando o evento danoso reveste simultaneamente a natureza de acidente de viação e de acidente de trabalho.

O dano globalmente considerado ou, dito de outro modo, o resultado “dos” acidentes é um só e as duas ações não podem levar a um injustificado enriquecimento como sucederia com a, pura e simples, acumulação de indemnização – vide, o Acórdão da R.C, in CJ, Ano XVII, T. II, pág. 84.º

Com efeito, sabe-se que o princípio geral da obrigação de indemnização é a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento: - art. 562.º do Cód. Civil.

Por isso a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido que as indemnizações, estradal e laboral, não se somam mas se completam, ou seja, só se somam até ao ressarcimento do dano causado ao lesado.

Com este entendimento, de forma apriorística a seguradora autora pode peticionar a “suspensão” da sua obrigação de pagamento (de pensão)...até esgotamento da indemnização que, pelo mesmo evento, foi recebida de outrem pelo lesado.

Todavia, é sabido que existem danos de natureza diferente e formas diversas para o seu cálculo. No caso de um acidente com I.P.P de 0,369, como é o caso, em termos de responsabilidade infortunística, o sinistrado, tem tão só direito às prestações previstas no art. 17.º n.º 1, al. c) da LAT, isto é a uma pensão anual calculada com regras específicas.

As pensões em causa têm uma natureza predominantemente alimentícia e representam o ressarcimento de um dano patrimonial e direto.

Pode assim não haver coincidência entre os prejuízos abrangidos pela indemnização laboral e a atribuída noutro foro, mesmo no domínio dos danos patrimoniais já que quanto aos não patrimoniais necessariamente tal coincidência não existe.

Com efeito, existe um conjunto de prejuízos apreciados noutro foro, não laboral, inócuos à reparação infortunística.

No caso “sub judice” provado está que, o R., recebeu pela seguradora terceira uma indemnização no valor de 111.648,34 €.

Mais se provou que tal quantia indemnizatória abrange a quantia de 80.000,00 €, a título de danos futuros, pela inerente perda de ganho decorrente da incapacidade de que ficou portador, a que se deduziu o valor de pensões infortunística pagas no âmbito da componente laboral do sinistro (22.112,70 €), restando uma diferença de 57.887,30 €, sendo que os restantes valores do recibo de quitação respeitam a juros legais moratórios, perdas futuras emergentes das limitações do ora R. no desempenho de tarefas agrícolas e pecuniárias, demais despesas médico-medicamentosas, danos no veículo e, danos de natureza não patrimonial.

Temos assim que a título de indemnização por lucros cessantes (redução da capacidade de ganho) o R. já recebeu no foro cível a quantia de 57.887,30 €.

Tal indemnização não se vai somar à indemnização proveniente do foro laboral.

Na verdade, entende-se que a responsabilidade por acidente de trabalho assume a natureza principal (e não meramente subsidiária), mas com prevalência em primeira linha, da responsabilidade civil comum: na concorrência das duas será esta que prevalece e aquela que se extingue ou modifica.

Acresce que é pacífico o entendimento de que:

“1. As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

2. A responsabilidade primacial e definitiva pelo ressarcimento dos danos decorrentes de acidente de viação que igualmente se perspetiva como acidente de trabalho é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado – pelo que esta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita.» - Vide, os primeiros dois pontos do sumário do Ac. do S.T.J de 11-12-2012, no proc. nº 40/08.1TBMMV.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.

No processo de acidente de trabalho apenso foi fixada ao R. a pensão anual e vitalícia no montante de 3.115,10 €, tendo sido a mesma parcialmente remida, ficando a pensão sobrante no valor de 2.821,00 €, atualmente atualizada para a quantia de 3.277,21 €.

Todavia, ao contrário do peticionado pela A. não existe uma perda definitiva do direito à pensão remanescente anual vitalícia e atualizável, mas apenas a suspensão de direito a pensões até perfazer o valor de 57.887,30 € (repudiando-se que sobre tal quantia incida juros legais moratórios conforme cálculo efetuado pelo A. nos arts. 39.º e 40.º da p.i).

É que, conforme salienta Carlos Alegre, in Código de Processo de Trabalho, Anotado, 2001, pág. 356.º - a simples verificação de qualquer dos factos extintivos que dêem lugar à prescrição, caducidade ou simples perda de direitos não opera automaticamente a extinção destes. É necessário que a parte a quem incumbe o cumprimento da obrigação atue judicialmente, com vista a uma declaração naquele sentido.

Assim, só após o trânsito em julgado da presente decisão, é que a A. seguradora se irá considerar desonerada do pagamento da pensão ao R. sinistrado até perfazer o montante de 57.887,30 €, supra referido, estimando-se para tal um período previsível de 15.º (quinze) anos.»

O apelante discorda do juízo formulado, considerando que no processo de acidente de trabalho lhe foi atribuída uma IPP de 36,9%, nada ali referindo quanto à sua incapacidade total para o desempenho da sua profissão habitual de pedreiro, mas no processo referente à indemnização emergente do acidente de viação foi considerado que ele não ficou somente diminuído na sua capacidade de ganho, mas também que as sequelas registadas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual. Por isso defende que a importância de € 80.000,00€ que lhe foi arbitrada foi “a titulo de indemnização pela perda do ganho, desde a data do evento e enquanto viver, decorrente de tal incapacidade total para o exercício da sua profissão de pedreiro, e, por isso, a mesma indemnização de 80.000,00€, nada tem a ver com a I.P.P. de 36,9% que lhe foi atribuída, e consta, dos autos de acidente de trabalho”.

Realça, é certo, que na sentença proferida no processo relativo ao acidente de viação foi decidido condenar a ali responsável pele indemnização a pagar-lhe “a titulo de danos de natureza patrimonial, o valor que se liquidar, correspondente à diferença entre a quantia de 80.000,00€ e o valor correspondente á pensão anual e vitalícia que o Autor tenha recebido da B... S.A., até o momento em que a aqui Ré liquidar o pagamento da indemnização ora arbitrada”. Mas sustenta que face ao “espírito” que presidiu a essa sentença nem mesmo as importâncias que havia recebido de pensão até ao momento em que foi liquidado o pagamento da indemnização (€ 22.112,70) deveriam ter sido deduzidas aos € 80.000,00. E que a diferença que se traduz nos referidos € 57.887,30 não pode ser considerada como indemnização superior à devida pela aqui autora porque tal montante foi considerado no referido processo emergente do acidente de viação “como sendo a título de indemnização pela perda do ganho decorrente da referida incapacidade total do ali A. e aqui Réu, C... , para o exercício da sua profissão de pedreiro, e não por via da pensão anual e vitalícia a que tem direito a continuar a receber da Seguradora, aqui Autora, no montante actualizado de 3.277,21€, a que corresponde a I.P.P. de 36,9% que lhe foi atribuída no processo principal de Ac. de Trabalho”.

Daí que entenda que não poderia ter sido determinada a suspensão do pagamento da pensão.

Desde já podemos adiantar que não podemos dar razão ao apelante.

No caso e sem dúvida, estamos, assim, perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, causado por facto ilícito de terceiro no âmbito do acidente de viação.

Como se referiu na sentença recorrida, em caso de acidente de trabalho simultaneamente de viação, causado por facto ilícito de terceiro, o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação: um pelo risco, perante o empregador e outro por facto ilícito culposo, perante terceiro. Mas a indemnização decorrente do exercício desses direitos não é cumulável no que respeita aos mesmos danos a reparar.

É o que resulta do disposto no art. 31º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (adiante designada como LAT/97 e aplicável no tempo ao caso dos autos). Esta norma regula a situação do acidente de trabalho originado por terceiro, referindo o seu n.º 1 que o sinistrado pode exercer o seu direito de acção quer contra o empregador (ou sua seguradora), quer contra o terceiro.


Mas os seus n.º 2 e 3 estabelecem o seguinte: (2) “se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido”; Ver jurisprudênciae (3) “se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante” (sublinhados nossos).Ver jurisprudência

Pelo mesmo facto danoso, portanto, respondem o empregador ou a seguradora deste, bem como o terceiro lesante, numa obrigação plural que se poderia qualificar como de solidariedade imperfeita ou aparente (a situação em que um dos devedores, respondendo pela totalidade da prestação nas relações externas, não é um responsável definitivo e, portanto, nas relações internas entre os devedores não tem qualquer quota de responsabilidade) – v. a este respeito o Ac. do STJ de 24/1/2002, in CJ/STJ, t. 1, p. 54 e Antunes Varela, in RLJ, ano 103.º, n.º 3407, págs. 22 a 32.

Como quer que seja, no plano das relações externas, ou seja das relações entre o lesado e cada um dos responsáveis, o sinistrado, podendo exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer do empregador (ou sua seguradora), quer do terceiro (condutor ou detentor do veículo), não pode somar duas indemnizações.

E se é o terceiro responsável quem paga a indemnização devida, não assiste ao sinistrado nenhum direito em relação ao empregador.

Como vimos, dos n.ºs 2 e 3 do art. 31.º da LAT/97, podemos distinguir duas situações:

- a situação em que o sinistrado recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se ainda não tiver pago, se considera desonerada da respectiva obrigação no limite do montante pago;

- a situação em que o sinistrado recebe de terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, se já tiver pago, fica com o direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.

O caso colocado perante o tribunal a quo reconduz-se à primeira situação.

A seguradora autora ainda não liquidou as pensões (necessariamente vincendas) em que foi condenada e a seguradora responsável pelo acidente de viação causado por terceiro pagou ao réu sinistrado uma quantia (v. facto 30.) referente à reparação/indemnização da perda de ganho decorrente da incapacidade de que ficou portador, quantia judicialmente fixada no processo emergente do acidente de viação, em consequência das mesmas lesões físicas e consequentes sequelas [de acordo com o facto 11. o apelante contraiu lesões físicas (politraumatismos, com traumatismo abdominal fechado com laceração mesentérica e perfuração do delgado com laceração hepática e fractura de colles à direita) que lhe causaram como sequelas (facto 12.) neurose depressiva, algodistrofia no membro superior direito com dores no punho e dedos, condicionando as mobilidades]. A quantia assim fixada judicialmente foi-o no montante de € 80.000,00, mas considerou-se que a seguradora responsável pela reparação do acidente de viação seria condenada nessa mesma quantia, mas deduzida do valor de pensões infortunística pagas no âmbito da componente laboral do sinistro. Assim essa seguradora ao pagar ao sinistrado, aqui apelante, o valor em que foi condenada, deduzindo aos € 80.000,00 o valor de € 22.112,70 já entretanto pagas no âmbito da componente laboral do sinistro, ou seja, a quantia de € 57.887,30, como se retira do facto 35., bem como do recibo de quitação junto a fls. 105 dos autos.

Pode, por isso, verificar-se que o sinistrado recebeu efectivamente de terceiro indemnização referente à perda na capacidade de ganho e concorrente com a indemnização referente à reparação do acidente de trabalho, pelo que a seguradora autora, não a tendo ainda satisfeito na sua integralidade (a pensão encontra-se em pagamento periódico), se deve considerar desonerada da respectiva obrigação no limite do montante pago pela seguradora do terceiro causador do acidente.

É certo que, como dissemos, as indemnizações em concorrência apenas não são cumuláveis no que respeita aos mesmos danos a reparar.

As prestações reparatórias fixadas no processo de acidente de trabalho e objecto da suspensão decretada pela sentença recorrida reportavam-se à redução da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, no âmbito do previsto no art. 17.º da LAT/97.

A indemnização de € 80.000,00 fixada no processo de acidente de viação reportava-se, como se disse, à perda de ganho decorrente da incapacidade de que o sinistrado ficou portador, em consequência das lesões físicas e consequentes sequelas.

O dano é então o mesmo, ainda que no processo de acidente de trabalho se tenha considerado que o sinistrado ficou afectado de uma IPP de 36,9% e no processo do acidente de viação se tenha considerado que ficou afectado de “um défice funcional permanente da integridade 16 pontos, sendo tais sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual do autor”.

A diferença na avaliação das consequências das sequelas, num e noutro processo, não confunde a natureza do dano que é a mesma: a perda na capacidade de trabalho ou de ganho. Isso mesmo se concluiu na sentença proferida no processo de acidente de viação (junta a fls. 70 e segs. dos presentes autos), quando nela se decidiu deduzir à quantia de € 80.000,00, “a título de indemnização pela perda de ganho” (levando em conta a avaliação das consequências das ali indicadas sequelas), a quantia entretanto paga a título de pensão anual e vitalícia pela aqui seguradora autora, afirmando-se justamente que se verifica “uma sobreposição de indemnizações”.

Por isso, não é exacto o que o apelante defende quando sustenta que “a mesma indemnização de 80.000,00€, nada tem a ver com a I.P.P. de 36,9% que lhe foi atribuída, e consta, dos autos de acidente de trabalho”.

E assim sendo, não podemos deixar de concluir pela adequação do juízo formulado na sentença recorrida, pelo que a apelação terá de improceder.


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Sumário (a que alude o artigo 663º n.º 7 do C.P.C.):

- Em caso de acidente de trabalho simultaneamente de viação, causado por facto ilícito de terceiro, o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação, um pelo risco, perante o empregador e outro por facto ilícito culposo, perante terceiro, mas as indemnizações decorrentes do exercício desses direitos não são cumuláveis no que respeita aos mesmos danos a reparar;

- Se o sinistrado recebe do terceiro indemnização superior ou inferior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, e esta, ainda não a tiver pago, considera-se desonerada da respectiva obrigação no limite do montante pago.


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IV- DECISÃO

Em conformidade com o exposto, delibera-se julgar improcedente a apelação.

Custas no recurso pelo apelante.


 (Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Ramalho Pinto )