Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1156/15.3T8CTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
RAZOABILIDADE
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO, CASTELO BRANCO, JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1905.º/2 DO C. CIVIL
Sumário: 1. A prestação de alimentos derivada da obrigação alimentar especial ou qualificada, fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante a menoridade, mantém-se automaticamente se, no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado, o filho menor de 25 anos de idade não houver completado a sua formação profissional, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

2. Cabe ao progenitor vinculado à prestação alimentícia requerer a sua cessação, tendo o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do filho foi concluído antes de este perfazer os 25 anos ou foi voluntariamente interrompido por este ou, ainda, a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.

3. A densificação da cláusula de razoabilidade constante do art. 1880.º do CC implica e suscita, caso a caso, ponderações e reflexões relativas a diversos fatores como as possibilidades económicas do jovem maior, a dimensão dos recursos dos progenitores, a duração e dificuldade relativa dos estudos que o filho maior pretenda prosseguir ou/e a observância e respeito dos deveres do filho para com o progenitor obrigado.


4. No caso em apreço, entendemos não ser razoável exigir ao requerido que pague alimentos à requerente, sua filha de 22 anos de idade, considerando o rendimento mensal que esta aufere e a ausência de encargos de renda de casa e demais despesas inerentes às despesas de um agregado familiar, os rendimentos livres do requerido - descontadas as despesas que suporta, o percurso escolar daquela, bem como, a falta do dever de respeito perante o progenitor, patenteada pela factualidade descrita.

Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , maior, residente na Rua (...) , intentou a presente acção de alimentos a filhos maiores, contra seu pai, B... , divorciado, residente na (...) ; pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 100,00€ mensais, a título de alimentos.

Alega para tal que na sequência de divórcio dos seus progenitores, ficou acordado que ficaria a residir com sua mãe, obrigando-se o seu pai, a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia de 100,00 €, por mês, o que este não cumpriu.

Mais alega ter completado 18 anos no dia 30 de Setembro de 2012 e, não obstante continua a viver em casa de sua mãe, frequentando, aquando da interposição da acção, um curso de auxiliar de saúde, no IEFP, de (...), auferindo apenas 40,00 €, mensais, o que é insuficiente para fazer face às suas despesas mensais, que computa na quantia de 220,00 €, mais despesas escolares, pelo que precisa do contributo do seu pai para suportar as suas despesas.

Contestando, o réu, alega que sempre tem ajudado a sua filha nas despesas que a mesma tem de suportar, designadamente, as decorrentes de uma situação de doença que a afectou; que a mesma não fala com ele e, por diversas vezes, o insultou; que a mesma tem tido um percurso escolar com muitos “chumbos”, desinteressando-se de estudar e que tem uma vida desregrada, em termos de despesas.

Alega que, ele próprio, atento os rendimentos que aufere e despesas que suporta, que não tem capacidade financeira de pagar à autora, a quantia peticionada.

Remetidos os autos a Tribunal e depois de realizada infrutífera conferência, solicitou-se a realização de relatórios sociais à autora e ao réu, os quais constam, respectivamente, a fl.s 73 a 75 e 77 e 78.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 92 a 106, na qual se procedeu ao saneamento tabelar dos autos, se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se julgou a presente acção improcedente por não provada, absolvendo-se o réu do pedido, ficando as custas a cargo da autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, que lhe foi concedido.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 143), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1- A Autora, ora recorrente, intentou acção especial de alimentos a filho maior, nos termos do art. 989º do CPC, contra seu pai, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 100,00€ mensais a título de alimentos.

O Mmo. Juiz “a quo” julgou improcedente a presente acção e absolveu o Réu do pedido contra ele deduzido.

A A. não pode conformar-se com tal decisão, pelo que vem, ora, recorrer da mesma.

2- A Autora impugna assim os factos provados constantes das alíneas P. U. e X, os quais devem ser considerados não provados.

Quanto ao P e U- Na verdade não podia o Mmo juiz “a quo” concluir que a Autora “ Sempre foi má aluna”, tanto mais que o curso que frequenta equivale ao 12º ano de escolaridade permitindo-lhe concorrer ao ensino superior. (cfr. documento junto aos autos da frequência do curso de auxiliar de acção de saúde). É falso que tenha chumbado sistematicamente.

Além de que tal matéria dada como provada se tratam de conclusões de carece de ser concretizada com factos, tais como os anos lectivos em que teve mau aproveitamento; quais as disciplinas que chumbou; hábitos de estudos; notas, etc.

Quanto ao X- tais factos só se provam por documento, dos juntos aos autos tal factualidade não se mostra comprovada. Pelo que, se deve dar por não provada a matéria de facto.

3- Nos termos do art. 1880º do Código Civil, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não tiver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

Dispõe o art. 1905º, nº2, do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 122/2015, de 01 de Setembro, que “Para efeitos do disposto no art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”

4- A obrigação de alimentos a maiores está assim dependente da verificação de três pressupostos:

- não ter o requerente completado a sua formação profissional no momento da emancipação ou maioridade;

- ser razoável exigir dos pais o seu cumprimento;

- definição do tempo normalmente requerido para complemento da formação.

No caso concreto verificam-se todos eles:

A requerente tem actualmente 22 anos.

Ainda durante a menoridade, e face ao divórcio dos pais, ficou regulado que o pai pagaria 100€ mensais a título de alimentos à A., o que nunca aconteceu.

Já maior, a A. intentou a presente acção de alimentos a filhos maiores, face às dificuldades em se manter.

A Autora vive actualmente com a mãe, em casa arrendada.

A mãe está desempregada e é beneficiária do RSI no valor de 217,23€, contando com a ajuda dos avós maternos, já que o agregado tem 865,00€ de despesas.

Aliás conforme depoimento da avó, C... , prestado no dia 08/06/2016, desde o minuto 14.53.44 a 15.20.54, e concretamente ao minuto 10: 40, a A... não sobreviveria sem o seu auxílio.

Frequenta o curso de auxiliar de saúde no IFP de (...), perspectivando o ingresso no curso superior de enfermagem.

Tem como rendimentos 45,00€ de bolsa de formação e um subsídio de cerca de 180,00€, devido aos problemas de saúde de que padece.

E de despesas cerca de 200,00€, fora as despesas com as deslocações a Coimbra, ao médico.

Isto porque a Autora tem problemas de saúde, um problema oncológico, pelo qual se desloca frequentemente a Coimbra, para consultas. Já o Réu aufere um salário de 678,00€, os quais cobrem perfeitamente as despesas que diz ter.

A Autora impugna assim os factos provados constantes das alíneas P. T. e U. e X.

Na verdade não podia o Mmo juiz “a quo” concluir que a Autora “ Sempre foi má aluna”, tanto mais que o curso que frequenta equivale ao 12º ano de escolaridade. É falso que tenha chumbado sistematicamente.

É igualmente falso que a Autora dirija palavras insultuosas ao pai e se não mantém com ele uma boa relação, de pai e filha, isso, e salvo melhor entendimento, não o desobriga de contribuir para o sustento, saúde e educação da Autora.

Estão assim verificados os requisitos constantes do art. 1880º do Código Civil, porquanto a A... não tinha completado a sua formação profissional no momento da emancipação ou maioridade, actualmente frequenta um curso de formação profissional e pretende continuar a estudar, ingressando na universidade no curso de enfermagem;

Por outro lado, é razoável exigir ao pai o seu cumprimento, por ter salário fixo e casa própria, e por a filha apenas auferir de rendimento o valor da bolsa e a pensão devida pela doença, o qual é manifestamente insuficiente, face também às despesas e rendimentos do agregado (a Autora e sua mãe);

Pelo que, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora uma pensão de 100,00€/mês, a título de alimentos.

Tal é uma questão de justiça, pois é o pai da recorrente, independentemente dos atritos existentes ou não entre ambos. Pai só há um! Não podendo o recorrido demitir-se dessa função de pai, tanto mais que a sua filha necessita do seu auxílio agora que irá iniciar os estudos no ensino superior, o que deveria deixar orgulhoso. Pois, a sua filha (recorrente) apesar de doente cancerígena não se deixou esmorecer lutou contra a doença e prosseguiu o seu sonho de cursar estudos superiores.

Neste momento reclama do pai o auxílio económico que nunca lhe prestou até à data, pois pretende seguir os seus estudos e o que encontra é uma “porta” fechada com o auxílio do tribunal “a quo”. Não nos parece justo que uma jovem mulher a quem apelidaram de vaidosa, mas que tal como provado, apenas, gasta em média 50€/mês em roupa, na que se tem necessariamente de incluir desde a roupa de dormir, roupa interior, calças, meias, camisas, casacos, etc. -Fraca vaidade, permita-se-nos a expressão!- Não tenha direito a uma pensão de alimentos da qual carece, que ninguém pode negar, do seu progenitor, uma vez que a mãe, coitada, tem um rendimento miserável em comparação com o recorrido.

Assim, clama-se junto de V.Exªs que a douta sentença seja revogada e em consequência dar-se como provado o pedido da recorrente.

Nestes termos, requerem a V.Exa. se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência dar-se como provado o pedido da recorrente.

Contra-alegando, o réu, pugna pela manutenção da decisão recorrida.

Na sequência deste recurso, foi proferido, neste Tribunal da Relação, o Acórdão que antecede, de fl.s 149 a 152 v.º, no qual se decidiu ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de ser fundamentada a decisão de facto ali proferida, no que concerne aos factos descritos nas alíneas P), 1.ª parte e U), dos factos provados, por se entender que a, anteriormente aduzida, era insuficiente.

No cumprimento do decidido, após a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, cf. despacho de fl.s 159, foram as partes notificadas para juntar os documentos comprovativos do percurso escolar da autora.

Só o réu procedeu à junção de alguns de tais documentos.

Foi dado o contraditório à autora, que se pronunciou sobre os mesmos.

Após o que, cf. decisão de fl.s 161 a 162 v.º, se fundamentou a decisão sobre a matéria de facto, como ordenado no Acórdão acima já mencionado.

Tendo, de novo, os autos sido remetidos a este Tribunal da Relação, a fim de se conhecer do recurso, oportunamente, interposto.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes das alíneas P), T) U) e X), dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados e;

B. Se se verificam os pressupostos para que o réus pague à autora, sua filha, a quantia por esta peticionada, a título de alimentos.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A. A autora nasceu a 30 de setembro de 1994.

B. A autora é filha do réu e de D... , divorciados entre si desde 22 de maio de 2012.

C. Durante a menoridade da autora, ficou regulado o exercício das responsabilidades parentais segundo o qual a ora autora ficava a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores e ficando o pai, ora réu, obrigado ao pagamento da quantia mensal de 100,00€ a título de alimentos.

D. A autora completou 18 anos no dia 30 de Setembro de 2012.

E. Atualmente, continua a viver em casa da mãe, na morada indicada nos autos.

F. Frequenta um curso de auxiliar de ação de saúde (2º ano), no IFP de (...), perspectivando o ingresso no curso superior de enfermagem estando a estagiar no HAL de (...), cidade onde vive.

G. Aufere um rendimento de 45,00€ de bolsa de formação, aos quais acrescem senhas para almoço bem como, nos períodos de estágio, subsídio de alimentação.

H. Aufere, ainda, um subsídio de 181,38€ de abono de família e complemento de monoparentalidade, bem como bonificação por deficiência e majoração monoparental da bonificação por deficiência.

I. Não beneficia de subsídio de transporte uma vez que se desloca em viatura própria

J. Tem de despesas mensais, em média:

a. Alimentação: 75,00€

b. Artigos de higiene: 15,00€

c. Lentes de contacto: 15,00€

d. Óculos: 25,00€

e. Cabeleireiro e outros: 25,00€

f. Roupa: 50,00€

K. Padece de problemas de saúde (entretanto controlados) tendo de se deslocar regularmente a Coimbra para consultas.

L. Reside com a mãe, em casa arrendada, composta por 2 quartos, sala, cozinha e casa de banho.

M. A mãe está desempregada e é beneficiária do RSI no valor mensal de 217,23€ e conta com o apoio dos avós maternos.

N. De despesas fixas o agregado familiar conta com 250,00€ de renda de casa, cerca de 115,00€ de água, electricidade e gás.

O. O agregado familiar conta, ainda, mensalmente, com 300,00€ de alimentação e com 200,00€ de outros gastos com medicação, consultas, roupas e outros bens de manutenção.

P. Sempre foi má aluna, tendo-se sistematicamente demitido dos seus estudos, nunca tendo cumprido com as suas obrigações académicas e escolares e tendo sempre levado uma vida de gastos supérfluos e desnecessários, nomeadamente, os com o seu aspeto pessoal elencado na alª H, c. e e. da matéria de facto assente sendo, ainda, certo que se desloca em viatura própria não beneficiando de qualquer subsidio – por via deste facto – de transporte.

Q. De seis em seis meses tem de ir a Coimbra para consultas de oncologia, necessitando de ir no dia anterior – e recusando o transporte e alimentação disponibilizados pelo réu – ficando ela e a mãe alojadas em hotel e tendo uma despesa de 110,00€.

R. Desde março de 2014 que a autora não fala ao réu.

S. As últimas palavras que lhe dirigiu, em março de 2014, foram insultuosas e sem qualquer fundamento.

T. Dirigiu-se-lhe dizendo, nomeadamente: és uma “merda”; és um ordinário; não prestas como pai; não tens caráter.

U. A autora não tem obtido bom rendimento escolar, tendo sempre chumbando sistematicamente durante a escolaridade e tendo aos 20 anos de idade, apenas o 9º ano.

V. Nutre um total desprezo e desligamento pelo réu, tendo tomado o partido da mãe nas desavenças entre os progenitores.

W. O réu aufere mensalmente 678,00€.

X. De despesas mensais conta com, em valores aproximados:

1. 300,00€ de renda da casa;

2. 61,00€ de MEO;

3. 30,00€ de electricidade;

4. 35,00€ de gás;

5. 20,00€ de água;

6. 21,00€ de Seguro de saúde da autora;

7. Seguro automóvel, em quantia não apurada;

8. Despesas com alimentação, em quantia não apurada.

2.2. Factos não provados

A. A autora depende exclusivamente da mãe para viver.

B. O réu demitiu-se de acompanhar a autora, nomeadamente às suas consultas de oncologia.

C. O réu fala mal da mãe da autora, bem como dos avós maternos.

D. A companheira do pai constitui uma má influência para as relações entre a autora e o réu.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes das alíneas P), T) U) e X), dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados.

Alega a recorrente, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados, os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como não provados, nos termos acima referidos, alegando, para tal, que o curso que frequenta equivale ao 12.º ano, permitindo-lhe concorrer ao ensino superior; que os factos descritos em X), só se provam por documentos, não se mostrando comprovados e por ser falso que dirija palavras insultuosas ao pai.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos factos constantes das alíneas P), T) U) e X), dos factos considerados como provados, que devem passar a ser considerados como não provados.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“P. Sempre foi má aluna, tendo-se sistematicamente demitido dos seus estudos, nunca tendo cumprido com as suas obrigações académicas e escolares e tendo sempre levado uma vida de gastos supérfluos e desnecessários, nomeadamente, os com o seu aspeto pessoal elencado na alª H, c. e e. da matéria de facto assente sendo, ainda, certo que se desloca em viatura própria não beneficiando de qualquer subsidio – por via deste facto – de transporte.

T. Dirigiu-se-lhe dizendo, nomeadamente: és uma “merda”; és um ordinário; não prestas como pai; não tens caráter.

U. A autora não tem obtido bom rendimento escolar, tendo sempre chumbando sistematicamente durante a escolaridade e tendo aos 20 anos de idade, apenas o 9º ano.

X. De despesas mensais conta com, em valores aproximados:

1. 300,00€ de renda da casa;

2. 61,00€ de MEO;

3. 30,00€ de electricidade;

4. 35,00€ de gás;

5. 20,00€ de água;

6. 21,00€ de Seguro de saúde da autora;

7. Seguro automóvel, em quantia não apurada;

8. Despesas com alimentação, em quantia não apurada.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 161 a 162 v.º, sendo esta a motivação a considerar em função de se ter ordenado a fundamentação da decisão de facto, como já assinalado):

“Em cumprimento da Douta Decisão que antecede, passo a fundamentar a matéria de facto, mormente no que concerne aos factos P), T), U) e X) da matéria de facto provada.

*

Quanto à alª P) resulta tal dos elementos trazidos aos autos, elementos esses ordenados juntar na sequência da Douta Decisão que antecede.

Na verdade, tal fatualidade, corroborada pelos depoimentos já assinalados, nomeadamente pela Profª H... assenta na análise de tais documentos.

Não esquecendo que a autora nasceu a 30 de Setembro de 1994, vejamos:

1. Ano letivo 2004/2005, 5º ano de escolaridade, 9 faltas, Aprovada;

2. Ano letivo 2005/2006, 6º ano de escolaridade, 14 faltas, Aprovada;

3. Ano letivo 2006/2007, 7º ano de escolaridade, 30 faltas justificadas e 5 injustificadas, não transita;

4. Ano letivo 2007/2008, 7º ano de escolaridade, 20 faltas justificadas e 5 injustificadas, não transita;

5. Ano letivo 2008/2009, 8º ano de escolaridade, 32 faltas justificadas e 8 injustificadas, não transita;

6. Ano letivo 2009/2010, 8º ano de escolaridade, 42 faltas justificadas e 4 injustificadas, não transita;

7. Ano letivo 2010/2011, 8º ano de escolaridade, 63 faltas, transita;

8. Ano letivo 2011/2012, 9º ano de escolaridade, 96 faltas, transita.

Da análise do percurso escolar da autora resulta inequívoco o elevado número de faltas sendo certo que, muitas delas, são injustificadas. A tal alia-se o fato público e notório das transições de ano ocorrerem ainda que sem aproveitamento, na sequência de uma opção de política legislativa.

Resulta, pois, que a autora tem vindo sempre a ser uma aluna faltosa, com abundância de faltas – justificadas e injustificadas – e tendo transitado de anos, no ciclo a que se reportam os elementos, seguramente por força do regime de trânsitos de ano legislativamente contemplado.

Poderia dizer-se que as faltas seriam na sequência dos problemas de saúde de que padece. Mas tal pensamento cai por terra com base nos seguintes fundamentos:

1º: as faltas assinaladas são irregulares, por referência às disciplinas. Ou seja, analisados os documentos ora juntos, pode concluir-se que há disciplinas em que ocorre um grande número de faltas e outras em que não ocorre um número elevado de faltas. Pode, pois, com segurança, concluir-se que a autora faltava às aulas de que não gostava e frequentava as demais.

Tal é incompaginável com uma situação de doença: quem está doente para faltar à disciplina A está, seguramente, igualmente doente para faltar à disciplina B.

2º: os registos juntos aos autos atinentes à doença de que padece a autora, juntos a fls. 23 e ss. apontam para um período de 2014/2015 e, como é mister ver-se, tal ocorreu posteriormente aos sucessivos anos letivos enunciados.

Em 28.08.2012 a autora muda de estabelecimento de ensino sendo que, já neste novo estabelecimento de ensino, com 164 faltas (!!!) não transita por falta de elementos que permitam a sua avaliação.

Vem, pois, a anular a matrícula, no ano letivo de 2014/2015.

Chega, aliás, a ser má-fé por parte da autora pretender não ser epitetada de má aluna, de aluna que não cumpre as suas obrigações ao pôr em causa a fatualidade tal como foi dada como provada uma vez que tem de ter conhecimento do seu percurso escolar.

Refira-se, ainda, que a autora, desde os 10/11 anos de idade tem vindo a ter um crescimento exponencial de faltas, sendo que tem transitado de ano mercê do regime em vigor quanto às aprovações e reprovações no ensino oficial.

Quanto ao fato de se deslocar em viatura própria – gasto sustentado, aliás, pelo réu posto que a progenitora não tem formas de sustentar tal despesas, na tese da própria autora – resulta tal dos depoimentos isentos e coerentes que, a essa matéria, depuseram, tendo tal sido unânime e incontroverso (nomeadamente o depoimento da avó materna).

Igualmente incontroverso, nos termos já assinalados quanto aos depoimentos das testemunhas, é a especial preocupação que a autora mantém com o seu aspeto e gastos em roupas. Tal resulta dos depoimentos sendo certo que, por razões já anteriormente enunciadas, não se valorizou o depoimento da avó materna: obviamente que quer proteger a sua filha, mãe da autora, de todos e quaisquer gastos e tende a depor no sentido favorável ao agregado familiar da sua filha e neta.

Ao contrário, as demais testemunhas ouvidas a esta matéria, porque desinteressadas do desfecho do processo, responderam isenta e coerentemente. Diga-se, aliás, que a autora já trabalhou enquanto modelo (o que leva a concluir, igualmente, que já tem uma forma de subsistir) sendo que, indubitavelmente, tal leva a que se tenha uma necessária preocupação com o aspeto.

Diga-se, também, que à data da propositura da ação – janeiro de 2015 – a autora contava com 20 anos de idade, e deslocava-se em (...) para fazer a sua vida – não de estudante, posto que não estudava e que se encontrava apenas matriculada em estabelecimento de ensino – em viatura própria. Face às circunstâncias de vida, quer da autora, quer do réu, é de concluir que o uso de viatura para se deslocar em (...) não é, seguramente, uma necessidade, mas mais um capricho ou um luxo supérfluo tanto mais que também é fato público e notório que (...) é uma cidade muito pequena, onde a circulação a pé ou de transportes é fácil, não tendo a dimensão de Nova Iorque ou de Tóquio em que se pode tornar necessário o ter-se de deslocar em viatura própria. Tal utilização da viatura foi, inclusive, testemunhada pela sua avó, C... .

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Quanto à alª T), tal resulta do cotejo do depoimento das testemunhas E... , I..., F... , G... e H... as quais prestaram depoimentos isentos e coerentes, tendo tido conhecimento direto – porque ouviram e/ou assistiram – à prolação de tais expressões por parte da autora.

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Quanto à alª U), tal resulta dos documentos juntos entretanto, já supra referidos e analisados.

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Finalmente, quanto à alª X), sendo que tal é uma alegação da própria autora e ora recorrente, tal resulta não só dos documentos juntos por esta mas, ainda, dos depoimentos das testemunhas por ela arroladas, as quais passaram a imagem dos enormes gastos que a autora tinha com a sua vida corrente.

Assim, a própria autora, em sede de declarações, veio a confirmar os seus gastos – tendo ainda referido que tinha um rendimento mensal de 180,00€, fato que tinha omitido aquando da instauração da ação – corroborados pelo depoimento da sua avó – a qual tentou fazer passar uma imagem de frugalidade e contenção dos gastos da neta, imagem essa que não teve qualquer cabimento ou apoio nos demais meios de prova – assente ainda, no relatório social junto a fls. 73 e ss., elaborado com base nas próprias declarações da autora.

 

Como resulta do teor das alegações e conclusões de recurso, a recorrente, no que se refere à matéria de facto em causa no presente recurso, não se baseia em nenhum dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas inquiridas, limitando-se a arguir não se poder concluir ser “má aluna”; que os factos descritos em X), só se provam por documentos e serem falsos os da alínea T).

Como resulta da fundamentação que consta da sentença (fl.s 96 a 100), o M.mo Juiz a quo indicou a prova testemunhal em que baseou a sua decisão, no tocante à matéria de facto considerada provada e não provada, bem como a prova documental atinente.

Do já acima mencionado, conclui-se que a recorrente, para além de referir serem falsos os factos descritos na alínea T) e não se poderem considerar como provados os da alínea X), “por falta de documentos”, não aceita a classificação de ser “má aluna”, embora, também, nesta sede, não tenha indicado prova que o infirme.

Não fora a falta de fundamentação da decisão de facto que integra a sentença, poderíamos estar perante um caso de rejeição do recurso de facto, por inobservância dos condicionalismos para tal exigidos no artigo 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CPC.

Atento, no entanto, que se ordenou tal fundamentação, importa, agora, proceder à análise dos fundamentos do recurso, na vertente de facto, intentado pela autora, sendo que, cf. decisão de fl.s 161 a 162 v.º, apenas está em causa o depoimento prestado pela testemunha H... e.

 Vejamos, então, se deste depoimento, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que os supra mencionados factos sejam modificados ou alterados.

Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha H... , a mesma referiu que é Professora de Inglês e foi madrinha de casamento da mãe da ora autora, sendo, desde há muito tempo, amiga do casal e da própria autora.

Disse que esta fez o 9.º ano no ano em que lhe foi diagnosticada a doença oncológica de que padeceu, quando já tinha 17 anos e transitou nesse ano “sem fazer exames, foi em condição especial”.

Referiu, ainda, que a autora demorou 4 anos a fazer o 8.º ano.

Matriculou-se no 10.º ano aos 18 anos de idade, mas só fez o 1.º período, tendo “desistido” em Dezembro.

Após o que esteve dois anos sem “fazer nada e depois escolheu o curso profissional que estava a terminar”.

Analisado este depoimento e demais referidos elementos probatórios, designadamente, os documentais acima referidos, máxime os mencionados na decisão de fl.s 161, não infirmados por outros, pensamos ser de sufragar a conclusão a que se chegou na sentença recorrida.

Efectivamente, de tais elementos probatórios e depoimento em causa, resulta demonstrado que a autora teve um percurso escolar muito abaixo do expectável e com muito absentismo.

Assim, está provada a matéria de facto que consta da 1.ª parte da alínea P) e da alínea U).

No que se refere à alínea T), como acima já referido, a recorrente limitou-se a alegar que isso “é falso”, não indicando elementos probatórios que a infirmem.

O mesmo se verifica, relativamente à matéria da alínea X), em que se referem as despesas suportadas pelo réu, sendo indicadas, para as fundamentar, os doc.s de fl.s 23 a 25, 65 v.º e 66 e Relatório Social de fl.s 72 e seg.s, sem que a autora forneça outros que os infirmem.

Assim, improcede, quanto a esta questão, em conformidade com o ora decidido, o presente recurso, em função do que se mantém a matéria dada como provada e não provada em 1.ª instância.

B. Se se verificam os pressupostos para que o réu pague à autora, sua filha, a quantia por esta peticionada, a título de alimentos.

Na sentença recorrida julgou-se a presente acção improcedente, em resumo, por três ordens de razões: a requerente dispõe de alguns rendimentos; o pai não aufere rendimentos que lhe permitam pagar a pretendida pensão de alimentos e dada a irrazoabilidade do pedido, atento o percurso escolar da requerente.

Em termos gerais (e passando-se a reproduzir o já dito em anteriores decisões, em que se discutiram situações semelhantes à dos autos), no que se refere à necessidade da fixação dos pretendidos alimentos e respectiva medida, há a considerar que, nos termos do disposto no artigo 2003.º, n.º 1 do CC, “Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.”.

Quanto à medida dos alimentos rege o artigo 2004.º, n.º 1 do CC, de acordo com o qual “Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.

No entanto, no caso de alimentos a filho maior, há que ter em linha de conta algumas especificidades, relativamente ao regime regra.

Efectivamente, na Reforma de 1977, consagrou-se, inovadoramente, no artigo 1880.º do C. Civil que, “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”; isto é, estendeu-se a obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a finalidade de permitir que estes completem a sua formação profissional e preparem o seu futuro após a maioridade ou emancipação.

Obrigação, esta, com a extensão prevista em tal artigo 1880º, que – segundo a tese que vingou na jurisprudência – tinha que ser exercida autonomamente pelo filho maior ou emancipado, o que significava que a prestação fixada durante a menoridade (no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais) não se mantinha com a maioridade, tendo o filho maior ou emancipado o ónus de propor a respectiva acção e, bem assim, de alegar e provar os respectivos pressupostos (ou seja, estar a realizar a sua formação profissional; o tempo normalmente requerido para esse efeito; e a razoabilidade da manutenção da prestação).

Foi neste contexto legal e entendimento jurisprudencial que surgiu a Lei 122/2015, de 01 de Setembro (em vigor desde o dia 1 de Outubro de 2015) e a nova redacção que a mesma deu ao art. 1905.º/2 do C. Civil, segundo a qual, “para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Temos pois que, com a nova redacção do artigo 1905.º/2 do C. Civil, se mantém automaticamente, a quem tiver menos de 25 anos de idade, a pensão já fixada no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais durante a menoridade; cabendo ao progenitor vinculado à prestação alimentícia requerer a sua cessação e tendo o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do filho foi concluído antes de este perfazer os 25 anos ou foi voluntariamente interrompido por este ou, ainda, a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.

Não estamos, no caso, perante a obrigação geral de alimentos que vincula reciprocamente as pessoas/familiares mencionadas nas várias alíneas do n.º 1 do art. 2009.º do CC.

A obrigação – que tem como sujeitos passivos os ascendentes e como sujeitos activos os descendentes – é uma obrigação alimentar especial ou qualificada cujo conteúdo repousa na filiação legal e nos direitos/deveres que devem ser exercidos por ambos os pais, de comum acordo, no interesse do filho e que se traduzem na situação jurídica dos progenitores deverem velar pela segurança e saúde daquele, prover ao seu sustento, representá-lo e administrar os seus bens (art. 1878.º/1).

Enquanto os alimentos da obrigação geral prevista no art. 2003.º e ss. do C. Civil se medem tão só pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, os alimentos da obrigação especial ou qualificada, dos ascendentes aos descendentes, têm uma maior extensão, pois compreendem além da habitação, vestuário e alimentação, o prover à saúde, à segurança e à educação; alimentos que devidos, via de regra, no âmbito da sociedade conjugal, enquanto contribuição para os encargos normais da vida familiar (no cumprimento do dever conjugal de assistência), são medidos em função do trem de vida ou status criado pelo casamento, costumando afirmar-se que, salvaguardando o princípio da proporcionalidade, visam manter o escalão social e económico já alcançado.

Pelo que, quando o casamento dos progenitores é dissolvido – deixando vir à tona de água a obrigação alimentar que até ali se encontra “amalgamada” na contribuição para os encargos normais da vida familiar – vem-se sustentando que a “bitola” dos alimentos continua a ser o nível de vida, o escalão sócio económico que a família em questão detinha (sem prejuízo da assunção de novas responsabilidades parentais dos ex-cônjuges); nível ou trem de vida aferido à luz do acervo de bens (próprios ou comuns) dos progenitores e da respectiva capacidade económica – lucros e rendimentos auferidos.

Diz-se mesmo que assiste aos filhos um como que “direito adquirido” a serem mantidos no mesmo nível de vida vivido na comunidade conjugal (nível que se apure ter existido até à data em que findou a coabitação), ressalvadas as hipóteses em que, na sequência da separação de facto ou da dissolução do casamento se dá uma real diminuição das capacidades contributivas dos pais ou de um deles, principalmente se for o progenitor não convivente (por força, v. g., de encargos com o nascimento de novos filhos, desemprego involuntário, doença incapacitante, etc.); que está vedada a criação duma situação de retrocesso por força da qual ao filho passe a ser propiciado, injustificadamente, um padrão (ou qualidade) de vida inferior àquele que gozava antes da separação de facto, da dissolução do casamento ou da separação judicial de pessoas e bens; que a extensão do dever de sustento dos filhos – traduzido na obrigação de alimentos a suportar pelo progenitor não convivente – deve, tanto quanto possível, manter-se incólume, a despeito da cessação da comunidade familiar e da alteração da sua composição, na decorrência de separação de facto, divórcio, separação judicial, etc.

Em síntese, a prestação de alimentos – no caso da obrigação alimentar especial ou qualificada – não se mede pelas estritas necessidades vitais do filho (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico social idêntico ao dos pais, mesmo que estes já se encontrem divorciados – devendo, neste caso, atender-se, como já se referiu, ao nível de vida que os progenitores desfrutavam na sociedade conjugal, na constância do matrimónio; devendo o filho ver mantido o standard de vida de que desfrutava antes da ruptura dos progenitores.

Prestação/obrigação alimentar – dos ascendentes em relação aos descendentes – que deve prover a que o filho receba uma educação adequada às suas capacidades intelectuais e que conclua os estudos ou a sua formação profissional; sem que para tal tenha de trabalhar, não obstante existir, porventura, a possibilidade de o fazer.

Daí que uma tal específica obrigação alimentar se mantenha em relação aos filhos já maiores, assim se cumprindo o desígnio da realização integral do dever de educação e instrução, preparando os filhos para a vida.

Daí o disposto no art. 1880.º do CC, prolongando o dever de alimentos dos pais, com tal configuração e extensão, para além do fim da menoridade.

Efectivamente, via de regra, os filhos, no termo da menoridade, não desfrutam da necessária capacidade económica para prosseguirem os cursos universitários ou técnico-profissionais; pelo que, sendo até aí os pais responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento dos filhos, velando pela sua educação (art. 1878.º/1 do CC), se compreenda que esta obrigação não possa extinguir-se, de modo abrupto, quando os filhos completarem 18 anos – tanto mais que o período de escolaridade se alargou muito para além dos 18 anos.

A obrigação, com a referida configuração e extensão, deve pois prolongar-se, para além do termo da menoridade, por forma a que o filho complete a sua formação profissional e desde que seja razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas; desde “que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete” – assim se refere no art. 1880.º, in fine.

E – é o ponto – o que deve entender-se, o que releva, para efeitos de tal cláusula de “razoabilidade”?

Relevarão/militarão, para tal juízo de razoabilidade, as possibilidades económicas do jovem maior (os rendimentos de bens próprios e/ou do trabalho que ele eventualmente tenha) e a dimensão dos recursos dos progenitores; como relevarão/militarão, para o efeito de saber se os recursos económicos dos progenitores, conquanto num juízo de prognose, são adequados às despesas vindouras, as circunstâncias ligadas à capacidade intelectual e ao aproveitamento escolar que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação; a duração e dificuldade relativa dos estudos que o filho maior pretenda prosseguir ou concluir.

Significa isto – sublinha-se – que o financiamento dos estudos, por parte dos progenitores, não pode ser perspectivado como um direito absoluto do filho; podendo/devendo condicionar-se as prestações/financiamentos a um certo padrão de dedicação, aproveitamento curricular e assiduidade do filho.

Significa isto – sublinha-se, ainda – que se pode/deve ponderar a inobservância dos deveres dos filhos para com os pais, em particular, o desrespeito dos deveres de auxílio, assistência e respeito do filho maior para com o progenitor obrigado, como circunstâncias conformadoras do an e do quantum da obrigação/prestação alimentar.

Enfim, a densificação da cláusula de razoabilidade constante do art. 1880.º do CC implica e suscita, caso a caso, ponderações e reflexões desta ordem e teor; sem prejuízo – acrescenta-se ainda, quanto à inobservância e desrespeito dos deveres do filho para com o progenitor obrigado – da eventual e natural imaturidade, irreflexão ou impulsividade do jovem adulto ser uma circunstância que também tem que ser tomada em conta e que, até certo ponto e dentro de certos limites, deve ser reputada como um circunstância relevante/desculpante.

Ora, no caso em apreço, a requerente aufere rendimentos mensais, no montante de 126,38 €, quantia que não sendo elevada, atento a que se trata de pessoa que não tem encargos de renda de casa e demais despesas inerentes aos encargos de um agregado familiar, não são despiciendos.

Por outro lado, não obstante as invocadas dificuldades, desloca-se em viatura própria – cf. al. I), dos factos provados.

Por contraponto, os rendimentos livres do requerido, descontadas as despesas que suporta, resumem-se a muito pouco – cf. al. X).

Do que resulta que as necessidades da requerente não se poderão sobrepor às do requerido, ao efectuar o cotejo entre as necessidades de quem pretende receber e as possibilidades de quem paga.

Por outro lado, como acima já se referiu e resulta do disposto no artigo 1880.º do Código Civil, esta obrigação só é de manter “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.

Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 08 de Abril de 2008, Processo 08A943, disponível no respectivo sítio do itij “A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.

Daí que, para aferir dessa razoabilidade, importa saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, “in casu”, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis”.

Ali se acrescentando que:

“A lei estabelece como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade, e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição.

Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito.”.

Seguindo Remédio Marques, in Algumas Notas Sobre Alimentos …, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, a pág. 300 e seg.s, importa indagar quais os elementos que integram a cláusula de razoabilidade prevista no artigo 1880.º do Código Civil, que enquadram os rendimentos próprios do requerente, do ponto de vista objectivo e, subjectivamente, “todas aquelas circunstâncias ligadas à pessoa deste credor (capacidade intelectual, aproveitamento escolar, capacidade para trabalhar durante a frequência escolar) que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação.”.

Por outro lado, como ali se refere a pág. 311, embora não se possa encarar a previsão do disposto no artigo 2013, n.º 1, al. c), como causador de cessação automática da obrigação em causa, tal “não significa que o julgador não deva ponderar a inobservância dos deveres dos filhos para com os pais (precisamente os de auxílio, assistência, respeito e, durante a menoridade, o de obediência), em particular, o desrespeito de algum dos referidos deveres do filho maior para com o progenitor obrigado.

A cláusula de razoabilidade decorrente do art. 1880.º do CC implica a necessidade de uma ponderação deste jaez – sem prejuízo, embora, de o juiz relevar a eventual e natural imaturidade, irreflexão ou compulsividade do jovem recém adulto.”.

Como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1995, a pág. 604, estamos em presença de um comando legal “vago e impreciso, ficando ao tribunal definir, em cada caso, se houve violação grave dos deveres do alimentando para com o obrigado”.

Ora, o percurso escolar da requerente fica muito aquém do normal e expectável, pautando-se por inúmeros “chumbos” e um grande absentismo, o que demonstra desinteresse pelas actividades escolares, o que fica bem patente com o facto de aos 20 anos de idade, a requerente apenas ter o 9.º ano de escolaridade – cf. al. U), dos factos provados.

Por outro lado, como resulta das al.s R) a T), a requerente não fala com o pai, desde Março de 2014, sem que dos autos resulte qualquer razão ou comportamento para tal, que isso pudesse “justificar”, sendo que, para além disso, ainda o insultou, como melhor se encontra expresso na referida alínea T).

Pelo que, salvo o devido respeito por contrário entendimento, entendemos não ser razoável exigir ao requerido que pague alimentos à requerente, sua filha maior, atento o percurso escolar desta e a falta do dever de respeito, patenteada pela factualidade descrita na alínea T), sendo que a autora já tem 22 anos de idade, não se podendo justificar a quebra destes deveres com base em imaturidade, em função do que não vislumbramos razões para alterar a decisão recorrida, a qual, merece a nossa concordância.

Assim, igualmente, improcede esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente a presente apelação, em função do que se mantém a sentença recorrida.

Custas pela apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Coimbra, 19 de Dezembro de 2017.