Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4382/20.0T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA
EMBARGOS
RECURSO
SUAS APLICAÇÕES
Data do Acordão: 02/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO COMÉRCIO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 40º E 42º, NºS 1 E 2, DO CIRE.
Sumário: I – Como decorre do disposto nos artigos 40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode ser feita através de embargos e/ou de recurso.

II - No caso da dedução de embargos, cf. n.º 2 do citado artigo 40.º, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou se requeiram meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
III - Ao invés, cf. referido artigo 42.º, n.º 1, os fundamentos do recurso têm por fundamentos o entendimento de que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida; isto é, face a tais elementos, não devia ter sido declarada a insolvência.
IV - Os fundamentos para a dedução de embargos e de recurso à sentença declaratória de insolvência são: os embargos destinam-se à alegação de factos novos ou para requerer novos meios de prova, ao passo que o recurso se destina à discussão de razões de direito, com referência aos elementos já apurados e considerados na sentença.
Decisão Texto Integral:        






               Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

L..., já identificada nos autos, veio apresentar-se à insolvência, alegando não ter meios económicos que lhe permitam cumprir as suas obrigações, como melhor consta da respectiva p.i., aqui junta de fl.s 37 v.º a 43 v.º.

Conforme sentença proferida em 27 de Outubro de 2020, aqui junta de fl.s 118 a 120 v.º, foi a mesma declarada insolvente.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, o credor R..., também já identificado nos autos, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

...

Contra-alegando, a insolvente veio alegar a extemporaneidade do recurso; que os fundamentos invocados pelo recorrente, por respeitarem a novos factos, não considerados na sentença, deviam ser deduzidos através de embargos e não de recurso e impugna a factualidade invocada pelo recorrente, em consequência do que pugna pela improcedência do recurso.

Respondendo, o MP, em 1.ª instância, igualmente defende a extemporaneidade do recurso e a inadequação do meio utilizado pelo recorrente, o qual, atentos os fundamentos invocados, deveria ter lançado mão de embargos à sentença, pugnando, também, em consequência, pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se não se verificam os pressupostos para que seja declarada a insolvência da requerente, com o fundamento em esta dispor de meios económicos suficientes para cumprir as suas obrigações.

A factualidade a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede.

Se não se verificam os pressupostos para que seja declarada a insolvência da requerente, com o fundamento em esta dispor de meios económicos suficientes para cumprir as suas obrigações.

Como resulta do relatório que antecede, o recorrente pretende atacar a decisão recorrida com o fundamento em que não se verificam “fundamentos válidos” para ser declarada a insolvência da requerente, porque na mesma não se tiveram em consideração os factos que elenca na conclusão 7.ª, os quais, no seu entender, acarretam a conclusão de que a requerente dispõe de uma situação económico-financeira que lhe permite satisfazer as suas obrigações.

Tanto a recorrida como o MP em 1.ª instância, como vimos, referem que tais fundamentos não podem ser esgrimidos em sede de recurso, mas sim através de embargos, o que acarreta a improcedência do recurso.

Como decorre do disposto nos artigos 40.º e 42.º do CIRE, a impugnação da sentença declaratória da insolvência pode ser feita através de embargos e/ou de recurso.

No caso da dedução de embargos, cf. n.º 2 do citado artigo 40.º, os mesmos baseiam-se na alegação de factos ou se requeiram meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.

Ao invés, cf. referido artigo 42.º, n.º 1, os fundamentos do recurso têm por fundamentos o entendimento de que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida; isto é, face a tais elementos, não devia ter sido declarada a insolvência.

Daí que, como refere Rui Pinto in Recursos no processo de insolvência e no P.E.R., V Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, a pág. 303:

“enquanto o recurso é um meio de impugnação de uma decisão, com fundamento em ilegalidade ou erro de facto, os embargos são meio de reabertura do contraditório. Em ambos se pede a revogação da decisão, mas apenas o recurso é um meio de defesa da decisão ilegal.

Ora, justamente, os embargos à declaração de insolvência têm por objeto a alegação de factos ou o requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência (cf. 40º n.º 2 CIRE e artigo 372.º n.º 1 al. b). Diversamente, no recurso o sujeito entende que “face aos elementos apurados, […] [a sentença] não devia ter sido proferida” ou a providência deferida. (…) Por isso, a competência é dada, respetivamente, ao tribunal da decisão ou ao tribunal superior”.

Também Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, a pág. 134 e Alexandre Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, a pág. 103, realçam a diferença de fundamentos para a dedução de embargos e de recurso à sentença declaratória de insolvência: os embargos destinam-se à alegação de factos novos ou para requerer novos meios de prova, ao passo que o recurso se destina à discussão de razões de direito, com referência aos elementos já apurados e considerados na sentença.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3.ª Edição, a pág. 279 “os embargos serão necessariamente fundados em razões de facto – novos factos alegados ou novas provas requeridas (…). Em contrapartida, o recurso deve basear-se em razões de direito – inadequação da decisão à factualidade apurada por má aplicação da lei …”.

Acrescentando a pág. 283 que a petição de embargos desencadeia a reapreciação da declaração de insolvência, que será feita pelo tribunal que a proferiu, baseada sempre “em razões de facto que afetem a sua regularidade ou real fundamentação”.

Visando-se a incorrecta aplicação do direito aos factos ponderados na sentença – acrescentam – então a via de ataque é o recurso.

Concluindo que “Se o oponente se enganou e enveredou pela via dos embargos, estes não poderão deixar de ser rejeitados, configurando-se, aliás, uma hipótese de indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido.

Não pode é a petição de embargos ser reclassificada pelo tribunal em requerimento de interposição de recurso para assim ser autuado e processado”.

Reiterando a pág. 286 que a modalidade do recurso à sentença declaratória da insolvência “está unicamente vocacionada para sustentar a oposição baseada em fundamentos de direito, que se reconduzem à inadequação da sentença à realidade apurada e, como tal, considerada no processo”.

Ora, in casu, o recorrente, tendo lançado mão da interposição de recurso como meio de impugnação da sentença recorrida, apenas aduz fundamentos – novos factos nela não considerados – que, nos termos expostos, teriam de ser usados em sede de embargos, a deduzir e a apreciar pelo Tribunal recorrido.

Como resulta do anteriormente exposto, esta inadequação do meio processual usado pelo recorrente, não se mostra apta a ter os pretendidos efeitos, uma vez que, reitera-se, no âmbito do recurso a incidir sobre a sentença declatória da insolvência, apenas se podem considerar os elementos nela já apurados; o que sem necessidade de outras considerações, impõe a improcedência do recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar improcedente o presente recurso, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 02 de Fevereiro de 2021.