Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
272/15.6GCLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
CUMPRIMENTO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
NÃO DESCONTO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 02/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL DA LOUSÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 9.º DO CC; ART. 80.º DO CP; ARTS. 281.º E 282.º DO CPP
Sumário: O período de “compromisso de não condução” assumido, aceite e cumprido, então, em sede de suspensão provisória do processo, não pode ser imputado, em caso de eventual condenação e, agora, no efectivo cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, em que o arguido foi condenado, a final após julgamento.
Decisão Texto Integral:

           Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


No processo  abreviado acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
- Condenou o arguido A... pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.°s 292.°, n.º 1, e 69.°, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
- Advertiu o arguido de que, decorrido o período de 30 (trinta) dias necessário para se aferir do trânsito em julgado da sentença, dispõe do prazo de 10 (dez) dias para entregar na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial todos os títulos que possua e que o habilitam a conduzir quaisquer veículos com motor (cfr. art.°s 69.°, n.º 3, do Código Penal, e 500.°, n.° 2, do Código de Processo Penal), sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art.º 348.°, n.° 1, al. b), do Código Penal, e, ainda, de que durante o período de execução da pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta não pode conduzir qualquer tipo de veículos com motor, sob pena de cometer um crime de violação de proibições, previsto e punido pelo art. 353.°, do Código Penal.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A... , sendo que na respectiva motivação conclui:
1. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelos art.°s 292.º, n.º 1 e 69º, n.° 1 alínea a), ambos do C.P., tendo-lhe sido determinada a pena de 90 dias de multa à taxa diária de 8,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por um período de 4 meses e 15 dias.
2. O presente recurso é limitado à pena acessória que foi aplicada ao arguido.
3. O Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo pelo período de 5 meses, ficando o arguido sujeito às injunções de prestar serviço de interesse público de 80 horas e proibido de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses.
4. O arguido entregou a carta de condução para cumprimento da injunção de proibição de conduzir a 26.01 .2016.
5. Em virtude de não ter cumprido o serviço de interesse público, foi deduzida acusação e seguiu o processo para julgamento.
6. O arguido esteve efectivamente inibido de conduzir 4 meses, cumprindo integralmente a injunção que lhe havia sido determinada.
7. Ora, tendo o arguido cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados que se verificou num período de 4 meses, no âmbito da suspensão, deve este período ser descontado no cumprimento da pena acessória sub judice, o que determinará a sua parcial extinção, com o consequente cumprimento do remanescente de 15 dias, sob pena do Recorrente ter de cumprir duas vezes a mesma pena / sanção pelo mesmo ilícito, o que não se concede - cfr. jurisprudência supra referida na motivação do recurso.
8. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, imposta ao arguido na sentença recorrida teve por objecto o mesmo facto que constituiu o objecto da injunção que lhe foi imposta na anteriormente determinada suspensão provisória do processo - condução de veículo em estado de embriaguez no dia 21.11.2015.
9. E foi Cumprida da mesma forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado, razão pela qual não há diferença em que se considere efectuado parcialmente o cumprimento.
10. Actualmente, o n.º 3 do art.° 281º do CPP exige que, neste tipo de crime, tenha de ser aplicada uma injunção de proibição de conduzir veículos com motor, pelo que não há qualquer acto voluntário por parte do arguido, pois tal é uma imposição legal.
11. Acresce que, condenado o arguido em pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado, a função preventiva adjuvante da pena principal já se mostra cumprida.
12. As finalidades de prevenção geral e especial subjacentes à aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor em sede de suspensão provisória do processo são exactamente as mesmas que as atinentes à aplicação da pena acessória sub judice.
13. A douta sentença recorrida violou, assim, as normas dos art.°s 69.1, n.º, alínea a) do C.P., 281º, n.º 3 e 282.º ambos do C.P.P., e art.° 29.º, n.°s 5 e 6 da C.R.P.
14. Em suma, operado o desconto, deve ser considerada parcialmente extinta pelo cumprimento a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que o Arguido foi condenado, restando-lhe cumprir o remanescente de 15 dias.
15.Consequentemente, a douta sentença recorrida não pode manter-se, devendo ser aditado ao dispositivo da mesma o desconto a efectuar, por via da cumprida injunção. - cfr. Ac. TR Coimbra de 24.02.2016.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!


O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, pela procedência do recurso.

 Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso é restrito à matéria de direito, sendo que a sentença proferida não padece de qualquer um dos vícios constantes do nº 2 do art 410 do Código Processo Penal, nem o processo enferma de quaisquer nulidades.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
No dia 21.11.2015, pelas 04:28 horas, na Rua da Coutada, em Miranda do Corvo, o arguido A... conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) UC, com uma TAS de 2,00 g/l, já depois de deduzido o valor de erro máximo admissível à taxa registada de 2,11 g/l.
O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, as quais, pela sua quantidade e qualidade, determinariam, necessariamente, uma TAS superior a 1,20 g/l.
Não obstante, não se absteve de assim actuar, conduzindo o mencionado veículo na via pública nessas circunstâncias.
O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.
O Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, ao abrigo do disposto nos art.°s 384.°, n.° 1, e 281.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, pelo período de 5 meses, ficando o arguido sujeito às injunções de prestar serviço de interesse público de 80 horas em instituição e horário a definir pela DGRSP, com o seu acordo, e proibido de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses, devendo proceder à entrega da respectiva carta de condução nos serviços no Ministério Público ou num posto policial no prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho de suspensão.
Portanto o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo por despacho proferido a 27.11.2015.
O arguido entregou a carta de condução para cumprimento da injunção de proibição de conduzir a 26.01.2016.
Os autos vieram a prosseguir com dedução de acusação a 04.05.2016, em virtude do arguido não ter cumprido as horas de trabalho fixadas a título de injunção.
O arguido ingeriu bebidas alcoólicas ao jantar, com um amigo, não contando sair, e encetou a condução para levar esse amigo a casa, porque estava a chover, casa essa que ficava a pouco metros, quase volta ao quarteirão.
O arguido não tem antecedentes criminais, confessou integralmente e sem reservas os factos e mostrou-se arrependido.
Tem carta de condução há mais de vinte anos, vive sozinho, não tem filhos, tem a profissão de motorista de pesados de passageiros, aufere, em média, cerca de € 1.000,00 líquidos mensais, com horas extra e nocturnas, como despesas extraordinárias paga € 560,00 de prestação mensal, referente a cartão de crédito.
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Inexistem factos não provados e não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa, sendo que a decisão relativamente à determinação da matéria de facto teve por base a confissão integral e sem reservas dos factos por parte do arguido em conjugação com o talão referente ao teste que lhe foi efectuado e com o certificado de verificação juntos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais, o tribunal teve por base o certificado do registo criminal junto aos autos e, no que respeita à situação pessoal do arguido e às suas condições sócio-económicas, o tribunal baseou-se nas próprias declarações do arguido.


*
Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questão a decidir:
- Se o período de proibição de conduzir veículos motorizados imposto ao arguido e cumprido mo âmbito da suspensão provisória do processo deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir aplicada em sentença penal;

Esta questão não é consensual na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores dividindo-se entre os que afirmam a necessidade de realizar tal desconto essencialmente por razões de justiça material e observância do princípio “ne bis in idem” e os que sufragam a impossibilidade de o fazer devido á diversa natureza e finalidades que presidem à aplicação da injunção e da pena acessória.
Defendemos que, efectivamente, a tese do desconto não tem qualquer base legal, e para tal vamo-nos socorrer da legislação como é óbvio e seguiremos de perto ao acórdão da Relação do Porto 22/15.7PTVNG.P1 de 26/10/2016 relatado pelo Exmo Desembargador Ernesto Nascimento que fez um estudo rigoroso às normas e princípios aqui em discussão.  

As únicas normas do C Penal que podem ser chamada à colação para decidir da questão são as contida no artigo 281º C P Penal, que, sob a epígrafe de “suspensão provisória do processo” dispõe no seu n.º 3 que, “(…) tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”, bem como a contida no artigo 282.º/4, que sob a epígrafe de “duração e efeitos da suspensão dispõe no seu n.º 4 que, “o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas,
a) se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta ou,
b) se, durante o prazo da suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado”.

A decisão de suspensão no âmbito do inquérito, é da responsabilidade do MP, condicionada à concordância do JIC, através do qual o agente aceita respeitar e cumprir determinadas injunções e regras de conduta e, o MP, enquanto titular da acção penal, compromete-se a, ele próprio - caso elas sejam cumpridas - a prescindir do seu exercício.
A filosofia subjacente ao instituto da suspensão provisória do processo importa um desvio do padrão, que constitui o princípio da legalidade, introduzindo uma nuance de oportunidade e informalidade na condução do inquérito por parte do MP - e do JIC, se na fase da instrução.

Os fundamentos da motivação do recurso.
Sustenta o recorrente que tendo o arguido cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados o que se verificou num período de 4 meses, no âmbito da suspensão, deve este período ser descontado no cumprimento da pena acessória sub judice, o que determinará a sua parcial extinção, com o consequente cumprimento do remanescente de 15 dias, sob pena do Recorrente ter de cumprir duas vezes a mesma pena / sanção pelo mesmo ilícito, o que não se concede - cfr. jurisprudência supra referida na motivação do recurso. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, imposta ao arguido na sentença recorrida teve por objecto o mesmo facto que constituiu o objecto da injunção que lhe foi imposta na anteriormente determinada suspensão provisória do processo - condução de veículo em estado de embriaguez no dia 21.11.2015. E foi Cumprida da mesma forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenado, razão pela qual não há diferença em que se considere efectuado parcialmente o cumprimento.

A argumentação defendida pelo recorrente na motivação do recurso e no que respeita ao desconto que pretende que se efectue encontra oposição nos AFJ do nosso mais Alto Tribunal. Assim, no AFJ 3/2009 do STJ, decidiu-se, “não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser -lhe aplicada a medida tutelar de internamento”.
Coincidentemente, pouco tempo depois, o mesmo tribunal, chamado a pronunciar-se sobre nova questão atinente com a questão do desconto, no cumprimento da pena, veio através do AFJ 10/2009 a fixar jurisprudência, no sentido de que, “nos termos do artigo 80.º/1 C Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo dos artigos 116.º/2 e 332.º/8 C P Penal, por ter faltado à audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado e a que, injustificadamente, faltou”.


Como se refere no acórdão do tribunal da Relação do Porto de 13.4.2016, in site da dgsi, com cuja fundamentação, com a devida vénia não podemos deixar de concordar, “há que reconhecer que a solução da decisão recorrida e da linha jurisprudencial que a suporta contém reflexões jurídicas interessantes para uma opção de política legislativa justificável – de jure constituindo, importando, no entanto, como é, de resto suposto, decidir a questão controvertida à luz do direito constituído - de jure constituto”.
Assim, atentemos nas regras da interpretação das normas jurídicas.
Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9º/1 C Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

Por outro lado, dispõe o nº. 2 da mesma norma que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, nº. 3 da mesma norma.
Na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, (o que não será, contudo – cremos - o caso) de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.
O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
Por um lado, apresenta-se com uma função negativa: a de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei, e, por outro, com uma função positiva, nos seguintes termos: “primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador; quando, como é de regra, as normas, fórmulas legislativas, comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”, cfr. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, 182.
A interpretação tem como escopo fundamental a determinação da chamada “voluntas legislatoris”.
Para tanto o intérprete deve socorrer-se de 2 elementos distintos: o elemento gramatical - o texto da lei e, o elemento lógico – o espírito da mesma lei.
Se se deve começar pela análise do elemento gramatical, mas pode não bastar, como da mesma forma não basta o elemento lógico. Nenhum deles, de resto, se basta a si próprio na tarefa de interpretação.
Na análise do elemento gramatical o intérprete começará por determinar o significado verbal das expressões usadas – segundo os critérios linguísticos, a conexão dos vários termos e períodos e concluirá por arrancar de todo esse aglomerado de palavras, um ou vários sentidos.
Na hipótese de o texto admitir apenas um sentido, devemos reputá-lo, em princípio, como tradutor da verdadeira vontade real do legislador.
No entanto, as mais das vezes o texto da lei comporta, desde logo, mais do que um sentido.
Há que recorrer, então ao elemento lógico, que permite corrigir, esclarecer ou consolidar as sugestões dadas pelo texto legal ou que permite vencer os obstáculos criados pelo texto das normas mais obscuras.
O elemento lógico tem a ver com a razão de ser da lei, com os motivos que a devem ter determinado e tem em devida conta a sua conexão com outras normas jurídicas e obriga muitas vezes a recorrer aos próprios princípios que estão na base de todo o sistema jurídico.
O elemento lógico subdivide-se em 3 elementos distintos: o racional, o sistemático e o histórico.
O racional consiste na razão de ser da lei, na ratio legis, no fim para que a norma foi promulgada e ainda nos motivos históricos e nas circunstâncias exteriores que a determinaram – occasio legis.
O elemento sistemático ao qual o intérprete deve recorrer, importa o não perder de vista o facto de que nenhuma disposição legal constitui uma regra isolada dentro do sistema jurídico. Relaciona-se sempre com as outras normas afins e paralelas, sobretudo com as que se integram no mesmo instituto, ou com as que regulam problemas logicamente relacionados.
O elemento histórico tem por objecto as diversas leis que versado sobre a mesma matéria, hajam vigorado antes da disposição, cujo sentido se procura determinar, bem como os trabalhos em que se tenha inspirado o legislador e os diversos elementos – projectos, actas, relatórios, comentários, relativos à elaboração da lei.

Vejamos o caso concreto:
As regras da hermenêutica jurídica.
O elemento gramatical.
Afirmar-se que, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor e que, cessando a suspensão do processo e prosseguindo este, "as prestações feitas não podem ser repetidas", cremos, que de forma, assaz manifesta e evidente, não só, não permite afirmar e defender que se deve descontar no cumprimento da pena acessória que vier a ser aplicada no julgamento, o período de tempo que o agente cumpriu a título de injunção, em sede de suspensão provisória do processo, como, inequivocamente, o impede.
Se se pretendesse fazer operar o desconto do período de tempo que o agente cumpriu de “compromisso de não conduzir” na pena acessória de proibição de condução que lhe viesse a ser imposta na sentença, porventura o local indicado para o fazer seria no apontado n.º 4 do artigo 282.º C P Penal ou então - na sistematização do C Penal - na secção iniciada pelo artigo 80.º - a que adiante voltaremos.
E sê-lo-ia, seguramente, se o legislador pretendesse divergir do que em geral afirmou – as prestações feitas não seriam repetidas - com o cuidado e o rigor de o afirmar, de feição evidente e precisa, com a natural preocupação de afastar, de forma expressa, clara e inequívoca, qualquer hipótese de dúvida acerca da intenção do legislador e, mormente, que se pudesse defender posição contrária.

O elemento racional.
A razão de ser daquela norma será segura e inquestionavelmente, o de sancionar o arguido pelo facto de, por causa que lhe é imputável, não ter logrado cumprir com a sua parte do acordado para assegurar o concedido benefício legal de não introdução do feito em juízo, de não exercício da acção penal e da sua não submissão a julgamento, que no entendimento do MP se justificaria.
E, indistinta e independentemente da natureza da injunção ou da regra de conduta imposta e violada.
A finalidade do cumprimento da injunção não se insere num contexto sancionatório, como acontece com a aplicação da pena acessória.
O arguido aceitou não conduzir no período temporal acordado, apenas e tão-só, como contrapartida, para não ser submetida a julgamento e, assim, evitar uma possível condenação.
Tendo sido revogada a suspensão provisória do processo, por sua única e exclusiva responsabilidade e culpa, não pode daí pretender obter qualquer compensação pelo que prestou a fim de beneficiar da dita suspensão - uma vez que a razão de ser e finalidade dessa "prestação" (positiva ou negativa) se esgotou naquele contexto processual.
Donde, tudo indica estarmos perante uma manifestação acabada da falta de qualquer intenção, por parte do legislador, de consagrar o procedimento do desconto, no tocante à pena acessória no que constituiria uma diferenciação, favorável aos interesses do agente inadimplente, injustificada, em relação, desde logo, como se assume na decisão recorrida, a uma, outra, injunção, de natureza pecuniária.

O elemento sistemático e histórico.
As injunções cumpridas no âmbito de suspensão de processo penal integram prestações, positivas ou negativas, que não são repetidas, o que significa que não há lugar a compensação pelo que prestou, em caso de prosseguimento do processo, causado pelo incumprimento do regime que acordou para obter a suspensão provisória do processo.
A consequência para este incumprimento é tão só, o prosseguimento do processo e subsequente submissão a julgamento - sem repetição do prestado, reforça o legislador.
Donde, nem as injunções e regras de conduta são penas, nem a suspensão provisória do processo é uma decisão onde se aprecie a responsabilidade penal e a culpa do agente – que como se sabe constitui o fundamento e a medida da pena – nem assenta em qualquer juízo de censura jurídico-penal.
Tudo inculca a ideia de que não foi intenção do legislador tomar posição expressa sobre a questão, em concreto suscitada nos autos – porventura por o entender desnecessário, face ao que está estipulado, “prestações” – “as que foram feitas não podem ser repetidas” e, ao âmbito de abrangência de tal conceito.
Isto é, não terá sido sentida necessidade, desde logo, porque se não pretendia alterar ou inovar em relação ao que se pode entender englobado na noção de “prestações”, por forma a neste segmento em concreto, do, no caso, denominado “compromisso em não conduzir”, se consagrar a tese do desconto.
Isto, quando, no geral e sem distinção, se estipula que o que foi prestado não pode ser repetido.
O que abrange, desde logo, no plano mais imediato que se possa atender, qualquer valor que haja sido entregue a qualquer título, conforme, de resto já decidiu o mesmo tribunal, através do acórdão de 7.7.2016 – “a entrega/pagamento de quantia a instituição de solidariedade social no âmbito da suspensão provisória do processo, não deve ser descontada no montante da pena de multa em que o arguido venha ser condenado, porque, 1. Foi voluntariamente aceite; 2. Contraria frontalmente o artigo 282.º/4 C P Penal; 3. Não constituir sanção penal prevista no tipo legal; 4. Poder ser imposta par além da condenação numa pena (vg. Indemnização, condição da suspensão da execução da pena de prisão e 5. Uma quantia entregue a terceiro não compensa o montante que deve ser entregue ao Estado a título de multa”.
Nem – acrescentamos nós - o trabalho a favor da comunidade (sic) que no caso foi imposto e aceite e, não prestado, de todo, quando, é certo que por lógica decorrência da tese defendida pelo recorrente, neste caso, se o arguido tivesse, sequer, iniciado a prestação das 80 horas fixadas, poderíamos vir a ser colocados perante a situação de - não vindo a pagar a multa – vir a requerer a sua substituição por dias de trabalho, nos termos consagrados no artigo 48.º/1 C Penal e, então - apesar de ainda o não termos visto defendido, por igualdade de razão com a tese consagrada na decisão recorrida - a consequência seria, do mesmo modo, fazer operar o desconto em relação ao período de tempo que já cumprira, a título de injunção a propósito da suspensão provisória do processo.
E, então, a um agente a quem fosse aplicada a injunção de entregar determinada quantia, de prestar determinadas horas de trabalho e de não conduzir, em caso de incumprimento de todas elas, apenas não se poderia compensar a quantia entregue e, poder-se-ia, pelo contrário, imputar no cumprimento da pena, quer, o tempo de trabalho, quer o período em que a carta esteve apreendida.
Resultado, este que, contraria, frontal e injustificadamente, a unidade e coerência do sistema e, que cremos, nem o próprio arguido, incumpridor, entenderia.

Da decisão recorrida.
O fundamento legal.
Como resulta manifestamente assumido e verbalizado, na decisão recorrida não existe fundamento legal a suportar a decisão do desconto do período de tempo que o arguido cumpriu no âmbito da injunção que aceitou, com a finalidade de obter a suspensão provisória do processo.
O que, desde logo, não permite, num Estado de Direito, a sua subsistência na ordem jurídica.
Por outro lado, como é sabido a justiça material num Estado de Direito democrático, próprio da realidade actual da civilização do mundo ocidental, faz-se no estrito cumprimento das regras jurídicas estabelecidas.
Donde resulta desde logo, que apenas deve ser tratado por igual aquilo que em bom rigor é absolutamente igual e, deve ser tratado de forma diferente aquilo que é diferente.
E o arguido apenas de si próprio se pode queixar. Tivesse cumprido, na íntegra, com o seu compromisso e, não só não estaria agora a ser julgado, como não teria que cumprir qualquer das penas, principal e acessória, em que veio a ser condenado e, já não se veria na contingência de, tendo cumprida uma das injunções e, não cumprido, de todo, a outra, agora em sede de sanção criminal em resposta ao seu comportamento criminoso – e depois de não ter conseguido levar a bom termo a hipótese de não vir a ser julgado - ter que repetir a proibição de condução, que desperdiçou, em pura perda, com o não cumprimento da outra injunção e com o consequente prosseguimento do processo.

 A interpretação da lei penal por apelo a conceitos e institutos próprios do direito civil.
Nenhum sentido, por outro lado, tem o apelo que se faz à interpretação do texto legal, de natureza penal, por recurso ao direito civil - e, no caso concreto pretender-se que a expressão “não repetição do prestado” apenas pode significar “não repetição do indevido” e, assim, ser reportada ao instituto do enriquecimento sem causa e às obrigações pecuniárias.
Nenhuma regra de hermenêutica, permite tal expediente e consente tal interpretação restritiva.
O contexto, a natureza e a finalidade com que são utilizadas as expressões em causa – de resto, não literalmente coincidentes - são absolutamente diversas, desde logo e, a expressão do texto penal não pode deixar de se ter como mais abrangente, desde logo, pela própria multiplicidade de situações que co envolve.

O artigo 80.º C Penal.
O desconto, enquanto tal, encontra-se consagrado na lei penal substantiva nos termos definidos no artigo 80.º C Penal, na redacção dada pela Lei 59/07 de 4SET - onde manifestamente não cabe a situação dos autos. Ninguém o defende, de resto.
No n.º 1 desta norma fazendo apelo a uma ideia de justiça material, prevê-se que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão.
É da resposta à amplitude da regra do desconto, se restrita às situações ali previstas ou se, alargadamente, por analogia, às injunções ou regras de conduta impostas para a suspensão provisória do processo - conducente ao abater o tempo de compromisso de não condução naquele âmbito assumido e imposto, à duração da pena acessória de proibição de condução, como se sufragou na decisão recorrida - que emerge o sentido decisório a imprimir ao recurso, sendo incontroverso que o regime de incumprimento daquelas é completamente omisso a respeito da matéria do desconto.
Como se sabe, só é legítimo o recurso à analogia com o regime de desconto previsto no artigo 80.º C Penal, quando por uma esgotante interpretação das normas que integram o diploma, do espírito do legislador e de uma visão sistémica do ordenamento jurídico, for de concluir que o legislador, por imprevisão sua, se absteve de prever a regulamentação global do caso concreto.
E, assim, se conformaria com esse regime analógico, por não atraiçoar o seu espírito - que não manifestou, positivando-o – situação, então, em que não se suscitariam dúvidas sobre o recurso à analogia.
O caso omisso não postula, necessariamente, uma lacuna, uma incompletude da lei, que se mantém em silêncio.
O acentuar do conceito de lacuna só surge quando a questão de que se trata é em absoluto susceptível e está necessitada de solução jurídica.
E então, para chegar a uma resolução juridicamente satisfatória, o juiz precisa de preencher a lacuna da regulação legal, de tomar em linha de apreço não só os propósitos e as decisões conscientemente tomadas pelo legislador, mas também os fins objectivos do Direito e os princípios gerais que se acham insertos na lei, entre os quais um que é inerente a toda a lei na medida em que se pretende ser Direito e que é o tratamento igual daquilo que é igual.
E, então e só, então, o recurso à analogia, nos termos do artigo 4.° C Civil.
Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos, havendo analogia sempre que, no caso omisso, procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, nos termos do artigo 10.°/1 e 2 C Civil.
E não há como recusar a analogia entre as situações previstas no artigo 80.º C Penal e a sua relação com a pena imposta em julgamento, no confronto entre a injunção aceite pelo arguido em sede de suspensão provisória do processo.
Donde se houvesse caso omisso - que já vimos, que não existe, dada a justificada amplitude e extensão do conceito “prestações” - justificativo do recurso à via da integração, dever-se-ia, não recorrer ao excepcionalmente consagrado expediente consagrado no artigo 80.º C Penal (que não rege para situação que se possa ter como semelhante e, que desde logo, por constituir norma excepcional, não pode ser aplicada analogicamente) mas sim, à situação de incumprimento da outra espécie de injunção, prevista, esta sim, ostensivamente no texto legal.
E, assim chegaríamos ao mesmo ponto de chegada, já que a razão de ser da norma é extensível a todas as espécies em que se possa traduzir, na prática, quer a injunção, quer a regra de conduta.
Assim, por existir, desde logo, norma a prever a situação concreta, não se pode, sequer, defender que estamos perante uma lacuna de previsão da lei, que tenha de ser preenchida com recurso à analogia e, muito menos, que o tivesse que ser por aplicação do expediente previsto no referido artigo 80.º C Penal.

O princípio nem bis in idem.
Nem se faça apelo a este princípio para defender a necessidade ou o imperativo de se fazer o desconto.
Com efeito.
As injunções ou regras de conduta que o agente aceita cumprir como condição para a suspensão provisória do processo têm natureza diversa de qualquer sanção penal, seja, pena principal ou acessória.
Desde logo, porque o cumprimento da injunção decorreu, designadamente, de um acordo obtido com o arguido, não tendo o despacho que decreta a suspensão provisória do processo o carácter nem a pretensão de fazer qualquer julgamento do arguido.
E a proibição do duplo julgamento consagrada no artigo 29.º/5 da CRP o que pretende evitar é um novo julgamento sobre o mesmo crime ou no que ao caso possa relevar a aplicação, renovada, de sanções penais pela prática do mesmo crime.
E cremos bem que ninguém, de forma séria, razoável e fundada, sustentará que as injunções ou regras de conduta que condicionam a suspensão provisória do processo, possam ser tidas como uma pena - que surge apenas e tão só, por definição após o julgamento – que apenas agora se realizou.
Ou que o dito e assumido compromisso, assuma a natureza de sanção penal. De resto desde logo, conceptualmente a noção de pena quadra mal - não com o carácter negociado da sua fixação, como vimos já, mas, essencialmente - com o levar em consideração e imputar em sede de cumprimento o que foi prestado – que não seja o que consta excepcionalmente no referido artigo 80.º C Penal.
Apenas no caso, de se poder ter a injunção ou regra de conduta – que, manifestamente não pode - dogmaticamente, como sanção penal, então, não poderia vir a ser renovada.

Resultado.
Cremos que daqui resulta, que bem andou o Tribunal recorrido ao não proceder ao desconto nos termos pretendidos pelo recorrente.
Na verdade resulta do C P Penal que este não dá qualquer tratamento sistemático diverso - muito menos aponta no sentido de ser operado o desconto - à matéria da consequência para o não cumprimento das injunções ou regras de conduta impostas pelo MP - e, aceites pelo agente com a concordância do JIC.
A consequência não poderá deixar de ser a mesma, independentemente da natureza da injunção ou da regra de conduta - o processo prossegue e não pode ser repetido o prestado, no sentido, mais geral e abrangente, de que não se pode compensar ou imputar no cumprimento da pena, tudo aquilo que satisfez em sede
O que na economia da prestação de trabalho e do compromisso de não condução – aplicados no caso – não pode deixar de significar que tudo se passará na fase da execução da pena como se não tivesse ocorrido a fixação de tais injunções, desde logo.
Podemos dizer que o legislador não criou nem o pretendeu fazer qualquer sistema diferenciador pela sua natureza desde logo atípica (e por isso impossível de tentar abarcar numa previsão legal que pretendesse abranger e tratar todas as situações de incumprimento) entre as diversas injunções ou regras de conduta que possam ser apostas à suspensão provisória do processo.
Antes parece que pretendeu assumir a fixação de um tratamento semelhante para todas as situações, atípicas e, daí directamente as relacione com o mero incumprimento intrínseco (ou com a condenação por factos da mesma natureza, aqui não releva).
Se assim parece ser, do que resulta do texto legal, então, dúvidas não restarão que a questão atinente com o desconto na pena acessória, em caso de compromisso de não condução aquando da suspensão provisória do processo, não foi preocupação que tenha estado, especificamente, presente no espírito do legislador. E, muito menos, no sentido de a diferenciar, em sede de incumprimento, em relação a todas as injunções possíveis e imaginárias e, mormente em relação às de natureza pecuniária.
Podemos assim assentar em que o legislador não cuidou, não previu, nem consagrou tratamento diverso em função da natureza das injunções ou das regras de conduta – quer se traduza em obrigação de pagamento de quantia certa, de entrega de coisa certa ou de prestação de facto, positivo ou negativo.
Se tal preocupação tivesse estado presente e, mormente no sentido da tese sufragada pelo recorrente, teria então previsto, concretamente, que no caso concreto se operaria o desconto, não obstante, “et pour cause” ter consagrado, em termos gerais, a não repetição do prestado.
E tal não aconteceu, não porque o legislador se tenha esquecido, mas tão só porque assumiu, em toda a sua plenitude, querer o mesmo tratamento para toda a gama e espécie das injunções e regras de conduta, independentemente da sua natureza.
Só o sistema do não desconto ou, na expressão do texto da lei, da não repetição do prestado, se revela, pois, consentâneo com os princípios estruturantes do Estado de Direito em que a pena surge como resposta, limitada e fundamentada no grau de culpa do agente, a uma conduta criminosa. Só assim se pode chegar ao resultado de uma pena acessória a ser determinada de forma justa e respeitadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
E, as injunções ou regras de conduta resultam de um acordo jurídico-processual a que o agente chegou com vista à obtenção de um benefício – o de não ser submetido a julgamento, assim, evitando, não só o estigma, mas no plano directo e imediato, uma possível condenação.

A determinação da duração da injunção não deve ser – como a da pena, a ser fixada pelo tribunal do julgamento e dominada pelos princípios da tipicidade, necessidade, adequação, proporcionalidade -proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente, mas sim, tendencialmente fixada por forma a garantir, tanto quanto possível, um maior grau de eficácia e de assegurar o êxito da suspensão do processo.
Esta é a perspectiva sob a qual se deve encarar esta nova realidade, no confronto com a pré-existente noção de sanção penal como resposta a um juízo de censura jurídico-penal e, assim, distinguir o que tem diferente natureza, não se podendo incluir na mesma categoria - aferida pelo resultado prático, tão só – e daí submeter ao mesmo tratamento, injunção e pena. Como, de resto dentro daquelas, se deve fazer a distinção entre a sua natureza diversa, de pagar, de entregar, de prestar, de fazer ou de não fazer.
Nem se diga que da solução do desconto deriva um regime penal resulta mais benéfico para o agente e, que por isso deve ser aplicado.
Isto porque, o que aparentemente pode resultar numa disfunção ou distorção do legislador, afinal, pode sê-lo, meramente aparente.
Com efeito, o des valor e a reprovação social de quem não cumpre com as injunções e regras de conduta, que previamente aceitara, como preço a pagar pela suspensão provisória do processo e, a consequente não submissão a julgamento, é sempre maior do que a de quem as não viola, sendo-lhe imputável, então, o que, apenas aparentemente resulta num quadro mais gravoso, do que o que resulta para outrem que não beneficiou da suspensão provisória do processo e, por isso não pode ter incumprido o regime para ele fixado.
Esta dicotomia e diferença de tratamento entre ambas as situações surge e está assumida, pelo legislador, sem qualquer reserva ou incoerência, de resto.

Em conclusão.
Perante a manifesta e ostensiva fragilidade e inconsistência dos argumentos de onde se pretende extrair a tese do desconto, que deve ser afastado, de resto, pelos cânones interpretativos supra aludidos, cremos que apenas se poderá defender que o período de “compromisso de não condução” assumido, aceite e cumprido, então, em sede de suspensão provisória do processo, não pode ser imputado, em caso de eventual condenação e, agora, no efectivo cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, em que o arguido foi condenado, a final após julgamento.
Donde, não se vislumbra como se possa, em face do texto legal positivado, defender o desconto – sendo certo que - que por apelo a todos os elementos de reconstituição da vontade do legislador e da interpretação da lei - não ressalta, em caso algum, a obrigatoriedade de se operar qualquer desconto - presumindo-se que adoptou a solução mais justa.
Ademais, numa época de acrescida exaltação garantística, sempre seria de estranhar que, em tal clima - de que são exemplos as recentes reformas legislativas introduzidas pelas Leis 48/07, de 29/8 e 59/07, de 4/7 - o legislador deixasse cair no esquecimento o interesse dos seus cidadãos que, sem lesar interesses fundamentais de convivência comunitária, antes e, tão só, regras de conduta ou injunções, que estavam subjacentes à decisão de confiança que em si foi depositada, com a suspensão provisória do processo - não intervindo, afirmando a necessidade de se efectuar o desconto.
Assim, não pode deixar de se concordar com o entendimento pugnado na decisão recorrida, por um lado e, por outro, discordar do entendimento sufragado pelo recorrente – que tem de ser afastado - por não ter qualquer apoio nas palavras da lei, desde logo e, nada aponta para que o pensamento do legislador se tenha exprimido, digamos que, por defeito.
Assim não só a tese do desconto carece de base legal, como, pelo contrário, existe lei que impede tal expediente, donde, deve, pois, pelas razões indicadas, ser negado provimento ao recurso.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.

Coimbra, 22 de Fevereiro de 2017

(Alice Santos – relatora)

(Abílio Ramalho – adjunto)