Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/12.4TASJP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: DIFAMAÇÃO
INJUNÇÃO
APOSIÇÃO DE MANUSCRITO
PORTÃO DE GARAGEM
ADMOESTAÇÃO
PREJUÍZO
Data do Acordão: 06/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE MOIMENTA DA BEIRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 60.º, 180.º E 181.º, DO CP
Sumário: I - A aposição de um manuscrito, com conteúdo ofensivo para a honra e consideração de outrem, num portão de garagem deste, em local de visionamento acessível a qualquer outra pessoa, é acto adequado ao preenchimento do tipo de crime de difamação, e não de injúria.

II - A pena de admoestação, prevista no artigo 60.º do CP, pode ser aplicada também aos casos em que não existe qualquer dano a reparar.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum (Singular) nº 100/12.4TASJP, da Comarca de Viseu – Moimenta da Beira – Instância Local – Secção de Competência Genérica, em que é arguida A... (melhor identificada nos autos), vinha a mesma acusada pelo assistente B... da prática, como autora material de um crime de difamação p.º e p.º pelo artigo 180º do CP e de um crime de injúria com publicidade, p.º e p.º pelos artigos 183º CP, por remissão aos artigos 181º e 182º do CP. (cfr. acusação particular de fls. 112 e 113vº), sendo que o Ministério Público tinha acompanhado tal acusação circunscrita a alguns dos factos que qualificou como integradores do crime de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, 182º e 183º nº 1 a) do Código Penal.

Aquele mesmo assistente, a fls. 113 vº e 114, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida pela prática dos supra citados crimes, peticionando a condenação daquela no pagamento de uma indemnização não inferior a € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal a partir da notificação para, querendo, contestar. Indicou como “Valor do pedido de indemnização civil: 1000,00€”.

2. Após a realização da audiência de discussão e julgamento, no dia 02.02.2015 foi proferida sentença (constante de fls. 185 a 206) onde se decidiu (transcrição parcial):

“Por todo o exposto, julgo a acusação particular parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decido:

a) Absolver a arguida A.... da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria com publicidade, previsto e punido pelos artigos 14º nº 1, 26º, 181º nº 1, 182º e 183º alínea a) do Código Penal.

b) Condenar a arguida A.... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada com publicidade, nos termos do disposto nos artigos 14º nº 1, 26º, 180º nº 1, 182º e 183º nº 1 alínea a) do C.P. na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 500,00 (quinhentos euros), substituída pela pena de admoestação, a proferir oralmente após o trânsito em julgado desta sentença.    

c) Condenar a arguida A.... no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC (artigos 513º nºs 1 a 3 do Código Penal e art. 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto lei nº 34/2008 de 26/02 por referencia à tabela III).

d) Absolver a arguida A.... do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente B.... .

 (…)”

3. Inconformado com o assim decidido, apenas o assistente interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
“1- O tribunal a quo decidiu erradamente: a) absolver a arguida de um crime de injúria com publicidade, prevista e punido pelos art.º 14º  n.º 1, 26, 181 n°1, 182 e 183 alínea a) do Código Penal; b) substituir a pena de multa pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada com publicidade, pela pena de admoestação; c)absolver a arguida do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente.
2-Foi julgado como facto não provado no ponto 2 da sentença em crise: “com as condutas descritas em 2 e 3, o assistente se tenha sentido triste, envergonhado e melindrado e bem assim atingido na sua imagem, honra, consideração e bom nome.”
3-Ora tal não corresponde a verdade, conforme consta das declarações do assistente ao minuto 22:13 a 22:15 da gravação da prova, que se transcreve: :- “era a minha mulher e a ofender-me a mim.. .“ e a instancias da advogada do assistente ao minuto 50:29 á 50:36:- “Você sentiu-se ofendido com estas expressões?
Ai... e não foi pouco...
Envergonhado?
Envergonhado e não foi pouco e enervado...”
Ao minuto 47:38 á 47:42: - “já ninguém queria ir trabalhar para mim por causa disso.. .“
4-Na douta sentença consta ainda para fundamentar a condenação na pratica do crime de difamação agravada com publicidade: “não poderia a arguida ter tido outra intenção que não fosse a de ofender o assistente na sua honra e consideração, tratando-se de imputações objetivamente injuriosas e sendo naturalmente a colocação do papel na porta da garagem (...)“.
5-Assim, deve dar-se como provado o constante do ponto 2 dos factos não provados: o recorrente sentiu-se deveras ofendido com tais expressões, ademais pois é já um senhor de idade avançada e muito respeitado pela comunidade, sendo alguém que ajuda as pessoas com necessidade económicas, dando-lhes trabalho. Mais: depois destes factos o mesmo teve dificuldade em arranjar quem trabalhasse para si, tanto dentro da sua residência como nos trabalhos no campo, em especial trabalhadoras mulheres.
6-A arguida confessou que tinha colocado o referido manuscrito, conforme se pode retirar da sua inquirição ao minuto 11:52 á 11:55 da gravação:
Meritíssimo juiz “ foi a Sr.ª que fez este papel D. A....
Sim senhora ... porque...
O que esta aqui escrito é “vai depenar as conas que tens em tua casa... Mete no Tribunal...
Arguida: Era o que ele fazia...”
7- A sentença padece de nulidade, por contradição nos seus fundamentos, pois ao ser (correctamente) condenada a arguida pela prática de um crime de difamação com publicidade, o tribunal tem que dar como provado que o assistente ficou ofendido na sua honra e consideração - ex vi art. 180 do CP.
8- Analisando os juízos de valor imputados pela arguida ao recorrente e ao dizer que “queria abusar dela”, “queria fazer pouco dela” e ao escrever um manuscrito pelo próprio punho colado no portão da casa do assistente visível a quem ali morasse e passasse com a expressão: “ vai depenar as conas que tens em tua casa. Mete no tribunal” são manifestamente desonrosos para o assistente.
9- Em face do facto julgado provado em 8 da sentença e das declarações da prova gravada do assistente e da arguida, transcritas em 2 e 5 destas conclusões, isto é de que o bilhete com os citado teor desonroso para o assistente foi visto, lido e retirado da porta da garagem pelo próprio assistente, devia o tribunal condenar a arguida pela prática um crime de injúria com publicidade, previsto e punido pelos art.º 14  n.º 1, 26, 181 n°1, 182 e 183 alínea a) do Código Penal, por estarem preenchidos no caso concreto os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime, tal como os deu como preenchidos o tribunal a quo para condenação no crime de difamação.
10- O recorrente, tem também como erradamente julgado provado o constante em 11 da sentença, já que ouvidas as declarações da arguida, que estão gravadas em ficheiro no sistema informático do tribunal e conforme consta em ata, a mesma não mostrou arrependimento nem vontade em pedir desculpas (que jamais pediu), antes no próprio tribunal expôs desonrosamente e denegriu a imagem do assistente, dizendo que este a forçava a relações sexuais, o que não se provou (ex vi facto não provado em 1), alias como consta na sentença.
11- No caso concreto, não está preenchido o disposto no art. 60 do CP, porquanto a admoestação tem lugar se o dano tiver sido reparado”, o que não é o caso, pois note-se que efectivamente e na pratica nem desculpas a arguida pediu ao assistente e de nada o reparou e tal meio não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ademais estas - se perante a pratica intencional de um crime de injurias e de difamação verbais e escritas, com propalação na comunidade pela arguida e também por um papel escrito e colado pela própria no portão da entrada da casa do assistente, em local com vizinhos e muito movimentado, com a intenção planeada e confessada pela arguida de ser visto por quem ali passasse, o que logrou.
12- Deve julgar-se provado, ao contrário do que consta na sentença, que o recorrente se sentiu ofendido na sua honra e consideração, devendo a arguida ser condenada no pedido de indemnização civil, em quantia a fixar equitativamente pelo tribunal.
13- O tribunal à quo vem a julgar na motivação da decisão que” se deram como não provados os referidos danos não patrimoniais do assistente,.. quando na realidade não é assim, pois não consta da enunciação dos factos dados como não provados os danos não patrimoniais mencionados na motivação ou nos factos alegados no pedido de indemnização civil, assim e nos termos do art. 379 n°1 a) do CPP, tem-se de considerar a presente sentença nula, porque assim o imponha os factos julgados provados em 2 a 8 na sentença.
14- O pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente visa o ressarcimento de danos não patrimoniais/morais e jamais o pagamento de dividas ou danos patrimoniais, como erradamente julgou e fundamentou o tribunal a quo, foi visa ressarcir a ofensa ao bom nome, imagem, a consideração e honra do assistente e não o pagamento de obrigações pecuniárias ou créditos, alias para estas está pendente do venda processo executivo n.°233/12.7TBSJP da comarca de Viseu, Instancia central, secção de execução J 1, divida confessada pela executada, aqui arguida, sendo falsas as suas declarações no que a esta acção executiva concerne.
15- E nula a sentença, ao pronunciar-se o tribunal a quo sobre matéria (dividas) não peticionadas no pedido de indemnização civil - ao julgar que o recorrente “ usou este processo e o próprio pedido de indemnização civil que nele formulou, como forma de recuperar o dinheiro que emprestou á arguida” - e ao omitir pronuncia sobre os danos morais cujo ressarcimento foi pedido e que porque existem levaram à condenação da arguida num crime de difamação.
16- São danos patrimoniais, no depoimento do próprio recorrente, a ofensa ao bom- nome, à credibilidade, à consideração e à confiança no assistente, que atento tais juízos de desvalor produzidos e propalados pela arguida até teve dificuldades em arranjar mulheres para trabalhar em sua casa, que terão de ser liquidados com base na equidade.
17- Foram violados os artigos do 181 a 184 CP e o art. 483 do CC.
18- A sentença é nula, atento o disposto nos artigos 377 e 379, n.° 1 al. c) do CPP.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V/Exas. deve a sentença ser revogada
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

4. O Ministério Público, a fls. 236 a 243, respondeu ao recurso concluindo nos seguintes termos (transcrição):

1.º - O assistente considera que o ponto 2 da matéria de facto dada como não provada foi incorrectamente julgado uma vez que resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que o assistente se sentiu triste, envergonhado e melindrado e, bem assim, atingido na sua imagem, honra, consideração e bom nome, conclusão com a qual não concordamos.

2.° - Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não resultou provada a mencionada matéria de facto, sendo que o Tribunal a quo apreciou correctamente a prova produzida em audiência.

3.º - A prova testemunhal deve ser valorada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, o que in casu aconteceu.

4.º - O Tribunal expôs na sua fundamentação o processo racional e lógico que percorreu para dar como não provados os factos aqui em apreço e na sua apreciação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento o Tribunal explica, de forma clara e compreensível para os destinatários da sentença, as razões que levaram o Tribunal a dar mais relevo a certos depoimentos.

5.º - As duas condutas da arguida assumem uma mesma unidade criminosa e consubstanciam apenas a prática de um crime de difamação, pelo qual a arguida foi devidamente condenada.

6.° - Os pressupostos do artigo 60.° do Código Penal encontram-se preenchidos pelo que, não assiste razão ao recorrente.

7.º - Não resultou provado que o arguido se tenha sentido triste, envergonhado, melindrado e, bem assim, atingido na sua imagem, honra, consideração e bom nome, pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, nomeadamente a existência de dano e o correspondente nexo de causalidade entro facto ilícito e o dano.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. dignarão suprir, negando provimento ao recurso e mantendo, na íntegra, a douta sentença recorrida, farão como sempre, a costumada

JUSTIÇA

5. A arguida não respondeu ao recurso.

6. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, sufragando a posição evidenciada pela magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

7. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

8. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, e vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto:
a) Se, o facto 2 dos não provados, deveria ser dado como provado.
b) Se foi erradamente dado como provado o facto 11.
2. Se, em face do facto provado em 8 e das declarações transcritas em 2 e 5 das conclusões, a arguida deveria ter sido condenada pela prática de um crime de injúria com publicidade p. e p. pelos arts 181º, 182 e 183º a) do Código Penal.
3. Se a sentença é nula por se ter pronunciado sobre matéria não peticionada no pedido de indemnização civil e omitir pronúncia sobre danos não patrimoniais cujo ressarcimento foi pedido.
4. Se não estavam verificados os pressupostos para o enveredo pela aplicação da pena de admoestação.
5. Se a arguida deveria ter sido condenada, ao menos em parte, no pedido de indemnização civil.
                                                  *

Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):
“2.1. FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
1. Durante cerca de dois anos, a arguida trabalhou na casa do assistente, exercendo funções de empregada doméstica e efectuando trabalhos na agricultura, sendo que cessou funções em 2012.
2. Em data e com frequência não concretamente apurada, mas depois de ter de deixado trabalhar em casa do assistente, a arguida comentou no povo, a um número indeterminado de pessoas, que saíra da casa daquele porque o mesmo “queria abusar dela”, “queria fazer pouco dela”.  
3. Também em data e hora não concretamente apurada, entre as 22h00m e as 00h30m, em Setembro de 2012, a arguida dirigiu-se ao portão de entrada da garagem do assistente e ali colou um manuscrito onde escreveu, pelo seu próprio punho e entre outras expressões, a seguinte frase: “Vai depenar as conas que tens em tua casa. Mete no tribunal”. 
4. Tal bilhete esteve à vista e acessível a vizinhos e por quem ali passasse, tendo sido visto, pelo menos, por C.... e D.... .
5. Com estes comportamentos, pretendia a arguida dirigindo-se a terceiros, ofender o assistente, imputando-lhe factos e efectuando sobre o mesmo juízos de valor que sabia não corresponderem à verdade, pretendendo atentar contra a sua honra e consideração pessoal.
6. Ao colar o bilhete na porta da garagem do assistente, pretendia a arguida que aquele fosse visto por quem ali passasse, facilitando a divulgação do seu conteúdo junto da Comunidade.    
7. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que:
8. O referido bilhete veio a ser retirado da porta da garagem pelo assistente, no dia seguinte, pela manhã, por ter sido chamado à atenção para o mesmo pelos vizinhos, C.... e D.... .
9. O assistente e a arguida encontram-se desavindos na sequência de uma dívida, uma vez que o primeiro emprestou à segunda determinada quantia em dinheiro que aquela refere já ter liquidado quase na totalidade, ao passo que o assistente afirma que a mesma ainda lhe é devida, tendo já instaurado uma acção executiva para cobrança de tal valor.
10. No mesmo local, designadamente na porta da garagem, em data não concretamente apurada mas antes do episódio descrito em 3 e depois de a arguida ter deixado de trabalhar na sua casa, o assistente colou um papel de conteúdo não concretamente apurado, mas onde referia que a arguida lhe devia uma determinada quantia em dinheiro.
11. Em julgamento, a arguida mostrou arrependimento sincero pelas suas condutas e bem assim demonstrou vontade em pedir desculpas ao assistente. 
12. A arguida nasceu no Brasil, em 07/01/1969.
13. Reside em Portugal há 15 anos, com um companheiro.
14. Trabalha na agricultura e efectua serviços de limpeza em habitações, auferindo em média cerca de € 25,00 diários mas não trabalha todos os dias. 
15. O seu companheiro efectua igualmente trabalhos esporádicos na agricultura e padece de diversos problemas de saúde.
16. Tem uma filha já casada e um outro filho com 19 anos que se encontra a estudar, auferindo a arguida o abono relativo a este, no valor mensal de € 42,00.
17. Reside em casa pertença dos pais, já falecidos.
18. A arguida não tem antecedentes criminais registados.  

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
1. No período em que a arguida trabalhou em casa do assistente aquele tenha tentado forçá-la a ter um relacionamento de natureza sexual.
2. Com as condutas da arguida descritas em 2 e 3, o assistente se tenha sentido triste, envergonhado e melindrado e bem assim atingido na sua imagem, honra, consideração e bom nome.   
Os restantes factos constantes da acusação particular e pedido de indemnização civil não foram considerados pelo Tribunal por serem irrelevantes, conclusivos ou conterem matéria argumentativa ou de direito. 

2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental constante dos autos, devidamente conjugada com as regras da experiência comum.
Para dar como provados os factos descritos sob os nºs 1 e 3, considerou o Tribunal o teor do bilhete de fls. 2 e as declarações prestadas pela arguida em audiência de julgamento, a qual confessou ter efectivamente subscrito o referido bilhete e o colado na porta da garagem do assistente. Referiu ao Tribunal que enquanto esteve a trabalhar em casa do assistente, aquele por duas vezes a assediou, sendo que na última vez, em Agosto de 2012, a terá tentado agarrar, razão pela qual abandonou o referido trabalho. Salientou que terá sido por essa razão que ali colou o referido bilhete e com o objectivo de responder ao outro bilhete que o assistente lá tinha colado, na medida em que já quase nada lhe devia, por aquele lhe ter descontado a quantia em dívida com o produto do seu trabalho em sua casa, enquanto empregada doméstica. Apesar disso, a arguida mostrou arrependimento e referiu ao Tribunal que tal se tratou de um acto irreflectido, de nervosismo e de desespero. Tal arrependimento pareceu-nos sincero e por isso se deu como provado o facto descrito em 11.
Também para a prova de tais factos e bem assim dos descritos em 4, 8, 9 e 10, valorou o Tribunal os depoimentos prestados pelas testemunhas C.... e D.... os quais presenciaram a colocação do referido bilhete no local pela arguida, tendo os mesmos referido ter, depois, ido ao local analisar o seu conteúdo, sendo que no dia seguinte, de manhã, chamaram a atenção do assistente, quando o mesmo saia de casa para regar, que o tirou daquele local. Também relataram as testemunhas ao Tribunal as desavenças entre o assistente e a arguida, relativas à mencionada dívida e bem assim o facto descrito em 10. No que se refere ao facto descrito em 6, considerou também o Tribunal o depoimento prestado pela testemunha D.... , a qual referiu que naquele momento era Verão, havia gente nas janelas e nas varandas e passavam no local pessoas, sendo muito provável que o bilhete tivesse sido visto por outras pessoas para além da testemunha e do marido. Mais referiu que se não fossem os dois a verem aquilo e avisarem o assistente, aquele muito possivelmente nem o teria visto nos próximos dias, por não se dirigir ali diariamente (na medida em que se tratava da porta de um lagar antigo). Quanto aos factos referidos em 1, 8, 9 e 10, foram igualmente os mesmos confirmados ao Tribunal pelo assistente.
No que se refere ao facto descrito em 2., apesar de a arguida ter negado a prática de tal facto, a mesma acabou por referir que comentou com algumas pessoas a razão pela qual havia saído da casa do assistente, designadamente por ele querer abusar de si, tendo referido que foram alguns familiares, não os querendo, no entanto, identificar. Por sua vez o assistente referiu ao Tribunal ter ouvido “do povo” que a arguida andava a dizer que ele queria fazer pouco dela, embora não tenha conseguido identificar quem lhe terá contado tal facto. Revelou-se, neste aspecto, esclarecedor, o depoimento da testemunha D.... que relatou ao Tribunal que ouviu dizer no povo que a arguida andava a dizer que “o Sr. Américo queria abusar dela, ou fazer pouco dela”, tendo a referida testemunha prestado um depoimento sincero, mostrando até algum constrangimento ao relatar tal facto.
Quanto ao elemento subjectivo descrito em 5 a 7, convém referir que, pertencendo as intenções à esfera íntima de cada pessoa, o Tribunal só as pode apreender de forma indirecta, através da submissão de actos de natureza externa, empiricamente observáveis, ao crivo das regras da experiência e da ordem natural das coisas. Como bem se refere no douto Acórdão do Tribunal do Porto de 13/10/2010, Proc. Nº 900/06.4JAPRT.P1, disponível na já citada base de dados do ITIJ: «É frequente a prova do dolo produzir-se de uma forma indirecta: o saber humano dispõe de certezas emergentes do id quod plerumque accidit (o que geralmente acontece) ou seja, de imposições da experiência comum que decorrem das especificidades do caso concreto e apoiam a objectividade da livre convicção do julgador». Assim, considerando todo o comportamento da arguida e as próprias declarações prestadas em audiência, é perfeitamente possível, com o auxílio das regras de experiência comum, inferir a intencionalidade que lhe esteve subjacente, bem como o conhecimento por aquela do carácter ilícito e censurável das suas condutas. É evidente que, não se tendo provado que o assistente tentou forçar a arguida a qualquer relacionamento de cariz sexual, não poderia a arguida ter tido outra intenção que não fosse ofender o assistente na sua honra e consideração, tratando-se de imputações objectivamente injuriosas e sendo naturalmente a colocação do papel na porta da garagem, visível para quem passasse na rua, uma forma de facilitar a divulgação do seu conteúdo junto da Comunidade, sendo também certo que o seu objectivo terá sido, com toda a certeza, responder ao primeiro papel que ali havia sido colado pelo assistente, anunciando a existência da dívida da arguida.     
No que concerne às condições socioeconómicas da arguida relevaram as declarações da própria, que nesse particular mereceram a nossa credibilidade, sendo certo que nenhuma prova em contrário foi produzida.
No que se refere à ausência de antecedentes criminais e idade da arguida, o Tribunal considerou o certificado de registo criminal de fls. 155.

No que se refere aos factos não provados, o Tribunal não considerou que se tivesse realizado prova cabal e suficiente dos mesmos.
No que respeita ao facto não provado descrito em 1, o mesmo foi relatado pela arguida. Todavia, aquela não quis identificar qualquer pessoa com quem tivesse comentado tal facto ou que tivesse conhecimento directo ou sequer indirecto do mesmo. Ora, apesar das declarações da arguida, aquela não indicou qualquer outra prova capaz de as corroborar, tendo o assistente negado tais factos. Ora como resulta do disposto no artigo 180º nº 2 alíneas a) e b) do C.P. a prova de tal facto caberia à arguida, sendo certo que, tratando-se de facto respeitante à intimidade da vida privada do assistente, nem sequer se admitiria a prova do mesmo, tendo aqui eventualmente a aplicação de uma causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 31º nº 2 alíneas a), b) e c) do C.P., mas a conduta da arguida ao imputar tais factos ao assistente, naturalmente que não se enquadra em nenhuma destas situações.    
Todavia, sempre se diga que, não se tendo feito prova destes factos, o depoimento prestado pelo assistente se revelou extremamente incongruente e tendo em conta o concreto modo co-mo aquele prestou declarações, as expressões por si utilizadas (tendo mostrado grande preocupação com os relacionamentos amorosos da arguida) e os episódios que relatou ao Tribunal, ficou o Tribunal com a convicção de que a relação entre ele e a arguida não se tratou de uma simples relação de patrão-empregada doméstica. Contudo e apesar disso, não se provou a concreta versão da arguida, servindo apenas a mesma e todo o circunstancialismo que a envolve, para diminuir sensivelmente a sua culpa. 
Quanto ao facto não provado descrito em 2. apesar de as expressões usadas e factos imputados pela arguida ao assistente serem objectivamente injuriosos e aquela tenha pretendido ofendê-lo na sua honra, não cremos que o mesmo se tenha sentido enxovalhado, humilhado ou sequer triste, com tais comportamentos. Na verdade, como se disse, o assistente no seu depoimento, manifestou um interesse na arguida e na sua vida pessoal e amorosa, muito para além de um simples patrão e referiu expressamente que só tinha vindo para o Tribunal com ela por a arguida não lhe pagar o que lhe devia. Note-se que a preocupação do assistente com a suposta dívida é tanta que aquele foi o primeiro a despoletar toda esta situação, tendo colado no portão da sua garagem, para todo o Povo de São Pesqueira ver, um bilhete a dizer que a arguida lhe devia dinheiro. E foi por isso que a arguida, depois foi lá colocar por cima, o famigerado manuscrito, agora discutido nestes autos. Ficou o Tribunal com a clara convicção de que a preocupação do assistente era efectivamente com a dívida e não com a sua honra ou consideração públicas, até porque aquele referiu por diversas vezes que a arguida ofendeu a sua esposa e a sua empregada quando usou a expressão “depenar as conas”, sendo certo que nestes autos apenas se discutem os danos morais do assistente e não de terceiros.
Ficou pois o Tribunal com a clara convicção que a motivação e preocupação do assistente foi tão só a de usar este processo e o próprio pedido de indemnização civil que nele formulou, como forma de recuperar o dinheiro que emprestou à arguida. De tal forma que do depoimento das testemunhas C.... e D.... resultou evidente que o bilhete colocado pela arguida era maior e nele a arguida fazia referência ao facto de nada dever ao assistente, por lhe ter pago com o seu trabalho, mas o assistente parece ter feito questão de cortar o referido bilhete e não apresentar essa parte do mesmo no Tribunal (alias como se nota da análise do mesmo a fls. 2). E não temos dúvidas que, atentas as concretas expressões usadas pela arguida no referido bilhete (“depenar” e “mete no tribunal”), o mesmo se tratou, em grande parte, de uma desesperada resposta ao anterior bilhete do assistente que aquele, gratuitamente, ali colou para ser visto por toda a Comunidade da Pesqueira, onde se referia que a arguida era sua devedora. Por isso se deram como não provados os referidos danos não patrimoniais do assistente, sendo aliás, manifestamente reprovável que as pessoas utilizem um processo de natureza criminal com todas as consequências que o mesmo implica para tentar cobrar dívidas que não conseguem cobrar na jurisdição cível…”

Em condições normais, passaríamos então à apreciação da primeira questão que consistia em saber se, o facto 2 dos não provados, deveria ser dado como provado;
Todavia, por constarmos que o facto (ou factos) em causa apenas respeita ao pedido de indemnização civil e de não vislumbramos minimamente a ocorrência da mencionada nulidade por omissão de pronúncia em relação aos factos atinentes à matéria criminal, uma questão prévia se levanta e que, desde já obsta à apreciação da concreta questão colocada:
a) Questão prévia
O Código de Processo Penal estabelece no seu art. 400.º, n.º 2 que “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Por sua vez, o artigo 24º nº 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto) - normativo vigente à data da apresentação do pedido de indemnização civil - estabelece que “Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000”.
Tendo o pedido de indemnização cível formulado nestes autos contra a arguida o valor de € 1.000,00 (cfr. fls. 113vº e 114), temos necessariamente de concluir que o recurso do assistente/demandante é inadmissível na parte respeitante à matéria cível, devendo o mesmo ser rejeitado, não vinculando esta Relação o despacho de admissibilidade proferido em 1.ª instância [414.º, n.º 3; 420.º, n.º 1, al. b) C.P. Penal].
Por isso, sem prejuízo da eventual decorrência do que estabelece o nº 3 do artigo 403º do Código de Processo Penal, não se conhecerá do recurso quanto à parte cível ficando, assim, o objecto do recurso circunscrito à parte crime.
Nessa sequência, e porque apenas atinente ao pedido de indemnização civil, afastada fica a apreciação, desde já, da seguinte questão:
- 1ª. Impugnação da matéria de facto:
a) Se, o facto 2 dos não provados, deveria ser dado como provado.
Concretizando, especificamente: este afastamento impõe-se pelo facto do ponto 2 dos factos não provados (já supra transcrito), apenas tinha sido alegado no pedido de indemnização civil – e não na acusação). Com efeito, se bem analisarmos o pedido de indemnização civil de fls. 113º vº e 114, nele consta autonomamente discriminado:
Pedido de indemnização Cível
19.º
O assistente dá por inteiramente reproduzidos todos os factos anteriormente alegados.
20º
A arguida agiu livre e conscientemente, com a intenção de ofender como ofendeu o assistente, que se sentiu atingido na sua imagem, honra, consideração e bom nome, sentido-se triste, envergonhado, melindrado, ademais tendo a arguida colado tais dizeres escritos no portão da sua casa, em rua corrente, à vista e acessível a toda a aldeia e por quem ali passasse.
21º
Face aos danos morais, que o assistente sofreu por causa da conduta ilícita do arguido, pede-se para ressarcimento a título de indemnização cível o valor de 1000,00€”

E também porque apenas atinentes ao pedido de indemnização civil, afastada fica também a apreciação das seguintes questões:
3. Se a sentença é nula por (…) omitir pronúncia sobre danos não patrimoniais cujo ressarcimento foi pedido.
5. Se a arguida deveria ter sido condenada, ao menos em parte, no pedido de indemnização civil.

Circunscrevendo-se, assim e a partir de agora, o âmbito do recurso apenas às seguintes questões:
A). Impugnação da matéria de facto:
- Se foi erradamente dado como provado o facto 11;
B) Se, em face do facto provado em 8 e das declarações transcritas em 2 e 5 das conclusões, a arguida deveria ter sido condenada pela prática de um crime de injúria com publicidade p. e p. pelos arts 181º, 182 e 183º a) do Código Penal.
C). Se a sentença é nula por se ter pronunciado sobre matéria não peticionada no pedido de indemnização civil.
D). Se não estavam verificados os pressupostos para o enveredo pela aplicação da pena de admoestação.

Feito este novo enquadramento das questões a conhecer, apreciemos então:

Questão A).
Impugnação da matéria de facto: Se foi erradamente dado como provado o facto 11 ou, por outras palavras, se tal facto deveria ter sido dado como não provado.

Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal (diploma a que reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem) que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da “revista alargada” dos vícios do artigo 410º nº 2 e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artigo 412º.

Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed. pag. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol III, Editorial Verbo, 1ª Ed., pag. 344 e 345, e Simas Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pag. 77).

Na segunda situação – impugnação ampla – a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:

3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o concreto facto (ou factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.

A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o Acórdão do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:

- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;

- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;

- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;

- a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.

Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, 1984, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Ora, tecidas todas estas considerações sobre as exigências que incumbem a um qualquer recorrente quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, exigências essas assinaladas no já mencionado artigo 412º nºs 3 e 4, no caso sub júdice, constata-se que o recorrente não deu cumprimento a tais exigências para que este tribunal ad quem pudesse sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância quanto a tal impugnado facto 11. O ónus de especificação a que alude o mencionado artigo 412º nº 3 – desde logo quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, acrescida da observância das regras a que alude o nº 4 do mesmo artigo – não foi observado/acatado/cumprido pelo recorrente.
Com efeito, apesar de afirmar na conclusão 10 que “O recorrente, tem também como erradamente julgado provado o constante em 11 da sentença, já que ouvidas as declarações da arguida, que estão gravadas em ficheiro no sistema informático do tribunal e conforme consta em ata, a mesma não mostrou arrependimento nem vontade em pedir desculpas (que jamais pediu), antes no próprio tribunal expôs desonrosamente e denegriu a imagem do assistente, dizendo que este a forçava a relações sexuais, o que não se provou (ex vi facto não provado em 1), aliás como consta na sentença.”, o certo é que o recorrente, depreendendo-se que se estava a reportar às declarações da arguida, não assinalou as passagens da gravação das declarações desta que pudessem impôr decisão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo quanto a tal facto 11.
Ora, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, uma discordância acerca de depoimentos/declarações ou até, porventura, da credibilidade que foi dado a um depoimento em detrimento do outro, só por si não é susceptível de impor decisão diversa sobre os factos em relação aos quais tais depoimentos versaram. Para além disso, o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa, caso as mesmas tenha sido objecto de gravação (o que foi o caso) implica a indicação e concretização das passagens da gravação em que se funda a impugnação do facto posto em crise pelo recorrente (cfr. nº 4 do artigo 412º) para que, em conformidade com o nº 6 de tal artigo o tribunal de recurso proceda à audição das passagens indicadas; não cabendo ao tribunal ad quem nem a faculdade/direito nem o ónus/dever/obrigação de se substituir ao recorrente.
Ou seja, constata-se que o recorrente, pese embora tenha elaborado a sua impugnação com apelo às declarações e depoimentos prestados em audiência, não satisfez o ónus de impugnação especificada, na medida em que não deu cumprimento ao disposto no artigo 412º nºs 3 b) e 4. E não deu cumprimento a isso nem nas conclusões nem na motivação de recurso.
Se ao menos na motivação tivesse devidamente observado o estabelecido no artigo 412º nºs 3 b) e 4, poder-se-ia fazer operar o convite ao aperfeiçoamento a que alude o nº 3 do artigo 417º. Todavia, sendo inalterável a motivação e não podendo as conclusões exceder os limites definidos pela motivação (cfr. nº 4 do artigo 417º), o convite para a correcção traduzir-se-ia num acto inútil, o que a lei proíbe.
O recorrente não cumpriu, portanto, o ónus de impugnação especificada.
A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso» ( - Acórdão do STJ de 31/10/2007, disponível em www.dgsi.pt/jstj.).
Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 259/2002, ao referir “quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 412º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.”(Acórdão de 18/6/2002, publicado no D.R., II Série, de 13/12/2002.).
A haver despacho de aperfeiçoamento, quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Saliente-se que de acordo com o disposto no artigo 431.º, b), havendo documentação da prova, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 e 4, o que, como vimos, não ocorre no caso em apreço.
Na circunstância do não acatamento do ónus de impugnação especificada, tem-se entendido, como decorrência da sua própria noção (um ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento como pressuposto de obtenção de determinada vantagem, que até pode cifrar-se em evitar a perda de um benefício ou faculdade, no caso, a de viabilizar o recurso sobre a matéria de facto), não ocorrer o condicionalismo referido na alínea b) do artigo 431.º, tornando-se inviável a modificabilidade da decisão em relação à matéria de facto.

Em suma, por tudo o que acaba de ser dito, perante a falta de concretização das provas que impõem decisão diversa com a especificação das concretas passagens em que se funda a impugnação dos factos que o recorrente considera como não provados, coarctada ficou a possibilidade deste tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que havia sido fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem por assente tal qual o foi na sentença recorrida.

Improcede pois, a pretendida alteração dos dados como provados factos constantes do ponto 11, que assim se têm por assentes.

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Questão B): Se, em face do facto provado em 8 e das declarações transcritas em 2 e 5 das conclusões, a arguida deveria ter sido condenada pela prática de um crime de injúria com publicidade p. e p. pelos arts 181º, 182 e 183º a) do Código Penal.
Esta pretensão está completamente votada ao insucesso, desde logo porque o recorrente parece confundir factos com meios de prova para, depois, a uns somar os outros; ou por outras palavras, pretende aglutinar factos e meios de prova num todo para, com esse abrangente “todo” pretender que seja aplicado o direito.
Totalmente inviável tal pretensão. Uma coisa são factos e outra (que nada tem a ver com factos) são os meios de prova que servirão para comprovar factos.
Independentemente do que possa constar “das declarações transcritas em 2 e 5 das conclusões” (certamente que se queria referir às declarações transcritas em 3 e 6 das conclusões, porque nas conclusões 2 e 5 não constam transcrições), o certo é que o recorrente não requereu, concretamente, que fosse aditado qualquer facto. E se esse facto não constasse da acusação, como até parece evidenciar-se que não consta, teria que ser requerido o respectivo aditamento em sede própria, ou seja, em sede de audiência de julgamento para que, caso o tribunal a quo desse guarida a esse aditamento, ali fosse dado conhecimento do mesmo à arguida em cumprimento do disposto no artigo 359º ou 358º do CPP, consoante implicasse, ou não, uma alteração substancial dos factos.
Por isso, apenas nos podendo ater a factos (e não a meios de prova), vejamos o que resulta do facto dado como provado sob o ponto 8.
“8. O referido bilhete veio a ser retirado da porta da garagem pelo assistente, no dia seguinte, pela manhã, por ter sido chamado à atenção para o mesmo pelos vizinhos, C.... e D.... ”
Ora, este facto, conjugado com os demais dados como provados, tal como resulta bem expresso da sentença recorrida, jamais conduziria a uma condenação da arguida pelo pretendido crime de injúria, crime este que, em contraposição com o crime de difamação, tem como pressuposto básico que a imputação de factos ofensivos da honra e consideração ou direcção de palavras ofensivas desses mesmos bens jurídicos (expressos de forma verbal, escrita, por gestos, através de imagens ou qualquer outro meio de expressão) sejam feitos na presença da pessoa visada ou de forma a que apenas sejam acedidos “ab initio” pela pessoa visada - e não, como na difamação, na ausência desta, perante terceiros.
Ora, o colar de um manuscrito, com conteúdo ofensivo para determinada pessoa, num portão de garagem dessa pessoa, em local de visionamento acessível a qualquer outra pessoa (e não apenas da pessoa visada, tanto mais que foi dado como provado terem sido os vizinhos a chamarem a atenção do assistente para a colagem de tal manuscrito/bilhete), enquadra-se no âmbito do crime de difamação p. e p. nos arts. 180º nº 1, 182º e 183º nº 1 a) do Código Penal, e não do crime de injúria a que aludem os artigos 181º nº 1, 182º e 183º nº 1 a) do referido código.
Nessa medida, em toda a linha e sem necessidade de mais considerandos, naufraga esta pretensão do recorrente.
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Questão C): Se a sentença é nula por se ter pronunciado sobre matéria não peticionada no pedido de indemnização civil.
Adiantando a nossa posição, não assiste razão ao recorrente.
No âmbito desta questão, o recorrente trás à colação o artigo 379º nº 1 c) do CPP, embora também faça menção à alínea a) do nº 1 deste mesmo artigo 379º.

A alínea c) do nº 1 do artigo 379º estatui que “é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

O excesso de pronúncia, no dizer da lei, ocorre quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento. E isso acontece, por exemplo, quando exorbita os seus poderes ou a sua competência em relação a determinada questão ou quando decide para além daquilo que lhe é pedido ou quando decide questões que não lhe são colocadas e em relação às quais não tenha o dever de conhecer.

Invoca o assistente/recorrente que “É nula a sentença, ao pronunciar-se o tribunal a quo sobre matéria (dívidas) não peticionadas no pedido de indemnização civil - ao julgar que o recorrente “usou este processo e o próprio pedido de indemnização civil que nele formulou, como forma de recuperar o dinheiro que emprestou á arguida”.

Não assiste razão ao recorrente, desde logo porque o mesmo parece esquecer-se do que estabelecem os artigos 368º e 369º do CPP, reportando-se o primeiro à questão da culpabilidade e o segundo à questão da determinação da sanção, normativos esses cuja observância surge imposta ao tribunal pelo artigo 339º nº 4 do CPP.

Com efeito, estabelece este último normativo que: “Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º

Ou seja, diferentemente do que pretende fazer crer o recorrente, não resulta da sentença que o tribunal tenha exorbitado dos seus poderes de investigação na descoberta da verdade material nem que tenha tomado posição sobre questões para as quais não tivesse competência.

Apenas e tão só, servindo-se de meios probatórios constantes dos autos e que lhe foram carreados e apresentados em audiência e aos quais teve, assim, directamente acesso e sobre os quais todos os sujeitos processuais puderam exercer o respectivo contraditório (sem sequer ter necessidade de se socorrer de outros meios de prova a que, se necessário, também poderia aceder por via do princípio da investigação plasmado no artigo 340º do CPP) o tribunal tomou posição quanto aos factos que eram alegados na acusação, no pedido de indemnização civil e, bem assim, sobre aqueles que (mesmo sem apresentação de contestação escrita) resultaram da discussão da causa e que tinha relevância para a boa decisão desta.

Por isso, em lado algum da sentença resulta ter havido qualquer excesso de pronúncia por forma a que pudesse ocorrer a nulidade a que alude o alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP.

A título de parênteses dir-se-á ainda que o recorrente parece confundir factos com fundamentação de factos, tanto mais que a expressão que, entre comas, traz à colação para o invocado excesso de pronúncia, consta da sentença na parte respeitante à motivação da matéria de facto (e impunha-se que o tribunal a quo o tivesse feito por força do que estabelece o 374º nº 2 do CPP, cuja inobservância poderia operar a nulidade da sentença face ao disposto no artigo 379º nº 1 a) do mesmo diploma), e não à materialidade fáctica em si mesma.

Naufraga, assim, também esta pretensão do recorrente.

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Questão D). Se não estavam verificados os pressupostos para o enveredo pela aplicação da pena de admoestação.
Da análise da sentença recorrida consta que depois de ter optado pela aplicação da pena de multa (em detrimento da opção pela pena de prisão também prevista no tipo legal de crime) e fixado esta em 100 dias à taxa diária de €5,00, o tribunal a quo enveredou por substituir esta pena de multa pela pena de admoestação.
Para a impugnada substituição da pena de multa pela de admoestação foi a seguinte a fundamentação utilizada na sentença recorrida (transcrição):
“4.2: Da Substituição da Pena de Multa pela pena de Admoestação.
Dispõe o art.º 60º, do C. Penal:
“1 – Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 – A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 – Em regra a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 – A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.”
“Pressuposto formal de aplicação de admoestação é a de ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias. E, como pressuposto material, depara-se a exigência de prévia reparação do dano e ainda que o tribunal possa concluir, consideradas as circunstâncias concretas do facto e do agente, “que a admoestação se revela um meio adequado e suficiente de realização das finalidades da punição. O que vale por exigir que o tribunal se convença, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que o delinquente alcançará por tal via a sua (re)socialização; e ainda que a aplicação de uma mera admoestação não porá em causa os limiares mínimos de expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico” (FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 387).
Ou seja, “a admoestação é uma censura solene feita em audiência pública pelo tribunal, aplicável a delinquentes culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende, por serem delinquentes primários, por ser neles mais vivo o sentimento da própria dignidade, ou por quaisquer outras razões ponderosas, que não há numa visão preventiva, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penais mais gravosas” (MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado - Legislação Complementar, 10ª Edição, Almedina, pág. 227 e n.º 12 do Preâmbulo ao Código Penal (Versão originária).
Considerando a medida da pena de multa aplicada à arguida, é inegável que se verifica o requisito objectivo pressuposto pela aludida pena.
Por outro lado, mostram-se igualmente verificados os requisitos substanciais. Desde logo, há que considerar a culpa diminuta da arguida e as concretas circunstâncias em que cometeu o ilícito, agindo, pelo menos em uma das situações, em resposta a uma provocação do assistente (e ainda que a resposta tenha sido desproporcionada) e o arrependimento manifestado em audiência pela arguida, pelo que atenta também a natureza dos bens jurídicos tutelados, o facto de as exigências de prevenção geral não serem elevadas e serem as exigências de prevenção especial muito reduzidas, tratando-se de pequena criminalidade, cremos que a pena de admoestação satisfaz de forma plenamente adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por outro lado, não há qualquer dano para reparar, porquanto não se provaram os danos não patrimoniais alegados pelo assistente, sendo de salientar que a arguida sempre estaria disposta a pedir publicamente desculpas pelo seu comportamento.
Decide por isso o Tribunal, ao abrigo do artigo 60º do CP, aplicar à arguida uma pena de multa de 100 (cem) dias, à referida taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 500,00 (quinhentos euros), substituída pela pena de admoestação.    
Por concordarmos com o supra transcrito, pouco mais resta acrescentar no sentido de ter sido correctamente escolhida a pena de admoestação em substituição da, fixada, pena de multa .
São pressupostos da aplicação da pena de admoestação:
Pressuposto formal: que o tribunal tenha fixado em concreto para o crime uma pena de multa em medida não superior a 240 dias (cfr. nº 1 do art.º 60º do Código Penal).
Pressuposto material: desde que o dano tenha sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição (cfr. nº 2 do mesmo artigo 60º).
Em regra, obsta a aplicação da admoestação a circunstância de o agente, nos três anos anteriores ao facto, ter sido condenado em qualquer pena, admoestação incluída (cfr. nº 3 do referido art.º 60º.
No caso foi aplicada pena de 100 dias de multa pelo que se verifica o pressuposto formal, sendo ainda certo que a arguida não tem antecedentes criminais.
Tendo sido deduzido pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais, por falta de verificação de dois dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual (o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e do dano) concluiu o tribunal recorrido no sentido da improcedência do pedido de indemnização civil. Daí que, apesar do ilícito cometido, nenhum dano – decorrente directamente desse mesmo ilícito – haja a reparar. E uma prévia reparação (obviamente antes da sentença) também não seria exigível porque, a terem ocorrido danos, os mesmos, face ao crime em questão, apenas poderiam ser carácter não patrimonial, e como tal insusceptíveis de reparação natural ou de uma verdadeira e própria reparação, porque inavaliáveis pecuniariamente, embora pudessem ser, de alguma forma compensados.
Seguimos de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Maio, de 1998 (in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIII, Tomo III, pag. 143, acórdão esse, aliás, citado pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto aquando da emissão do seu parecer) quando, a propósito da aplicação da pena de admoestação, considera que “nada impede que tal pena possa ter lugar também quando não exista qualquer dano a reparar”.
Desconsiderado pois o pressuposto da prévia reparação, a ênfase terá que ser posta na viabilidade de um juízo de prognose favorável à ressocialização e ainda que a aplicação da admoestação não ponha em causa os limiares mínimos de expectativas comunitárias ou de prevenção de integração.
Volvendo novamente a nossa atenção ao caso dos autos temos que de relevante se apurou que a arguida: em julgamento, mostrou arrependimento sincero pelas suas condutas e bem assim demonstrou vontade em pedir desculpas ao assistente; reside em Portugal há 15 anos, com um companheiro; trabalha na agricultura e efectua serviços de limpeza em habitações, auferindo em média cerca de € 25,00 diários mas não trabalha todos os dias; tem uma filha já casada e um outro filho com 19 anos que se encontra a estudar, auferindo a arguida o abono relativo a este, no valor mensal de € 42,00, sendo que o seu companheiro efectua igualmente trabalhos esporádicos na agricultura e padece de diversos problemas de saúde; reside em casa pertença dos pais, já falecidos; e não tem antecedentes criminais.
Importa não olvidar também que a arguida terá agido a “quente” ao ter sido ter sido dado como provado, que:
“9. O assistente e a arguida encontram-se desavindos na sequência de uma dívida, uma vez que o primeiro emprestou à segunda determinada quantia em dinheiro que aquela refere já ter liquidado quase na totalidade, ao passo que o assistente afirma que a mesma ainda lhe é devida, tendo já instaurado uma acção executiva para cobrança de tal valor.”
10. No mesmo local, designadamente na porta da garagem, em data não concretamente apurada mas antes do episódio descrito em 3 e depois de a arguida ter deixado de trabalhar na sua casa, o assistente colou um papel de conteúdo não concretamente apurado, mas onde referia que a arguida lhe devia uma determinada quantia em dinheiro.”

Por outro lado, a imagem global fornecida pelos autos e a da falta de dignidade punitiva do facto (relacionado com a pequena criminalidade), ligada à inexistência de razões preventivas que imponham uma punição dirigida à afectação da liberdade ou do património do infractor, aconselha a que à arguida se faça a censura mínima com a aplicação da pena de admoestação tal como, quanto a nós bem, entendeu o tribunal a quo, censura essa solene a ser feita oralmente à arguida em audiência pública pelo tribunal a quo (cfr. nº 4 do artigo 60º do Código Penal). E essa censura pública, porque da execução de uma pena se trata, tal como estabelece o nº 3 do artigo 497º do CPP, de forma alguma se poderá confundir com alocução referida no art.º 375º n.º2 do Código Processo.

Nessa sequência, ao ter enveredado no sentido da aplicação da pena de admoestação em substituição dos 100 dias de pena de multa que haviam sido fixados, também a decisão recorrida não é merecedora de qualquer censura.

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Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as demais pretensões do recorrente que vão além da rejeição do recurso na parte cível - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados nas suas conclusões de recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.

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III. DISPOSITIVO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decidem os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Rejeitar o recurso do assistente/demandante quanto ao pedido de indemnização civil.

2. No mais, negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

3. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

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 (Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1º signatário - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

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Coimbra, 24 de junho de 2015



(Luís Coimbra - relator)


(Alcina da Costa Ribeiro - adjunta)