Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1594/11.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
PERDA TOTAL
VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ALTERADA
Legislação Nacional: ARTº 41º, AL. C) DO DL Nº 291/2007; 562º E 566º C. CIVIL.
Sumário: I – A indicação do artigo 41º, nº 1, alínea c) do DL 291/2007 (seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) de corresponder a “perda total” do veículo sinistrado a situação em que “o valor estimado para a reparação, adicionado do valor dos salvados, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos”, esta referência, dizíamos, deve ser entendida como valor indicativo no quadro da apresentação pela seguradora de uma “proposta razoável” visando a resolução extra-judicial do litigio.

II – Assim, o artigo 41º do DL 291/2007 não visa substituir as regras gerais indemnizatórias, concretamente os artigos 562º e 566º do CC, quanto ao princípio geral da reconstituição da situação anterior ao dano, mesmo que alcançada pela entrega de uma soma em dinheiro visando fornecer ao lesado meios para ele próprio suprimir o dano.

III – Nas situações em que o valor da reparação da viatura ultrapassa o valor venal desta, só se exclui a supressão do dano através da reparação daquela – através da entrega ao lesado do valor da reparação – em situações de absoluta desproporção do valor da reparação no confronto com o valor venal.

IV – Essa desproporção implica que o valor da reparação seja objectivamente muito elevado, não apenas “mais elevado”, quando posicionado num confronto percentual pré-definido com o valor venal da viatura.

V – O dano de privação de uso assume natureza de dano patrimonial, mesmo quando o respectivo cálculo se obtém com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3 do CC), por falta de prova de gastos concretos decorrentes dessa privação.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 16/06/2011[2], J… e mulher, R… (AA. e Apelantes subordinados), demandaram a seguradora Companhia de Seguros A…, S.A. (R. e Apelante), invocando a ocorrência em 20/10/2008 de um acidente de viação (choque em cadeia) envolvendo a viatura dos AA. (conduzida e tripulada por estes, respectivamente A. marido e A. mulher), UC…, e a viatura PQ… cujos riscos de circulação eram cobertos pela R. Daí que, imputando os AA. a culpa exclusiva do evento ao condutor do PQ, formulem os seguintes pedidos (fundados em responsabilidade civil extracontratual do condutor da PQ, transferida para a R.):
“[…]
a) Declarar-se o segurado da R. exclusivo responsável pelo acidente em causa e, consequentemente, ser esta condenada a pagar aos AA. a título de danos patrimoniais a quantia de €8.040,08, conforme tudo consta já devidamente descriminado no presente articulado[[3]];
b) Mais deve a R. vir a ser condenada a pagar ao A. marido a quantia de €2.500,00 e a A. mulher a quantia de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais[[4]].
c) Deve ainda a R. ser condenada a pagar juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.
[…]”.

1.1. A R. contestou impugnando fundamentalmente os valores dos danos, designadamente rejeitando a reparação da viatura, opondo ao valor desta (€5.730,11) o valor venal e dos salvados (respectivamente €600,00 + €100,00)[5].

1.2. Foi o processo julgado pela Sentença de fls. 121/134esta constitui a decisão objecto do presente recurso – no sentido da parcial procedência, condenando-se a R., nos seguintes termos:
“[…]
A) A pagar aos AA. a quantia de €5.898,42, acrescida de juros de mora calculados desde a data da prolação desta sentença, à taxa legal de 4%, de acordo com a Portaria n.º 291/2003, até efectivo e integral pagamento[[6]];
B) A pagar ao A. marido a quantia de €100,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados desde a data da prolação desta sentença, à taxa legal de 4%, de acordo com a Portaria n.º 291/2003, até efectivo e integral pagamento;
C) A pagar à A. mulher a quantia de €100,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados desde a data da prolação desta sentença, à taxa legal de 4%, de acordo com a Portaria n.º 291/2003, até efectivo e integral pagamento;
D) Absolve-se a R. do demais peticionado.
[…]”.

            1.3. Inconformada com a fixação indemnizatória do valor da reparação e não do valor venal da viatura, recorreu a R., concluindo o seguinte a rematar a motivação:
“[…]

            1.3.1. O A., recorrendo subordinadamente [invocou os artigos 633º, nºs 2 e 5 do Novo Código de Processo Civil, sendo aplicável o artigo 682º do Código de Processo Civil (CPC)], formulou, por sua vez, as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, da principal e da subordinada, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – transcrevemo-las respectivamente no antecedente item 1.3. e 1.3.1. – operaram a delimitação temática do objecto dos dois recursos, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste[7]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            Pressupondo ambos os recorrentes a imputação delitual do acidente ao condutor segurado da R. [no sentido operante nos termos do artigo 483º do Código Civil (CC)] e não discutindo os factos por referência a outra visão da prova (não convocando a esta apelação, pois, o nº 1 do artigo 712º do CPC), constituem fundamentos dos dois recursos os seguintes:

            (a) O recurso da R. – o recurso principal – contesta exclusivamente que a indemnização por danos materiais respeitante ao veículo se realize pelo valor da reparação e não pelo valor venal, considerando aquela forma de indemnização em dinheiro (valor de reparação), excessivamente onerosa (artigo 566º, nº 1 do CC).

            (b) O recurso subordinado dos AA., por sua vez, discute o valor dos danos não patrimoniais e a circunstância destes não terem incluído a fixação de um valor pela privação de uso da viatura dos (aos) AA.

            2.1. Os factos a considerar – os factos que a instância que nos precedeu considerou provados e que aqui damos por assentes – são os seguintes:


“[…]

            2.2. (a) Quanto ao recurso principal da seguradora R.

Como antes dissemos, refere-se este recurso à indemnização reportada aos danos causados na viatura dos RR., tendo presente tratar-se esta de uma verdadeira old timer com escasso valor comercial (um Renault 9 a gasolina, dos anos 80 do século passado, registando bem mais de 150.000 Km).

Convoca esta impugnação, criticando a R. o ponto de vista adoptado na Sentença (nos trechos de fls. 125/131[8], com expressão na decisão), a vexatia quaestio da indemnização pelo valor venal da viatura sinistrada (a forma aqui defendida pela seguradora), assente no conceito de perda total, como alternativa à indemnização pelo custo da reparação (conforme foi entendido na Sentença ora apelada), sendo certo – e vale a este respeito o item 7º dos factos acima transcritos – não ser impossível, embora custe aproximadamente €5.900,00 (valor actualizado) a reparação/recuperação do veículo (cujo valor venal é de €600,00).

Convergindo com a opção da Sentença, consideramos correcta a escolha do valor de reparação da viatura[9], salvo situações de absoluta desproporção do valor da reparação no confronto com o valor venal da viatura – e não é este o caso que aqui se nos depara –, o que implica que o primeiro valor seja objectivamente muito elevado e não apenas “mais elevado”, quando posicionado num confronto percentual pré-definido com o valor venal da viatura. Note-se que, aludindo a um valor percentual pré-definido, estamos a pensar no argumento aqui construído pela R. assente na convocação como regra geral do artigo 41º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel):

Artigo 41º
Perda total
1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;

c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.

3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
4 - Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:
a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade;
b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;
c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.
5 - Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.

            Entendemos, com efeito, que este regime não visou substituir as regras gerais indemnizatórias – não se sobrepôs aos artigos 562º e 566º do CC – quanto ao princípio indemnizatório geral da reconstituição da situação anterior ao dano, mesmo que alcançada pela equivalência de um valor em dinheiro como elemento reparador da lesão (a entrega de um valor em dinheiro visa nestes casos, fundamentalmente, fornecer ao lesado meios para ele próprio suprimir o dano). Isto mesmo vem sendo entendido, com uma significativa preponderância, pela nossa jurisprudência[10], reconduzindo o mecanismo do artigo 41º do DL 291/2007, numa interpretação do preceito que combina elementos sistemáticos e teleológicos, à obrigação de apresentação da chamada proposta razoável prevista no referido Diploma[11]. Este mecanismo pressupõe uma resolução extra-judicial do litígio e visa, cremos que notoriamente, fornecer critérios mínimos orientadores da seguradora em vista dessa evitação de um litígio com expressão judicial (eliminando esse custo de litigância adicional a todos os interessados). Desviadamente do seu propósito primordial, pretende aqui a R., por substituição das normas do Código Civil atinentes ao dever geral de indemnizar, apresentar esses critérios do artigo 41º do DL 291/2007 como “as” regras de ressarcimento indemnizatório com vocação de generalidade na situação específica em que o valor da reparação ultrapassa o valor venal. Todavia, esquece esta visão das coisas que esse critério – que não deixamos de notar ser tributário de uma situação geral qualificada de “lamentável” por António Menezes Cordeiro, quanto às chamadas tabelas indemnizatórias referentes aos valores de ressarcimento por morte e por dano corporal, mas que não deixa de alicerçar um argumento de proximidade desvaliosa com a lógica da indemnização da perda total da viatura no DL 291/2007[12], quando é pretendida projectar em todas as indemnizações envolvendo estas variáveis –, este critério, dizíamos, só tem sentido, face aos valores e aos pressupostos referenciais utilizados em casos deste tipo, numa fase muito próxima do evento danoso, muito anterior à instauração de um processo judicial indemnizatório pelo lesado, quando, enfim, a “poupança” de tempo e de gastos com o litígio em Tribunal – tudo factores cujo efeito prático é substancialmente aparentado ao de custos de transacção –, justifique verdadeiramente, por banda do lesado, dentro de uma lógica de trade-off entre os interesses deste e os da seguradora, e mesmo quando envolva algum tipo de jogada de sacrifício, a aceitação de um valor que, envolvendo cedências, evite esses custos e propicie uma realização expedita da indemnização[13]. É esta a lógica orientadora da proposta razoável – diríamos mesmo, a lógica legítima do mecanismo da proposta razoável – que o DL 291/2007 acolhe implicitamente no respectivo artigo 38º, nº 4, afirmando que se entende “[…] por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”.

            2.2.1. (a) Subsiste, pois, o problema, que o artigo 41º do Decreto-Lei nº 291/2007 não resolveu de modo algum, da efectiva indemnização de danos referidos a veículos automóveis, com apreciável uso, desactualização e desgaste, danos consistentes na inutilização da respectiva capacidade de uso, determinando se essa indemnização se realiza, em vista do princípio geral do artigo 562º do CC, pela simples atribuição do valor venal da viatura ou, pressuposta a indemnização em dinheiro, pela entrega do custo da reparação desses estragos.

            Trata-se esta de questão que a doutrina e a jurisprudência têm debatido exaustivamente, resolvendo-a, cremos que invariavelmente, nos termos adoptados pela decisão ora recorrida[14], sublinhando-se – e seguimos a exposição de Júlio Manuel Vieira Gomes na anotação referida na nota 13, in fine – que “[…] atender [nestes casos] estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada pelo preço de mercado […]” (p. 57). Aliás, sendo muito relativa a fungibilidade de um carro usado (p. 56, nota 2), mesmo sem atendermos aos importantes factores idiossincráticos que se expressam na relação de alguém com a “sua” viatura[15], sempre haverá que situar a questão indemnizatória no exacto plano que lhe cabe: o de afastar o desvalor correspondente ao dano, entendido este como a “supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito”[16]. Ora, neste quadro, indemnizar – e indemnizar será sempre suprimir um dano – significa proporcionar ao lesado (restaurar na esfera dele) a utilidade perdida por via desse mesmo dano, sendo que este se materializa aqui na impossibilidade de utilizar a viatura, quando esta é usada como meio de transporte (não, por exemplo, como objecto de colecção). É assim que indemnizar não se trata aqui, propriamente, de fixar – rectius, não coincidirá sempre com… – o valor do bem em si mesmo, correspondendo a realidades distintas (e um carro é quase um exemplo paradigmático disto) o valor do bem e a concreta utilidade por ele propiciada, através dele alcançada, sendo esta utilidade, e não tanto o valor do bem, que expressa o verdadeiro dano e, consequentemente, o real “objecto” indemnizatório: “a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, como diz o artigo 562º do CC.

É certo, e assim abordamos a questão da suposta excessiva onerosidade da reparação (€5.370,11) no confronto com o valor venal (€600,00), como argumento indicado pela R., que a utilidade propiciada aos AA. por este velho Renault 9 seria alcançável, com efeito, por um modelo mais actual e muito mais dispendioso de viatura. Todavia, configurando esse tipo de cálculo em termos de “indemnização em dinheiro” (artigo 566º, nº 1 do CC), notaremos não ser o valor de um carro novo o que se pediu, e também não foi o que a Sentença concedeu, mas, tão-somente, o valor da reparação deste velho Renault 9 (este voltará a “andar”, a poder ser utilizado pelos AA., mas não deixará de ser o que é: um velho Renault 9). Ora, mesmo ponderando os valores aqui em causa (€5.370,11 de reparação contra €600,00 de valor venal[17]), não consideramos que se configure uma situação de excessiva onerosidade. Esta, “[…] só se pode decidir no caso concreto, atendendo e confrontando os interesses do lesado e do lesante e determinando até que ponto é que é exigível ao lesante suportar o custo das reparações, por tal corresponder a um interesse digno de tutela do lesado na integridade do seu património. […] Neste sentido não nos repugna sequer considerar que há aqui um certo paralelo com o abuso de direito e que é quando a exigência de reparação natural se apresenta abusiva, confrontando o benefício comparativamente reduzido do lesado e o sacrifício do lesante, que tal exigência não deve ter tutela legal[18].

Não estamos aqui, face aos indicados valores em disputa, e à prevalência axiológica da obrigação de indemnizar pelos danos causados – verdadeiro pilar estruturante da ideia de justiça nas sociedades civilizadas –, perante uma situação configurável como de excessiva onerosidade da reparação da viatura.

Improcede, pois, o recurso da R.

2.3. (b) Quanto ao recurso subordinado dos AA. (deste importa agora conhecer, nos termos do nº 3 do artigo 682º do CPC a contrario).

Versa o mesmo, e isso delimita o campo de intervenção desta Relação relativamente à decisão objecto, sobre o montante dos danos não patrimoniais, sendo que nestes incluem os AA. o chamado dano de privação do uso do veículo, por via da imobilização deste em consequência dos estragos sofridos com o acidente.

2.3.1. (b) Configura esta última dimensão, a atinente à privação de uso, um dano de natureza patrimonial, mesmo quando o cálculo respectivo se obtém com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3 do CC), por falta de prova de gastos concretos decorrentes dessa privação[19].

Ora, não seria a qualificação jurídica menos precisa pelos AA. deste dano, uma mera questão terminológica, que justificaria a sua não consideração na decisão apelada, quando, é bem verdade, do elenco dos factos provados constam elementos (v. os itens 5º c) e 8º) que referenciam a essência existencial desse dano, embora sem referenciação de elementos que possibilitem qualquer quantificação de gastos induzidos pela dita privação.

Trata-se aqui, portanto, da fixação equitativa de uma indemnização pela privação do uso da viatura dos AA., tipo de dano este afirmado desde há muito pela jurisprudência deste Tribunal[20], a qual remete para outra jurisprudência e doutrina concordantes[21].

Nessa fixação equitativa, ponderando o factor tempo reportado à data do acidente (trata-se de uma avaliação equitativa da perdurabilidade do dano de privação, não da projecção de um valor gasto com a privação, que os AA. não alegaram sequer), afigura-se-nos adequado o valor global de €500,00. Adiante, na parte decisória deste Acórdão, haverá que considerar esta medida de procedência do recurso dos AA.

2.3.2. (b) Quanto aos danos não patrimoniais – esses sim, não patrimoniais – referentes ao tipo de consequências do acidente consideradas no item 5º, a) e b), tratando-se de propiciar algum tipo de compensação aos sujeitos passivos[22], assentando estes aqui em elementos muito pouco expressivos, sem querermos cair no “miserabilismo” normalmente associado à avaliação desta dimensão de danos pelos Tribunais[23], não nos parece que se justifique a consideração (a este título) de um valor diferenciado entre o A. marido e a A. mulher e que esse valor seja distinto do constante da condenação (€100,00 para cada A.).

Confirma-se, pois, nesta parte, a Sentença.

            2.4. Ora, aqui chegados, esgotada a apreciação da temática de ambos os recursos, concluímos pela total improcedência da apelação da R. e pela parcial procedência do recurso dos AA. (sobe, pois, em €500,00 o montante da indemnização devida aos AA. pela Seguradora R.).

            Antes da formulação da decisão final, importa sumariar o antecedente Acórdão (o que constitui encargo do ora relator):
I – A indicação do artigo 41º, nº 1, alínea c) do DL 291/2007 (seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) de corresponder a “perda total” do veículo sinistrado a situação em que “o valor estimado para a reparação, adicionado do valor dos salvados, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos”, esta referência, dizíamos, deve ser entendida como valor indicativo no quadro da apresentação pela seguradora de uma “proposta razoável” visando a resolução extra-judicial do litigio;
II – Assim, o artigo 41º do DL 291/2007 não visa substituir as regras gerais indemnizatórias, concretamente os artigos 562º e 566º do CC, quanto ao princípio geral da reconstituição da situação anterior ao dano, mesmo que alcançada pela entrega de uma soma em dinheiro visando fornecer ao lesado meios para ele próprio suprimir o dano;
III – Nas situações em que o valor da reparação da viatura ultrapassa o valor venal desta, só se exclui a supressão do dano através da reparação daquela – através da entrega ao lesado do valor da reparação – em situações de absoluta desproporção do valor da reparação no confronto com o valor venal;
IV – Essa desproporção implica que o valor da reparação seja objectivamente muito elevado, não apenas “mais elevado”, quando posicionado num confronto percentual pré-definido com o valor venal da viatura;
V – O dano de privação de uso assume natureza de dano patrimonial, mesmo quando o respectivo cálculo se obtém com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3 do CC), por falta de prova de gastos concretos decorrentes dessa privação.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência total do recurso da R. e na parcial procedência do recurso subordinado dos AA., condena-se adicionalmente a R., Companhia de Seguros A…, S.A. a pagar aos AA., …, além do que consta da Sentença apelada (aqui confirmado), €500,00 referidos aos danos de privação de uso do veículo, quantia esta acrescida de juros nos exactos termos indicados na Sentença a fls. 133/134.

            Custas da apelação da R. a cargo da mesma.

            Custas da apelação dos RR. a cargo destes (80%) e da A. (20%).


(J. A. Teles Pereira - Relator)

(Manuel Capelo)

(Jacinto Meca)


 

***


[1] Recurso com origem no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz.
[2] Trata-se da data da propositura da presente acção, marcando ela, associada à data da decisão recorrida (31/08/2013, v. fls. 134) a aplicação à presente instância de recurso do regime processual originariamente decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, pois, tendo sido proferida a decisão recorrida no dia anterior a 1 de Setembro de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, a única disposição do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que se refere à instância de recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a 01/09/2013 aos quais já se aplicasse, como aqui sucede, o regime do DL nº 303/2007 – processos instaurados depois de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há qualquer regime transitório expressamente definido, pelo que há que entender que, em tais casos, se continuará a aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do DL nº 303/2007, até porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as acções instauradas antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico também vale para as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos nossos Diplomas introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância de recurso individualizadamente.
[3] Envolve os diversos custos avulsos decorrentes do acidente e o valor da reparação da viatura UC-22-85, correspondendo este último a €5.730,11.
[4] Referem-se estes aos seguintes elementos:
“[…]


35º

Por todos os sofrimentos físicos e psicológicos, nomeadamente, advenientes das dores que sofreram, dos incómodos com deslocações a médicos; pelos dias em que o A. marido esteve sem próteses dentárias e óculos; pela privação do uso do veículo; por todos os aborrecimentos que lhes foram causados pela própria R., também consequência do acidente, ao não querer suportar as despesas que efectivamente despenderam, bem como os prejuízos que tiveram e, mandar proceder ao arranjo da viatura, é justo virem a ser indemnizados.

36º

Assim, a título de danos morais, requerem vir a ser indemnizados em montante não inferior a 1.500,00 € para a A. mulher e na quantia de 2.500,00 € para o A. marido, quantias que se pecarem é por defeito, atentos todos os prejuízos e sofrimento dos AA. derivados do acidente em causa, que são pessoas de idade já avançada.
[…]”.
[5] Disse a R. a este respeito:
“[…]

6- Tendo diligenciado pela orçamentação da reparação dos danos sofridos pelo veículo propriedade do autor – UC-22-85 – cujo montante ascendia, à data da peritagem, a €5.370,11 (vide doc.2 que se junta e se dá por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais); ora,

7- Tendo em conta o valor venal do UC à data do acidente - €600,00 - assim como o valor da melhor oferta que a Ré teve pela compra dos salvados (€100,00, conforme doc.3 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais), o veículo do Autor foi considerado como estando em situação de perda total, nos termos do preceituado na alínea c) do art. 41º da Lei 291/2007 de 21 de Agosto.

8- De facto, esse dispositivo legal estabelece que “Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando (…) c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado ultrapassa 100% (…) do valor venal do veículo (…)”.

9- Tendo em conta o valor da reparação, é indubitável que a situação dos autos se enquadra nessa norma.
[…]”.
[6] Refere-se ao valor actualizado da reparação da viatura €5.898,42 (€5.370,11 + actualização). Por lapso foi omitido nestes danos o valor de €52,37 considerados provados no item 4.2. a fls. 131/132.
[7] Em qualquer caso, v. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base da DGSI, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[8] “[…]
[C]oncluímos pela reparação natural do veículo e consideramos que a ré terá de indemnizar o autor em dinheiro e pelo valor correspondente ao da reparação do veículo, de forma a reconstituir a situação patrimonial do lesado, se não se tivesse verificado o acidente (art. 566º n.º 2 do CC).
[…]”.
[9] V., entre outros em que adoptámos idêntico entendimento, o Acórdão desta Relação, do ora relator, de 25/09/2012, no processo nº 291/09.1T2AND.C1, na base da DGSI em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/71873d6bb9f1eb1680257aa10039761.
“[…]

III – A supressão do dano patrimonial, consistente em estragos produzidos num veículo, através do pagamento ao lesado do custo da reparação desse veículo (reparação que foi considerada viável) constitui a forma normal e adequada de assegurar o princípio geral, expresso no artigo 562º do CC, da reparação do dano pela reconstituição da situação que existiria não fora o evento desencadeador da obrigação de reparar;

IV – Assim, não é adequado, sem a verificação de qualquer das situações indicadas no artigo 566º, nº 1 do CC (não ser possível a reparação; esta não reparar integralmente o dano ou ser excessivamente onerosa para o devedor), determinar que a indemnização ocorra pelo valor venal do veículo, subtraído o valor dos salvados. 
[…]”.
[10] V., entre muitos outros exemplos passíveis de convocação como precedentes persuasivos, o Acórdão da Relação do Porto de 25/02/2013 (Carlos Querido), no processo nº 1170/10.5TJVNF.P1, na base da DGSI em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ca530cce3e811f9880257b2e00502390.
“[…]
I - O artigo 41.º do DL 291/2007, de 21.08, contém regras de definição da indemnização por perda total apenas aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal.
II - Não tendo as partes chegado a acordo extra-judicial no aludido procedimento, recorrendo o autor à via judicial, não se aplicam nesta sede processual os critérios do referido normativo.
III - Da conjugação do artigo 562.º com o n.º 1 do artigo 566.º, ambos do Código Civil, se conclui que se deverá em regra proceder à restauração natural [colocando o lesado na situação anterior à ocorrência do dano], e só excepcionalmente haverá lugar à indemnização pecuniária, que se apresenta como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado onerosa para o devedor.
IV - A prova da excessiva onerosidade traduzida na flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural recai integralmente sobre obrigado à reparação.
V - Na ponderação da excessiva onerosidade para o devedor, haverá que considerar, não apenas com o valor venal do veículo, mas ainda o valor de uso, podendo verificar-se a circunstância de um veículo com valor venal diminuto ter para o seu proprietário um elevado valor de uso.
[…]”.
[11]

Artigo 38º
Proposta razoável
1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.

[12] Sob o título: “[a] lamentável Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho”, diz o Professor Menezes Cordeiro:
“[…]
Como elemento de perturbação surgiu a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, depois alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, com tabelas relativas às indemnizações a arbitrar em caso de morte e por danos corporais. O ensejo de tais diplomas é o seguinte: o artigo 38º/3 do DL 291/2007, de 21 de Agosto, que aprovou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, penaliza, a nível de juros, as companhias seguradoras que, chamadas a cobrir os danos de um acidente, não apresentem uma ‘proposta razoável’ ou indiquem um montante ‘manifestamente insuficiente’. Perante isso, o Governo, visando respaldar as Companhias de Seguros, preparou e publicou, sob a forma de portaria, tabelas com os tais valores razoáveis. Teve o cuidado (1º/2, da Portaria nº 377/2008) de dizer que a tabela não impede a fixação de valores superiores: óbvio, pois de outra forma seria gravemente contrária à Constituição.
[…]” (Tratado de Direito Civil Português, Vol. II, Direito das Obrigações, tomo III, Coimbra, 2010, p. 752, sublinhado acrescentado).
[13] Claro que a norma do artigo 41º do DL 291/2007, construída que está numa lógica tão favorável aos interesses da seguradora, acaba por unilateralizar, exclusivamente para o lesado, a ideia de cedência. A este resta ponderar, tendo a seguradora todo o “tempo do mundo” para gerir litígios em Tribunal, se pretende ceder nos seus interesses indemnizatórios, percebendo uma indemnização desadequada pelo valor venal da viatura, o suportar os gastos e a usura do tempo induzidos pelo processo judicial.
[14] “[Q]uando a reparação de um bem não seja viável, a indemnização não deve ser a do seu valor venal, mas sim o custo da sua substituição” (António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit., p. 758).
“[O]corre a fixação da indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor. Esta previsão deve ser interpretada restritivamente sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património. Apenas quando a reconstituição natural se apresente como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante e se deva considerar abusiva por contrária à boa fé a sua exigência ao lesado, é que fará sentido excluir o seu direito à reconstituição natural.”
“Imaginemos, por exemplo, que alguém danifica um automóvel usado de reduzido valor comercial, mas que o lesado quer continuar a utilizar para as suas deslocações. Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob pretexto de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro.” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 378 e nota 824).
Na jurisprudência, além da decisão indicada na nota 10 supra, é considerada paradigmático o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2003 (Ferreira Girão), no processo nº 02B4016, disponível no sítio da DGSI em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5fc2ea432d5a64fa80256d080038b6e4 (também publicado nos Cadernos de Direito Privado, nº 3 Julho/Setembro, 2003, pp. 52/55, com anotação concordante de Júlio Manuel Vieira Gomes, pp. 55/62).
[15] O mercado dos carros usados expressa, aliás, um modelo de mercado com particularidades muito significativas. V., a respeito deste tipo de mercados, o estudo de Fernando Araújo “Uma Nota Sobre Carros Usados”, publicado nos Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor João Lumbrales, Lisboa, 2000, pp. 181/206; v., sobre a mesma temática: na Wikipedia, a entrada “The Market for Lemons” (http://en.wikipedia.org/wiki/The_Market_for_Lemons); Hans-Bernd Schäfer e Claus Ott, Manual de Análises Económico del Derecho Civil, Madrid, 1991, tradução da edição alemã de 1986, pp. 329/331.
[16] António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit., p. 511.
[17] Sem esquecer que o valor venal nestes casos corresponde, quase sempre, a uma abstracção sem verdadeiro significado real.
[18] Júlio Manuel Vieira Gomes, Cadernos…, cit., pp. 61/62.
[19] V. Acórdão desta Relação de 10/09/2013 (Maria José Guerra), proferido no processo nº 438/11.8TBTND.C1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/057776f39773fe4e80257bf9005a21f8.
“[…]

1. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações:

- uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo;

- uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos.

2. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação.

3. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.
[…]”.
[20] V., entre outros, o Acórdão de 25/01/2005, proferido no processo nº 3498/04 (Regina Rosa), disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/192ddd07895b464480256f9d004073c.
“[…]
I – A doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar o reconhecimento de um direito de indemnização autónomo pela privação do uso normal de um veículo.
II – A utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem e a simples possibilidade de utilização ou de não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectada, deve ser ressarcida.
[…]”.
[21] V., o estudo de António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil (Indemnização do Dano de Privação do Uso), I vol., 2ª ed., pp. 45/73.
[22] A expressão “compensação por danos não patrimoniais” foi indicada como preferível por Vaz Serra, no quadro dos trabalhos preparatórios do Código Civil, com base no entendimento de que este tipo de indemnização se destina “[…] a dar ao ofendido uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o. […] Esta, diferentemente do que acontece com a do dano patrimonial, não é uma verdadeira indemnização […]. Melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação […]” (“Reparação do Dano Não Patrimonial”, in BMJ, nº 83, p. 80).
“A tendência actual, nos diversos ordenamentos vai, inequivocamente, no sentido de admitir o dano moral como dano proprio sensu.
Para tanto, constata-se que a responsabilidade civil não tem exclusiva função reconstitutiva, podendo-se contentar com um simples papel compensatório. […]“ (António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit. pp. 514/515).
[23] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit. pp. 318/319, nota 692.