Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1890/10.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 342, 451, 473, 482 CC, 455 C COMERCIAL, DL Nº 72/2008 DE 16/4
Sumário: 1.- Tendo em conta a utilização de instrumentos de captação de aforro estruturados em sede de seguros de vida, a estrutura tipológica do vulgarizado unit linked resulta da concatenação entre duas figuras: trata-se de um seguro de vida, mas o conteúdo económico do direito do beneficiário, ou seja, o quantum da prestação que lhe será outorgada, é determinado por referência a um ou mais fundos de investimento. Com o valor dos prémios pagos pelo tomador do seguro a ser convertido em determinado número de unidades de participação, sendo que ao beneficiário será devido, a final, o valor das unidades que lhe corresponderem.

2.- De um tal contrato decorre, no caso de sobrevivência da Pessoa Segura no termo do Contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora do valor da respectiva Unidade de Conta, calculado de acordo com o estabelecido nas referidas Condições.

3.- Em caso de morte da Pessoa Segura durante a vigência do contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora, e aos Beneficiários designados, do valor da respectiva Unidade de Conta, sendo tal valor calculado de acordo com o estabelecido nas condições gerais da apólice, não deixa esta mesma apólice, em rigor, de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura ou do tomador de seguro.

4. Consequentemente, uma tal apólice de seguro, porque não deixa de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, é em rigor e também uma apólice do ramo “Vida“, ou dito de uma outra forma, um Seguro de vida (ou semelhante).

5. Tal equivale a dizer que o terceiro não é um simples destinatário da prestação, antes adquire um direito de crédito ou um direito real autónomo, existindo na relação jurídica em causa como que uma configuração triangular, pois que, além do promissário (o tomador do seguro) e do promitente (a Seguradora), existe ainda o beneficiário.

6. Tratando-se de um seguro de vida, não carece o cabeça de casal, em sede de processo de inventário, de relacionar, sequer, a quantia paga pela seguradora ao beneficiário do tomador do seguro falecido (o inventariado), pois que não tendo tal quantia transitado pelo património do segurado falecido, não integra manifestamente um bem da respectiva herança e que como tal deva ser partilhado.

7. O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ter chegado a entrar no património do enriquecido.

8.O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (art. 482 CC), sendo que a expressão «conhecimento do direito que lhe compete» reporta-se ao «conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito», e não ao «conhecimento de ter direito à restituição».

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

O (…) – ( ...) DE SEGUROS DE VIDA, S. A.”, pessoa colectiva n.° ..., com sede na ... Lisboa, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, com fundamento nos factos constantes da petição inicial, cujo teor damos aqui por inteiramente reproduzido, contra MC (…) residente (…) Valongo do Vouga, e MJ (…), residente (…) Eixo, pedindo que cada uma destas seja condenada a pagar-lhe a quantia de 77.115,65 €, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alega a autora, em síntese, que celebrou com F (…), marido da primeira ré e pai da segunda, um contrato de seguro vida, designado de Super Rendimento e titulado pela apólice 8351093; tendo-lhe sido comunicado o óbito do referido F (…), solicitou aos herdeiros deste os documentos necessários à verificação do sinistro e, em 09.02.2004, procedeu ao pagamento da indemnização devida aos herdeiros legais, as Rés e J (…), filho da 1ª Ré e irmão da 2ª Ré, na proporção de 1/3 para cada um; acontece que, em Outubro de 2008, o J (…) apresentou uma reclamação, alegando ser o único beneficiário da apólice subscrita pelo seu falecido pai, tendo, para o efeito, junto uma cópia da proposta de seguro subscrita pelo Tomador de Seguro, na qual o designava como único beneficiário;

verificou não possuir nos seus registos o original da proposta de seguro em causa, nem o suporte microfilmado, mas confirmou a semelhança da assinatura com a aposta pelo Tomador de Seguro da proposta de outra apólice de que era titular; atento o erro em que involuntariamente incorreu, aceitou a reclamação e procedeu novamente ao pagamento do capital seguro a favor do beneficiário nomeado J (…), ou seja, os 2/3 que havia pago aos dois outros herdeiros, as aqui rés; no seguimento do pagamento efectuado, contactou as Rés e explicou o sucedido, requerendo o reembolso das quantias indevidamente recebidas por aquelas; num primeiro momento, as Rés acabaram por reconhecer que aquelas quantias não lhes eram devidas, demonstrando intenção em devolvê-las; mais tarde, acabaram por recusar reembolsá-la de tais quantias; em 28/09/2010, numa última tentativa de resolver extrajudicialmente a questão, a Autora enviou uma carta às Rés solicitando a devolução das quantias indevidamente pagas, no entanto, sem qualquer sucesso, encontrando-se até à presente data desembolsada injustificadamente da quantia de € 154.027,47.

*

Contestou a ré MJ (…), a fls. 48 e ss., apresentando defesa por excepção, mediante a invocação da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, e por impugnação, designadamente dos factos alegados pela autora atinentes à existência de cláusula beneficiária a favor do

J (…). Conclui, pedindo que a acção seja julgada improcedente e que seja absolvida do pedido.

*

Também a ré MC (…) apresentou contestação, a fls. 58 e ss., defendendo-se por excepção, invocando a falta de requisitos do enriquecimento sem causa, a violação do princípio da subsidiariedade, a prescrição, e por impugnação, concluindo, a final, que as excepções devem ser consideradas procedentes e absolvida do pedido.

*

Replicou a autora, a fls. 77 e ss., pronunciando-se sobre a matéria de excepção, no sentido da improcedência da mesma.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a acção procedente, por provada, e, consequentemente, condena-se cada uma das rés a pagar à autora a quantia de 77.115,65 € (setenta e sete mil, cento e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a quantia de 77.013,73 €, desde a data da instauração da acção até integral pagamento.

*

Custas a cargo das rés (art. 446º do Código de Processo Civil).

MJ (…), não se conformando com a decisão proferida, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

MC (…), também não se conformando com a decisão proferida, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo, por sua vez, que:

(…)

**

( ...) SEGUROS DE VIDA. S.A.”, notificada das alegações das recorrentes, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência dos recursos interpostos.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais com interesse para a decisão da causa que:

1. – A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à comercializaçãode seguros do ramo vida. – al. A) dos factos assentes

2. – Em 9 de Maio de 2002, faleceu F (…). – al. B) dos factos

assentes

3. – Por escritura pública datada de 12.09.2002, celebrada no Cartório

Notarial de Águeda, declararam os ali outorgantes que F (…) faleceu em 09.02.2002, sem testamento ou disposição de última vontade, tendo deixado como únicos herdeiros a viúva, MC (…), e os seus filhos, MJ (…) e JG (…). – al. C) dos factos assentes

4. – Em 09/02/2004, a autora procedeu ao pagamento da quantia de

231.041,20 €, do seguinte modo:

a) - € 77.013,74 à 1.ª Ré;

b) - € 77.013,73 à 2.ª Ré; e

c) - € 77.013,73 a J (…). – al. D) dos factos assentes

5. – A Ré MC (…) casou com o F (…) em 19.02.1967, sem convenção antenupcial, encontrando-se casada com este até ao óbito do mesmo. – al. E) dos factos assentes

6. – No âmbito da sua actividade comercial, a Autora celebrou com F (…) acordo com as cláusulas e natureza correspondentes ao teor dos documentos n.ºs 1 e 6, juntos com a petição inicial, e do documento junto a fls. 122, com excepção, relativamente a este último, das menções que estão em contradição com aquele documento n.º 6, designadamente as referentes à data de vencimento do contrato como sendo em “31.03.2003” e à identificação dos beneficiários, em caso de morte da pessoa segura, como sendo “Os herdeiros legais da Pessoa Segura”; – resposta ao quesito 1º

7. – Acordo esse que, reduzido a escrito, foi assinado pelas partes; –  resposta ao quesito 2º

8. – A Autora solicitou, pelo menos à ré MC (…), os documentos necessários à verificação das circunstâncias do sinistro e da qualidade dos beneficiários, a fim de proceder ao pagamento do capital seguro daquele contrato; – resposta ao quesito 3º

9. – Pelo menos, a ré MC (…) enviou à Autora fotocópia da escritura de habilitação de herdeiros referida em B); – resposta ao quesito 4º

10. – Em Outubro de 2008, o J (…) apresentou uma reclamação escrita, alegando ser o único beneficiário da apólice referente ao contrato descrito em 1º; – resposta ao quesito 5º

11. – Para o efeito, juntou uma cópia da “Proposta de Adesão – Super

Rendimento – BCP” junta por cópia como documento n.º 6 da petição inicial; – resposta ao quesito 6º

12. – A Autora verificou não possuir nos seus registos o original da proposta em causa, nem o suporte microfilmado, mas confirmou a autenticidade do documento junto da pessoa que, à data, trabalhava no BCP e a preencheu, segundo indicação do F (…)e a assinou; – resposta ao quesito 7º

13. – Os funcionários da autora que ordenaram o pagamento referido em D) desconheciam a existência da designação de beneficiário constante da aludida proposta, por não estar inserida no sistema informático e não constar fisicamente dos arquivos, razão pela qual efectuaram o pagamento de acordo com a cláusula beneficiária supletiva – herdeiros legais da Pessoa Segura; – resposta aos quesitos 8º e 9º

14. – Face ao teor da cópia da aludida proposta, a Autora aceitou a reclamação do J (…) e pagou-lhe, a título de capital, a quantia de € 154.027,47, acrescida de juros de mora desde 16/02/2004, num total de € 194.099,93; – resposta ao quesito 10º

15. – A Autora contactou as Rés e explicou o sucedido, requerendo o

reembolso das quantias recebidas por aquelas; – resposta ao quesito 11º

16. – Num primeiro momento, a Ré MC (…) reconheceu que a quantia que havia recebido não lhe era devida, demonstrando intenção em devolvê-la; – resposta ao quesito 12º

17. – Em 28/09/2010, a Autora enviou às Rés a carta a que se reportam os documentos 8 e 9 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, solicitando a devolução das quantias que lhes havia pago; – resposta ao quesito 13º

18. – No âmbito do contrato subscrito pelo F (…)este entregou, em 30.03.1995, à Autora o valor de 20.000.000$00/99.759,60€, mediante débito da conta de Depósito à Ordem n° 5617659 do Banco Comercial Português, da qual eram titulares o F (…) e a ora Ré MC (…); – resposta aos quesitos 14º e 15º

19. – Todas as quantias, títulos e/ou valores depositadas naquela conta haviam sido obtidos no exercício da actividade profissional de ambos; – resposta ao quesito 16º

20. – A autora teve conhecimento da proposta de adesão junta por cópia como documento n° 6 da petição inicial no ano de 1995. – resposta aos quesitos 17º e 18º

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

As questões suscitadas consistem em apreciar (no recurso de MC (…)), no seu referencial de matriz, se:

1.

I. O presente recurso tem por objeto a decisão sobre a matéria de facto considerada provada e não provada e a matéria de direito.

II. Os quesitos 1º, 2°, 5°, 7°, 8°, 9° e 12°, da base instrutória da base instrutória, foram incorretamente julgados, pois, os depoimentos das testemunhas quer apresentadas pela recorrente, quer pela recorrida, bem como os factos alegados pela recorrente nos articulados dos autos, quer ainda os documentós juntos aos autos, nomeadamente o documento 6 e o documento de fls 122, impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto supra referidos diversa da ora recorrida, tendo- se consequentemente verificado, uma errada ponderação da prova apresentada e produzida nos autos.

III. Devem ser dados como não provados os quesitos 1’ e 2° da base instrutória, por motivo da inexistência do original do contrato de adesão, da apólice e respetivas condições gerais e particulares.

IV. A resposta ao quesito 5° deverá ser alterada, de modo a que seja acrescentado que já em 2006 a autora tomou conhecimento da reclamação de fls 122

V. A resposta ao quesito 7° deverá ser alterada, por ter havido excesso de pronúncia, devendo ser retirado da resposta a este quesito os seguintes dizeres “mas confirmou a autenticidade do documento’

VI. A resposta aos quesitos 8° e 9° também deverá ser alterada, por ter havido excesso de pronúncia, devendo ser dada como n provados a matéria alegada pela autora e relativa aos quesitos 8° e 9°

VII. O quesito 12° deverá ser dado como não provado.

(…)

O que atribui resposta negativa às questões em 1. configuradas.

2.

VIII. O contrato de seguro não existe, nomeadamente a apólice e as condições gerais e particulares.

IX. As cópias juntas autos não provam a existência desse contrato.

X. Por não existir risco, o falecido F (…) não fez um seguro de vida, mas sim uma aplicação financeira.

O seguro é um contrato formal, mencionando o art. 426.° do Cód. Com. os seus requisitos essenciais (Ac. RL, 9-7-1958: RT, 4.°-776). Cunha Gonçalves (Comentário, II, pág. 500), Adriano Antero (Comentário, 1, pág. 136) e Pinheiro Torres (Ensaio sobre o contrato de seguro, pág. 46) entendem unanimemente que a forma do contrato de seguro, face a este preceito, deve ser considerada como forma ad substantiam e que, portanto, o contrato de seguro e um contrato formal. No mesmo sentido, também, Moitinho de Almeida (O contrato de seguro, pág. 38); sendo que já o Assento do STJ, de 22-1-1929, veio pôr termo à questão do valor jurídico-contratual da minuta ou proposta de seguro, estabelecendo que «a minuta do contrato de seguro equivale para todos os efeitos à apólice» (Diário do Governo, II série, de 5-2-1929; Col. Of., 28.°-23; RLJ, 61.°-349; RT, 47.°-147). Decorrendo do art. 427.° (regime de contrato) do Código Comercial que o contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações e respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código.

Sem que se possa contrariar que:

6. – No âmbito da sua actividade comercial, a Autora celebrou com F (…) acordo com as cláusulas e natureza correspondentes ao teor dos documentos n.ºs 1 e 6, juntos com a petição inicial, e do documento junto a fls. 122, com excepção, relativamente a este último, das menções que estão em contradição com aquele documento n.º 6, designadamente as referentes à data de vencimento do contrato como sendo em “31.03.2003” e à identificação dos beneficiários, em caso de morte da pessoa segura, como sendo “Os herdeiros legais da Pessoa Segura”; – resposta ao quesito 1º.

7. – Acordo esse que, reduzido a escrito, foi assinado pelas partes; –  resposta ao quesito 2º.

Resultando incontroverso que o contrato [de seguro] subscrito e junto aos autos, sob designação ‘super rendimento’, determina no seu art. 4.°, que em caso de sobrevivência da Pessoa Segura no final do prazo do contrato, a seguradora pagará o valor da unidade de conta; e em caso de morte durante a vigência do contrato os beneficiários terão direito ao valor da unidade de conta. Com o referido contrato a garantir, deste modo, uma prestação em caso de vida e em caso de morte.

O que faz convocar - no referencial dos termos contratuais referenciados e tidos, correctamente, por provados - a noção conceitual de que contrato a favor de terceiro (art. 443º Código Civil - noção) é aquele em que um dos contraentes (o promissário) obtém do outro (o promitente) a obrigação de efectuar uma prestação a favor do terceiro estranho ao negócio (o destinatário). Exige-se que o estipulante tenha na promessa um interesse digno de protecção legal. Caracteriza-se pelo facto do promissário agir em nome próprio e também pelo facto de o terceiro não ser um simples destinatário da prestação, mas adquirir um direito de crédito autónomo. Distingue-se dos contratos a favor de 3°, falsos ou impróprios, pois com estes visa-se apenas dar ao promissário o direito de exigir que o promitente faça a prestação a 3.º sem que o 3º beneficiário adquira crédito algum podendo somente receber a prestação (Almeida Costa, Obrigações, 104). Do mesmo modo, que uma estipulação a favor de terceiros pode integrar-se num contrato principal celebrado entre dois contraentes, sendo-lhe aplicável os preceitos reguladores dos contratos a favor de terceiros. Não obstante o terceiro beneficiado não ser parte, adquire um direito que entra na sua esfera jurídica, independentemente da aceitação ou até do conhecimento dos termos do contrato (RP, 20-9-1990: CJ, 1990, 4.°-211).

Em tais termos, também não pode contrariar-se que a Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n°. 72/2008, de 16 de Abril, acolhe, no art. 206.°, o que já constava do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto- Lei n.° 176/95, de 26 de Julho, prevendo a utilização de instrumentos de captação de aforro estruturados em sede de seguros de vida.

A estrutura tipológica do vulgarizado unit linked resulta da concatenação entre duas figuras: trata-se de um seguro de vida, mas o conteúdo económico do direito do beneficiário, ou seja, o quantum da prestação que lhe será outorgada, é determinado por referência a um ou mais fundos de investimento. Com o valor dos prémios pagos pelo tomador do seguro a ser convertido em determinado número de unidades de participação, sendo que ao beneficiário será devido, a final, o valor das unidades que lhe corresponderem.

Tal como do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/2010 (em www.dgsi.pt) se faz ressumar e aqui se convoca:

a) Resultando das Condições de um contrato de seguro, que a seguradora, mediante uma retribuição/prémio a pagar pelo tomador do seguro e correspondente à subscrição de determinado número de unidades de participação, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, a proceder ao pagamento de um valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto, não configura ele, é certo, um tradicional Seguro de Vida Risco (em regra obrigatório em sede de concessão de crédito - pelas entidades bancárias - para a habitação), pois que incorpora o mesmo, outrossim, uma vertente de poupança e/ou rendimento ;

b)Não obstante, porque de um tal contrato decorre, no caso de sobrevivência da Pessoa Segura no termo do Contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora do valor da respectiva Unidade de Conta, calculado de acordo com o estabelecido nas referidas Condições e, em caso de morte da Pessoa Segura durante a vigência do contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora, e aos Beneficiários designados, do valor da respectiva Unidade de Conta, sendo tal valor calculado de acordo com o estabelecido nas condições gerais da apólice, não deixa esta mesma apólice, em rigor, de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura ou do tomador de seguro ;

c) Consequentemente, uma tal apólice de seguro, porque não deixa de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, é em rigor e também uma apólice do ramo “Vida“, ou dito de uma outra forma, um Seguro de vida (ou semelhante) (Sumário do Relator) (…)”.

O que atribui resposta negativa às questões em 2.

3.

XI. A cláusula beneficiária decorrente da qual o J (…) é o único beneficiário dos direitos/valores relativos ao contrato em questão é nula, já que viola disposições sucessórias e outras imperativas que não estão na disponibilidade das partes.

Declaradamente não! Essencial - no domínio já fixado do contrato a favor de terceiro - é que os contraentes ajam com intenção de atribuir através do contrato um direito a terceiro — que este 3.º não receba apenas reflexamente um benefício económico do contrato. O benefício do 3º nasce directamente do contrato e não de qualquer acto posterior, o seu nascimento pode ser deferido pata momento posterior à celebração (A. Varela, Obrigações, 251). Com efeito, neste contrato exige-se que o promitente e o promissário actuem com intenção de o contrato produzir os efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, relativamente ao terceiro. Além disso, o promissário deve ter na promessa um interesse digno de protecção legal. Ele caracteriza-se pelo facto de o promissário agir em nome próprio; e também pelo facto de o terceiro não ser um simples destinatário da prestação, antes adquirir um direito de crédito ou um direito real autónomo (Almeida Costa, Obrigações, 37, 261).

Ex abundante, igualmente na consideração homóloga do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/2010 (em www.dgsi.pt):

“(…) as apólices de seguro em apreço nos autos, não deixando de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, são em rigor e também apólices do ramo “Vida“, ou dito de uma outra forma, Seguros de vida ( ou semelhantes).

De resto, importa não olvidar que, tal como resulta expressamente do artº 455º do Código Comercial, “Os seguros de vida compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaisquer combinações semelhantes ou análogas”.

Mas, porque das supra apontadas apólices de Seguro decorre também, como vimos já, que verificado que seja o risco da morte da pessoa segura durante a vigência do contrato, está a seguradora obrigada a pagar à beneficiária designada pelo tomador as importâncias seguras, são os contratos de seguro em apreço e em rigor típicos contratos a favor de terceiro (cfr. artº 443º do Código Civil), razão porque através deles e por causa deles, adquiriu desde logo o beneficiário o direito à prestação da Seguradora, e independentemente sequer de aceitação (artº 444º, nº 1, do Cód.Civil ).

Tal equivale a dizer, como refere Mário Júlio de Almeida Costa, que o terceiro não é um simples destinatário da prestação, antes adquire um direito de crédito ou um direito real autónomo, existindo na relação jurídica em causa como que uma configuração triangular, pois que, além do promissário (o tomador do seguro) e do promitente (a Seguradora), existe ainda o beneficiário.

O que sucede é que - porque a prestação devida pela Seguradora ao beneficiário, apenas lhe poderá ser efectuada após a morte do promissário/pessoa segura -, presume-se que só depois do falecimento deste último a beneficiária adquire o direito à mesma ( cfr. artº 451º,nº1, do CC).

Chegados aqui, não se descortina fundamento para se questionar do acerto do tribunal a quo quando proferiu a decisão, limitando-se esta a sufragar o entendimento que há muito é sustentado pela doutrina a propósito da não justificação - sequer - da necessidade de se relacionarem nos inventários os seguros de vida efectuados pelos inventariados.

Porque pertinentes, recorda-se o que a propósito de tal matéria refere José António Lopes Cardoso (in Partilhas Judiciais, Vol. I, Almedina, 1990, Coimbra):

 

“ (…) O Código de 1867 não contemplava o contrato a favor de terceiro e na sua vigência controverteu-se a questão de saber se devia relacionar-se no inventário um seguro de vida feito pelo inventariado a favor da sua consorte, descendentes ou ascendentes.

Entendemos então que não era necessário fazer a aludida relacionação e descrição pelo motivo de que o seguro de vida não constituía bem da herança. Em boa verdade, devia reconhecer-se que, não estando nunca as importâncias dos seguros em poder do autor da herança, não podiam reputar-se como bens da mesma herança, pois que estes só eram os bens e direitos que estivessem na posse do seu autor (dito Cód. Civil, arts. 483º e 1737º) .

“O capital segurado ... não transita pelo património do segurado para passar para o património do beneficiário. Nem poderia passar, não só porque o capital nasce quando o segurado morre e por isso quando se extingue a sua personalidade, mas também porque da morte do segurado depende a aquisição do direito e é evidente que uma pessoa não pode adquirir um direito cuja realização depende da sua morte .

A este respeito era relevante o que dispunha (e dispõe) o art. 460.° do Cód. Comercial. Pelo mesmo motivo constituía jurisprudência uniforme, antes de 1958, que não havia lugar a imposto sobre sucessões e doações e que a indemnização a pagar pela seguradora ao beneficiário não podia ser penhorada ou arrestada, nem arrolada para o processo de falência do segurado.

O Cód. Civil vigente veio consagrar aquela figura jurídica nos seus arts. 443.° e 451.° sem de forma nenhuma invalidar a opinião exposta”.

Daí que - igualmente por destaque (do Sumário do Relator) - se coloque ênfase na circunstância de

d) Acresce(r) que, como resulta expressamente do artº 455º do Código Comercial, “ Os seguros de vida compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaisquer combinações semelhantes ou análogas”;

e) Em consequência, tratando-se de um seguro de vida, não carece o cabeça de casal, em sede de processo de inventário, de relacionar a quantia paga pela seguradora ao beneficiário do tomador do seguro falecido (o inventariado), pois que não tendo tal quantia transitado pelo património do segurado falecido, não integra manifestamente um bem da respectiva herança e que como tal deva ser partilhado (Sumário do Relator)”

O que leva a responder negativamente à questão em 3.

4.

XII. Em virtude do valor entregue à seguradora na data da subscrição da aplicação financeira ser bem comum do casal o património da ora recorrente não ficou enriquecido com a entrega dos 77.013,73€.

XIII. Não se encontram reunidos os pressupostos do enriquecimento sem causa.

O que vem de dizer-se em resposta à questão anterior recolhe, aqui, plena validade.

Acresce que o enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, e) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Quem invoca o enriquecimento sem causa deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento. Incide também sobre o pretenso empobrecido o ónus da alegação e prova da falta da causa justificativa do enriquecimento (RE, 24-10-1996, BMJ, 460.°-830).

O que justifica, por inteiro, a apreciação, em sede decisória de que:

“Ocorre, assim, enriquecimento sem causa quando não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial.

É esse, manifestamente, o caso dos autos. Como se viu, a autora, laborando em erro, efectuou o pagamento da indemnização devida pela morte do tomador do seguro do F (…) aos herdeiros deste, designadamente às rés, respectivamente esposa e filha daquele, quando havia sido designado como beneficiário (único) o filho J (…), a quem teve que entregar, após reclamação deste, o remanescente da prestação a que tinha direito, ou seja, os 2/3 que havia entregue àquelas.

Deste modo, é inequívoco que as rés ficaram enriquecidas, à custa da autora, que teve que efectuar o pagamento da indemnização total ao J (…), em conformidade com a cláusula beneficiária, com quantias monetárias a que não tinham direito, inexistindo, por isso, fundamento para a apontada deslocação patrimonial.

Sustenta a ré MC (…) que, ao efectuar o pagamento ao J (…), a autora ficou com um direito de sub-rogação, pelo que não podia recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, sob pena de violação do princípio da subsidiariedade.

A sub-rogação, que constitui uma forma de transmissão do crédito, e não de extinção da obrigação, conforme defendem Pires de Lima e Antunes Varela (vide “Código Civil Anotado”, vol. I, p. 604, pode revestir duas espécies: voluntária, quando proveniente de um contrato realizado entre o credor e terceiro, ou entre o devedor e o terceiro (artigos 589º, 590º e 591º do Código Civil), ou legal, quando resulta do pagamento feito por terceiro interessado na satisfação do crédito (art. 592º do Código Civil).

No domínio do contrato de seguro, prevê o art. 136º do DL n.º 72/2008, de 16.04, os casos em que a entidade seguradora, pagando a indemnização, fica sub-rogada nos direitos do segurado, não se incluindo aí situação recondutível à dos autos”.

Ou seja, o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ter chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza — «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem (Ac. RL, 5-12-1996: BMJ, 462.°-478).

É, por isso, negativa a resposta às questões em 4.

5.

XIV. A autora sabia desde 1995, que “o beneficiário por morte é o Sr. J (…) (filho do Sr. F (…))” pelo que sabia não ter o dever de fazer a prestação, em 09.02.2004, à ora recorrente dos 77.013,73€.

XV. Os três anos da invocada prescrição deverão contar-se a partir de 12.05.2006.

XVI. Já prescreveu o alegado direito da recorrida a peticionar o enriquecimento sem causa.

A este respeito, vem sendo sustentado a nível doutrinal que o art. 482.° do Cód. Civil estabelece dois prazos, um de três anos a partir do momento em que o credor teve conhecimento do enriquecimento, isto é, do seu direito e do responsável; um de vinte anos a partir do momento da verificação do enriquecimento, independentemente, portanto, de qualquer conhecimento (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2.°- 65). Mesmo que o enriquecimento pode ser invocado por via de acção e por via de excepção, mas, neste último caso, a todo o tempo (Mário Brito, C. C. Anot., 2.°-159).

Não obstante, em termos de jurisprudência dominante, o direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (art. 482.° do Cód. Civil) (Ac. STJ, 15-10-1992: BMJ, 420.°-448). Entendimento que, na reversão à questão dos Autos, e, sempre, à prova produzida, permite sufragar a posição expressa em decisório, segundo a qual:

“(…) no caso dos autos, a autora apenas teve conhecimento do direito à restituição e que teria que o exercer junto das rés, a quem havia pago indevidamente, depois de ter efectuado o pagamento ao J (…), que ocorreu em data não concretamente apurada mas seguramente posterior à reclamação por aquele apresentada, em Outubro de 2008, e anterior às cartas enviadas por aquela às rés, pedindo o reembolso das quantias que lhes havia entregue, enviadas em 28.09.2010.

Se assim não se entender, quanto muito, pode sustentar-se que a autora teve conhecimento do direito à restituição na data da apresentação da reclamação, em Outubro de 2008.

Na verdade, apenas na sequência da reclamação e face ao teor da cópia da proposta de adesão apresentadas pelo J (…) a Autora verificou não possuir nos seus registos o original da proposta em causa, nem o suporte microfilmado, tendo, porém, confirmado a autenticidade do documento junto da pessoa que, à data, trabalhava no BCP e a preencheu, segundo indicação do F (…) e a assinou, pelo que a aceitou e pagou-lhe o remanescente do valor da apólice.

De todo o modo, numa ou noutra situação, tendo em conta que a acção foi instaurada em 04.11.2010, não se esgotou o prazo de três anos, pelo que não se verifica a invocada prescrição”.

Em todo o caso, levando em consideração que a expressão «conhecimento do direito que lhe compete», constante do art. 482.° do Cód. Civil, reporta-se ao «conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito», e não ao «conhecimento de ter direito à restituição» (Ac. STJ, 28-3-1995: BMJ, 445.°-5l1).

O que - tudo conjugado - determina atribuir resposta negativa às questões em 5.

Consequentemente (6. XVII.), a decisão recorrida não violou o disposto no art° 426° do Código Comercial, os artigos 364°, 22°, 473°, e 482° do Código Civil e art° 264°, 513° e 514° do Código de Processo Civil.

Sendo essa a resposta à questão (pleonástica e de remate de alegações) com o nº6.

***

Por seu turno, as questões suscitadas consistem em apreciar (também no recurso de MJ (…)), no seu referencial de matriz, se:

I.

1. O contrato de seguro com base no qual a acção foi julgada procedente não existe, não existe a apólice que o titularia, nem as condições especiais que o acompanhariam. Nunca ninguém os viu, não existem fisicamente, nem virtualmente na posse de quem quer que seja: nem da autora, nem do invocado beneficiário, nem das rés. Como é a própria Autora, ora recorrida, que o afirma e o Tribunal reconhece, as respostas à matéria de facto dos quesitos 1º e 2° deveriam ser negativas.

Alteração que respeitosamente se requer.

2. Sendo, num contrato de seguro, a existência do documento (apólice) uma formalidade ad substantiam a sua inexistência torna-o nulo (artigo 220º do Código Civil).

Apreciando, do mesmo modo, diga-se, como elemento de integração e de análise conjugada - tendo em consideração a homologia funcional das questões agora também configuradas, em termos de núcleo noemático a dirimir, na economia dos Autos - faz-se ressumar que se consideram aqui reproduzidas, vinculando, todas as considerações anteriormente expendidas a tal pretexto.

Deste modo, continuando a considerar eleita, do ponto de vista da matéria de facto considerada provada, aquela que foi validada em recurso, e, de novo, se destaca, designadamente que

6. – No âmbito da sua actividade comercial, a Autora celebrou com F (…) acordo com as cláusulas e natureza correspondentes ao teor dos documentos n.ºs 1 e 6, juntos com a petição inicial, e do documento junto a fls. 122, com excepção, relativamente a este último, das menções que estão em contradição com aquele documento n.º 6, designadamente as referentes à data de vencimento do contrato como sendo em “31.03.2003” e à identificação dos beneficiários, em caso de morte da pessoa segura, como sendo “Os herdeiros legais da Pessoa Segura”; – resposta ao quesito 1º.

7. – Acordo esse que, reduzido a escrito, foi assinado pelas partes; – resposta ao quesito 2º.

Querendo isto dizer, em termos de verdade intra-diegética considerada emergente do processo, que a apólice existe e está junta aos autos, pelo que se revela inconcludente - até por mera observação directa - a objecção formulada.

Tanto mais que o contrato de seguro se configura como um contrato aleatório pelo qual uma das partes se compromete a pagar um quantitativo, que fica desde logo determinado mas pode ser variável em função de factos futuros, no caso de se verificar certo facto, futuro e, em alguma medida, pelo menos, incerto, obrigando-se a contraparte a pagar um montante periódico (o chamado prémio) durante um período de tempo que é variável. As partes no contrato são o tomador do seguro e o segurador; o segurado pode ser também o tomador do seguro — e, em regra, é-o —, mas pode não o ser; o beneficiário do seguro pode também ser o segurado ou tratar-se de um contrato a favor de terceiro, sendo o beneficiário um terceiro, alheio, portanto, a ele. Paradigma de seguro a favor de terceiro é o seguro de vida (ANA PRATA, DICIONÁRIO JURÍDICO, 4ª EDIÇÃO ACTUALIZADA E AUMENTADA, 2ª REIMPRESSÃO DA EDIÇÃO DE MARÇO/2005, com a colaboração de JORGE CARVALHO, p. 302). Circunstancialmente, a apólice de seguro em apreço nos autos, não deixando de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, é, pois, considerada, em rigor e também, apólice do ramo “Vida“, ou dito de uma outra forma, Seguro de vida (ou semelhante); em conformidade conceitual ao artº 455º do Código Comercial.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, se mostra observado. E sem que se possa olvidar que o art. 220ºCódigo Civil (inobservância da forma legal) consagra expressamente a regra da nulidade do negócio realizado com inobservância da forma legalmente prescrita para a declaração negocial (A. Varela, RLJ, 121 .°34), assim não acontecida.

Consequentemente, colhem resposta negativa as questões em I.

II.

3. A autora teve conhecimento do invocado enriquecimento sem causa das rés em 12.05.2006, conforme resulta do documento, (confirmado em audiência pela legal representante da autora no depoimento 2ravado no dia 02 de Fevereiro de 2012 entre as 10h41m39s e llhI8m05s) junto a folhas 122, razão pela qual a resposta ao quesito 50, sendo explicativa, deveria conter tal realidade (artigo 514° n°2 do Código de Processo Civil), até porque resultou claro também do depoimento de J (…) no depoimento prestado no dia 2 de Fevereiro de 2012 entre as 12h40m25s e 13h24m47s.

4. A ré MJ (…), ora recorrente, nunca reconheceu o direito pretendido fazer valer pela autora, pelo que, em relação a ela, o prazo para intentar a acção por enriquecimento sem causa se esgotou em 12.05.2009.

5. Em relação à ora recorrente o direito pretendido fazer valer encontra-se prescrito e como tal deveria ter sido declarado.

Continua a ter-se por adequada, sendo, por isso, nesta conformação, inarredável a posição expressa em decisório, havendo, mais uma vez, de destacar-se:

“(…) no caso dos autos, a autora apenas teve conhecimento do direito à restituição e que teria que o exercer junto das rés, a quem havia pago indevidamente, depois de ter efectuado o pagamento ao J (…), que ocorreu em data não concretamente apurada mas seguramente posterior à reclamação por aquele apresentada, em Outubro de 2008, e anterior às cartas enviadas por aquela às rés, pedindo o reembolso das quantias que lhes havia entregue, enviadas em 28.09.2010.

Se assim não se entender, quanto muito, pode sustentar-se que a autora teve conhecimento do direito à restituição na data da apresentação da reclamação, em Outubro de 2008.

Na verdade, apenas na sequência da reclamação e face ao teor da cópia da proposta de adesão apresentadas pelo J (…), a Autora verificou não possuir nos seus registos o original da proposta em causa, nem o suporte microfilmado, tendo, porém, confirmado a autenticidade do documento junto da pessoa que, à data, trabalhava no BCP e a preencheu, segundo indicação do F (…), e a assinou, pelo que a aceitou e pagou-lhe o remanescente do valor da apólice.

De todo o modo, numa ou noutra situação, tendo em conta que a acção foi instaurada em 04.11.2010, não se esgotou o prazo de três anos, pelo que não se verifica a invocada prescrição”.

Convocando-se, mesmo, entendimento ainda mais lato da solução propugnada para esta problemática, no Ac. RL (Processo: 3189/08.7TVLSB-A.L1-6, Relator: MÁRCIA PORTELA), de 10-12-2009, onde consagrou, até, que:

“Relativamente ao prazo de prescrição do direito de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa, discute-se se o «conhecimento do direito» referido no artigo 482º CC se reporta ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito na vertente fáctica que não jurídica, ou se refere ao conhecimento do próprio direito e não apenas dos seus elementos constitutivos (cfr. acórdão do STJ, de 1995.03.28, Faria de Sousa, que adere ao primeiro entendimento, com extenso voto de vencido de Sousa Inês, defensor da segunda tese, em www.dgsi.pt.jstj, proc. 086008).

Atendendo à natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, consagrado no artigo 474º CC - nos termos do qual não há lugar à restituição por enriquecimento enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento – afigura-se mais curial o segundo entendimento. Este foi acolhido, designadamente, nos acórdãos do STJ, de 1992.15.10, BMJ 420º/ 448, e de 1995.06.20, CJ, 95, II, 133.

Na verdade, se o empobrecido elegeu outra via, ainda que sem sucesso, não pode recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa enquanto essa via não estiver esgotada, sob pena de lhe ser oposto o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa. Não faria sentido que, nestas situações, o prazo, aliás curto, da prescrição começasse a correr.

Em consonância com o regime estabelecido no artigo 306º, nº 1, CC, de acordo com o qual o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, o STJ tem entendido que o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido utilizou, de boa fé, outro meio para ser restituído ou indemnizado (cfr. acórdãos do STJ, 2004.12.02, Oliveira Barros, de 2004.02.26, Araújo Barros, de 2003.11.27, Duarte Soares, de 1999.02.24, Ferreira de Almeida, e de em www.dgsi.pt.jstj, proc. 04B3828, 03B3798, 03B3091, e 98B1201, respectivamente).

Nessa conformidade, apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida em processo a que o empobrecido recorreu em primeira linha é que se inicia o prazo prescricional relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento sem causa”.

Daí que, igualmente, se atribua resposta negativa às questões em II.

Razões determinantes de se continuar a considerar que (III.9.) a sentença do Tribunal a quo não violou os artigos 426° do Código Comercial, os artigos 364° n° 1, 220º 473° e 482° do Código Civil e artigo 514° n° 2 do Código de Processo Civil.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida.

 Custas pelas recorrentes, fixando-se para cada uma delas, singularmente, a taxa de justiça de 5 UC.

***

Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1.

A Relação não procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do tribunal a quo, regras de avaliação prudencial, circunstancialmente não acontecidas.

2.

O tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil. Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

3.

O ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.

4.

Tendo em conta a utilização de instrumentos de captação de aforro estruturados em sede de seguros de vida, a estrutura tipológica do vulgarizado unit linked resulta da concatenação entre duas figuras: trata-se de um seguro de vida, mas o conteúdo económico do direito do beneficiário, ou seja, o quantum da prestação que lhe será outorgada, é determinado por referência a um ou mais fundos de investimento. Com o valor dos prémios pagos pelo tomador do seguro a ser convertido em determinado número de unidades de participação, sendo que ao beneficiário será devido, a final, o valor das unidades que lhe corresponderem.

5.

De um tal contrato decorre, no caso de sobrevivência da Pessoa Segura no termo do Contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora do valor da respectiva Unidade de Conta, calculado de acordo com o estabelecido nas referidas Condições e, em caso de morte da Pessoa Segura durante a vigência do contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora, e aos Beneficiários designados, do valor da respectiva Unidade de Conta, sendo tal valor calculado de acordo com o estabelecido nas condições gerais da apólice, não deixa esta mesma apólice, em rigor, de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura ou do tomador de seguro. Consequentemente, uma tal apólice de seguro, porque não deixa de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, é em rigor e também uma apólice do ramo “Vida“, ou dito de uma outra forma, um Seguro de vida (ou semelhante).

6.

Tal equivale a dizer que o terceiro não é um simples destinatário da prestação, antes adquire um direito de crédito ou um direito real autónomo, existindo na relação jurídica em causa como que uma configuração triangular, pois que, além do promissário (o tomador do seguro) e do promitente (a Seguradora), existe ainda o beneficiário.

O que sucede é que  - porque a prestação devida pela Seguradora ao beneficiário, apenas lhe poderá ser efectuada após a morte do promissário/pessoa segura -, se presume que só depois do falecimento deste último a beneficiária adquire o direito à mesma ( cfr. artº 451º,nº1, do CC).

7.

d) Acresce(r) que, como resulta expressamente do artº 455º do Código Comercial, “ Os seguros de vida compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaisquer combinações semelhantes ou análogas”.

8.

Em consequência, tratando-se de um seguro de vida, não carece o cabeça de casal, em sede de processo de inventário, de relacionar, sequer, a quantia paga pela seguradora ao beneficiário do tomador do seguro falecido (o inventariado), pois que não tendo tal quantia transitado pelo património do segurado falecido, não integra manifestamente um bem da respectiva herança e que como tal deva ser partilhado.

9.

O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ter chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza — «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem.

10.

O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (art. 482.° do Cód. Civil). Em todo o caso, levando em consideração que a expressão «conhecimento do direito que lhe compete», constante do art. 482.° do Cód. Civil, reporta-se ao «conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito», e não ao «conhecimento de ter direito à restituição».

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo