Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/07.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
REGIME ESPECIAL
FORMA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 128/90, DE 17/04.
Sumário: I – A U.C.P. é uma instituição criada ao abrigo do preceito XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e é oficialmente reconhecida pelo Dec. Lei nº 307/71, de 15/07.

II – Rege-se pelo referido preceito XX da dita Concordata e pela regulamentação específica daí decorrente – Dec. Lei nº 128/90, de 17/04.

III – O artº 5º, nº 2, do D.L. nº 128/90, de 17/04, estipula que “a contratação do corpo docente da U.C.P. é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes”.

IV – O que significa que o legislador quis conferir à UCP a liberdade de definir, nesse Regulamento, os termos da contratação, independentemente das regras de direito comum que disciplinam a relação juslaboral típica.

V – A esses contratos deve aplicar-se a regra geral de liberdade de forma (artºs 219º e 405º do C. Civ.).

VI – Um contrato de trabalho de docente na UCP com estipulação de termo não está sujeito a forma escrita.

VII – A impossibilidade absoluta de prestar o contrato de trabalho docente tem de ter um fundamento objectivo externo ou alheio à vontade das partes no momento em que se verifica.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo: a) a declaração de nulidade do seu despedimento pela ré; b) a condenação da ré a reintegrá-la no seu quadro de pessoal, no mesmo local de trabalho, com a mesma antiguidade, categoria profissional, com o mesmo salário, incluindo a verba referida no artigo 9º da petição inicial (o inicial acréscimo extra recibo), actualizado por força de eventuais actualizações salariais, e as demais regalias descritas na petição inicial; c) a condenação da ré a tudo isto reconhecer, com todas as legais consequências; d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 12.507,86, conforme descrição do artigo 37º da petição inicial; e) a condenação da ré a pagar-lhe todos os salários e subsídios que se vencerem desde a presente data até à reintegração.
Para tanto alegou, em síntese, que foi contratada verbalmente pela ré a 1/4/2000, para exercer, ao serviço subordinado desta, funções de investigação, na área de Histologia, mediante remuneração base ilíquida de 233.230$00 (reduzida a metade até Agosto de 2000) e outros complementos remuneratórios; não tendo sido criadas pela ré quaisquer condições para investigação, passou a desempenhar funções da categoria profissional de docente; a remuneração base foi sendo actualizada até € 1.389,34, auferindo ainda a autora sem recibo a quantia média mensal de 100.000$00; a 15 de Maio de 2006, a autora veio a receber um ofício em que a ré comunicou a extinção do seu contrato de trabalho, com efeitos a 31/5/2006, por não ter concluído provas de doutoramento no prazo previsto na lei (Estatuto da Carreira Docente Universitária), extinção essa que a autora não aceitou; mesmo que ao caso fosse aplicável o ECDU, a denúncia do contrato teria que ser comunicada com a antecedência de 90 dias antes de 31 de Março e não para 31 de Agosto, mostrando-se, por isso, já renovado o prazo do contrato quando a autora recebeu o pré-aviso da ré; além disso, por lhe não ter sido facultada qualquer legislação, a autora desconhecia os prazos para concluir provas de doutoramento para progredir na carreira; apesar de estar matriculada no doutoramento em Ciências Biomédicas na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, não lhe foram proporcionadas as condições mínimas de redução do horário de trabalho para o obter; a dispensa da ré constituiu um despedimento ilícito, daí devendo ser extraídas as legais consequências.

Contestou a ré pedindo a improcedência da acção. Alegou, em síntese, que a autora foi contratada como assistente, estando sujeita às regras dos Estatutos da ré e, remissivamente, ao Estatuto da Carreira Docente Universitária; não tendo concluído doutoramento no prazo legalmente previsto, extinguiu-se o contrato de trabalho, inexistindo despedimento ilícito, nem lhe sendo devida qualquer indemnização; à autora deixou de ser paga a gratificação que é paga aos docentes integrados na carreira e que desempenhem as funções em regime de dedicação plena e em tempo integral, quando deixou de estar em regime de dedicação plena; já lhe foram pagos todos os créditos a que tinha direito.


Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) ordenar o diferimento dos efeitos da comunicação de denúncia (enviada pela ré à autora) do contrato de trabalho docente celebrado entre as partes para 31 de Março de 2008; b) condenou a ré a pagar à autora, a título de retribuições vencidas até 31 de Março de 2008 (incluindo retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal) a quantia total de € 32.996,83; c) absolveu a ré de tudo o demais peticionado.

É desta decisão que, inconformada, a ré veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

A autora apresentou alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto.

Ambas as partes apresentaram resposta a este parecer.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto                 

Da decisão sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma: a validade da cessação do contrato de trabalho entre a autora e ré, por caducidade, ou a sua ilicitude, com as consequências extraídas na sentença da 1ª instância.


2.1. O regime especial dos contratos de trabalho na U.C.P. e o caso dos autos.
A sentença recorrida considerou que ao contrato dos autos se aplicava, não o Código do Trabalho, mas o regime especial que consta do Estatuto da Carreira Docente da UCP conforme decorre do artigo 5º, nº 2 do DL nº 128/90, de 17 de Abril.
Assim o entendemos também, seguindo a orientação do Acórdão desta Relação, proferido no rec. nº 301/07.7TTAVR.C1, de 12-02-2009, in www.dgsi.pt, proc. 301/07.7TTAVR.C1 (relator: Fernandes da Silva), confirmada pelo Ac. do STJ de 25-11-2009 no mesmo processo.
Como se refere nesse Acórdão, a U.C.P. é uma instituição criada ao abrigo do art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e oficialmente reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de Julho. Rege-se pelo art. XX da Concordata e pela regulamentação específica daí decorrente, tendo sido publicada, no âmbito desta, o Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, diploma em que se precisou, conforme texto preambular, o quadro em que a mesma se insere, ao lado das Universidades Públicas e das Universidades Privadas, com absoluto respeito pelo princípio da liberdade de ensino, consagrado na Constituição da República Portuguesa e desenvolvido pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
Assim se mantiveram as coisas com a outorga da Nova Concordata, que, assinada em 18 de Maio de 2004, substituiu a de 1940.
O art. 5º nº 2 do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17/4, estipula que a contratação do corpo docente da Universidade Católica Portuguesa é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes”.
O que significa, de acordo com a mesma orientação, que o legislador quis conferir à UCP a liberdade de definir, nesse Regulamento, os termos da contratação, independentemente/para além das regras de direito comum que disciplinam a relação juslaboral típica.
Ora o Estatuto da Carreira Docente da UCP, junto aos autos (e consultável em http://www.ucp.pt/site/resources/documents/Est.Carreira_Docente.pdf), contém regulamentação sobre a contratação do corpo docente da UCP e nela não se observa quaisquer requisitos de forma para os contratos de trabalho a realizar com docentes.
Assim, importa considerar que quanto a esses contratos se deve aplicar a regra geral de liberdade de forma (219º e 405º do Código Civil).
Isto para dizer que, tal como se entendeu no Acórdão desta Relação acima citado, um contrato de trabalho de docente na UCP com estipulação de termo não está sujeito a forma escrita.
Não o estando, a estipulação de termo no contrato especial de trabalho dos autos não tem de constar de documento escrito, pode ser provada por qualquer meio e, provada que esteja, obsta a considerar que o contrato de trabalho viesse a ser considerado por tempo indeterminado como defendia a autora.


2.3. A validade da cessação do contrato de trabalho entre a autora e ré, por caducidade:
Chegados aqui:
O Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa que constitui o regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, estabelece que “o provimento do corpo docente é feito por contrato” (artigo 33.º).
Nos termos do artigo 34.º, que regula o modo de extinção dos contratos,
1. O contrato extingue-se por:
a) Acordo a todo o tempo;
b) Denúncia de qualquer das partes, até noventa dias antes do termo do respectivo prazo, quando renovável;
c) Caducidade;
d) Decisão final proferida na sequência de processo disciplinar;
e) Remoção, tratando-se de docentes de Faculdades Eclesiásticas, nos termos do artigo 22º das Ordenações da Sapientia Christiana.
2. Caduca o contrato pelo decurso do prazo nele fixado ou quando se verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de o docente prestar o trabalho a que se vinculou.[...]”.
No que toca à matéria que regula o provimento de assistentes, categoria que era a da autora, como nenhuma das partes contesta, dispõe o artigo 39.º:
1. O contrato de provimento de assistentes tem a duração de seis anos, prorrogável por mais dois anos, salvo o disposto no número seguinte.
2. A duração do contrato dos assistentes recrutados nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º é de dois anos, prorrogável por mais dois anos.
3. A prorrogação do contrato é autorizada pelo Reitor, precedendo proposta do respectivo Conselho Científico, desde que o assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento.

Ora, tendo-se iniciado o contrato em dia 1 de Abril de 2000, o contrato entre a ré e a autora teria, portanto, a duração de seis anos, vendo o seu termo em Abril de 2006.

Não estipulando o referido Estatuto qualquer forma ou condição especial para declaração da caducidade do contrato, é de concluir que o contrato de trabalho entre a autora e a ré cessaria naquela data, por caducidade.

Sucede que, para além dos seis anos, o contrato manteve-se para além desse prazo.

A ré, por carta registada de 15 de Maio de 2006, comunicou à autora que o mesmo se “extinguiria (…) a partir do dia 31 de Agosto de 2006”.

Poderia operar essa extinção?
A ré defende que a extinção ocorreria por impossibilidade absoluta e definitiva de a autora prestar o trabalho a que se obrigou, uma vez que em Abril de 2006 não tinha concluído o doutoramento, nem a prorrogação do contrato tinha sido autorizada pelo seu Reitor.
Na sentença recorrida não se atendeu a este argumento, referindo-se na sua fundamentação o seguinte:

No caso “sub judice”, no entanto, como se mostra evidente, a denúncia não foi efectuada no prazo previsto no próprio ECDUCP, pois o prazo de 6 anos havia expirado a 31 de Março de 2006 e a denúncia apenas teve lugar a 15 de Maio de 2006, para produzir efeitos a 15 de Agosto de 2006.

A ré não invocou (7) sequer razões semelhantes às previstas no disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 26º do ECDU (Decreto-Lei.448/89, de 13/11), na versão aplicável à data dos factos, segundo os quais, por despacho do reitor, sob proposta do conselho científico da escola, poderão ser prorrogados até ao termo do ano escolar os contratos de assistentes cujo termo ocorra no decurso do ano escolar, considerando-se o termo do ano escolar coincidente com o fim da época de exames de recurso.

Se se entendesse que se verificou caducidade do contrato, verificar-se-ia a celebração tácita de um novo contrato que teria permitido a continuação da docência para além do prazo…prorrogável.

Mas se o que se verificou foi uma denúncia tardia – como se entende – esta não poderá senão ser considerada para o fim do prazo da prorrogação, isto é, 2 anos contados a partir de 1 de 1 de Abril de 2008.

Assim, conclui-se que o contrato de provimento como assistente se prorrogou até 31 de Março de 2008, com todas as legais consequências ao nível da remuneração (que não de efectivo cumprimento da prestação da autora, que se mostra já impossível, por culpa exclusiva da ré).

Na verdade, nem se diga que a tal obsta a falta de proposta do Conselho Científico e do Reitor da ré: o conjunto de factos provados permitem afirmar que o exercício de tal oposição sempre seria ilícita (8), pois estaria eivada de um intolerável excesso dos limites impostos pela boa fé, constituindo um verdadeiro “venire contra factum proprium” (ver artigo 334º do Código Civil).

Dificilmente podemos reconhecer como causa de extinção do contrato a impossibilidade absoluta e definitiva da autora prestar o trabalho.

Desde logo, o Estatuto não reconhece essa impossibilidade por falta de obtenção de doutoramento, uma vez que permite a prorrogação do contrato por mais dois anos, para além dos seis iniciais.

E se o permite a impossibilidade não está verificada.

A impossibilidade absoluta de prestar o contrato tem de ter um fundamento objectivo externo ou alheio à vontade das partes, no momento em que se verifica. A falta de título habilitante legal ou regulamentarmente exigível para a prestação seria um desses fundamentos.

Todavia, o Estatuto não impede a prorrogação do contrato no caso da falta de obtenção de doutoramento, por mais de dois anos.

Refere com clareza que o contrato de provimento de assistentes tem a duração de seis anos, prorrogável por mais dois anos.

É certo que estipula que a prorrogação do contrato é autorizada pelo Reitor desde que o assistente tenha em fase adiantada a investigação conducente à elaboração da dissertação de doutoramento.

Mas essa autorização de prorrogação é uma condição que está dependente da vontade do empregador e manifestada que seja, por qualquer forma, não pode depois afectar a subsistência da relação laboral, mesmo que padeça de vício interno, na sua formulação, em face das exigências procedimentais e materiais do Estatuto.

Nos termos do disposto no art. 406.º n.º 1 do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se e extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

Ora, o contrato entre as partes continuou para além dos seis anos indicados no art. 39.º n.º 1 do Estatuto.

O que evidencia que a ré não considerou que a autora estava absolutamente impedida de prestar a sua obrigação de trabalho. Tanto que, terminando o termo dos seis anos em 1 de Abril de 2006, no ofício que lhe enviou em 15 de Maio de 2006, ainda considerou que o contrato se extinguiria em 31 de Agosto de 2006…

Nem se diga que importa reter que se provou que a autora sabia que a duração do contrato como assistente era de seis anos, prorrogável por mais dois, se autorizada pelo Reitor. Saberia a autora, mas também o saberia a ré. E, não obstante, esta manteve a vigência do contrato para além dos seis anos…

Não ocorrendo a caducidade pela impossibilidade absoluta de prestar trabalho (ou de a ré o receber), portanto, importa reconhecer que a sua renovação (que é o mesmo que “prorrogação”) se fez por mais dois anos, pois é esse o prazo referido no art. 39.º que se deve considerar, na ausência de acordo diverso entre as partes.

E, sendo assim, a ré estava obrigada a cumprir as suas obrigações contratualmente assumidas, as quais, no caso, se reportavam também à satisfação das retribuições devidas à autora até ao termo do prazo da renovação, momento em que, então, ocorreria a caducidade do contrato, nos termos do artigo 34.º n.º 1 al. c) e n.º 2, 1ª parte, do Estatuto.

Por tudo isto, temos como adequada a decisão da 1ª instância, ao condenar a ré no pagamento das suas obrigações retributivas até ao termo da operada renovação do contrato.

E, por isso, improcederá a apelação da ré.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença recorrida.

Sem custas por a ré delas estar isenta.


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Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva
José Eusébio Almeida