Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1529/12.3TBPBL-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: MASSA INSOLVENTE
EXTINÇÃO DA MASSA
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO JUDICIAL
APRESENTAÇÃO DAS CONTAS FINAIS
CONTAS ADICIONAIS
MAJORAÇÃO DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
GRAU DE SATISFAÇÃO DOS CRÉDITOS
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 46.º, N.º 1, 81.º, N.º 1, DO CIRE, 2.º, N.º 1, 23.º, N.º 7, DO ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E 9.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A massa insolvente designa o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

II – Se, na altura em que foi conferido o mandato judicial a advogado, os bens apreendidos para a massa já haviam sido alienados, não fazia sentido invocar a qualidade de representante de uma massa patrimonial autónoma que já não existia.

III – A apresentação de contas pelo administrador da insolvência, dentro de dez dias subsequentes à cessação das suas funções, resulta dos poderes de administração e disposição dos bens da massa que a lei lhe concede (n.º 1 do art. 81.º do CIRE e art. 2.º, n.º 1, do Estatuto do Administrador Judicial) e não por ser o representante da massa insolvente, não fazendo sentido que o dever de apresentação das contas finais fosse visto como um dever da massa num momento em que ela já não tinha existência.

IV – Julgadas as contas, por sentença transitada em julgado, a decisão impõe-se aos interessados no incidente, entre os quais figura o administrador da insolvência. Em consequência, está vedado ao mesmo apresentar contas adicionais com despesa já realizada ao tempo da prolação da sentença.

V – O entendimento que relaciona a majoração da remuneração variável do administrador da insolvência com o grau de satisfação dos créditos, é conforme ao propósito de a remuneração variar “em função da efetiva satisfação dos créditos”, inexistindo violação ao disposto nos arts. 9.º do CCiv. e 23.º, n.º 7, do Estatuto do Administrador Judicial.

Decisão Texto Integral:
Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias


Processo n.º 1529/12.3TBPBL-J.C1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

AA, administrador judicial da insolvência de BB e CC, notificado para apresentar nos autos principais cálculo da remuneração variável e proposta de distribuição e rateio final, apresentou o seguinte aditamento às contas da administração, sob a epígrafe de Despesas Posteriores:
· Custas de parte (25,50 €);
· Despesas de transferência (1,14 €);
· Emissão de cheques (9,61 €);
· Custas do processo 0981...- (306 €);
· Custas do processo (7 175,28 €);
· Honorários do advogado da massa insolvente – Dr. DD (3 969,00 €);
· Despesas Postais (3,23 €).

Apresentou ainda o seguinte cálculo da remuneração variável:

Receita da liquidação: (+) 310 120,99 €;

Despesas liquidação – prestação contas: (-) 15 966,01 €;

Conta de custas apurada após prestação de contas (-) 7 175,28 €;

Remuneração fixa incluída na conta de custas (+) 3 855,18;

Saldo da liquidação: 290 834,88 €;

Remuneração variável – artigo 23.º, n.º 4 alínea b) do EAJ - 14 541,74 €

Majoração da remuneração variável – artigo 23.º, n.º 7 do EAJ:

Receita da liquidação – Prestação de contas: (+) 310 120,99 €;

Despesas de liquidação – Prestação de contas (-) 15 966,01 €;

Conta de custas: (-) 7 175,28 €;

Remuneração variável (-) 14 541,74 €;

IVA remuneração variável (-) 3 344,60 €;

Base de cálculo da majoração da remuneração variável (créditos satisfeitos: receita da M.I – conta de custas, remuneração fixa e remuneração variável com IVA apurada nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea b) do EAJ:  269 093,35 €

5% nos termos do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ - 13 454,67 €;

Total da remuneração variável sem IVA – (+) 27 996,41 €;

IVA 23% (+) 6 439,17 €;

Total da remuneração variável com IVA 34 435,59 €.

A Banco 1..., credora dos insolventes, pronunciou-se sobre o aditamento à prestação de contas e sobre a remuneração variável.

Em relação ao aditamento à prestação de contas alegou em síntese:
· Que a despesa de € 25,50, reportada ao doc. 24, respeitava a custas de parte da responsabilidade pessoal do próprio administrador da insolvência, na medida em que foi ele próprio que foi condenado no pagamento das custas dos incidentes a que deu azo;
· Que o mesmo se dizia em relação à verba de € 306,00, reportada ao doc. 27, bem como à verba de € 1,14, reportada ao doc. 25, esta última referente ao valor da transferência bancária da quantia referida no artigo anterior;
· Que, com referência à nota de honorários apresentada pelo Dr. DD e reportada ao doc. 29, algumas das verbas que a compunham jamais poderiam ser imputadas à massa insolvente porquanto aquele ilustre mandatário agiu em representação não da massa insolvente, mas do próprio administrador da insolvência;
· Que tais verbas da aludida nota de honorários eram pelo menos as descritas sob os nºs 4 a 10, no montante global de € 3.874,50 (IVA incluído), referentes aos serviços prestados na sequência do recurso interposto da sentença proferida no âmbito do Apenso G – Prestação de Contas;
· Que as verbas 1, 2 e 3 da referida nota de honorários, no valor total de € 461,25, reportavam-se a datas anteriores à apresentação das contas da administração (Apenso G), as quais, não tendo sido apresentadas em tempo, não poderiam agora ser consideradas e aprovadas.

Em relação ao cálculo da remuneração variável alegou em síntese:
· Que no resultado da liquidação havia que considerar apenas as reais despesas da massa insolvente;
· Que no que tocava à majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, a percentagem de 5% aí referida devia aplicar-se ao valor referente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos;
· Que o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos correspondia ao grau/percentagem de satisfação dos créditos reclamados e admitidos que seria efectivamente satisfeita;
· Que havia que calcular previamente tal percentagem de satisfação dos créditos e sobre tal valor incidia a percentagem de 5% prevista no referido preceito legal.

O administrador da insolvência respondeu ao requerimento da Banco 1..., no sentido da aprovação da despesa respeitante aos honorários do mandatário da massa insolvente bem como da remuneração variável, tal como calculada no requerimento que apresentou.

De seguida, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu decisão quanto ao aditamento à prestação de contas e à remuneração variável do administrador da insolvência:

Em relação ao aditamento à prestação de contas decidiu:
1. Não considerar a despesa de € 1 014,75, reportada ao documento 19 (avaliação dos prédios) da prestação de contas inicial, a despesa de € 25,50, reportada ao documento 24, e as despesas de 306,00 e 1,14, reportadas aos documentos 27 e 25;
2. Aprovar a despesa de € 3874,50 referentes a serviços prestados na sequência do recurso interposto na sentença proferida no apenso G;
3. Aprovar a despesa de € 461,25, a título de honorários.

Quanto à remuneração variável, fixou-a em 19 452,74 €, dos quais € 14 346,59 respeitavam à remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4, alínea b), do estatuto do administrador judicial, e € 5 106,15 à majoração da remuneração prevista no n.º 7 do artigo 23.º, aos quais acrescia IVA à taxa de 23%.

Os recursos

I)

O administrador da insolvência, AA, não se conformou com a decisão que fixou a sua remuneração variável e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse o despacho recorrido e se decidisse que a remuneração variável fosse majorada em 5%, por reporte ao montante dos créditos satisfeitos, fixando-se a remuneração variável em 34.435,59€ (trinta e quatro mil quatrocentos e trinta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos).

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. No despacho em crise decidiu-se que o artigo 23.º, n.º 7, do EAJ indica que a majoração da remuneração variável devida ao administrador da insolvência deve ser calculada em função da percentagem dos créditos satisfeitos;
2. A lei não impõe a materialização de duas operações matemáticas, mas, e apenas, uma: o texto legal indica que a remuneração sofrerá um incremento atenta a satisfação dos créditos reclamados e admitidos, sendo que essa majoração é de 5% do montante dos créditos satisfeitos;
3. Aliás, é a própria construção gramatical que inculca esta interpretação: note-se que a locução «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» aparece entre vírgulas, pelo que o linear discursivo reporta-se inequivocamente a uma majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos;
4. Em nenhuma parte do normativo em discussão, se refere o legislador a um percentual, mas e apenas a um valor absoluto de 5% do montante dos créditos satisfeitos, o que igualmente autoriza a interpretação agora propugnada;
5. O actual texto legal nunca aborda a questão percentual, ao invés da anterior tabela remuneratória que fixava uma taxa base e uma taxa marginal, sempre com base em percentagens sendo que o legislador impunha um método de cálculo radicalmente diferente: «O resultado da liquidação da massa insolvente, tal como definido no n.º 3 do artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, quando superior a € 15 000, é dividido em duas partes: uma, igual ao limite do maior dos escalões que nele couber, à qual se aplica a taxa marginal correspondente a esse escalão, outra, igual ao excedente, à qual se aplica a taxa base respeitante ao escalão imediatamente superior»;
6. Actualmente, impõe-se a aplicação de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, inexistindo qualquer taxa marginal e, inclusivamente, a lei não impõe “patamares” aos quais caberão diferentes taxas, mas, e singelamente, se refere a 5% do montante dos créditos satisfeitos;
7. O legislador ao divergir do modelo adoptado pela Portaria n.º 51/2005, também visou afastar o conceito – o factor – de grau de satisfação de créditos;
8. Na actividade hermenêutica a desenvolver, necessariamente se deverá atender ao elemento literal da lei, no sentido dos respectivos termos e devida correlação, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência;
9. No artigo 9.º do CC estão vertidos os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar, o interesse da rectidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
10. Sob pena de violação do artigo 9.º do CC e 23.º, n.º 7, do EAJ (Lei 22/2013 de 26.02) deve o presente proceder e, em consequência, ser revogado o douto despacho em crise e ordenado que a remuneração variável do recorrente seja majorada em 5% por reporte ao montante dos créditos satisfeitos, fixando-se em 34.435,59€ (trinta e quatro mil quatrocentos e trinta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos).

O Ministério Público e a Banco 1..., CRL responderam ao recurso interposto, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

II)

A Banco 1..., CRL, não se conformou com o despacho proferido sobre o aditamento à prestação de contas, na parte em que aprovou a despesa no valor de € 3 874,50, referente a serviços prestados na sequência de recurso interposto da sentença proferida no apenso G, e a despesa no valor de € 461,25, a título de honorários, pedindo se revogasse e substituísse a decisão recorrida por acórdão que rejeitasse a aprovação das despesas referentes aos honorários do Ilustre Advogado, reportados aos serviços prestados na sequência do recurso interposto da sentença proferida no Apenso G (Prestação de Contas), bem como os honorários relativos aos serviços prestados em data anterior à prestação de contas.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. O tribunal a quo tomou tal decisão por entender que o Ilustre Mandatário actuou em representação da Massa Insolvente, e não em representação do próprio Administrador da Insolvência, enquanto tal; que face à interposição de recurso por parte da credora, era ao Administrador da Insolvência que incumbia o juízo e oportunidade relativamente à opção de apresentar, ou não, contra-alegações de recurso e que, quanto ao valor de € 461,25, a título de honorários, o mesmo consta da Nota de Honorários emitida data de 09-05-2022;
2. A apelante não concorda com tal decisão nem com a respectiva fundamentação, entendendo que aqueles honorários, no montante global de € 4.335,75 (já com IVA incluído) não são da responsabilidade da Massa Insolvente, devendo ser rejeitados. Isto porque:
3. No momento em que aquele Ilustre causídico prestou os seus serviços na sequência do recurso interposto da sentença proferida no Apenso da Prestação de Contas, o Administrador da Insolvência não poderia actuar em representação da massa insolvente: ou porque não tinha, de todo, poderes para tal ou até porque nesse momento já não existia qualquer massa insolvente para representar.
4. Não obstante estar previsto no artigo 81.º, nºs 1 e 4 do CIRE que com a declaração de insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da passam a competir ao Administrador da Insolvência, o qual assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, o certo é que o n.º 5 do mesmo dispositivo legal dispõe que a representação da Massa Insolvente pelo Administrador da Insolvência não se estende ao próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, salvo expressa disposição em contrário.
5. E os honorários mencionados nas verbas 4 a 10 da supra aludida Nota de Honorários referem-se precisamente aos serviços prestados pelo Ilustre Advogado no Apenso de Prestação de Contas no âmbito da qual o Administrador da Insolvência está legalmente impedido de representar a Massa Insolvente.
6. Por outro lado, sendo a Massa insolvente, de acordo com o estipulado no artigo 46.º do CIRE, um património autónomo composto por todos os bens e direitos que integram o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como pelos bens e direitos que aquele adquira na pendência do processo e que a mesma se destina a ser liquidada para que o respectivo produto possa ser afecto ao pagamento dos credores da insolvência, após a respectiva liquidação deixa de existir Massa Insolvente e consequentemente extingue-se a sua personalidade judiciária.
7. Por tais razões, há que concluir que o Administrador da Insolvência não poderia representar a Massa Insolvente e, nessa qualidade, mandatar o Ilustre Advogado para intervir no Apenso da Prestação de Contas, tendo este entendimento sido seguido tanto por este Tribunal da Relação na fundamentação da decisão de não admissão do recurso interposto do acórdão proferido em 09-03-2021, como pelo Supremo Tribunal de Justiça na fundamentação da decisão sumária que indeferiu a reclamação apresentada pelo Administrador da Insolvência.
8. Assim, naquele primeiro aresto pode ler-se o seguinte: “Ora, sendo atribuídos ao AI com a declaração de falência e a sua nomeação, de acordo com o disposto nos art.ºs 36.º, n.º 1, e) e g) e 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE, os poderes para administrar e dispor dos bens da massa insolvente, cujo conceito e conteúdo é dado pelo art.º 46.º do CIRE, tais poderes não se estendem porém, e consequentemente não permitem, que assuma uma posição nessa qualidade no presente apenso, não obstante ter passado incólume através do anterior recurso mas que em todo o caso não lhe confere uma legitimidade que não tinha ab initio. Percebe-se bem porque não é admissível uma tal intervenção, o apresentante das contas da respectiva administração seria também um dos que as poderia questionar em representação da massa insolvente cujos interesses deveria defender, mas estariam em conflito. E na decisão sumária do Supremo Tribunal de Justiça consta o seguinte: “(…) No caso é controverso que ainda exista Massa Insolvente (e que o AI a represente para defender as contas apresentadas por si próprio). Como resulta do art. 2.º/1 do EAJ, ao administrador de insolvência incumbe a “gestão ou liquidação da massa insolvente, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”, o que significa que, liquidada a totalidade de uma massa insolvente, deixa de haver bens para administrar e dispor – deixa de haver massa insolvente (…)” “Ora, é este o ponto em que nos encontramos: a massa insolvente de BB e CC já foi totalmente liquidada pelo AI (motivo pelo qual, insiste-se, o mesmo está a apresentar as contas) e já não existe o património autónomo – pertencente ao devedor, mas que este não pode administrar, pertencendo a sua administração, enquanto o património existe, ao AI – que seja e se apresente como o substrato e a razão de ser da referida personalidade judiciária.” (sublinhado nosso).
9. Sendo que, pelo facto de se entender que o Administrador da Insolvência não poderia intervir em representação da Massa Insolvente, ambos os Tribunais superiores condenam o próprio Administrador da Insolvência (e não a Massa Insolvente) no pagamento das custas dos respectivos incidentes.
10. Assim, não tendo o Administrador da Insolvência poderes para actuar em representação da Massa Insolvente nem tão pouco, nessa qualidade, mandatar o Ilustre Advogado, os honorários inerentes à prestação de serviços no âmbito do Apenso de Prestação de Contas não poderão ser considerados como despesas ou dívidas da massa insolvente.
11. Mas, ainda que se entenda que o Administrador da Insolvência poderia representar a Massa Insolvente e consequentemente mandatar Advogado nessa qualidade para intervir no Apenso de Prestação de Contas, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, mas sempre sem prescindir, ainda assim se chega à mesma conclusão de não responsabilização da Massa Insolvente pelo pagamento dos aludidos honorários, uma vez que apenas em termos formais se pode afirmar que o Administrador da Insolvente e o Ilustre Advogado Dr. DD actuaram em representação da Massa Insolvente…
12. Ou seja, analisado o teor das peças processuais subscritas pelo Ilustre causídico, concretamente as contra-alegações do recurso interposto da sentença proferida no apenso G, o recurso excepcional de revista e a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, concluiu-se que o Administrador da Insolvência actuou sempre no seu próprio interesse, em detrimento dos interesses da Massa Insolvente, ao defender insistentemente a aprovação de despesas no montante global de € 10.681,78, assim onerando a Massa Insolvente com tal valor.
13. Não obstante, nas vestes de representante da Massa Insolvente, mas sempre defendendo os seus próprios interesses em detrimentos dos daquela (que neste caso era antagónicos), apresentou contra-alegações de recurso, recorreu de revista excepcional e reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, insistindo sempre pela aprovação de despesas no valor global de € 10.681,78 a cargo da Massa Insolvente.
14. Na sua actuação processual em representação da Massa Insolvente, o Administrador da Insolvência deverá ter sempre em conta os interesses da Massa Insolvente, o que não aconteceu quando contra-alegou na sequência do recurso interposto da sentença proferida no Apenso G, quando recorreu de revista excepcional do Acórdão desta Relação e quando reclamou paras o STJ do despacho de não admissão do recurso de revista excepcional.
15. No caso em apreço não estava em causa um mero juízo de oportunidade relativamente à opção de apresentar, ou não, contra-alegações de recurso… A mera decisão de contra-alegar, recorrer de revista e reclamar, em representação da Massa Insolvente, defendendo posições contrárias aos interesses da Massa Insolvente e dos credores, estava de todo vedada ao Administrador da Insolvência, enquanto representante da Massa Insolvente, podendo fazê-lo sim, mas em nome próprio, pois tal actuação apenas serviu para defender os seus próprios interesses enquanto Administrador da Insolvência e não enquanto representante da Massa Insolvente XVII – Tendo o Administrador da Insolvência actuado processualmente defendendo os seus próprios interesses em detrimento dos da Massa Insolvente, os honorários referentes aos serviços prestados pelo Ilustre Advogado jamais poderão ser imputados à Massa Insolvente, sendo antes da responsabilidade daquele.
16. Acresce que os honorários reportados às verbas 1 a 3 da Nota de Honorários referente a serviços prestados em 28-11-2016 e 03-02-2017, deveriam ter entrado na prestação de contas inicial, as quais foram apresentadas pelo Administrador da Insolvência em 11-05-2020 e, não o tendo sido, é extemporânea sua apresentação em sede de contas adicionais, pelo que também deverão ser rejeitados.
17. Por todo o exposto, deveria o Tribunal a quo ter rejeitado as despesas referentes aos aludidos honorários, no valor global de € 4.335,75 (já com IVA incluído) e, não o tendo feito, violou, pelos menos, as normas constantes dos artigos 46º, 51º e 81º, nº 5 do CIRE.

As respostas:

O Ministério Público e o administrador da insolvência responderam ao recurso interposto pela Banco 1... sustentando a manutenção da decisão proferida.


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Sínteses das questões suscitadas pelos recursos:

Recurso interposto pelo administrador da insolvência:

Saber se a decisão recorrida errou ao fixar a remuneração variável no montante de € 19 452,74, acrescida de IVA e, em caso de resposta afirmativa, saber se a decisão é de revogar e de substituir por decisão que fixe a remuneração variável no montante de 34 435,59 €.

Recurso interposto pela Banco 1...:

Saber se a decisão recorrida errou ao imputar à massa insolvente os honorários do advogado nos montantes de € 3 874,50 e de 461,25 € e, em caso de resposta afirmativa, se a decisão é de revogar e de substituir por decisão que não considere tais honorários como despesas da massa insolvente.


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Ordem de conhecimento dos recursos

Apesar de o primeiro recurso interposto ter sido o do administrador da insolvência, do ponto de vista lógico impõe-se conhecer, em primeiro lugar, do interposto contra a decisão que considerou, como despesas a cargo da massa insolvente, os honorários devidos ao Exm.º Sr. Dr. DD. Na verdade, a decisão sobre tal questão tem influência na decisão sobre o cálculo da remuneração variável, visto que um dos factores a atender no cálculo de tal remuneração é o resultado da liquidação (alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ) e, segundo o n.º 6 do EAJ, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa.


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Recurso interposto pela Banco 1...:

A decisão sob recurso não discriminou, como era imposto pelo n.º 3 do artigo 607.º do CPC, os factos que o tribunal considerava provados. É, no entanto, possível a este tribunal proceder a tal discriminação o que se fará de seguida.

Factos provados com relevância para decisão do recurso:
1. O administrador da insolvência apresentou as contas da administração em 11-05-2020.
2. Por sentença proferida em 13-11-2020, o tribunal a quo rejeitou a aprovação da despesa no valor de € 1.014,75, referente ao documento junto como doc. 19, emitido por “A..., Lda.” e julgou válidas as demais despesas apresentadas, porque devidamente justificadas e documentadas, com a consequente aprovação.
3. Em 03-12-2020, a Banco 1..., CRL, interpôs recurso de apelação da sentença que julgou a prestação das contas.
4. Em 21-12-2020 a massa insolvente de BB e outros respondeu ao recurso.
5. A massa era patrocinada por DD, a quem o administrador da insolvência passou procuração dizendo-se representante de tal massa.
6. Por acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra em 9-03-2021, o recurso de apelação foi julgado procedente.
7. A massa insolvente interpôs recurso de revista excepcional para o STJ.
8. O Tribunal da Relação não admitiu o recurso por falta de legitimidade.
9. A massa insolvente de BB e outros reclamou do despacho que não admitiu o recurso.
10. A reclamação foi indeferida.
11. O administrador despendeu a quantia de 3969 euros, a títulos de honorários com honorários do advogado DD pela prestação dos seguintes serviços:
· 28-11-2016: Consulta/jurídica reunião 150 euros + IVA à taxa de 23% (34,50);
· 28-11-2016: Elaboração de documento resposta AT 150 euros + IVA à taxa de 23% 34,50;
· 3/02/2017 Consulta jurídica/reunião: 75 euros mais IVA à taxa de 23% 17,25;
· 4/12/2020 Consulta jurídica/reunião: 150 euros mais IVA à taxa de 23% (34.50);
· Estudo jurídico da questão alegações recurso apenso G 750 euros mais IVA á taxa de 23% (172,50);
· 21-12-2020: Elaboração de peça processual contra-alegações  450 euros +IVA à taxa de 23% (103,50);
· 10/03/2021: Consulta jurídica/reunião 150 euros + IVA à taxa de 23% (34,50);
· 25-03-2021: Elaboração peça processual alegações de recurso apenso G.C1, 600 euros mais IVA à taxa de 23% 138;00;
· 6-05-2021: Elaboração peça processual Reclamação STJ (apenso H) 750 euros + IVA à taxa de 23%172.50;
· 25-06-2021. Consulta jurídica reunião 300,00 + IVA à taxa de 23% (69);
· 30-11-2021 Elaboração de peça processual impugnação de apoio judiciário 300 euros + Iva à taxa de 23% 69 euros;
· 16-02-2022: Análise de documento sentença apenso I, 150 euros + IVA (34,50);
· 17-02-2022 Consulta jurídica reunião 75 euros + IVA à taxa de 23% 17,25.


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Descritos os factos, passemos à resolução das questões suscitadas pelo recurso.

Na origem da controvérsia estão os honorários devidos a advogado por serviços prestados em sede de recurso interposto contra a sentença que julgou as contas apresentadas pelo administrador (3 874,50 €) e por serviços prestados em data anterior à prestação de contas (461,25 €).

A decisão sob recurso entendeu que os honorários deviam ser considerados como despesas a suportar pela massa insolvente, com a seguinte justificação:
· O mandatário actuou em representação da massa insolvente e não em representação do administrador da insolvência;
· O administrador da insolvência tinha legitimidade para recorrer e contra-alegar relativamente a todas as decisões que dissessem respeito à massa e às funções que lhe competiam;
· Perante a interposição de recurso por parte da credora era ao administrador da insolvência que incumbia o juízo de oportunidade relativamente à opção de apresentar ou não contra-alegações de recurso;
· Quanto ao valor de € 461,25 a nota de honorários foi emitida em 9-05-2022.

Como resulta da transcrição das conclusões, a recorrente contesta esta fundamentação com a seguinte linha argumentativa:
· No momento em que o advogado prestou os seus serviços na sequência do recurso interposto da sentença proferida no apenso de prestação de contas, o administrador não podia actuar em representação da massa insolvente: ou porque não tinha, de todo, poderes para tal ou até porque nesse momento já não existia qualquer massa insolvente para representar;
· Ainda que se entendesse que o administrador da insolvência podia representar a massa e consequentemente mandatar advogado nessa qualidade para intervir no apenso de prestação de contas, ainda assim a massa não seria responsável pelo pagamento dos aludidos honorários uma vez que, analisado o teor das peças subscritas pelo ilustre causídico, conclui-se que o administrador actuou sempre no seu próprio interesse, em detrimento dos interesses da massa, ao defender insistentemente a aprovação de despesas no montante global de € 10 681,78.

Assiste razão à recorrente.

Em primeiro lugar, quando o administrador da insolvência conferiu mandato judicial ao Exm.º Sr. Dr. DD, com a menção de que o fazia na qualidade de representante da massa insolvente de BB e CC, já não existia massa insolvente. Com efeito, resulta do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE que a massa insolvente designa o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, e na altura em que foi conferido o mandato judicial os bens apreendidos para a massa já haviam sido alienados. Deste modo, não fazia sentido invocar a qualidade de representante de uma massa patrimonial autónoma que já não existia.

Em segundo lugar - ainda que se entendesse que existia massa insolvente -, a circunstância de o administrador da insolvência ter invocado a qualidade de representante da massa para conferir mandato judicial não o tornava representante dela. Com efeito, a representação tem fonte voluntária ou legal. Ninguém é representante de outrem pelo simples facto de se intitular como tal. Socorrendo-nos das palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, página 539, “os poderes de representação podem ser atribuídos, por um acto voluntário, pelo representado ao representante; fala-se então de representação voluntária e o acto voluntário atribuidor de poderes representativos chama-se procuração. Podem resultar dos estatutos de uma pessoa colectiva (representação orgânica ou estatutária) ou, verificadas, certas circunstâncias, ser concedidos pela lei a representantes legais (pais, tutor, administrador de bens e, em certas hipóteses, o curador)”.

Segue-se do exposto que o administrador da insolvência teria poderes representativos da massa se esta lhe tivesse atribuído voluntariamente tais poderes ou se estes lhe fossem conferidos pela lei. Não se verifica nenhuma destas condições. A inexistência de representação voluntária não carece de especiais explicações, visto que tal representação faz-se através de procuração (n.º 1 do artigo 262.º do Código Civil) e não há procuração da massa insolvente a atribuir ao administrador poderes para a representar.

Quanto à representação legal ela também não existia. Vejamos.

A resposta à questão de saber se lei concedia ao administrador poderes para representar a massa nos actos em questão (concretamente na resposta ao recurso de apelação interposto contra a sentença de prestação de contas, na interposição de recurso de revista contra o acórdão da Relação e na apresentação de reclamação contra o despacho do relator que não admitiu o recurso de revista), passa por responder a outra, que é a de saber se massa insolvente é parte no incidente da prestação de contas finais (como é o caso das que estão em causa no processo) e, sendo-o, se a lei, ou seja, se o CIRE ou o estatuto do administrador judicial, confere ao administrador poderes para a representar.

A resposta a esta questão é negativa. Na verdade, considerando o disposto nos artigos 62.º a 64.º do CIRE sobre a prestação de contas, vê-se que a apresentação delas impende sobre o administrador da insolvência (n.º 1 do artigo 62.º) e que, autuadas por apenso, cumpre à comissão de credores, caso exista, emitir parecer sobre elas, abrindo-se de seguida um contraditório sobre as contas com a participação dos credores, do devedor e do Ministério Público (n.ºs 1 e 2 do artigo 64.º do CIRE).

Quando o n.º 1 do artigo 62.º do CIRE impunha [dizemos impunha porque a redacção do n.º 1 foi alterada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro] ao administrador da insolvência a apresentação de contas dentro de dez dias subsequentes à cessação das suas funções, qualquer que seja a causa que a tenha determinado…”, fazia-o por causa dos poderes de administração e disposição dos bens da massa que a lei lhe concede (n.º 1 do artigo 81.º do CIRE e artigo 2.º, n.º 1 do Estatuto do administrador judicial, na parte em que afirma que o administrador judicial é a pessoa incumbida da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência) e não por ser o representante da massa insolvente. De resto, não faria sentido que o dever de apresentação das contas finais fosse visto como um dever da massa num momento em que ela já não tinha existência.

Segue-se do exposto que o mandato judicial conferido pelo administrador em representação da massa não produziu efeitos em relação a esta última, sendo que um dos efeitos era a obrigação de pagar ao mandante a retribuição que ao caso competisse (alínea b) do artigo 1167.º do Código Civil e artigo 105.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro).

Apesar de a declaração de representação do administrador não vincular a massa, não produzir efeitos em relação a ela, ainda assim poderíamos estar perante dívida a imputar à mesma no caso de se entender uma de duas coisas:
· Que tal dívida resultava da actuação do administrador no exercício das suas funções, pois, segundo a alínea d) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRE, são dívidas da massa insolvente as dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
· Que tal dívida era de considerar uma despesa necessária ao cumprimento das funções do administrador (artigo 22.º do estatuto do administrador judicial aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro) ou uma despesa que o administrador tivesse razoavelmente considerado útil e indispensável (n.º 1 do artigo 60.º do CIRE).  

A dívida em questão não cabe em nenhuma destas hipóteses.

Hipótese da alínea d) do n.º 1 do artigo 51.º

As dívidas que são tidas em vista por esta alínea são as que procedem do exercício das funções de administração e disposição de bens da massa insolvente, o que não é o caso da dívida em questão. Quando as contas finais da administração foram apresentadas, as funções de administração e disposição já haviam cessado, como o atestava o n.º 1 do artigo 62.º do CIRE, na redacção em vigor ao tempo da apresentação das contas, ao dispor que as contas eram apresentadas dentro dos 10 dias subsequentes à cessação das funções do administrador.

Hipótese do artigo 22.º do EAJ

A despesa com os honorários também não tem cobertura nesta alínea pois ela prevê as despesas necessária ao cumprimento das funções do administrador e na altura em que os serviços foram prestados o administrador já havia cessado as suas funções.

Hipótese do n.º 1 do artigo 60.º do CIRE

Este preceito prevê o reembolso das despesas que o administrador tenha considerado razoavelmente úteis e indispensáveis. Quando neste artigo se fala em despesas úteis e indispensáveis, tem-se em vista as despesas úteis e indispensáveis ao exercício das funções. Como já se escreveu acima, a despesa com os honorários já não era nem útil nem indispensável ao exercício das funções do administrador, visto que, na altura em que foram prestados os serviços o administrador, já haviam cessado as suas funções. Como bem observa a recorrente, os serviços foram prestados para sustentar um ponto de vista que era favorável aos interesses do administrador da insolvência.

Por todo o exposto é de concluir no sentido de que a despesa com honorários no montante de € 3874,50 não é de considerar como despesa da massa insolvente.

A recorrente insurge-se ainda contra a imputação à massa de despesas com honorários de advogado, no montante de 461,25 €, por serviços prestados antes da prestação de contas pelo administrador.

A decisão sob recurso entendeu que tal despesa era de imputar à massa insolvente com a justificação de que a nota de honorários foi emitida em 9 de Maio de 2022, ou seja, depois da apresentação das contas.

A recorrente censura a decisão com o argumento de que a quantia em questão refere-se a serviços prestados em 28-11-2016 e 3-02-2017, pelo que deviam entrar na prestação de contas iniciais que foram apresentadas pelo administrador da insolvência em 11-05-2020, e não o tendo sido é extemporânea a sua apresentação em sede de contas adicionais.

Assiste razão à recorrente.

Vejamos, em primeiro lugar, o contexto da apresentação das contas adicionais.

A Meritíssima juíza do tribunal a quo ordenou a notificação do administrador para apresentar nos autos principais o cálculo da sua remuneração variável e proposta de distribuição e rateio final, como prevê o n.º 3 do artigo 182.º do CIRE.

Na sequência da notificação, o administrador apresentou o que denominou de “aditamento às contas da administração”, que compreende anulação de despesas não aprovadas, despesas posteriores às contas de administração (custas, despesas de transferências e despesas postais) e honorários do advogado, Dr. EE, constituído pela massa insolvente após a apresentação das contas da administração. Entre os honorários está a quantia ora em questão.

O recurso suscita a questão de saber se, depois de julgadas as contas da administração da insolvência por sentença transitada em julgada, o administrador tem a faculdade de apresentar, a título de contas adicionais, despesa já realizada antes da prestação das contas.

A resposta é negativa, pois a tanto se opõe o n.º 1 do artigo 619.º do CPC sobre o valor da sentença transitada em julgado. Segundo este preceito, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.

Aplicando esta norma à sentença que julgou as contas, ela significa que julgadas as contas, por sentença transitada em julgada, a decisão impõe-se aos interessados no incidente, entre os quais figura o administrador da insolvência. Em consequência está vedado ao mesmo apresentar contas adicionais com despesa já realizada ao tempo da prolação da sentença.

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e substitui-se a mesma por decisão a rejeitar a aprovação das despesas referentes aos honorários do advogado reportados aos serviços prestados na sequência do recurso interposto da sentença proferida no apenso G (prestação de contas) bem como os honorários relativos aos serviços prestados em data anterior à prestação de contas. 


***

Recurso contra a decisão que fixou a remuneração variável do administrador da insolvência

Os factos relevantes para a decisão da questão são os seguintes:
1. Foram reclamados e admitidos créditos no montante de € 784 743,77;
1. Receita da liquidação: € 310 120,99;
2. Dívidas da massa insolvente: 14 491,96 euros;
3. Custas do processo: 7 175,28 euros, nas quais está incluída a remuneração fixa do administrador no montante de 2 460 euros.


*

A decisão que constitui objecto do presente recurso é constituída pelo despacho proferido em 16-12-2022, que fixou a remuneração variável do administrador da insolvência, no montante de € 19 452,74, acrescida de IVA à taxa de 23%, o que perfaz o montante de € 23 26,87.

Antes de nos pronunciarmos sobre os fundamentos do recurso, importa contextualizar a questão da remuneração do administrador.

O n.º 1 do artigo 60.º do CIRE dispõe que o administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.

O estatuto do administrador para que remete o preceito é o aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 17/2017, de 16 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril e pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

O estatuto dispõe sobre a remuneração do administrador da insolvência nos artigos 22.º a 26.º-A e 29.º. Para o caso interessa-nos de modo especial o disposto no artigo 23.º, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2022. 

Este preceito estabelece o seguinte em matéria de remuneração do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz:

  • O administrador tem direito a uma remuneração fixa de 2 000 € pelos actos praticados [n.º 1];
  • Tem direito a uma remuneração variável correspondente a 5% do resultado da liquidação da massa insolvente [alínea b) do n.º 4];
  • Tem direito a uma majoração da remuneração variável, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos [n.º 7].

O recurso tem na sua origem a seguinte divergência quanto à interpretação do n.º 7 do artigo 23.º. Ao passo que o despacho sob recurso entendeu – citando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 11-10-2022, no processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1, publicado em www.dgsi.pt. – que o cálculo da majoração da remuneração variável implicava a consideração não apenas do montante dos créditos satisfeitos, mas também do grau de satisfação dos créditos reclamados admitidos, ou seja, a percentagem de pagamento dos créditos reconhecidos, o recorrente entende que a majoração é o produto da aplicação da percentagem 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos, sem atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.

Esta interpretação assenta na seguinte linha argumentativa:
· Que o texto legal indicava que a remuneração sofria um incremento atenta a satisfação dos créditos reclamados e admitidos, sendo que essa majoração é de 5% do montante dos créditos satisfeitos;
· Que é a própria construção gramatica que inculca esta interpretação: a locução em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos aprece entre vírgulas, pelo que o linear discursivo reporta-se inequivocamente a uma majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos;
· Que em nenhuma parte do normativo em discussão se refere o legislador a um percentual, mas apenas a um valor absoluto de 5% do montante dos créditos satisfeitos;
· Que o texto legal não aborda a questão percentual, ao invés da anterior tabela remuneratória, que fixava uma taxa base e uma taxa marginal, sempre com base em percentagens, sendo que o legislador impunha um metido de cálculo radicalmente diferente.

Vê-se do exposto que a lógica argumentativa da recorrente faz apelo: ao elemento literal do n.º 7 do artigo 23.º, especialmente ao segmento “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”; ao confronto da solução actual com a solução anterior; aos critérios de interpretação da lei enunciados no n.º 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, designadamente ao que manda excluir dos sentidos possíveis da lei o que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso; ao que manda presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados; à certeza do direito e  à segurança do comércio jurídico.

Pese embora o respeito que nos merece a alegação do recorrente e não ignorando as decisões judiciais favoráveis a tal alegação, de que se citam a título de exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 20-12-2022, no processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1. e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 10-01-2023, no processo n.º 3454/20.5T8STS-K.P1, ambos publicados em www.dgsi.pt, entendemos que o sentido dado ao n.º 7 do artigo 23.º do EAJ não tem amparo nos critérios de interpretação da lei enunciados no artigo 9.º do Código Civil.

Vejamos (seguimos aqui o que escrevemos no acórdão proferido em 7 de Fevereiro de 2023, no processo n.º 129/14.TBPNI.C1).

A interpretação da lei tem como base e como limite a respectiva letra. A letra é a base, pois é por ela que começa a interpretação. É limite porque, segundo o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Sobre a importância da letra na interpretação, importa dizer, socorremo-nos das seguintes palavras de Manuel de Andrade, que “… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas” [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 26].

Guiados por estas palavras, há que reconhecer que nenhum dos sentidos em confronto é excluído pela letra do n.º 7 do artigo 23.º do estatuto. Com efeito, ela tanto relaciona a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos como a associa ao montante dos créditos satisfeitos. Ao dizer que “o valor alcançado … é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitido” relaciona a majoração com o grau de satisfação dos créditos reclamados; ao afirmar que o “valor alcançado é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos” associa a majoração com o montante dos créditos satisfeitos.

Se é certo que nenhum dos sentidos em discussão é excluído pela letra do n.º 7 do artigo 23.º, também é certo que aquele que tem nela a melhor expressão é o que lhe foi dada pela decisão recorrida. Com efeito, enquanto a interpretação do tribunal a quo dá conteúdo útil a todos os dizeres do preceito, a do recorrente despreza a menção à majoração “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.

Diz o recorrente que esta locução aparece “entre vírgulas”, pelo que “o linear discursivo reporta-se inequivocamente a uma majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos”. De acordo com esta lógica argumentativa, os termos do n.º 7 do artigo 23.º relevantes para a interpretação dele seriam apenas os seguintes: “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos ….”.

Esta reescrita do preceito tem abertamente contra si o significado das vírgulas e o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, na parte em que dispõe que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 

Tem contra si o significado das vírgulas, visto que enquanto sinal gráfico, a vírgula serve para delimitar as orações ou proposições e não para as expulsar de uma frase.

Tem contra si o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, na parte acima transcrita, visto que, por força dela, é de presumir que o legislador, ao estabelecer que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, o pensamento que está compreendido no referido segmento é o de que a majoração depende também do grau de satisfação dos créditos. Na verdade, quando se diz que um valor é calculado em função de um certo elemento quer-se dizer que o valor depende desse elemento.

Segue-se do exposto que a letra do preceito aponta no sentido da interpretação feita pela decisão recorrida.

Em segundo lugar, contrariamente ao que sustenta o recorrente, o confronto do artigo 23.º, n.º 7 com os seus antecedentes legislativos não depõe no sentido por ele indicado. Vejamos.

 O artigo 23.º do estatuto do administrador da insolvência que está sob interpretação tem como antecedentes o artigo 20.º da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (estatuto do administrador da insolvência revogado pela Lei n.º 22/2013)) e a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.

O artigo 20.º do anterior estatuto, à semelhança do que sucede com o actual, previa uma remuneração fixa, uma remuneração variável e uma majoração desta última, mas remetia para portaria conjunta dos Ministros da Finanças e da Justiça o montante da remuneração fixa e o cálculo da variável e da majoração.

No que dizia respeito à remuneração variável, dispunha que o administrador auferia tal remuneração em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado na tabela constante da portaria (n.º 2 do artigo 20.º).

No que tocava à majoração da remuneração variável, dispunha que o valor alcançado por aplicação da tabela constante da portaria era majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria (n.º 4 do artigo 20.º).

Ao abrigo da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, o Governo aprovou a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que compreendia o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz e as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração.

A tabela relativa à majoração da remuneração variável era composta por duas colunas, em conformidade com o que previa o n.º 4 do artigo 20.º: uma relativa à percentagem dos créditos admitidos que fora satisfeita e outra com a indicação dos factores de majoração.

A conjugação do n.º 4 do artigo 20.º com a tabela não deixava dúvidas quanto ao seguinte:
· A majoração dependia da percentagem dos créditos admitidos que fora satisfeita;
· Quanto maior fosse a percentagem maior seria o factor de majoração da remuneração variável.

Esta solução estava em linha com a razão de ser da remuneração variável, concretamente: incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível para a satisfação dos credores. Quanto maior fosse a percentagem de créditos satisfeitos maior seria a remuneração variável.

 O estatuto aprovado pela Lei n.º 32/2004 foi revogado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que aprovou novo estatuto do administrador judicial, ainda em vigor, embora com as alterações que lhe foram introduzidas pelos seguintes diplomas: Lei n.º 17/2017, de 16 de Maio, Decreto-lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, lei n.º 79/21, de 24-11 e Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.

No novo estatuto a remuneração do administrador passou a estar prevista no artigo 23.º.

As disposições deste preceito sobre a remuneração variável e respectiva majoração (números 2 e 5) não diferiam das disposições do anterior estatuto sobre igual matéria.

Em 2019, a redacção dos números 2 e 3 do artigo 23.º foi alterada pelo Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril. As alterações consistiram no seguinte:
1. Enquanto na redacção original se dispunha que o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferia uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior, na nova redacção passava a dispor-se que o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz auferia ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor era o fixado portaria referida no número anterior. Isto é, fazia-se referência “à portaria” e não “às tabelas constantes da portaria”.
2. No que diz respeito à majoração da remuneração variável, enquanto na redacção original se dispunha que “o valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3 era majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”, na nova redacção passou a dispor-se que “o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 3 e 4 é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1”. Isto é, em vez de se falar “em valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.ºs 2 e 3” passa a falar-se “em valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 3 e 4”.

A redacção do artigo 23.º volta a ser alterada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, redacção que é a relevante para o caso.

Comparando a redacção anterior com a actual, a primeira diferença que importa assinalar entre elas é a de que esta deixou de remeter a fixação dos valores da remuneração do administrador para diploma regulamentar (portaria). A regulamentação da remuneração passou a ser feita no estatuto (artigo 23.º). Este passou a ser auto-suficiente em matéria de fixação dos valores da remuneração do administrador. A regulamentação passou a ser a seguinte:
· No que diz respeito à remuneração variável, estabeleceu-se na alínea b) do n.º 4 que tal remuneração era função do resultado da liquidação da massa insolvente e correspondia a 5% desse resultado, apurado nos termos do n.º 6 do mesmo preceito;
· Quanto à majoração da remuneração variável, estabeleceu-se no n.º 7 que ela seria majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos.

Comparando as redacções dos preceitos relativos à majoração da remuneração variável, vemos que a nova redacção manteve a afirmação de que majoração é feita em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e satisfeitos. A alteração residiu apenas no semento final do preceito: onde antes se dizia, “pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1” diz-se agora “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”. O sentido da alteração é apenas o seguinte: na versão actual, em vez de se aplicarem os factores referidos na Portaria (Anexo II), aplica-se a taxa de 5%. E, assim, qualquer que seja o grau de satisfação dos créditos aplica-se sempre a mesma taxa (5%).

A ilação a tirar desta evolução legislativa é a de que o grau (percentagem) de satisfação dos créditos reclamados e admitidos mantém-se como um dos factores determinantes da majoração da remuneração variável.

Se assim não fosse, seria de esperar que a proposta de Lei que esteve na origem da alteração do artigo 23.º do actual estatuto do administrador da insolvência fizesse menção a tal alteração, o que não sucedeu. Na verdade, a proposta de lei em questão, que foi apresentada pelo Partido Socialista e pelo Partido Social Democrata, como proposta de alteração à proposta de Lei n.º 115/XIV/3.ª que deu origem ao processo legislativo que culminou com a aprovação a Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, é completamente omissa quanto às razões da alteração do artigo 23.º do estatuto.

Em segundo lugar, a interpretação sustentada pelo recorrente é inteiramente compatível com a teleologia do preceito.

Vejamos. Socorrendo-nos mais uma vez das palavras de Manuel Andrade, “na indagação do sentido mais justo deve tomar-se em conta a razão da lei (ratio legis – a valoração dos interesses que lhe está subjacente a finalidade que a inspirou …” (obra supracitada página 27).

Sabe-se qual é o objectivo da remuneração variável. Eles foram expostos na exposição de motivos da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 [Proposta de lei n.º 112/IX/2] nos seguintes termos: “No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade”.

A interpretação da decisão recorrida, ao relacionar a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos, está em inteira conformidade com o propósito de a remuneração variar “em função da efectiva satisfação dos créditos”.

Por todo o exposto, improcede a alegação de que a decisão violou o artigo 9.º do Código Civil e o artigo 23.º, n.º 7 do estatuto do administrador judicial, sendo de manter a decisão que fixou a remuneração variável.

E ela é de manter, apesar de o cálculo da remuneração variável efectuado pela decisão recorrida padecer, salvo o devido respeito, de erro.

Vejamos. A decisão sob recurso fixou a remuneração variável do administrador no montante de € 19 452,74, acrescidos de IVA, à taxa de 23%, o que perfaz 23 926,87 euros, assim decomposta:

Remuneração variável prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º: 14 346,59;

Majoração da remuneração variável: 5 106,15 €.

O cálculo assentou nas seguintes premissas:
· Receitas da liquidação: 310 120,99;
· Dívidas da massa insolvente: € 23 189,08;
· Resultado da liquidação: € 286 931,91;
· Valor destinado à satisfação dos créditos reclamados e admitidos: 283 124,52.

Algumas destas premissas não são exactas, como sucede com as dívidas da massa insolvente e o resultado da liquidação. As dívidas da massa insolvente ascendem a 19 207,24 €. Quanto ao resultado da liquidação, considerando a noção que dele é dado    pelo n.º 6 do artigo 23.º do EAJ [considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração fixa e das custas de processos judiciais pendentes na data da declaração de insolvência], o facto de a receita da liquidação ser de 310 120,99 € e de as dívidas da massa serem de 19 207,24 (14 491,96 + 4 715,28), tal resultado é de 290 913,75 €. Logo a remuneração variável prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ é de 14 545,69 (290 913,75 x 5%).

A majoração da remuneração variável prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ é de 4 779,70 €, assim calculada:

Montante proveniente da liquidação da massa insolvente usado na satisfação dos créditos: 273 908,06 euros. Este montante corresponde ao produto da diferença entre o resultado da liquidação (290 913,75 €) e os montantes necessários para pagar a remuneração fixa (2460 euros) e a remuneração variável acima apurada (14 545,69).

Grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos: 34,90%.

Majoração: 273 908,06 euros x 5% x 34,90%, é, 4 779,70 €.

Somando os dois valores da remuneração variável (14 545,69 + 4 779,90) obtém-se o resultado de 19 325,59 €, ligeiramente inferior ao da decisão recorrida.

Apesar deste erro, a decisão recorrida é de manter, pois segundo o n.º 5 do artigo 635.º do CPC, os efeitos do julgado na parte não recorrida não podem ser prejudicados pela decisão do recorrente. Esta fórmula – que traduz o conhecido princípio da proibição da “reformatio in pejus”- significa que a decisão do recurso não pode colocar o recorrente em posição pior do que a que tinha em face da decisão recorrida.


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Decisão:
1. Julga-se procedente o recurso interposto pela Banco 1... e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e substitui-se a mesma por decisão a rejeitar a aprovação das despesas referentes aos honorários do advogado reportados aos serviços prestados na sequência do recurso interposto da sentença proferida no apenso G (prestação de contas) bem como os honorários relativos aos serviços prestados em data anterior à prestação de contas;
2. Julga-se improcedente o recurso interposto pelo administrador da insolvência e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida que fixou a remuneração variável.

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Responsabilidade quanto a custas:

Do recurso interposto pela Banco 1...:

Considerando o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o recorrido ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas respectivas custas.

Do recurso interposto pelo administrador da insolvência:

Considerando o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas respectivas custas.

Coimbra, 28 de Março de 2013