Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
887/13.7TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: OBJECTO NEGOCIAL
PROMESSA DE VENDA
BEM FUTURO
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL
DIREITO DE RESOLUÇÃO LEGAL
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE
MEDIADOR
DANOS
TERCEIROS
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – LOUSÃ – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 808.º/1/2.ª PARTE DO CÓDIGO CIVIL E ART. 22.º/3 DO DL 211/2004
Sumário: 1 - Tem a ver com a definição do objecto contratual (não configurando uma condição resolutiva) a cláusula dum contrato-promessa em que se diz que o prédio do promitente vendedor (1/2 dum prédio rústico) será vendido quando se proceder à criação dum artigo autónomo e este “estiver como urbano”; sendo, em tal hipótese, o objecto contratual um bem futuro, o que não fere o contrato-promessa com o vício da nulidade, uma vez que foi como “bem futuro” que o negócio e respectivas obrigações foram assumidas.
2 - Não vale como válida cláusula resolutiva expressa uma cláusula que não faça uma referência explícita e precisa às obrigações (identificando-as) cujo cumprimento dá direito à resolução.

3 - Prevendo o contrato-promessa um prazo de 90 dias para a escritura definitiva ser realizada e tendo as partes acordado prorrogar o prazo em mais 90 dias, é razoável, findo este 2.º prazo e não tendo os promitentes vendedores entregue os documentos necessários à marcação da escritura, que os promitentes compradores lhes concedam apenas mais 15 dias para a entrega de tais documentos, sob pena de considerarem não cumprida tal obrigação e o contrato resolvido.

5 - Na resolução não está necessariamente em causa um juízo de censura/culpa sobre o comportamento do contraente contra o qual é declarada a resolução; está apenas em causa saber se o mesmo estava em mora e, na hipótese do art. 808.º/1/2.ª parte, se lhe foi concedido um último, definitivo e razoável prazo para cumprir.

6 – Sendo o “objecto” do contrato-promessa um bem futuro, estão os promitentes vendedores obrigados a exercer as diligências necessárias à existência jurídica do bem prometido (obrigação de meios); pertencendo-lhes, como devedores, o ónus da prova de tal diligência.

7 - Incorre em responsabilidade civil “pelos danos causados a terceiros” (prevista no art. 22.º/3 do DL 211/2004), a mediadora que, na execução de contrato de mediação imobiliária (com os promitentes vendedores), garantiu aos promitentes compradores a autonomização e conversão em urbano, em 90 dias, duma quota ideal sobre um prédio rústico, levando-os, em função disso, a vincular-se a uma promessa de compra dum bem futuro e a antecipar o pagamento de 45% do preço; e que, naquele concreto prazo, assim como nos 90 que se lhe seguiram (tendo já recebida a sua comissão), não fez qualquer diligência para que fosse obtido o que havia garantido, levando, desse modo, a que os promitentes compradores se desvinculassem do contrato-promessa.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... e, esposa, B... , residentes na Rua (...) , Miranda do Corvo, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário (hoje, comum), contra C... , Lda., com sede na Rua d (...) , Lousã e D... e esposa, E... , residentes na Urbanização (...) , Miranda do Corvo; em que terminaram formulando os seguintes pedidos:

1 - Ser declarada a resolução do contrato de promessa de compra e venda em causa nos presentes autos.

2 - Serem os primeiros réus condenados, solidariamente com os segundos réus, a pagar aos autores, o montante de 10.000,00, ou seja, o equivalente ao montante entregue a título de sinal.

3 - Serem os segundos réus condenados a restituírem aos autores o sinal em dobro, no valor de € 20.000,00, sendo que, deste montante, € 10.000,00 solidariamente com os primeiros réus.

4 - Serem ainda condenados, todos os réus, no pagamento dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, em síntese, alegaram:

Que a 1.º R., no âmbito da sua actividade de intermediação imobiliária, desenvolveu todo o procedimento que culminou com a outorga de um contrato-promessa de compra e venda entre os AA. (como promitentes compradores) e os 2.º RR. (como promitentes vendedores); tendo por objecto metade dum prédio rústico, que seria vendido quando “ procedessem à criação do novo artigo e este estivesse como urbano”; sendo o preço de € 23.000,00 (sendo pago, a título de pagamento inicial, o valor de € 5.000,00; com a entrega do levantamento topográfico devidamente assinado por todos os confinantes do prédio rústico, mais € 5.000,00; e o restante valor, de € 13.000,00, pago no acto da escritura pública); e a escritura definitiva outorgada dentro do prazo de 90 dias a contar da data do contrato promessa, prazo entretanto prorrogado e que passou a ser de 90 dias a contar do aditamento, ocorrido em 18/10/2012.

Acontece, segundos os AA., que os 2.º RR. e promitentes vendedores não diligenciaram “em tempo útil, ou seja, no prazo mencionado no contrato-promessa ou sequer no prazo estipulado no aditamento àquele contrato (…) pela criação de um artigo urbano proveniente de 1/2 do referido artigo rústico (…) condição essa de que dependia a celebração da escritura de compra e venda[1].

Na sequência deste incumprimento, em 21/01/2013, os promitentes compradores interpelaram, por carta registada com aviso de recepção, os promitentes vendedores, para que estes sanassem a situação de incumprimento; interpelação de que “nunca obtiveram qualquer resposta”, pelo que “face à conduta dos promitentes vendedores (…) é manifesto o incumprimento definitivo do contrato”, pelo que, “os AA. endereçaram aos 2.ºs RR., em 5/02/2013, carta (…) na qual informavam que consideravam definitivamente resolvido o contrato promessa de compra e venda”.

Assim, demonstrado que entregaram aos 2.º RR. a título de sinal a quantia de € 10.000,00, verificado o incumprimento definitivo por parte dos réus e a perda do interesse dos autores na prestação, resulta que deve ser declarada a resolução do contrato e serem condenados os 2.º RR. no pagamento do sinal em dobro, isto é, em € 20.000,00.

Ademais, estritamente em relação à 1ª R., invocaram que a mesma lhes garantiu que o prédio era passível de legalização, bem como apto para os fins a que o destinavam (construção de casa e área passível de construção), o que ainda não aconteceu (mantendo-se ainda o prédio rústico e em compropriedade); pelo que, segundo os AA., a 1.ª R. “mediou um prédio que bem sabia não corresponder às características reais”, “sendo, portanto, solidariamente responsável pelos danos causados aos AA.”, equivalentes ao “sinal pago no âmbito do presente contrato, ou seja € 10.000,00

Contestaram a 1.º R e os 2.º RR., autónoma e separadamente.

Alegou a 1.ª R., em resumo:

Que o prédio por si mediado “sempre esteve perfeitamente legalizado”; “correctamente identificado, por referência à sua natureza jurídica e com todas as demais indicações necessárias para que os autores tivessem toda a informação sobre a situação do mesmo, nunca lhes tendo sido omitido o que quer que seja”; e “segundo os dados de que dispunha no momento da publicitação do prédio, nomeadamente em termos de restrições administrativas e direito de propriedade, nada obstava legalmente a que o mesmo pudesse ser transformado num prédio urbano.

Que não lhe incumbia “substituir-se aos segundos réus, como proprietários, nas diligências necessárias para a autonomização do prédio e sua transformação em prédio urbano”; porém, “proporcionou aos seus clientes vendedores todo o apoio que lhe foi possível no sentido de permitir a verificação da condição a que o contrato-promessa estava sujeito”.

Que, entretanto, foi decretada a divisão do prédio (em processo intentado nos Julgados de Paz de Miranda do Corvo), não sendo tarefa sua requerer a transformação do artigo em urbano, não podendo “cumprir a condição a que se vincularam no contrato-promessa” “na medida em que ela não assumiu essa condição, nem se ter constituído garante do cumprimento do contrato”.

Que os AA. não alegam os danos que sofreram em directa e imediata consequência de uma eventual actuação faltosa ou ilegal da 1.ª R., nem pedem a tal título qualquer montante.

Concluíram[2] pois pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido contra si formulado.

Alegaram os 2.º RR., em resumo:

Que foi a 1ª R., no âmbito e por força do contrato de mediação, que se obrigou a proceder a todas as diligências no sentido de tornar o prédio urbano.

Que, assim que se aperceberam do atraso no processo do Julgado de Paz, diligenciaram para que se fizesse um novo aditamento no prazo para celebrar a escritura, que não foi atendido com o argumento, por parte da A. B... , que não era necessário proceder a novo aditamento, uma vez que esperava o tempo necessário para que o referido prédio se tornasse urbano e que aí celebrariam a escritura pública.

Que reuniram diversas vezes no escritório da mandatária das AA. e propuseram-se restituir a sua parte do sinal (€ 5.000) acrescida de mais algum montante para compensação de despesas, tendo sido a 1.ª R. que não quis restituir a parte que recebeu do sinal (€ 5.000€), a título de comissão.

Que não tiveram culpa, nem na mora, nem no incumprimento definitivo do contrato, pelo que será de afastar a resolução do contrato nos termos pretendidos pelos AA., e consequentemente não haverá lugar à restituição do sinal em dobro.

Concluíram pois pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido contra eles formulado.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após o que, instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…) julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1) Declaro a resolução do contrato de promessa de compra e venda melhor identificado no facto provado nº 2 e bem assim a nulidade do contrato de mediação melhor identificado nos factos provados 23º e 24º.

2) Condenam-se os segundos réus a pagar aos autores o valor de € 5000,00, ou seja, o equivalente ao montante entregue a título de sinal (em singelo) de € 10.000,00 deduzido do valor de €. 5.000,00 correspondente à remuneração entre à 1ª ré (aquando da celebração do contrato promessa) pela intermediação do contrato de mediação face aos efeitos da declaração de nulidade de tal contrato, a que acrescem os juros moratórios à taxa legal desde ao dia seguinte à citação destes réus (cfr. fls. 34 e 35, ou seja, 04-12-2013) até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do mais contra si peticionado nestes autos;

3) Condena-se a primeira ré no pagamento aos autores do valor de € 5.000,00 equivalente à devolução do valor/remuneração por si recebida a título de “comissão” pela intermediação no contrato de mediação imobiliária, a que acrescem os juros moratórios à taxa legal, a partir da presente decisão (cfr. art. 805º, nº3 do CC), absolvendo-se do mais contra si peticionado nestes autos;

 (…) ”

Inconformada com tal decisão, interpôs a 1.ª R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que, em relação a si, julgue totalmente improcedente a acção e a absolva do pedido.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 – A sentença ora objecto de recurso é nula, porquanto baseia a condenação da Ré recorrente na nulidade do contrato de mediação imobiliária, sustentando-se em factos e conclusões de direito que nunca foram objecto de contraditório e que extravasam a delimitação do processo tal qual foi configurado pelos AA., sendo certo que os segundos RR. nunca formularam contra a 1.ª R qualquer pedido condenatório.

2. - Ao rer sido decidida a condenação da Ré pelos fundamentos invocados na sentença resultou violado o princípio do contraditório e o princípio do dispositivo, não podendo ter sido tomada tal decisão sem que à Ré recorrente tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre os factos que lhe estão subjacentes.

3 - Ao assim decidir, violou a douta sentença recorrida os art. 3.º,608.º/2, 609.º/1 e 615.º/1/d) e e) do CPC.

4. - Ainda que improceda a nulidade da sentença ora invocada, a Ré recorrente não pode conformar-se com a declaração de nulidade do contrato de mediação imobiliária que subjaz à sua condenação.

5.- Não corresponde à verdade, à luz dos critérios de exigibilidade e rigor técnico de devem

concretamente aplicar-se à actividade económica desenvolvida pela 1.ª R, que o objecto do contrato e a finalidade pretendida pelo negócio não tenham sido devidamente identificadas no CMI, nem que as mesmas não tenham eido devidamente explicadas tanto aos clientes vendedores como aos promitentes compradores com todo o rigor, sendo que foram por estes devidamente percepcionados todos os contornos do negócio.

6.- Resultou, assim absolutamente cumprida a finalidade pretendida pela disposição do art. 16.° do D.L 211/2004, sendo totalmente desproporcionado o nível de preciosismo técnico jurídico que na douta sentença se pretende impor à recorrente na elaboração dos seus contratos.

7 – Foi, pois, o CMI validamente celebrado, no cumprimento de todas as exigências legais, nenhum motivo existindo para que seja declarada a sua nulidade, dessa forma tendo também que improceder a condenação que da declaração de tal nulidade resulta.

8 – Mal andou, assim, a sentença recorrida ao declarar a nulidade do contrato de mediação, tendo feito uma interpretação demasiado restritiva do disposto no art.16.º/1/a) e b) do DL 211/2004,indo além daquele que é o objecto prosseguido com o diploma e resultando numa decisão materialmente injusta e desproporcionada.

9 – Resultando da mesma violados o disposto no art. 16.º/1/a) e b) do DL 211/2004, bem como o art.286.º e 289.º do C. Civil, uma vez que o contrato deveria ter sidojulgado perfeitamente válido e eficaz.

10- Baseando-se a condenação da 1.ª Ré unicamente na declaração de nulidade de contrato de mediação imobiliária, manifesto é que, não procedendo tal interpretação jurídica, a decisão não poderá ser outra senão a da sua absolvição do montante em que veio a ser condenada.

11 – Na douta sentença recorrida não se apreciou a questão da eventual responsabilidade civil da 1.ª R. de natureza contratual ou extra-contratual.

12 – Porém, entende a 1.ª Ré Recorrente que, ainda que a apreciação jurídica de tal tema tivesse sido realizada, também o resultado nunca poderia ser condenatório, por um lado porque não estabeleceu qualquer relação de natureza contratual com os AA que pudesse ter sido violada, e por outro lado porque não se verificaram os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extra-contratual.

13 - A. resolução do contrato promessa por parte dos promitentes compradores carece de fundamento legal, não se baseando na impossibilidade de cumprimento, nem em perda objectiva do interesse na realização do negócio por parte destes, tal como não se baseia no estabelecimento de um prazo razoável de cumprimento.

14.- A perda de interesse invocada pelos AA. e vertida na douta sentença recorrida assume caracter totalmente subjectivo, sendo que, na economia própria do negócio aqui em questão, o prazo fixado para cumprimento não foi razoável, dado o conhecimento de que o negócio se poderia ter realizado sem qualquer problema caso tivesse sido concedida uma pequena dilatação do mesmo

15 – Ao contrário do que é sustentado na douta sentença recorrida, o prazo fixado no contrato promessa não tem a natureza duma condição resolutiva, mas antes uma condição de termo, pelo que o seu não cumprimento apenas acarretaria a mora do devedor, não dispensando os AA. de alegarem e provarem os fundamentos objectivos que levaram à transformação da mora em incumprimento definitivo, o que não resultou dos autos.

16 – Ao decidir diversamente, reconhecendo a legalidade da resolução do contrato promessa e dela extraindo as consequências que extraiu, violou a douta decisão ora recorrida o disposto nos arts. 442.º e 808.º/1 e 2 do C. Civil.

17 – Por tudo o exposto, deve ser declarada nula a decisão recorrida, à luz do disposto no art. 615.º/1/d) e e) do CPC, por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório ou, quando assim se não entenda, ser substituída por outra que, por todos os motivos supra invocados, absolva a 1.R. do pedido.

Os AA. responderam, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O douto Tribunal a quo esteve bem na interpretação da prova produzida, não podendo ser dada outra decisão que a da condenação dos Réus, nos termos da sentença supra descrita.

2. A sentença não é nula, estribando-se na estrita legalidade.

3. O contrato de mediação mobiliário é nulo, pois o objecto matricial do contrato de mediação não se encontrava devidamente identificado, designadamente por referência às características do imóvel, sejam físicas (área, confrontações, considerando que em 20 de Junho de 2012 o prédio ainda não tinha sido objecto das correcções de áreas, confrontações, requeridas em 10-10-2012 e deferidas em 22-11-2013), sejam sobretudo jurídicas (quanto à identificação de todos os titulares daquela propriedade em comum – compropriedade – cfr. art. 1403º, do CC),

4. Não se considera cumprido o disposto no nº1, al. a) do art. 19º do diploma legal citado.

5. De igual forma, também não se poderá considerar integralmente cumprido o disposto na al. b), do nº1 da referida previsão legal, já que, embora conste assinalado que o negócio a efectuar será de “compra”, face à própria natureza do objecto material do bem a vender versus respectiva legitimidade para a sua administração, disposição e oneração da “quota”, e consequentemente da própria legitimidade da outorga, à data, de contratos a ele respeitantes -1405º, nº1, 1407º e 985º e 1408º todos do CC.

6. Revertendo à factualidade apurada, tendo a 1ª ré violado o disposto nas als. a), e b) do nº1, do art. 19º do DL nº211/2004, de 20 de Agosto, o contrato de mediação imobiliária celebrado é nulo por força do nº8 deste preceito legal, o que implica a restituição da “comissão” recebida ex vi art. 289º do Cód. Civil e visto o disposto no art. 22º, nº2 e 4 do mencionado diploma legal.

7. A matéria dada como provada e não provada, não foi posta em crise com o presente recurso.

8. Na realidade a recorrente elaborou o contrato promessa, decidiu qual o prazo necessário para proceder à divisão do terreno, bem como as diligências necessários para o fazer.

9. .No final do prazo inserto no contrato inicial, a recorrente elaborou uma adenda com uma extensão de prazo, que segundo a mesma seria o necessário para terminar o processo.

10. Provou-se também, e com os documentos junto pela própria recorrente, em sede de audiência de discussão e julgamento, que apenas por inércia sua ou negligência o processo apenas deu entrada no Julgado de paz de Miranda do Corvo após recebimento, por parte dos segundos Réus da carta dos AA a solicitar a entrega dos documentos necessários para a elaboração da escritura de compra e venda.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto:

A) Factos Provados:

1. Os autores através da 1ª ré “ C... , LDA”, tiveram conhecimento de um imóvel pertencente aos 2ºs réus, sito em (...) , (...) , concelho de Miranda do Corvo, que se encontrava para venda.

2. Por intermédio da mediadora referida em 1), a 19 de Julho de 2012, autores e 2ºs réus subscreveram o documento particular intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia se encontra a fls. 15 a 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual:

“ (…)

É reciprocamente ajustado e celebrado o presente contrato-promessa de compra e venda, adiante abreviadamente designado de contrato, que se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:

1 Objecto

1.1 – O 1.º contraente é proprietário e possuidor de ½ do prédio rústico composto por terreno e pinhal, inscrito na matriz predial sob o artigo 9694, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o nº 11.549, com a área de 1408 m2, sito em (...) - (...) , a confrontar do norte com X... , sul com Y... , nascente com a Z... e do poente com W... , de ora em diante abreviadamente designado por prédio rústico.

1.2 – O prédio rústico será vendido quando se proceder a criação de novo artigo e este estiver como urbano.

2 – Preço

2.1 O preço da compra e venda do prédio rústico objecto do presente contrato é de € 23.000,00,

2.2 O preço será pago nas seguintes condições:

a) O valor de € 10.000,00 a título de princípio de pagamento do preço (…)

b) O valor de € 13.000,00 será pago no acto da escritura pública (…)”

3. Os AA. entregaram aos RR. a título de sinal e princípio de pagamento o valor de € 10.000,00.

4. Deste valor, € 5.000,00 foram entregues à 1ª ré como comissão pela intermediação da venda (cfr. documento junto a fls. de 62, datado de 20-07-2012 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5. A escritura de compra e venda seria celebrada no prazo de 90 dias a contar da data do referido contrato promessa de compra e venda (cfr. cláusula 3.1).

6. Por intermédio da mediadora referida em 1), a 18 de Outubro de 2012, autores e 2ºs réus subscreveram o documento particular denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda” cuja cópia se encontra a fls. 19 e 21 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual autores e 2ºs réus acordaram que a escritura pública de compra e venda fosse outorgada dentro do prazo de 90 dias a contar da data desse aditamento (cfr. nova redacção da cláusula 3.1.)

7. Convencionaram ainda as partes que:

a. “Em caso de incumprimento do contrato, a parte não faltosa notificaria desse facto a contraparte, por escrito e com indicação expressa e fundamentada do motivo, para que, no prazo de 15 dias ou justificado prazo menor, a parte faltosa sane a situação de incumprimento. Não sendo integralmente sanado o incumprimento nesse prazo, considerar-se-á que existe incumprimento definitivo do contrato (cláusula 5.1.).

b. “Verificando-se não cumprimento definitivo do presente contrato por culpa do segundo contraente, o primeiro contraente teria direito a promover a execução específica do contrato ou, em alternativa, a resolver o contrato. Optando pela resolução do contrato, o primeiro contraente terá direito a fazer sua a quantia recebida a título de antecipação de preço em dobro (cláusula 5.3.)”.

8. No dia 21 de Janeiro de 2013, os autores remeteram a carta registada com aviso de recepção aos 2ºs réus, que se encontra junta a fls. 20 e 22, com o seguinte teor “De acordo com as cláusulas 5.1. do contrato promessa de compra e venda celebrado em 19 de Julho de 2012 e 3.1. da adenda assinada em 18 de Outubro de 2012, que se anexa à presente carta, V. Ex.ªas não procederam à entrega dos documentos necessários para a marcação da escritura de compra e venda em tempo útil, ou seja, no máximo até ao dia 18 de Janeiro do presente ano de 2013. Assim, e também de acordo com a supra referida cláusula 5.1., devem no prazo de 15 dias, entregar os referidos documentos, sob pena de considerar o presente contrato definitivamente resolvido.”

9. A esta missiva responderam os 2ºs réus através da carta datada de 30 de Janeiro de 2013, incorporada nos autos a fls. 86, com o seguinte teor “Vimos…solicitar a melhor compreensão para a situação referente ao contrato promessa de compra e venda, celebrado em 19 de Julho de 2012 e que, por via de vários procedimentos burocráticos necessários, ainda não foi possível concluir com sucesso. Contudo, não é, de todo, nossa intenção não cumprir o acordado. Todas as medidas necessárias à conclusão deste processo estão a ser tomadas o mais rapidamente possível, tendo o culminar de todas as medidas dado entrada no Julgado de Paz de Miranda do Corvo, com resolução final marcada para 27 de Fevereiro.

Solicitamos assim a melhor compreensão e reforçamos a nossa intenção de concretizar o negócio acordado”.

10. No dia 05 de Fevereiro de 2013, os autores remeteram a carta registada com aviso de recepção aos 2ºs réus, que se encontra junta a fls. 25 e 26, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e da qual consta, designadamente o seguinte: “…Lamento informar, mas dado que V. Ex.ªas não apresentaram os documentos necessários para a outorga da escritura no prazo indicado no contrato-promessa e adenda, consideramos definitivamente resolvido o contrato promessa. (…) Durante mais de seis meses não nos forneceram qualquer informação concreta sobre o andamento do processo e quais os eventuais atrasos. Pelo que, lamentavelmente, não podemos aceitar esperar mais 3 semanas por uma decisão que nem sequer sabemos se será favorável. Assim, e para resolver este assunto definitivamente e sem mais custos para ambas as parte, concordo que nos seja entregue o sinal em singelo apenas acrescido do valor de € 2.500,00, ou seja, no total de € 12.500,00, no prazo de 8 dias após a recepção desta carta. (…).

11. Os autores tiveram conhecimento de que o imóvel em causa se encontrava para venda através da “ C... , Lda”, que lhes garantiu que o prédio era passível de legalização e próprio para os fins a que o mesmo se destinava – construção da casa de morada de família dos autores – e dentro dos prazos convencionados nos documentos escritos denominados “contrato promessa” e respectivo “aditamento”, mencionados em 2) e 6), respectivamente.

12. Todas as negociações e dúvidas (designadamente, prazos para a formalização do contrato definitivo, preço, forma de pagamento) foram realizadas e esclarecidas por funcionários da 1ª ré, tendo os autores só conhecido os 2ºs réus já após a declaração de resolução do contrato inserida na carta mencionada em 10), no escritório da mandatária destes.

13. A 1ª ré sempre evitou o contacto directo entre promitentes-compradores e vendedores antes de estar formalizado o contrato promessa e de se encontrar paga da sua comissão.

14. Era do conhecimento da 1ª ré que o único propósito que levou os autores a negociar o prédio era a construção de uma casa para residirem com a família, tendo aquela, através dos seus funcionários, garantido a possibilidade da legalização do prédio nos prazos previstos no contrato promessa e respectivo aditamento.

15. O processo nº9/13-JP.MCV do Julgado de Paz de Miranda do Corvo, tendo em vista autonomizar uma parcela de terreno com a área de 1.408m2 do prédio rústico melhor identificado em 2), deu entrada naquele Julgado em 29/01/2013.

16. Sobre tal pretensão veio a recair a sentença desse Julgado proferida em 20 de Março de 2013, transitada em 16 de Abril de 2013, que foi junta a fls. 56 a 62 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

17. Encontra-se inscrita na caderneta predial rústica, da freguesia e concelho de Miranda do Corvo apenas desde 30-05-2013 a propriedade plena do prédio correspondente ao artigo 9694, sito em (...) , (...) , com a área de 1.408m2, em nome do 2º réu marido D... (cfr. doc. fls. 122 que aqui se dá por reproduzido).

18. Pela apresentação nº 2260 de 2013/01/15, foi registada a aquisição do prédio rústico melhor identificado no facto provado nº2, na proporção de metade, a favor dos 2ºs réus - D... casado com a ré E... no regime de comunhão de adquiridos-, na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o nº11549, tendo como causa de aquisição “doação”; sendo que o registo da aquisição da outra metade por sucessão hereditária se encontrava registada desde 15-06-2001 a favor de G... casada com F... , no regime da comunhão geral através da ap. 4 de 2001/06/15.

19. Pela apresentação nº 1192 de 2013/06/26 foi registada a decisão judicial dos Julgado de Paz de Miranda do Corvo que reconheceu que D... casado Com E... como “donos e legítimos proprietários deste prédio, autónomo e distinto, por via da usucapião, após a desanexação do prédio 15319/20130626, cessando a compropriedade” dos outros demandantes F... casado com G... .

20. Nessa sequência foi lavrado, em 04-07-2013, o seguinte averbamento oficioso por referência à apresentação 2260 de 2013/01/15, mencionada em 18): “esta aquisição passa a incidir sobre a totalidade deste prédio, após a desanexação do prédio 15319/20130626”.

21. O prédio actualmente ainda se encontra rústico.

22. A 1ª ré C... , LDA, é uma sociedade comercial credenciada, que se dedica à intermediação ou locação de imóveis.

23. No âmbito da sua actividade, a 1ª ré, na qualidade de primeira outorgante e os 2ºs réus D... e E... , na qualidade de segundos outorgantes, assinaram no dia 20/06/2012 o escrito denominado de “contrato de mediação imobiliária”, que consta a fls. 73 e 74 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24. No escrito mencionado no facto anterior consta, designadamente, que:

a. “o(s) segundo(s) outorgante(s) é(são) proprietário e legítimo(s) possuidor(es), do prédio rústico, sito em (...) (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo, sob a ficha nº (…) e inscrito na Matriz Predial Rústica com o artigo 9694, da freguesia de Miranda do Corvo (cláusula 1ª) – sublinhado nosso;

b. “A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de €32.500,00, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e característicos dos respectivos imóveis (cláusula 2.1.)

c. “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art. 18º do DL nº211/2004 de 20/08 (cláusula 5.1.);

d. Os segundos outorgantes obrigam-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, sendo o seu valor mínimo (…) – (cláusula 5.2.);

e. O pagamento da remuneração será efectuado aquando da celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda (cláusula 5.3.);

f. “No âmbito do presente contrato, a Mediadora, na qualidade de mandatária sem representação, obriga-se a prestar os serviços conducentes à obtenção da documentação necessária à concretização do negócio visado pela mediação”; “A remuneração pelos serviços referidos no número anterior considera-se concluída no montante acordado na cláusula 5ª e só será devida nos termos aí descritos”; “Sem prejuízo do disposto no nº2, a mediadora mantém, sempre, o direito ao reembolso das despesas efectuadas com obtenção de documentação” (cláusula 6º).

25. No âmbito da sua actividade e do contrato de mediação mencionado no facto provado nº 22), a 1.ª Ré:

a. publicitou o prédio rústico, composto por terra e pinhal sito no lugar dos (...) – (...) – Miranda do Corvo, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9694 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o artigo 11549;

b. encaminhou o desenrolar de todo o procedimento entre os contraentes – autores e os segundos réus - que culminou com a outorga da assinatura do documento denominado “contrato-promessa de compra e venda” e sua “adenda”.

c. e obrigou-se a proceder a todas as diligências no sentido de tornar o prédio urbano.

26. A 1ª ré “ C... ” mediou um prédio que bem sabia não corresponder a todas as características/qualidades mencionadas no contrato intitulado de “mediação imobiliária” assinado em 20 de Julho de 2012 (que à data fosse propriedade plena dos 2ºs réus e que tivesse o artigo 9694 a área de 1408 m2).

*

B) Factos não Provados:

Não se provou:

1) Que fosse aos promitentes vendedores que coubesse por diligenciar no sentido de legalizar o prédio objecto do contrato referido em 1) dos factos provados.

2) Que a 1ª ré “Já - Era” tivesse proporcionado aos seus clientes vendedores (2ºs réus) todo o apoio que lhe fosse possível no sentido de permitir a verificação da condição constante na cláusula do contrato denominado “contrato promessa” melhor identificada em 4) dos factos provados (cláusula 1.2).

3) Que no momento da publicitação do prédio pela 1ª ré as informações existentes fossem no sentido de o prédio pudesse ser transformado em prédio autónomo urbano no(s) prazo(s) acordado(s) no escrito mencionado no facto provado nº 2).

4) Que os promitentes vendedores e aqui 2ºs réus, no espaço temporal que mediou entre o primeiro prazo para a celebração da escritura de compra e venda e o segundo prazo estipulado no aditamento ao referido contrato, respectivamente 19/07/2012 e 18/10/2012 e até à data da entrada da acção em juízo (Nov. 2013), não tivessem demonstrado que não tivessem sido feitas diligências tendo em vista a “legalização” do prédio.

*

III – Fundamentação de Direito

Pretendiam os AA., com a presente acção, que os 2.º RR. lhes “restituíssem” em dobro o sinal que os AA. lhes entregaram no âmbito e em execução dum contrato-promessa de compra e venda (em que são, respectivamente, promitentes compradores e promitentes vendedores); contrato-promessa que foi mediado pela 1.ª R. (sendo os clientes os 2.º RR.) e em que, segundo os AA., a 1.ª R teve uma actuação em violação dos deveres que a lei lhe impõe e que lhes causou danos equivalentes ao sinal pago aos 2.º RR.

E dissemos “pretendiam” (e não “pretendem”) por uma parte significativa de tais pretensões estar já “arrumada” contra os AA..

Em termos práticos e como consta do relatório inicial:

Pediram os AA. que os 2.º RR. fossem condenados a restituir-lhes € 20.000,00; e que a 1.ª R. fosse com os 2.º RR. condenada solidariamente até ao montante de € 10.000,00.

Tendo-lhes a sentença recorrida concedido € 10.000,00, sendo € 5.000,00 a pagar pelos 2.º RR. e outros € 5.000,00 a pagar pela 1.ª R., sem qualquer solidariedade.

Assim, tendo apenas a 1.ª R. apelado, está em definitivo “arrumada/consolidada” a absolvição dos 2.º RR em € 15.000,00 e a absolvição da 1.ª R. em € 5.000,00 (os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso – cfr. 635.º/5 do CPC).

E começamos por sublinhar esta evidência por a 1.ª/R apelante suscitar praticamente todas as questões que os autos colocam e julgadas na sentença recorrida e por a apreciação que aqui teremos que fazer delas – sendo diferente do julgamento da sentença recorrida – se não poder repercutir sobre as “absolvições” que foram proferidas (e que transitaram em julgado) em relação a todos os RR..

Efectivamente e com todo o respeito, não concordamos com a generalidade das conclusões jurídicas que na sentença recorrida foram sendo exposta e extraídas.

Estamos a referir-nos à qualificação da cláusula 1.2 do contrato promessa como uma condição resolutiva expressa, à resolução do contrato-promessa com base em tal condição resolutiva expressa, à apreciação efectuada sobre a culpa dos 2.º RR., à nulidade (e respectiva declaração/apreciação) do contrato de mediação imobiliária e, finalmente, à “confusão” invocada/operada com base no art. 868.º do C. Civil (enfim, a tudo o que, em termos conclusivos, se foi expondo e extraindo na sentença recorrida).

Expliquemo-nos:

Tudo começa no modo como foi interpretada/qualificada a cláusula 1.2 do contrato promessa.

Escreveu-se, a tal propósito, na sentença recorrida:

“No caso em apreço, não restam dúvidas que as partes celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda de “metade de um prédio rústico, com a área de 1408 m2”, e que pretenderam que o contrato prometido (compra e venda) tivesse lugar até meados de Janeiro de 2013, devendo para tanto, nessa data, estar tal metade indivisa de prédio rústico autonomizada em parcela urbana/prédio urbano (…) ”

“O que decorre inequivocamente do teor literal das cláusulas transcritas é que os autores e os réus quiseram condicionar os efeitos do contrato-promessa acordado entre eles, designadamente a celebração do contrato prometido em cumprimento das obrigações decorrentes daquele, entre o mais, à criação de novo artigo ou prédio autónomo (o que implicada a divisão judicial do prédio rústico (metade indivisa) (…) ”

“Tal cláusula consubstancia uma condição ou cláusula condicional (…)”.

“No caso dos autos, para os autores era-lhes essencial que a parcela prometida fosse autonomizada e transformada num artigo urbano autónoma até 17 de Janeiro de 2013 (considerando até o objectivo da aquisição do imóvel, construção urbana). Facto este que, à data da celebração do contrato-promessa, era futuro e incerto. Para superarem a incerteza decorrente da criação ou não de um novo artigo (leia-se prédio autónomo) e da sua conversão em urbano até à data referida, autores e réus atribuíram à não verificação de tal condição o efeito de extinguir o contrato, com a resolução do contrato em virtude de não ter sido sanada pela parte faltosa a situação de incumprimento no prazo previsto na cláusula 5.1., com restituição em dobro do sinal entregue.

Pelo que, não há dúvidas que a cláusula 1.2. do contrato-promessa, em conjugação com as cláusulas 5.1 e 5.3, é efectivamente uma cláusula condicional e, de entre as duas modalidades previstas no artigo 270º do CC, uma condição resolutiva (expressa).”

Não concordamos, com todo o respeito.

Propositadamente, procedemos, no relatório inicial, a sucessivas transcrições do alegado pelas partes nos articulados; para dar nota que esta ideia – de considerar como uma “condição” a criação de um artigo urbano proveniente de 1/2 do artigo rústico – vem das partes (dos AA. e da 1.ª R.).

Também propositadamente, em vez de reproduzirmos no facto 2 deste acórdão o que consta do facto 2 da sentença recorrida, reproduzimos no facto 2 deste acórdão o que efectiva e realmente consta do contrato-promessa.

E começando pela conclusão, a cláusula 1.2 do contrato promessa limita-se, a nosso ver, tão só a definir (a concorrer para a definição) o objecto do contrato; como aliás, e bem, consta da epígrafe da cláusula 1, que é: “objecto”.

Num negócio jurídico podem/devem distinguir-se o “objecto” e o “conteúdo”; sendo o “conteúdo” formado pelo conjunto das cláusulas negociais, cláusulas que, do ponto de vista substancial, são a própria auto-regulação dos interesses dos contraentes; e sendo o “objecto” os próprios bens que são atingidos pela auto-regulação de interesses (sendo em relação a este que se coloca a questão da nulidade por o objecto ser física ou legalmente impossível – cfr. 280.º do C. Civil).

É assim que, a propósito do “conteúdo” dos negócios jurídicos, há, via de regra, cláusulas ou estipulações resultantes da liberdade de estipulação das partes, cláusulas que estão além da construção do tipo negocial em causa, que são designadas de “acessórias”, que são infinitamente variáveis, mas de que o legislador, para facilitar, regulou as mais frequentes, como é o caso da condição[3]; que é a cláusula acessória pela qual as partes subordinam a eficácia dos seus negócios a um acontecimento futuro e incerto.

É pois da essência da condição que as partes tomem o evento (a que subordinaram a eficácia do negócio) como incerto na sua verificação.

Incerteza que, chama-se a atenção, “não baterá certo” com todas as considerações feitas (das mais variadas formas) nos autos e na sentença recorrida quanto a ter sido garantido aos AA. que o prédio era legalizável como urbano e dentro dos prazos convencionados (cfr. facto11).

Mais, com todo o respeito, não se está sequer a ver, no plano da normalidade da vida, um promitente comprador (no caso, os AA.) estar disposto a entregar ao promitente vendedor quase 45% do preço por algo que ele próprio reputa e aceita como incerto na sua verificação.

Fora de toda a dúvida, perdoe-se-nos a peremptoriedade, a criação de um artigo urbano proveniente de 1/2 do artigo rústico foi algo que na economia do contrato todas as partes reputaram como certo; como algo futuro, é verdade, mas certo![4]

A “certeza” e o “futuro” são, aliás, o denominador comum da cláusula transcrita no ponto 2 dos factos provados.

Assim, o que, por interpretação, se extrai da cláusula 1.1 e 1.2 (transcritas no ponto 2 dos factos provados) é que o contrato tem por objecto um bem futuro, mais exactamente, um prédio urbano juridicamente não existente no momento da outorga do contrato de promessa e que há/havia de resultar da autonomização e desmembramento do prédio rústico identificado e da sua posterior conversão em urbano.

Fora de toda a dúvida, os AA. não prometeram comprar nenhum prédio rústico; o que eles quiseram, o que eles prometeram comprar, foi o prédio urbano que havia de ser criado.

E a circunstância do bem “objecto” do contrato ser um bem juridicamente inexistente à época da sua outorga, não fere o contrato com o vício da nulidade (art. 280.º e 401.º/1 do C. Civil), uma vez que foi como “bem futuro” que o negócio e respectivas obrigações foram assumidas (cfr. art. 401.º/2 e 880.º/1 do C. Civil).

É justamente nesta linha de raciocínio – exercendo força coerciva para a obtenção da existência jurídica do bem prometido – que devem ser entendidas as cláusulas constantes do ponto 7 dos factos e a prorrogação do prazo constante do ponto 6 dos factos.

Aliás, sempre com todo respeito, a tese da “condição”, levada às últimas consequências – sujeita a uma espécie de “choque com a realidade” – conduz a um “beco sem saída” e/ou a uma construção jurídica bastante “arrevesada”.

Sendo a cláusula 1.2 (e a criação do artigo urbano) uma condição, então o objecto do contrato seria a metade do prédio rústico, pelo que, “verificada a condição”, deixava de existir o bem prometido; como ninguém duvidará, o “non sense” da conclusão é revelador de que há algo não estará bem.

Colocámos entre aspas a expressão verificada a condição, porque a construção da condição tinha que ser como condição resolutiva, o que significava que a condição (a verificação da condição) era a não criação do artigo urbano; seria a não criação do artigo urbano que resolveria/destruiria os efeitos do contrato-promessa de compra e venda[5].

Enfim, as razões são já suficientes para, repetindo a conclusão, afirmar que o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre AA. e 2.º RR. tem por objecto um bem futuro, um prédio urbano que há/havia de resultar da autonomização e posterior conversão em urbano de metade do prédio rústico no mesmo identificado; não encerrando/contendo uma qualquer condição resolutiva expressa.

Em consequência, tal contrato-promessa de compra e venda não se resolveu pelo funcionamento/verificação duma qualquer condição resolutiva expressa.

O que não significa que não haja sido e não esteja resolvido.

Efectivamente, do nosso ponto de vista, resolveu-se – ponto em que não concordamos com o sustentado na alegação da 1.ª R/recorrente – pelo funcionamento das declarações reproduzidas no ponto 8 e 10 dos factos provados.

Além da resolução fundada na lei, admite o art. 432.º/1 do C. Civil a resolução fundada em convenção; isto é, admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação).

Convenção/estipulação contratual (a que se dá o nome de cláusula resolutiva expressa) que a nosso ver não consta, validamente, entre as estipulações do contrato celebrado entre AA. e 2.º RR..

Efectivamente, não vale como válida cláusula resolutiva expressa uma cláusula de conteúdo meramente genérico, referindo-se e concedendo a resolução em relação ao não cumprimento de todas e quaisquer obrigações contratuais[6]; para uma tal cláusula ser válida tem de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo cumprimento dá direito à resolução, identificando-as.

Por outras palavras, em face da razão de ser e da função da cláusula resolutiva, exige-se que os contraentes valorem, no momento em que estipulam tal cláusula, as concretas obrigações e modalidades de incumprimento que conferem o direito de resolução; quando a cláusula se limita a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará duma cláusula de estilo, mero “rappel” do regime jurídico da chamada condição resolutiva tácita, já que não houve uma prévia vontade contratual em que real e efectivamente valorassem especificamente a gravidade da inadimplência.

É justamente o caso da cláusula contratual transcrita no ponto 7 dos factos provados; que, na parte em que alude à resolução, não passa senão duma “cláusula de estilo”.

O que não significa que os AA. – julgando até que estavam a dar execução e a mover-se no âmbito duma cláusula resolutiva expressa – não hajam resolvido o contrato com fundamento na lei (resolução legal).

Os contratos, é sabido, devem ser pontualmente cumpridos (406º do CC), pelo que, quando assim não acontece, quando ocorre um qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa negocial antes estipulado, verifica-se um “inadimplemento”.

E é justamente nesse momento, para responder às “crises de cumprimento” ocorridas na fase executiva do contrato, que a questão da resolução legal se coloca.

Não para conferir o direito de resolução legal a todo e qualquer inadimplemento; mas apenas nos casos em que a violação e/ou desvio do programa negocial assumem determinada importância e gravidade, a ponto de fazerem justificar o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual (cfr. resulta, v. g., arts 793º/2, 801º/ 2, 802º/1, 808º, todos do CC).

Direito de resolução legal que, assim configurado, se apresenta como o “poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude de circunstâncias (subjectivas ou objectivas) posteriores à sua conclusão e frustrantes do interesse de execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre prestações[7]; como um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, o mesmo é dizer, dependente de um inadimplemento grave.

Inadimplemento grave, cuja definição, em primeira linha, pertence ao credor, a quem compete a sua invocação.

Visando por norma o credor conseguir, com o cumprimento exacto e pontual da obrigação, quer uma finalidade de uso quer uma finalidade de troca, deverá em princípio ser considerada grave toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de a aplicar ao uso especial que tinha em vista.

Regra geral, o fim-motivo visado pelo credor fica fora e não faz parte integrante do conteúdo da obrigação (fica no limbo dos simples motivos juridicamente irrelevantes), porém, embora o fim-motivo seja irrelevante no quadro da fase estipulativa, tal não significa que não possa tornar-se relevante na fase executiva do negócio.

Bem ao invés, é justamente através da resolução legal que, em certos casos, tais “fins-motivos”, tais interesses do credor que não entraram a fazer parte do conteúdo do contrato e da obrigação do devedor, se tornam relevantes.

“Fins-motivos”/interesses do credor (susceptíveis de relevar em termo de resolução) que serão sempre determinados e perspectivados objectivamente; objectividade que significa que o interesse afectado pelo incumprimento há-de ser apreciado por qualquer outra pessoa (designadamente pelo juiz) e não segundo o bel-prazer, o capricho ou o juízo arbitrário do credor.

É justamente tal situação, de relevância do fim-motivo negocial, para efeito de desvinculação unilateral do contrato, que se encontra prevista no art. 808º/1/1ª parte, do CC, quando se diz que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação sempre que, em consequência de mora, o credor perder o interesse na obrigação.

Para além desta situação em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há ainda que ter em conta as situações em que tal não acontece, mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento, em que não seria justo manter o credor indefinidamente vinculado ao contrato (inibindo-o designadamente de fazer uma compra de cobertura), situações para que a lei prevê (art. 808º/1/2ª parte, do CC) a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio[8].

Trata-se (esta última hipótese) de um remédio concedido por lei ao credor para os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial e em que ele não possa alegar, de modo objectivamente fundado, perda do interesse na prestação por efeito da mora.

É justamente por tudo isto que é usual a afirmação de que só o incumprimento definitivo atribui o direito legal de resolução; o que acontece quando o devedor declara expressamente, de modo claro e inequívoco, que não pretende cumprir a prestação a que está adstrito, ou quando o credor perdeu objectivamente interesse na prestação ou, ainda, quando decorreu o prazo suplementar (admonitório) de cumprimento estabelecido pelo accipiens.

Ora, é o ponto, em face do que se provou, é de todo evidente que não se verifica a primeira hipótese, na medida em que os AA. nada alegaram, em termos objectivos, quando à perda do seu interesse; porém, o que consta dos factos 8 e 10, concatenado com o prazo inicialmente estabelecido para a celebração da escritura e posterior prorrogação (factos 5 e 6), preenche a 2.ª hipótese, ou seja, estando os 2.º RR. em mora, os AA. fixaram um prazo suplementar (admonitório) razoável de cumprimento aos 2.º RR. e, decorrido este, sem o cumprimento, resolveram o contrato[9].

É que, importa não esquecer, a culpa não é um pressuposto essencial do direito de resolução[10]; não é absolutamente essencial[11], para efeitos de resolução, proceder a um juízo de responsabilidade, bastando um juízo de inadimplemento; ou, dito ainda doutro modo, a resolução não tem o carácter duma sanção dirigida contra o inadimplente, tendo, antes, o carácter dum remédio ou expediente facultado ao contraente adimplente.

Mas era exactamente esta a situação – de inadimplemento por parte dos 2.º RR. – quando, em 21/01/2013, os AA. lhes fizeram a interpelação admonitória (que o facto 8 retrata), concedendo-lhes 15 dias para lhes entregarem os documentos necessários à marcação da escritura, “sob pena de considerarem o contrato definitivamente resolvido”.

O contrato-promessa foi outorgado em 19/07/2012, estando nele previsto que a escritura definitiva seria realizada no prazo de 90 dias, isto é, até ao dia 17/10/2012; entretanto, em “aditamento” (ver ponto 6 dos factos), acordaram prorrogar o prazo em mais 90 dias, o qual havia terminava em 16/01/2013; por conseguinte, quando, em 21/01/2013, os AA. fizeram a interpelação admonitória (que o facto 8 retrata), estavam os 2.º RR. em mora e, ao ser-lhes concedida uma nova e última “prorrogação” de 15 dias, não se pode dizer que o prazo não fosse razoável.

Tendo sido acordado, inicialmente, um prazo de 90 dias e tendo, depois, por acordo, tal prazo sido “duplicado”, é legítimo e razoável que o credor (no caso, os AA. e promitentes compradores) não queira continuar a esperar muito mais tempo e que não pretenda conceder novas e sucessivas “duplicações” do prazo inicial.

Repetindo, na resolução não está necessariamente em causa um juízo de censura (de culpa) sobre o comportamento do contraente contra o qual é declarada a resolução; apenas está em causa saber se o mesmo estava em mora e (na hipótese do art. 808.º que estamos a analisar) se lhe foi concedido um último, definitivo e razoável prazo para cumprir.

Com o contrato-promessa (com qualquer contrato) as partes vinculam-se mutuamente ao cumprimento dum determinado programa contratual; se uma delas está em falta/falha, é inteiramente compreensível e legítimo que, então, sendo assim, se o programa não é para cumprir pontualmente, a outra parte diga que não quer continuar vinculada[12]

Foi exactamente isto que aconteceu; o contrato-promessa de compra e venda ficou resolvido pelo funcionamento eficaz das declarações reproduzidas no ponto 8 e 10 dos factos provados.

Tanto mais que a declaração resolutiva – a manifestação unilateral de vontade – foi inequívoca, irrevogável, incondicional e fundamentada (como se pode ver da carta junta a fls. 20 e 22, esta foi suficientemente fundamentada).

Concluindo pois neste ponto, a resolução foi fundada e fez cessar – uma vez que exprime, da parte dos AA., uma clara e inequívoca vontade de se desvincular do contrato – o contrato entre as partes[13], abrindo o caminho à via indemnizatória (801.º/1 e 442.º/2 do C. Civil).

E é aqui, na indemnização, que tem o seu melhor assento a “culpa”; a questão de saber se os 2.º RR. tiveram culpa no inadimplemento que motivou a resolução.

E começando mais uma vez pela conclusão, não conseguimos, em face dos factos provados, deixar de lhe responder afirmativamente.

É verdade que todos os contactos/dúvidas e negociações foram efectuados entre os AA. e a 1.ª R., que esta garantiu que os prazos estabelecidos no contrato seriam cumpridos e que, no âmbito do contrato de mediação, se comprometeu/obrigou à obtenção da documentação necessária à formalização do negócio, porém, nada disto, por si só, isenta os 2.º RR. de culpa e/ou ilide a presunção de culpa estabelecida no art.799.º/1 do C. Civil.

O que quer que tenha sido estabelecido no âmbito do contrato de mediação (entre a 1.ª R e os 2.º RR.) vale e vincula no estrito âmbito de tais “relações internas”; pode servir para os 2.º RR responsabilizarem (em via de regresso) a 1.ª R., mas não serve para os 2.º RR. se desresponsabilizarem/desvincularem perante a sua contraparte (os promitentes compradores e aqui AA.).

Tanto mais que não está sequer provado que os AA. soubessem e “concordassem” que só a 1.ª R. estava obrigada à obtenção da documentação necessária à formalização do negócio[14].

Enfim, o que está provado não impede que se afirme que, sendo o “objecto” do contrato-promessa um bem futuro, estavam os promitentes vendedores (os 2.º RR.) obrigados a exercer as diligências necessárias (cfr. art. 880.º/1 do C. Civil) à existência jurídica – à criação do prédio urbano – do bem prometido; não estavam, é certo, adstritos a uma obrigação de resultado, mas a desenvolver uma (obrigação de meios) actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (criação jurídica do prédio urbano), sem ter que assegurar que o mesmo se produzisse; pertencendo-lhes, naturalmente, como devedores, o ónus da prova de tal diligência.

É justamente este ónus que os factos não revelam.

Os 90 dias iniciais podiam ser um prazo demasiado reduzido para as diligências necessárias com vista à existência jurídica – à criação do prédio urbano – do bem prometido chegarem a bom termo; os 2.º RR. podiam estar errada e desculpavelmente convencidos que tal prazo era suficiente; inclusivamente, pode ter sido por razões alheias à sua vontade que a sua inquestionável diligência não foi coroada de êxito.

Sucede que tudo isto são hipótese saídas da nossa imaginação.

Com relevo para o ónus da prova da sua diligência, apenas o ponto 15 dos factos, em que se dá como provado que “o processo do Julgado de Paz de Miranda do Corvo, tendo em vista autonomizar uma parcela de terreno com a área de 1.408m2 do prédio rústico melhor identificado em 2), deu entrada naquele Julgado em 29/01/2013”, ou seja, a única prova da sua diligência diz respeito a um momento temporal em que não só já estava esgotado o prazo inicial e a prorrogação como, inclusivamente, o contrato já estava resolvido[15].

É pois verdadeiramente apodíctico afirmar que não provaram qualquer diligência tendo em vista a existência/criação jurídica do bem prometido no prazo contratual; não ilidindo a presunção de culpa estabelecida no art.799.º/1 do C. Civil.

Por conseguinte e encurtando razões, os AA., enquanto promitentes compradores, tinham, do nosso ponto de vista, o direito a haver dos 2.º RR., enquanto promitentes vendedores, o dobro do sinal que prestarem (ou seja, € 20.000,00), por o incumprimento ser a estes imputável (cfr. art. 442.º/2 do C, Civil).

Era este o pedido que havia sido formulado contra os 2.º RR., mas, como começámos por sublinhar, tendo eles sido condenado em apenas € 5.000,00 e não tendo os AA. recorrido, a “absolvição” nos restantes € 15.000,00 transitou em julgado.

E vimo-nos obrigados a tal reapreciação (sem repercussão no julgamento/absolvição dos 2.º RR.) por tal ser suscitado na apelação da 1.ª R e por ser o ponto de partida para a apreciação da sua posição jurídico-processual.

Estabelecido o ponto de partida – que o contrato-promessa foi bem resolvido e que aos AA. assiste/assistia o direito de exigir dos 2.º RR. o dobro do sinal (ou seja, € 20.000,00) – debrucemo-nos sobre a posição jurídico-processual da 1.ª R.

Relembrando o que já se disse no início, os AA. invocaram (como causa de pedir) contra a 1.ª R. que o contrato-promessa foi por ela mediado (sendo clientes os 2.º RR.) e que a mesma teve uma actuação em violação dos deveres que a lei da mediação lhe impõe, actuação que lhes (aos AA.) causou danos equivalentes ao sinal pago (€ 10.000,00 - pedido) aos 2.º RR..

Sendo estes a causa de pedir e o pedido invocados contra a 1.ª R., a sentença recorrida declarou nulo o contrato de mediação imobiliária e com base na “confusão” invocada/operada com base no art. 868.º do C. Civil condenou a 1.ª R. “no pagamento aos AA. do valor de € 5.000,00 equivalente à devolução do valor/remuneração por si recebida a título de “comissão” pela intermediação no contrato de mediação imobiliária (…)”

Com todo o respeito, as coisas não podem ser assim.

Não padece o contrato de mediação imobiliária da nulidade que se descortinou e declarou.

Tal nulidade não é de conhecimento oficioso.

Se fosse de conhecimento oficioso, as partes não podiam ser “surpreendidas” com a sua declaração na sentença.

Não tendo nunca a nulidade sido aflorada – quanto mais discutida – nos autos, não podia ser invocada a “doutrina” do Assento de 28/03/1995[16] para varar com o mais severo regime de invalidade o contrato de mediação celebrado.

Houve claro lapso na “confusão” operada.

Vejamos:

Escreveu-se a dado passo da sentença recorrida:

 “ (…) Da conjugação dos factos provados n.º 11) a 14) com os factos 23), 25) e 26), e ainda com os factos 17) a 20), constatamos que na data de assinatura do contrato de mediação (20-06-2012) os 2.º s réus não eram os únicos proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico inscrito na Matriz Predial Rústica com o artigo 9694, da freguesia de Miranda do Corvo (cfr. cláusula 1º do contrato mediação e facto provado constante na al. a), do art. 24º), por, nessa altura, o aludido prédio ainda não se encontrar fraccionado (cfr. sentença do Julgado de Paz proferida em 20-03-2013 e transitada em 16-04-2013), nem, aliás, a totalidade da propriedade de tal prédio se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo, em nome dos 2ºs réus, como aí se fez constar.

(…)

Nesta decorrência, o objecto matricial do contrato de mediação não se encontrava devidamente identificado, designadamente por referência às características do imóvel, sejam físicas (área, confrontações, considerando que em 20 de Junho de 2012 o prédio ainda não tinha sido objecto das correcções de áreas, confrontações, requeridas em 10-10-2012 e deferidas em 22-11-2013), sejam sobretudo jurídicas (quanto à identificação de todos os titulares daquela propriedade em comum – compropriedade – cfr. art. 1403º, do CC), pelo que não se poderá considerar cumprido o disposto no nº1, al. a) do art. 19º do diploma legal citado.

De igual forma, também não se poderá considerar integralmente cumprido o disposto na al. b), do nº1 da referida previsão legal, já que, embora conste assinalado que o negócio a efectuar será de “compra”, face à própria natureza do objecto material do bem a vender versus respectiva legitimidade para a sua administração, disposição e oneração da “quota”, e consequentemente da própria legitimidade da outorga, à data, de contratos a ele respeitantes -1405º, nº1, 1407º e 985º e 1408º todos do CC.

Revertendo à factualidade apurada, tendo a 1ª ré violado o disposto nas als. a), e b) do nº1, do art. 19º do DL nº211/2004, de 20 de Agosto, o contrato de mediação imobiliária celebrado é nulo por força do nº8 deste preceito legal, o que implica a restituição da “comissão” recebida ex vi art. 289º do Cód. Civil e visto o disposto no art. 22º, nº2 e 4 do mencionado diploma legal.

Destarte, temos que no caso em análise, se torna despiciendo apreciar agora se a actuação da 1º ré colidiu essencialmente com os deveres de informação, e em que moldes, uma vez que um vicio mais forte se impõe decretar e que prejudica a primeira apreciação.

Com efeito, a declaração de nulidade do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. (…)”

Em síntese, sustentou-se a nulidade do contrato de mediação imobiliária por no documento que formalizou o contrato (fls. 73 dos autos e ponto 24 dos factos), na “identificação do imóvel” (alínea a) do art. 19.º/2 do DL 211/2004[17]), não se mencionar que o prédio não era todo dos 2.º RR. e por, na “identificação do negócio” (alínea b) do art. 19.º/2 do DL 211/2004), se falar em “compra”.

Esta segunda censura, nem sequer se percebe; se alguém é dono de metade dum prédio e a quer vender, é inteiramente correcto dizer, como foi dito e consta do facto 24 b., que “a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra (…)”.

Quanto à primeira censura, tendo presente que a finalidade da alínea a) do art. 19.º/2 do DL 211/2004 é a “identificação do imóvel”, não podemos deixar de considerar que, tendo sido escrito (como consta do facto 24 a.) que o mesmo é o “prédio rústico, sito em (...) (...) , (…) inscrito na Matriz Predial Rústica com o artigo 9694, da freguesia de Miranda do Corvo”, a identificação ficou suficientemente feita; não terá sido completa e perfeitamente feita, porém, caracteriza/individualiza suficientemente o imóvel, não impedindo que no contrato-promessa o prédio fosse completa e perfeitamente identificado (como se pode ver do ponto 2 dos factos) e não merecendo por isso, tal imperfeição, ser varada/sancionada com o mais severo regime de invalidade que a nulidade é.

Por outro lado, embora a mediação imobiliária esteja, desde o DL 285/92, sujeita à forma escrita, sempre se entendeu (e passou a constar claramente quer do art. 19.º/8 do. DL 211/2004 quer, actualmente, do art. 16.º/5 da Lei 15/2013) que a sua inobservância gera uma mera nulidade atípica; que depende da arguição pelo comitente, que no caso não ocorreu, ou seja, a nulidade não pode ser invocada pela empresa de mediação e o tribunal só pode dela tomar conhecimento se for invocada pelo cliente/comitente.

Finalmente e como é evidente, se houvesse nulidade (e não há), se fosse de conhecimento oficioso (e não é) e se a facticidade envolvida tivesse sido discutida (e não foi), a sua declaração/apreciação exigia que se desse prévio cumprimento ao art. 3.º/3 do CPC; o que também não aconteceu.

Tem pois a 1.ª R./apelante inteira razão quando sustenta e invoca a nulidade da sentença, na parte em que a mesma declarou a nulidade do contrato de mediação imobiliária.

Identicamente, quanto à “confusão” invocada/operada na sentença recorrida com base no art. 868.º do C. Civil.

Tendo-se chegado à conclusão que o contrato de mediação imobiliária era nulo, conclui-se que a 1.ª R tinha que restituir os € 5.000,00 recebidos a título de remuneração e acrescentou-se:

“Portanto, a restituição desse valor deverá operar-se na esfera jurídica dos segundos contratantes/promitentes vendedores D... e E... (porque foram estes que recebendo a menos a sua parte do sinal, foram efectivamente responsáveis pelo pagamento da “comissão” á 1ª ré “ C... ”, sendo assim, também nesta parte, credores desta), os quais, pelo instituto da “Confusão”, previsto no art. 868º do CC, necessariamente terão que ver reduzida a sua obrigação de pagamento do valor de € 10.000,00 para a quantia de € 5.000,00”

Com todo o respeito, não conseguimos alcançar o raciocínio.

Verifica-se a causa extintiva das obrigações designada por “confusão” quando se congregam na mesma pessoa, por virtude do fenómeno de transmissão operado num dos lados da relação creditória ou em ambos eles, a titularidade activa e passiva de uma obrigação; é o que resulta da noção legal constante do art. 868.º do C. Civil.

Mas nada disto se verificava no caso.

A lógica jurídica seguida na sentença recorrida havia estabelecido que os AA. eram credores dos 2.º RR. em € 10.000,00; e que os 2.º RR. (em função dos efeitos restitutórios da nulidade) eram credores da 1.ª R. em € 5.000,00.

Em face disto, não se percebe sequer onde se lobrigou que se congreguem numa mesma pessoa, por virtude do fenómeno de transmissão operado num dos lados da relação creditória ou em ambos eles, a titularidade activa e passiva de uma obrigação; é que não estamos nem perante uma mesma obrigação nem tão pouco perante credor e devedor recíprocos de diferentes obrigações[18].

E, claro está, o lapso não é/foi inócuo, uma vez que conduziu à redução da obrigação de pagamento a cargo dos 2.º RR. para apenas € 5.000,00, redução/absolvição que, como já referimos e em face dos AA. não haverem recorrido, transitou em julgado.

Temos pois que o caminho seguido na sentença recorrida para condenar a 1.ª R/apelante é/foi nulo, cumprindo-nos agora, aplicando a regra da substituição constante do art. 665.º do CPC, conhecer das questões que ficaram prejudicadas por se ter seguido tal caminho, nulo, na sentença recorrida.

Questões que, naturalmente, a 1.ª R/apelante não deixa de abordar nas suas alegações recursivas, sustentando, em síntese, que “não estabeleceu qualquer relação de natureza contratual com os AA. que pudesse ter sido violada e por outro lado (…) que não se verificam os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extra-contratual”.

Salvo o devido respeito, não concordamos.

Com relevo para a responsabilização da 1.ª R., ficou provado:

Que os AA. tiveram conhecimento de que o imóvel em causa se encontrava para venda através da 1.ª R., que lhes garantiu que o prédio era passível de legalização e próprio para os fins a que os mesmos o destinavam – construção da casa de morada de família dos AA. – e dentro dos prazos convencionados nos documentos escritos denominados “contrato promessa” e respectivo “aditamento”.

Que todas as negociações e dúvidas (designadamente, prazos para a formalização do contrato definitivo, preço, forma de pagamento) foram realizadas e esclarecidas por funcionários da 1ª R., tendo os autores só conhecido os 2ºs RR. já após a declaração de resolução do contrato.

Que, em execução do contrato promessa, os AA. entregaram aos 2.º RR., como sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 10.000,00.

Que, em face do não cumprimento dos prazos – do inicial e do aditamento – os AA. resolveram o contrato-promessa, encontrando-se ainda desembolsados da quantia de € 10.000,00 entregue como sinal e princípio de pagamento.

Que, até à data da declaração de resolução, nenhuma diligência se provou tendo em vista a criação do prédio urbano objecto do contrato-promessa.

Que, em 15/01/2013, foi registada a aquisição do prédio rústico em causa, na proporção de metade, a favor dos 2ºs réus (tendo como causa de aquisição a “doação”).

Que, em 26/06/2013 foi registada a decisão judicial dos Julgado de Paz de Miranda do Corvo que, por via da usucapião, autonomizou o prédio 15319; tendo o seu registo de aquisição sido lavrado, em 04/07/2013, a favor dos 2.º RR.

Que tal prédio, actualmente, ainda se encontra rústico.

Factos estes que, a nosso ver, fazem a 1.ª R. incorrer na responsabilidade civil “pelos danos causados a terceiros” prevista no art. 22.º/3 do DL 211/2004.

Preceito este que faz do contrato de mediação imobiliária um contrato com eficácia de protecção para terceiros[19]; uma vez que inclui terceiros no âmbito de protecção dum contrato a que são alheios, estendendo-lhes deveres de cuidado ou de protecção, que devem ser observados pelo mediador, sob pena de indemnização dos danos causados.

Ora, foram justamente tais deveres que não foram observados.

É que resulta, em resumo, do factos supra alinhados que a 1.ª R/mediadora, na execução do contrato de mediação imobiliária (celebrado com os 2.º RR e promitentes vendedores), induziu os promitentes compradores em erro (em violação das alíneas d) e e) do art.16.º/1), na medida em que lhes garantiu e fez crer que se iria lograr no prazo de 90 dias (prorrogado depois em mais 90 dias) autonomizar e converter em urbano a metade que os seus clientes tinham sobre um prédio rústico, levando os AA., em função disso, a vincular-se a uma promessa de compra dum bem futuro e a abrir mão do montante de € 10.000,00 de sinal e princípio de pagamento; indução em erro bem patente na circunstância de não estarem provadas nos autos, quer no prazo inicial de 90 dias, quer nos 90 dias da prorrogação, quaisquer diligências tendo em vista autonomizar a metade que os clientes tinham sobre o prédio rústico (o qual, aliás, embora agora já autonomizado, ainda se mantém como rústico) e o que, só por si, é bem revelador do modo como, no âmbito da execução do contrato de mediação imobiliária, a 1.ª R. desprezou o cumprimento do que havia garantido aos AA. e a concretização do negócio definitivo que havia promovido e fechado.

Dito douto modo, não é aceitável à luz do referido art. 22.º/3 do DL 211/2004 (assim como não é aceitável à luz dos ditames da boa fé – cfr. 239.º e 762.º/2 do C. Civil), que uma empresa de mediação imobiliária que, tendo monopolizado os contactos com o interessado, lhe garantiu algo num concreto prazo e que, nesse concreto prazo, estando já formalizado a promessa de negócio e recebida a comissão – de 21,5% do preço! – não tenha “mexido uma palha” (pelo menos, não o provou) para ser obtido o que havia garantido; e que era “apenas” o próprio objecto do contrato prometido, o prédio urbano que os promitentes compradores haviam prometido comprar (e que a mediadora bem sabia ser a única coisa que interessava aos promitentes compradores) e porque já haviam “esportulado”/antecipado quase metade do preço do contrato prometido.

Enfim, mal andaria o direito se, perante uma situação destas, tendo-se os promitentes compradores entretanto desvinculado, compreensivelmente, do contrato, não responsabilizasse a mediadora pelos danos causados ao interessado (e promitentes compradores), danos que correspondem, naturalmente, à diminuição/diferença patrimonial (cfr. 562.º e 566.º do C. Civil) causada ao património do lesado, ou seja, aos € 10.000,00 “esportulados”.

Significa tudo isto, resumindo razões, que do nosso ponto de vista, a obrigação de indemnizar da 1.ª R. não está limitada pelo montante que recebeu de comissão; a sua medida é o próprio dano causado.

Sucede – voltamos ao que começámos por sublinhar – que a absolvição da 1.ª R. em € 5.000,00 transitou em julgado, pelo que, consequentemente, apenas podemos confirmar a sua condenação, no montante de € 5.000,00 constantes da sentença recorrida, porém, sublinha-se, estes € 5.000,00 não são ou correspondem à “restituição” da sua comissão (embora por coincidência seja o montante o mesmo) nem resultam da “confusão” da sentença recorrida; são apenas a parte da indemnização (dos € 10.000,00 em que podiam/deviam ser condenados com fundamento em responsabilidade civil) que não ficou coberta/limitada pela absolvição, transitada em julgado, da sentença recorrida.

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Em conclusão final, embora por razões totalmente diferentes das constantes da sentença recorrida, improcede no essencial a apelação.

E dizemos “apenas” no essencial porque, afirmando-se no art. 22.º/3 do DL 211/2004 que a responsabilidade civil aí imposta é solidária, ela – a imposta/mantida sobre a 1.ª R. – não se soma à responsabilidade/condenação dos 2.º RR..
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, declara-se a nulidade da sentença recorrida na parte em que declarou nulo o contrato de mediação imobiliária e revoga-se a mesma[20], substituindo-se por decisão a condenar a 1.ª R., em solidariedade com a condenação imposta (na sentença recorrida) aos 2.º RR., a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 e juros a partir da decisão da 1.ª instância.

Custas na seguinte proporção: Na 1.ª instância, ¾ pelos AA. e 1/8 pela 1.ª R e 2.º RR.. Nesta instância, 4/5 pela 2.ª R/apelante e 1/5 pelos AA.

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Coimbra, 19/05/2015

(Barateiro Martins - Relator)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] Artigos 11.º e 12.º da PI.

[2] E ainda pela sua absolvição da instância, na sequência da invocação da ineptidão da PI, questão há muito “arrumada”.
[3] E do “termo” e do “modo”.

[4] Se a cláusula 1.2 do contrato promessa fosse “conteúdo”, teria certamente mais afinidades com um “termo”, que é a cláusula acessória pela qual os efeitos de um negócio ficam, na perspectiva das partes, dependentes dum acontecimento futuro e certo.

[5] O que, naturalmente, sendo a condição um facto negativo, colocava o problema da certeza da sua não verificação; dificuldade que a sentença recorrida não afrontou limitando-se a dizer que “tratando-se de uma condição resolutiva, bastaria a verificação da mesma para que ocorresse uma “destruição automática e retroactiva dos efeitos do negócio” ou, por outras palavras, “a condição resolutiva opera automaticamente, sem necessidade de qualquer declaração e tem eficácia retroactiva”; não estabelecendo a data/momento em que a “dita” condição resolutiva expressa produziu os seus efeitos.

[6] Como refere Baptista Machado, in “Pressupostos da resolução por incumprimento”, em obra dispersa, pág. 186/7, “ (…) a cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”

[7] Brandão Proença – Cumprimento e não cumprimento das obrigações, pág. 288.

[8] É o mecanismo da intimação ou interpelação cominatória, que também conduz às consequências do art. 801º, se a obrigação não for cumprida dentro do prazo suplementar razoável fixado na mesma interpelação ou intimação.

[9] Aliás, na primeira carta (a retratado no ponto 8) logo renunciaram à faculdade alternativa a que se refere o art. 801.º do C. Civil, optando de imediato pelo direito de resolução (ou seja, nem teria sido necessário enviar a 2.ª carta – a retratada no ponto 10).
[10] Como, aliás, se extrai do art. 793.º/2 do C. Civil.

[11] Dizemos que não é “absolutamente essencial” porque a culpa pode desde logo ter relevo para apurar o grau de gravidade da inexecução que faz surgir um direito de resolução.

[12] Independentemente das “íntimas” razões da desvinculação; que podem ir desde o arrependimento sobre o negócio à circunstância de, entretanto, lhes ter aparecido um negócio mais favorável.

[13] No nosso regime, o direito de resolução é essencialmente extrajudicial e declarativo; desempenhando o tribunal um papel essencialmente certificativo, por controlo a posteriori, a confirmar ou infirmar a declaração resolutiva (ou, inclusivamente, a declará-la a favor daquele contra quem ela foi pedida infundadamente ou apenas a declará-la ineficaz nos casos em que a resolução se tenha baseado numa representação infundada e não culposa do incumprimento pela contraparte que a declarou), o que significa que o pedido/condenação não devia ser a “declarar a resolução do contrato-promessa”; ou seja, o papel do tribunal não é constitutivo, devendo limitar-se a confirmar que o contrato-promessa foi resolvido pelas declarações resolutivas dos AA. aos 2.º RR. (declarações retratadas nos pontos 8 e 10 dos factos).
[14] Neste contexto é necessário entender habilmente os factos não provados; alegados exclusivamente na perspectiva da oposição “interna” entre a 1.ª R e os 2.º RR.; doutro modo, numa oposição “externa” com os AA., tais factos, para serem relevantes, teriam que ser formulados doutro modo; v. g., na oposição “externa” com os promitentes compradores um facto como o 1.º facto não provado é irrelevante e, mais do que isso, iria até contra o que, em termos de deveres acessórios de prestação, pertence a um promitente vendedor.

[15] O que só mostra ter sido razoável o comportamento dos AA. de não querer continuar a esperar e de não conceder novas e sucessivas “duplicações” do prazo inicial.

[16] No Assento n.º 4/95 ( in DR 114/95 Série I-A, de 1995-05-17) formulou-se efectivamente o seguinte assento: “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.”. Porém, com todo o respeito, tal não significa que os juízes/tribunais se ponham a declarar a “torto e a direito” todas as nulidades que lhe saiam ao caminho; para além das partes terem que ser previamente ouvidas, uma tal declaração pressupõe que tenha havido discussão sobre os elementos factuais em que a mesma se alicerça.
[17] Em face da data dos factos é este o diploma aplicável (na redacção do DL 69/2011, de 15-06) e não a actual Lei 15/2013.
[18] Como acontece na compensação.
[19] Dispensando a construção de tal “protecção” a partir da “teoria da confiança” ou do “princípio da boa fé”.
[20] Na parte compreendida no objecto do presente recurso, chamando-se a atenção que neste recurso apenas e só estão em causa a nulidade do contrato de mediação e a parte em que a 1.ª R. foi condenada na sentença recorrida; em tudo o mais, transitou em julgado a sentença recorrida.