Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/11.1GATBU-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS TEIXEIRA
Descritores: PENA SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TÁBUA – INST. LOCAL – SECÇÃO COMP. GEN. – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 49.º DO CP; ART. 97.º, N.º 2, DO CEPMPL
Sumário: I - A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa ao abrigo do artigo 49.º, do CP, tem natureza e regime diferente, ou seja, um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão aplicada a título principal.

II - A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão do art. 97.º, n.º 2, do CEPMPL, para efeitos de declaração de contumácia, o qual só abrange a pena de multa aplicada a título principal.

Decisão Texto Integral:

            Acordam em conferência na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

1. Nos autos de processo sumário nº 95/11.1GATBU da comarca de Coimbra, Tábua – Inst. Local – Secção Comp. Gen. – J1, por decisão de 4.4.2011, transitada em julgado a 03.05.2011, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de furto simples na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

Notificado para pagar a totalidade da multa em 10 dias ou esclarecer as razões do não pagamento, não houve qualquer resposta.

Dos autos não se mostra viável a cobrança coerciva da multa, uma vez que não são conhecidos bens ou rendimentos ao condenado. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1,  do Código Penal, por despacho judicial de 29.11.2011, foi convertida a pena de 90 (noventa) dias de multa aplicada ao condenado A... na pena de 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária. Decisão esta notificada ao arguido e transitada em julgado.

2. Entretanto, em 5.3.2014 – v. fls. 9 (224 dos autos principais) -, foi promovido pelo Ministério Público o seguinte:

No que ao arguido A... e concerne, tendo o mesmo já sido notificado do despacho de fls. 181 e 182 e não tendo até à presente data sido encontrado em território nacional, não obstante ter conhecimento pleno da decisão proferida nos autos e dela não tendo recorrido, e considerando que não é possível a emissão de mandados de detenção atenta a pena aplicada, o Ministério Público entende que o mesmo se encontra numa situação em que se exime total e dolosa mente ao cumprimento da pena que lhe foi aplicada. Assim, promove-se que seja o arguido notificado editalmente para se apresentar em Juízo, no prazo de 30 dias, contado da afixação do último édito, sob pena de, não o fazendo, ser declarado contumaz, pelo Tribunal de Execução de Penas, nos termos do disposto nos artigos 97.°, n.º 2, alínea b) e 138.° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e nos termos do disposto no art.° 335º, n.°s 1 e 2, do C. Proc. Penal.

Mais se promove que constem de tais editais, nos termos do disposto no artigo 97º, n.º 2, alínea a) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pelo art.° 1, da citada Lei n.°115/2009, de 12 de Outubro, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena a executar.

3. No seguimento desta promoção foi proferido o despacho judicial datado de 6.3.2014 – v. fls. 10 a 11v (fls. 225 a 226v dos autos principais) -, que indeferiu tal promoção.

4. Deste despacho/decisão recorre o Ministério Público, que formula as seguintes conclusões:
A. Nos presentes autos foi o arguido A... e condenado numa pena de multa, convertida por despacho judicial em prisão subsidiária, despacho esse notificado pessoalmente ao arguido;
B. É do conhecimento dos autos que o mesmo residirá na Roménia;
C. Não obstante a morada do arguido ser conhecida nos autos, a verdade é que em face do quantitativo da pena aplicada, e do disposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, não se revela legalmente possível a emissão de mandado de detenção europeu;
D. Na verdade, não poderemos deixar de considerar que tendo o arguido conhecimento da pena que lhe foi aplicada e posteriormente do despacho de conversão da mesma em prisão subsidiária, este esquiva-se ao cumprimento da pena que lhe foi aplicada, colocando-se e mantendo-se fora do alcance do punitivo do Estado, por vontade própria, sem qualquer justificação;
E. Ora, não obstante o arguido ter sido numa primeira fase condenado numa pena de multa, não poderemos olvidar que o despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária provoca uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação que implica diretamente uma privação da liberdade do arguido condenado;
F. Neste âmbito, tal privação da liberdade terá de ser entendida com as mesmas repercussões que assume uma condenação em pena de prisão, para todos os efeitos, incluindo os referentes à declaração de contumácia;
G. Por outro lado, apenas cabe nas competências do Tribunal a quo a publicação dos editais, não lhe cabendo formular qualquer juízo sobre a declaração de contumácia do arguido, porquanto tal competência cabe em exclusivo ao Tribunal de Execução de Penas, atento o disposto nos artigos 18.º do Código de Processo Penal e 138.º, n.º 4, alínea x) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade;
H. Ao não determinar a publicação dos competentes editais o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 335.º, n.ºs 1 e 2 e 18.º do Código de Processo Penal e os artigos 97.º, n.º 2, alínea b) e 138.º, n.º 4, alínea x) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Nestes termos e nos demais de Direito deve o Despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que determine a publicação dos editais, nos termos do disposto no artigo 335.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e artigos 97.º, n.º 2, alínea a) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, sob pena de violação destas mesmas normas legais, bem como da competência material, atento o disposto no artigo 18.º do Código de Processo Penal e artigo 138.º, n.º 4, alínea x) do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, julgando o recurso ora interposto procedente e alterando-se nesse sentido a Decisão proferida pelo Tribunal a quo.

            5. O arguido não respondeu.

            6. Nesta instância, o Exmº Srº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

            No que ao mérito do recurso respeita, acompanha-se, em termos gerais, a motivação apresentada pela Exma MMP na Instância Local de Tábua, comarca de Coimbra.

Com efeito, também entendo, na sequência da alteração de competências operada pela Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, concomitantemente com a revogação do art.° 476° do CPP, que a competência para a declaração de contumácia, e, consequentemente, dos actos antecedentes a esta, cabe ao TEP, violando a decisão recorrida o disposto nos art.°s 97, n.°2 e 13 8°, n.°2 e 4 x) do mencionado Código. É que, após o trânsito da decisão que determina a aplicação de pena, o que ocorreu com o despacho de conversão de 29/11/2011, a competência para acompanhar e fiscalizar a respectiva execução compete ao TEP, nos termos do citado art.° 138°, n.°2 citado, tendo sido essa a vontade explícita do legislador, como se refere na decisão proferida no conflito de competência, datada de 21-03-2012, no Proc.56/04.7TASPS-B.C1, citado na motivação e que versava exactamente sobre uma questão de contumácia em prisão subsidiária, tal como a que aqui ocorre, devendo em consequência o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a remessa de certidão para o TEP para acompanhamento da execução da prisão, aí sendo declarada a pretendida contumácia.

E nem se venha esgrimir com as evidentes diferenças entre a pena de prisão tout court e a prisão subsidiária, já que o que está aqui em causa é, apenas a execução da prisão, cuja competência cabe ao TEP e não ao juiz do julgamento, como se disse e nos termos do preceito citado, de nada valendo o esforço argumentativo no sentido de demonstrar que a contumácia é unicamente aplicável àquela. Repare-se, como aliás refere a decisão deste TR citada, que o art.° 97º, n.°2 menciona“ ao condenado que dolosamente se tiver eximido, lota! ou parcialmente, à execução de pena de prisão...”, enquanto anteriormente se aplicava apenas a quem se tiver eximido parcialmente, o que pressupunha a competência do TEP só para depois do início da execução, enquanto agora se estende ao seu início de execução, cabendo pois ao TEP decidir da aplicação ou não da contumácia à situação em causa (anote-se ainda que, para além desta decisão no sentido da aplicação da contumácia à prisão subsidiária, o Ac. do TRPorto de 9/2/2011, cit. no despacho também a pressupõe, pois refere: Um Estado que não
consegue fazer executar uma pena de 100 dias de multa à taxa diária de E 3,00, ao longo de 4 anos e que dentro desse prazo não logra
no limite obter a suspensão do prazo da prescrição da pena por via da declaração de contumácia, só se pode queixar de si próprio — negrito meu)         Pelo que sou de parecer que o recurso merece provimento na sua pretensão de declaração de contumácia pelo TEP.

7. Foram os autos a vistos e procedeu-se a conferência.

                                                                       II

Questão a apreciar:

Apurar ou saber se pode ou deve ser declarada a contumácia referente a arguido a quem foi aplicada prisão subsidiária nos termos do artigo 49º, do Código Penal, resultante da conversão do não pagamento da pena de multa em que inicialmente foi condenado.

           

                                                                       III      

            A fundamentação do despacho recorrido, no que mais releva, diz o seguinte:

            “ II. Sucede, porém, que o mecanismo constante do art.97.°/2 do CEPMS representa uma fórmula de intrusão em direitos, liberdades e garantias (direito à capacidade civil — art.26.°/1 da Constituição da República) apenas consentida quando na presença de um interesse legitimador específico (art. 18.°/3 da Constituição da República) relativo ao exercício de acção penal e à pena com que se confronta o procedimento, aqui se achando a concordância prática de interesses (especiais) que normativamente se impunha ao legislador penal.

De facto, nos termos do citado articulado legal, é necessário que se esteja perante a execução de pena de prisão ou medida (de segurança) de internamento para que mereça aplicabilidade a declaração do agente como contumaz, o que significa que apenas quando o julgador se confronta com a execução da extrema ratio do direito penal — simetricamente implicando, por implícito, se trate da reacção pública a uma lesão particularmente grave na ordem jurídica —, se autoriza se recorra, no âmbito da execução, ao mecanismo esculpido no art.97.°/2 do CEPMS, que impacta na esfera individual do arguido condenado por via do estabelecido nos arts.335.°, 336.° e 337.°, estes do CPP.

Desta forma, observamos que apenas no âmbito da execução de reacções penais (baseadas em culpa ou inimputabilidade perigosa) cuja natureza importem encarceramento, se tem o regime da contumácia ao condenado evadido como normativamente comportado, estando o instituto afastado do campo da execução de penas de outra natureza.

Compreende-se a solução legal: apenas quando se assome uma prática delitual com dimensionado índice de ofensividade se justifica e se tem por admissível a intrusão no direito (fundamental, de catálogo) do agente ao exercício de direitos (art.26.°/1 da Constituição da República e art. 337.°/1 do CPP) no âmbito da execução da pena e nos termos caracterizados na Lei de Processo.
Com especial relevo, apenas com a presença de um interesse público munido daqueles caracteres se tem por constitucionalmente admissível a eternização da acção penal para execução da pena, que aguardará pela localização do condenado, por quanto tempo seja necessário, sem constrangimentos de qualquer natureza, pelo afastamento da operatividade do prazo de prescrição da pena após a declaração do estatuto de contumácia (cfr.art.126.°/1, ai. b) e 2 e art.125.°/1, aI. b) do CP — de notar que a limitação ao efeito suspensivo da contumácia acolhida no art.
120.°/3 do CP, introduzida pela Lei n.º 19/2013 de 21.02, se aplica apenas à suspensão da prescrição do procedimento criminal, não da pena, cujo corpo legal não conhece uma disposição semelhante).

III. Ora, no caso dos autos, o arguido A... E foi condenado na pena de 90 dias de multa (cfr. fls. 59-60) e, se mais tarde tal pena foi convertida em sessenta dias de prisão subsidiária (cfr. fls. 116-117), tanto não importa nem representa uma alteração da natureza da pena aplicada, que persiste consubstanciando uma sanção criminal que corporiza uma mera ablação patrimonial sobre o arguido, não o seu encarceramento (neste sentido, fracamente pacífico e sobre a prisão sucedânea, aqui merecedor de idênticas considerações, vide JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pp. 146-148).

A prisão subsidiária (art. 49.° do CP), por outras palavras, constitui uma medida de constrangimento (compulsão coercitiva) à realização da ablação patrimonial quando o condenado, com culpa, se subtraia à sua execução, emprestando-lhe eficácia, não possuindo a natureza jurídico-substantiva de pena a nenhum título (ainda que importe o encarceramento do agente, cessará eoipsoesse estatuto com a satisfação do desembolsamento que corporiza a punição, aqui se achando o radical penalístico-sancionatório ao facto penal) (vide, sobre este assunto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.11.2008 no Proc. 2680/06.4TXPRT, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 02.11.2011 no Proc. 150/08.5GACDR.P1 e de 09.02.2011 no Proc. 209/01.OPASTS.P1, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.09.2010 no Proc. 134/05.5PAOLH-A.E1 do Tribunal, estes, todos in www.dgsi.pt e Parecer da Procuradoria Geral da República de 13.03.2007 no Proc. 251 7/07 in www.pgdlisboa.pt). Nesse pressuposto, não sendo a declaração de contumácia realizável no âmbito da execução de penas de multa (art. 97.° do CEPMS), pois que sabemos que a declaração de contumácia que se promove, que pressupõe tenha sido aplicada uma sanção de outra natureza que não a aposta sobre o arguido, não se apresenta como uma medida ilegítima[1]. Outro entendimento, quanto a nós, conduziria a que o mecanismo exclusivo da pena que por sua natureza se mostre privativa da liberdade, fosse, afinal, uma regra geral, aplicável a toda e qualquer pena, desde que verificadas incidências graves de incumprimento, mesmo daquelas que não têm por subjacente o referente legitimador pressuposto pelo art. 97.°12 do CEPM: uma lesão de tal forma grave num bem jurídico penalmente tutelado que houvesse conduzido à aplicação de pena de prisão (ou uma perigosidade de tal forma expressiva, que impusesse o internamento do inimputável), já o dissemos.

Nestas circunstâncias, toda e qualquer pena, independentemente do nível inexpressivo, seria, conjecturavelmente, eternizável no respectivo exercício executivo, consequência prática que se afigura desproporcional, por destituição de relevo e alcance funcional ao princípio de segurança jurídica, de proporcionalidade, de mínimo de intrusão e de necessidade e adequação da pena (no pressuposto, doutrinariamente unânime, que pela medida por que se afaste temporalmente o facto criminal da reacção penal sobre esse facto, se dilui a legitimidade do exercício da sanção, por este se mostrar destituído para a realização de uma efectiva finalidade preventiva).

Nestes termos e com estes fundamentos, INDEFIRO a promoção que antecede, no que reporta ao arguido A... ”.


IV

Cumpre decidir:

1. Começamos por afirmar que a questão de saber se deve ser o tribunal de execução de penas ou o tribunal da condenação a apreciar a situação de eventual declaração de contumácia, mesmo naquelas situações em que ainda não se iniciou o cumprimento de uma pena de prisão, aponta no sentido da competência do TEP.

Foi neste sentido que se pronunciaram as decisões deste tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2012, no Proc.56/04.7TASPS-B.C1, e de 7.3.2012, proferida no proc. nº 89/08.4GBALD-B.C1, sendo o sumário deste último do seguinte teor:

“Em resultado das alterações legais decorrentes da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a competência do Tribunal de Execução das Penas, para o efeito em causa (“proferir a declaração de contumácia”), alargou-se às situações em que o condenado se exime totalmente ao cumprimento da pena de prisão aplicada, isto é, quando não chegou sequer a estar privado da liberdade, por via dessa condenação, e não apenas aos casos em que a execução da pena já teve o seu início”.

Todavia, sem prejuízo de em ambas as situações ou decisões enunciadas, estar em causa a eventual declaração de contumácia de arguido a quem tinha sido convertida a pena de multa em prisão subsidiária, desde já se adianta que não era ou não foi esta a questão de fundo a apreciar, ou seja, se era ou não legalmente admissível tal declaração de contumácia. A questão a dirimir dizia tão só respeito à competência do Tribunal para apreciar a questão de eventual contumácia. Pelo que o que se decidiu em tais decisões foi apenas a questão da competência do Tribunal: se seria competente o TEP se o Tribunal da condenação.

Pelo que se pode afirmar que a questão em apreço nos presentes autos, não foi sequer apreciada naquelas decisões.

2. Em contrapartida, a questão que aqui cumpre agora apreciar é precisamente a de saber se nesta situação de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa não paga nem cobrada coercivamente, pode ou é legalmente admissível a declaração de contumácia do arguido, verificados que estejam os demais requisitos formais.

Entende o Ministério Público – ora recorrente - que sim. Entende o despacho recorrido, que não.

A controvérsia gira, em nosso entender, à volta do disposto no artigo 97º, nº 2, do CEPMS (Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro), quando prevê a declaração de contumácia para o condenado que se tenha eximido total ou parcialmente à execução de pena de prisão ou de medida internamento.

A questão a formular é, pois, a de saber se nesta referência a pena de prisão é de englobar a dita pena de prisão subsidiária resultante da conversão do não pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 49º, do CP.

3. Parece-nos que a questão passa necessariamente, pela apreciação de dois aspectos relevantes:

- por um lado, qual a verdadeira natureza e regime da pena de prisão subsidiária.

- Por outro, se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.

            3.1. Quanto à natureza e regime da pena de prisão subsidiária, entende-se que se está perante uma sanção penal de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento de multa - FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pp. 146-148)[2]

            Também, Maria João Antunes, in Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Setembro 2013,pág. 94, diz sobre esta matéria:
            “Esta privação da liberdade tem, tal como tinha na versão primitiva do CP a prisão fixada em alternativa na sentença, a natureza de sanção de constrangimento, visando de facto, em último termo constranger o condenado a pagar a multa. Por isso, na medida em que se trata de uma mera sançãopelo não pagamento de multa principal, tendo em vista constranger o condenado ao seu pagamento, não é admissível a concessão da liberdade condicional (artº 61º do CP)”.

            3.1.2. Aceita-se e pensamos que esta questão não suscita quaisquer dúvidas com a redacção do disposto no artigo 49º, nº 2, do CP, segundo o qual «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».

Por sua vez, dispõe ainda o artigo artigo 49.°, n.º 3 do Código Penal que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.

Ou seja, o regime do artigo 49º, do CP, permite alcançar diferenças significativas entre o regime da prisão aplicada a título principal, deste regime de prisão aplicado a título subsidiário, como constrangimento para o pagamento da pena de multa.

            Daqui pode extrapolar-se para a situação que se traduz no facto de a pena principal em que o arguido foi condenado, ser uma pena de multa e esta, em nosso entender, não perder esta qualidade ou natureza, ainda que não paga (voluntária ou coercivamente ou substituída por dias de trabalho) e substituída por prisão subsidiária.

            Neste sentido se decide no acórdão do TRPorto de 9.2.2011, proferido no proc. nº 209/01.0PASTS.P1:

            I - A pena de multa não perde essa natureza com a decisão que determina o cumprimento da prisão subsidiária.

            E no ac. do mesmo TRPorto de 30.4.2014, proferido no processo nº 143/06.7GAPRD-A.P1[3]:

            I – A pena de multa em que foi condenado o arguido por sentença transitada mantém a mesma natureza apesar de poder ter sido convertida em prisão subsidiária.

            II - A prisão subsidiária não é em sentido formal uma pena de substituição, e visa tão-só conferir consistência e eficácia à pena de multa.

Ainda sobre esta questão se decide no ac. do TRP de 9.4.2014 proferido no proc. nº 191/08.2GNPRT-B.P1:

Em conclusão, e fazendo uso das palavras do acórdão:

A pena de prisão subsidiária da pena de multa não é uma pena substitutiva, mas antes de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.

Já assim havia anteriormente decidido o ac do STJ de 10/01/2013, processo 218/06.2PEPDL.L3.S1, in www.dgsi.pt:

“Ora, no caso subjudice, a pena aplicada foi uma pena de multa.

Apesar de posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 do CP, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido, como foi, executada, em conformidade com o estatuído no n.º 3 do mesmo normativo”.

Como já assim havia decidido a Relação de Évora no seu Ac. de 20/11/2009, processo 65/03.3PBBJA.E1, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:

“A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49.º do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão”.

3.1.3. Para além destas diferenças já assinaladas[4], importa ainda referir que:

- Quando se executa ou cumpre a pena de multa, em qualquer uma das modalidades possíveis e admissíveis – pagamento voluntário ou coercivo, prestação de dias de trabalho a favor da comunidade, ou prisão subsidiária – o que se declara extinta é a pena de multa e não – no presente caso – a prisão subsidiária aplicada.

- Quando é aplicada a pena de multa como pena principal, o prazo de início da prescrição da pena conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença (que aplicou aquela pena de multa) e não do trânsito em julgado da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.

Neste sentido v. os acs já supra citados do TRPorto de 9.2.2011, proferido no proc. nº 209/01.0PASTS.P1 e de 30.4.2014, proferido no processo nº 143/06.7GAPRD-A.P1.

Ou seja, se é um facto inquestionável que quer a pena de prisão aplicada a título principal quer a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa para cumprimento desta como forma de constrangimento nos termos já assinalados, se traduz, quando cumpridas ou executadas, se traduzem num efetivo encarceramento para quem a cumprir, a verdade é que, conforma também já assinalado, existem diferenças quanto à sua natureza, sendo de realçar, em nosso entender, o facto de a prisão subsidiária poder terminar a qualquer momento pelo devedor da multa, o que não acontece, manifestamente, quanto à pena de prisão aplicada a título principal, a qual só termina ou se extingue com o seu cumprimento efetivo.

3.2. Perante a diferença de natureza entre a pena de prisão aplicada a título principal e a prisão subsidiária aplicada por efeito de conversão da pena principal de multa, cumpre agora questionar se é legítimo e constitucionalmente admissível a restrição de direitos do arguido, nesta concreta situação com a sua declaração de contumácia.

Como bem se decidiu no despacho recorrido, entende-se que não.

Recorrendo aos termos aí decididos,

            “ …o mecanismo constante do art. 97.°/2 do CEPMS representa uma fórmula de intrusão em direitos, liberdades e garantias (direito à capacidade civil — art. 26.°/1 da Constituição da República) apenas consentida quando na presença de um interesse legitimador específico (art. 18.°/3 da Constituição da República) relativo ao exercício de acção penal e à pena com que se confronta o procedimento, aqui se achando a concordância prática de interesses (especiais) que normativamente se impunha ao legislador penal.

            De facto, nos termos do citado articulado legal, é necessário que se esteja perante a execução de pena de prisão ou medida (de segurança) de internamento para que mereça aplicabilidade a declaração do agente como contumaz, o que significa que apenas quando o julgador se confronta com a execução da extrema ratio do direito penal — simetricamente implicando, por implícito, se trate da reacção pública a uma lesão particularmente grave na ordem jurídica —, se autoriza se recorra, no âmbito da execução, ao mecanismo esculpido no art. 97.°/2 do CEPMS, que impacta na esfera individual do arguido condenado por via do estabelecido nos arts. 335.°, 336.° e 337.°, estes do CPP.,

            Desta forma, observamos que apenas no âmbito da execução de reacções penais (baseadas em culpa ou inimputabilidade perigosa) cuja natureza importem encarceramento, se tem o regime da contumácia ao condenado evadido como normativamente comportado, estando o instituto afastado do campo da execução de penas de outra natureza.

            …

            Nestas circunstâncias, toda e qualquer pena, independentemente do nível inexpressivo, seria, conjecturavelmente, eternizável no respectivo exercício executivo, consequência prática que se afigura desproporcional, por destituição de relevo e alcance funcional ao princípio de segurança jurídica, de proporcionalidade, de mínimo de intrusão e de necessidade e adequação da pena (no pressuposto, doutrinariamente unânime, que pela medida por que se afaste temporalmente o facto criminal da reacção penal sobre esse facto, se dilui a legitimidade do exercício da sanção, por este se mostrar destituído para a realização de uma efectiva finalidade preventiva)”.

            3.2.1. Esta posição tem, em nosso entendimento, apoio quer na letra quer na ratio legislativa do artigo 97º, nº2, do CEPMS, na medida em que é expressivo ao referir-se a pena de prisão ou medida de internamento.

            O legislador não desconhece a pena de multa e a possível conversão desta em prisão subsidiária como uma das formas de cumprimento ou execução – a dita forma de constrangimento, a que o arguido ou devedor da multa pode por fim a todo o momento.

            Mas, como forma de cumprimento que a prisão subsidiária representa para a pena de multa, não assume aquela a verdadeira natureza de uma pena autónoma. Tem um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão.

            Daí que se entenda que a prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão daquele preceito (art. 97º, nº2, do CEPMS), para efeitos de declaração de contumácia.

            Em forma de síntese ou conclusão pode pois, dizer-se:

            - A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa ao abrigo do artigo 49º, do CP, tem natureza e regime diferente, ou seja,  um regime próprio e específico de execução relativamente a uma verdadeira pena de prisão aplicada a título principal.

            - Mesmo com a conversão da pena de multa em prisão subsidiária como forma de constrangimento de cumprimento daquela, a natureza da pena de multa mantém-se.

            - A prisão subsidiária resultante da conversão da pena principal de multa, não cabe na previsão do art. 97º, nº2, do CEPMS, para efeitos de declaração de contumácia, o qual só abrange a pena de multa aplicada a título principal.


V

Decisão

            Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso do recorrente Ministério Público e, consequentemente, mantém-se o teor do despacho recorrido.

Sem custas.

Coimbra, 25 de Março de 2015

                (Luís Teixeira - relator)

                (Calvário Antunes - adjunto)


[1] Entende-se que existirá lapso, pretendendo com certeza dizer-se antes legítima.
[2] Onde diz“ (…) não é correcto afirmar-se que a prisão sucedânea é aplicada «em vez» da pena principal, antes sim só para o caso de aquela não ser cumprida. Mas se, assim, a prisão sucedânea não é uma pena de substituição, também por outra parte parece não dever identificar-se sem mais, em traços fundamentais do seu regime, com a pena privativa da liberdade(…).”

[3] No mesmo sentido apontam o decidido nos acs.:

- TRP de 22/9/2010 proferido no proc.254/03.1TASTS.P1 e de 26/3/2014 proferido no proc. 419/08.0GAPRD-B.P1;

- TRE de 20/10/2009, proferido no proc. 65/03.3PBBJA.EI.


[4] Onde se engloba a de não ser admissível, nesta prisão subsidiária a concessão da liberdade condicional (artº 61º do CP).