Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/16.0GANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA;
IMPUGNACÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO;
IMEDIAÇÃO DA PROVA;
FUNDAMENTAÇÃO;
IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J C GENÉRICA DA NAZARÉ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.127.º, 374.º, 410.º E 412.º DO CPP; ART. 32.º DA CRP
Sumário:
I – No vício do erro notório está em causa, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente o que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à prova objecto de apreciação, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
II – Quando o recorrente transcreve os segmentos dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento que no seu entendimento sustentam o desacerto da decisão tomada quanto à matéria de facto, alega fundamentos que extravasam os limites da sindicância prevista no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, remetendo para um juízo sobre a valoração da prova produzida em audiência feita pela 1.ª instância que é próprio do mecanismo consagrado no artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP.
III – Não se verifica vício do art. 410.º, nº 2, do CPP, quando da análise do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, não se detecta qualquer erro ostensivo que evidencie o desacerto da opção tomada quanto à matéria que o tribunal considerou provada.
IV – Segundo o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, salvo existência de prova vinculada ou tarifada (como é o caso da pericial, face ao valor que lhe é reconhecido no artigo 163.º, n.º 1 do CPP), o tribunal decide quanto ao mais de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.
V – Daí a relevância da fundamentação (neste caso de facto) que obrigatoriamente deve constar da sentença, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPC, e que em sede recursória permite ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido em tais decisões (os fundamentos), elemento essencial para a avaliação que lhe cumpre efectuar.
VI – A impugnação da decisão tomada pela 1.ª instância em sede de matéria de facto não se destina a suprir ou substituir o juízo que apoiado na imediação aquele tribunal formulou sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade a reconhecer às testemunhas.
VII – Os erros que o tribunal de recurso é chamado a remediar referem-se a situações em que a 1.ª instância ignorou determinado meio de prova ou considerou provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer a eles aludem, ou então afirmam o contrário.
VIII – Em sede de recurso, o uso feito do princípio in dubio pro reo afere-se pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo que quando daí resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido, se impõe concluir que ocorreu violação daquele princípio.
Decisão Texto Integral:

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

4.ª Secção Criminal


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Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Competência Genérica da Nazaré, foi pronunciado, para julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal.
Realizou-se audiência de julgamento e terminada a produção de prova foi comunicada alteração não substancial de factos ao arguido, nos termos do disposto no artigo 358.º n.º 1 do CPP, ao que aquele nada requereu.
Foi então proferida sentença em que o tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, mediante acompanhamento de regime de prova.
2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido que finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
“I. Impugnam-se os seguintes factos dados como provados pelo tribunal a quo, por não corresponderem à realidade:
e) No dia 04 de março de 2016, pelas 16h50m, o arguido, vindo de uma estrada da mata, introduziu o tractor agrícola de matrícula ---, da marca Valtra, T130, na Rua ---, concelho da ---, que liga --- a ---, em ---, ocupando com a sua frente metade da faixa de rodagem, tendo depois, ao aperceber-se da presença da viatura policial, recuado a viatura de volta para a estrada da mata de onde vinha. (artigo 3º dos factos dados como provados)
f) O arguido agiu de firma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que sobre si impendia o dever de não conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses após a entrega do seu título de condução, em cumprimento da pena acessória que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo abreviado supra referido. (artigo 4º dos factos dados como provados)
g) Não obstante, o arguido conduziu veículo motorizado nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, violando com essa sua conduta uma proibição determinada por sentença criminal, a título de pena acessória. (artigo 5º dos factos dados como provados)
h) O arguido sabia, pois, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. (artigo 6º dos factos dados como provados)
II. Para essa decisão, o tribunal valorou os depoimentos das testemunhas GNR1 e GNR2, ambos militares da GNR, referindo que as testemunhas T1 e T2 foram parciais.
III. O tribunal errou na apreciação da prova produzida.
IV. Houve um pré-juízo do julgador, que atribuiu maior credibilidade às testemunhas GNR1 e GNR2, pelo facto de serem militares da GNR, tendo até esquecido todas as contradições dos seus depoimentos.
V. Salvo melhor opinião, os depoimentos das duas testemunhas referidas tem o mesmo valor das restantes, tendo que ser avaliados pelo mesmo prisma.
VI. A credibilidade dos depoimentos dos militares da GNR GNR1 e GNR2 fica, desde logo, abalada pela forma como o auto foi elaborado, pois o auto de notícia remetida num primeiro momento para o tribunal não continha a assinatura da testemunha GNR2, enquanto os que se lhe seguiram já a assinatura de tal pessoa.
VII. Isto é, houve logo desde o início uma tentativa de dar credibilidade aos factos narrados no auto por parte do autuante.
VIII. O depoente GNR1 disse, aos minutos 03:00 do seu depoimento, que se tratou de “Um lapso, tem que se enviar o expediente da detenção, esse documento veio apenas para conhecimento, para facilitar o serviço do ministério público na elaboração do processo. Às 9 da manhã do dia, do sumário o individuo teria que estar cá, o problema é que o comandante do posto tem que assinar o expediente e ele ás 9 da manhã não está no posto e é isto que acontece.”
IX. A testemunha GNR1 procurou justificar a urgência em remeter o auto para que o processo pudesse ser tramitado como processo sumário e que o individuo teria que estar no tribunal às 9 da manhã do dia seguinte.
X. Confirmou também que os factos relatados na acusação terão ocorrido no dia 04/03/2016, vide o minuto 04:53 e seguintes do seu depoimento.
XI. O dia 04/03/2016 foi a uma 6ª feira e o auto apenas foi enviado via correio eletrónico no dia 05/03/2016, sábado, pelas 17h02, isto é mais de 24 horas após a suposta ocorrência dos factos, como consta das folhas 2 e 5 do processo, pelo que o arguido nunca seria apresentado em tribunal no dia seguinte, nem se percebe qual foi a urgência em remeter tal auto para o tribunal, considerando que teriam o fim de semana todo para o fazer.
XII. Acresce que, se a testemunha GNR2 acompanhava o autuante e regressou ao posto da GNR com o mesmo, não existe qualquer razão plausível para não apor a sua assinatura no auto antes de este ser remetido ao tribunal, tarefa que demorará poucos segundos a ser executada.
XIII. A explicação da testemunha GNR1 para a aposição posterior da assinatura da testemunha no auto, não faz qualquer sentido.
XIV. Os factos relatados por GNR1 e GNR2 não correspondem à realidade e, por isso, houve, desde o início, uma preocupação de dar maior credibilidade ao auto de notícia, apondo lá a assinatura de uma testemunha.
XV. Por outro lado, do auto de notícia consta que “foi detetado um tractor agrícola a circular na via pública tendo o condutor do mesmo aquando da passagem desta força policial imobilizado o veículo” e que os factos ocorreram na estrada municipal sem número.
XVI. Já em sede de julgamento, tanto a testemunha GNR1 como GNR2 dizem que o veículo circulava num caminho de terra batida que desemboca na estrada municipal sem número. Neste sentido, vide os minutos 04:53 a 05:47 do depoimento de GNR1 em que diz: No dia 4 de março de 2016, do ano passado, ia a fazer a patrulha, acompanhado do guarda GNR2, quando do policiamento geral, íamos na viatura na estrada municipal sem número de --- para ---, quando verificámos que um trator agrícola com um reboque de transporte de madeiras, não deixa de ser um trator agrícola, a circular num caminho de terra batida, entrou, a viatura entrou ainda na estrada municipal sem número, quando nos viu, descaiu um bocadito e imobilizou a viatura. Entretanto, numa condução normal, acabámos por passar por essa viatura e eu ao aperceber-me, eu era o condutor, ao aperceber-me que ele não seguiu para a estrada, ficou imobilizado, isto era suspeito fizemos inversão de marcha e abordámos o senhor condutor.”
E ainda o depoimento de GNR2, nos minutos 02:13 a 03:30, em que diz: “O condutor da viatura fica imobilizado. Depois o condutor efetua marcha atrás para a estrada de onde vinha. Isto é, havia uma estrada paralela de terra batida, tem saída de um lado e doutro que… Recua para essa estrada. Nós achámos esquisito aquela manobra digamos assim. Efetuamos o sentido de marcha, voltámos para trás, sempre em contacto com o trator e com o condutor que estava lá dentro e abordámos a viatura. Abordámos a viatura, abordámos o condutor, fizemos uma fiscalização normal. Pedimos os documentos da viatura (…)”
XVII. Existe, assim, uma total desconformidade entre os depoimentos dados pelas testemunhas GNR1 e GNR2 e o teor do auto que o primeiro elaborou e que o segundo assinou mais tarde, sendo que tal facto não poderá deixar de relevar, pois que a versão estribada no auto é diferente daquela que deram em sede de julgamento, não existindo qualquer explicação para tal diferença.
XVIII. O facto de o autuante apor no auto que o arguido circulava na via pública é em si mesmo um facto conclusivo, o que revela que a preocupação do autuante foi colocar o arguido na via pública, não fosse o apelidado caminho ser considerado via florestal ou nem sequer via.
XIX. Por isso é que foi necessário proceder à alteração não substancial dos factos descritos na acusação, pois a acusação foi elaborada com base no auto de notícia e depoimento dos militares da GNR não coincidiu com o mesmo.
XX. Esta preocupação de colocar o arguido na referida estrada municipal sem número, denominada via publica, é também patente no depoimento de GNR1 quando refere que apesar de o arguido entrar com o trator na faixa de rodagem, apenas com a frente e que não foi, tão pouco necessário desviar-se do mesmo, nem precaução porque a testemunha era “bom condutor”. Vide o depoimento de GNR1 nos minutos 08:00 a 09:48.
XXI. O facto de a testemunha não ter tido a necessidade de se desviar do suposto trato que se apresentou à sua direita é que é contra as regras da experiência e até resulta das normas do Código da Estrada que impõem a prática de uma condução defensiva aos condutores de veículos terrestre.
XXII. Mais, diz GNR1 e GNR2 que o que os fez suspeitar da existência de algum ilícito foi o facto de o veículo se ter imobilizado face à sua aproximação. Vide o depoimento de GNR1 aos minutos 04:53 e 05:47 e de GNR2 aos minutos 05:15 a 05:36.
XXIII. Também esta tese não faz qualquer sentido, pois tanto GNR1 como GNR2 referem que o veículo conduzido pelo arguido seria um trator agrícola com reboque de transporte de madeiras acoplado. Vide o depoimento de GNR1 aos minutos 04:53 e 05:47 e o de GNR2 aos minutos 15:45 a 16:00.
XXIV. O trator e o reboque tinham uma extensão considerável, não sendo propriamente um veículo rápido, pelo que demoraria bastante a efetuar a travessia da estrada municipal. Vide os “docs” 45 a 47 juntos aos autos na segunda cessão de julgamento.
XXV. Refere GNR2 que antes de avistarem o veículo supostamente conduzido pelo arguido, haviam descrito uma curva, pelo que, a visibilidade do suposto condutor do trator seria reduzida. Vide o depoimento da testemunha entre os minutos 04:30 a 05:15 e 16:48 a 17:33 e ainda a fotografia “Doc 3” e o documentos 4 a 7 juntos com a contestação.
XXVI. Posto isto, é mais do que normal que o condutor do trator tivesse imobilizado o mesmo face à aproximação do veículo da GNR, considerando a extensão do trator e reboque, a sua velocidade e a pouca visibilidade no local.
XXVII. Os militares da GNR não tinham qualquer motivo plausível para interpelarem o suposto condutor do trator, tendo inventado tal explicação.
XXVIII. GNR1 disse que o trator apenas entrou com a frente na estrada municipal, que se cruzou com o mesmo e que este depois se deixou descair. Vide os minutos 04:53 a 05:47 do seu depoimento.
XXIX. Já GNR2 refere que o trator que invadiu a faixa de rodagem onde seguiam e que ao aperceber-se da aproximação da GNR efetuou uma manobra de marcha atrás. Vide os minutos 16:06 a 16:25 do seu depoimento.
XXX. Mais uma vez, os depoimentos de GNR1 e GNR2 anulam-se reciprocamente.
XXXI. O depoimento da testemunha T3, cuja credibilidade não foi posta em causa pelo tribunal, revela que não existia necessidade de efetuar o atravessamento da estrada municipal com o trator, uma vez que o mesmo permanecia na mata durante noite. Vide os minutos 06:27 a 07:05 do depoimento da T3.
XXXII. Confrontando os documentos juntos na contestação, designadamente os documentos nº 1 a 7, constatamos que o lote 44 era o que andava a ser explorado e que o mesmo termina junto à estrada municipal onde os militares da GNR dizem que o arguido se encontrava a entrar.
XXXIII. Até porque, do outro lado da estrada municipal sem número encontra-se o talhão nº 45 da mata nacional do Valado, sendo que o mesmo não foi adjudicado à entidade empregadora do arguido. Neste sentido, vide os documentos 1 a 7 juntos com a contestação.
XXXIV. Assim, não existia qualquer necessidade do trator efetuar o atravessamento da estrada municipal sem número como referiram os militares, não sendo plausível tal versão.
XXXV. Atente-se ainda que, Mais uma vez, as versões de ambos divergem, pois tanto GNR1 como GNR2 referem que passaram pelo trator e que efetuaram inversão de marcha, enquanto GNR1 diz que foi a cerca de 50 metros do trator, GNR2 diz que foi a cerca de 20 metros. Vide quanto ao primeiro os minutos 17:33 a 17:52 e quanto ao segundo os minutos 09:48 a 09:56.
XXXVI. Por outro lado, os dois militares da GNR referem ter mantido o contacto visual do condutor do trator durante a manobra de inversão de marcha que realizaram. Vide quanto a GNR1 o minuto 10:02 a 10:50 e quanto a GNR2 o minuto 13:00 a 13:50.
XXXVII. Os militares afirmam que o trator se apresentou à sua direita, que passaram por ele e que o mesmo ficou nas suas costas. Que efetuaram a inversão de marcha para esquerda. Tudo sem perder o contacto visual com o condutor do trator.
XXXVIII. Resulta das regras da experiência que uma pessoa normal apenas consegue rodar a sua cabeça cerca de 90 graus.
XXXIX. Para conseguir acompanhar visualmente o condutor do veículo durante a inversão de marcha, necessário era que os militares conseguissem rodar a sua cabeça 360 graus.
XL. Mais estranho ainda, na sua versão, o condutor do veículo, o militar GNR1 não perdeu o contacto visual com o condutor do trator, ao mesmo tempo que efetuava a inversão de marcha do veículo que conduzia a 50 metros de distância, acionava os pirilampos, pisando um traço contínuo, invadindo a faixa do sentido de marcha contrário aquele em que seguia, verificando o trânsito que poderia vir de frente e voltava a alinhar o veículo com a faixa de rodagem. Vide os minutos 10:02 a 10:18 do depoimento de GNR1 e os minutos 13:00 a 13:50 do depoimento de GNR2.
XLI. Pelo que, a tese de que o contacto visual com o condutor do veículo, durante a inversão de marcha, repare-se, a 20 ou 50 metros de distância, consoante o militar, não foi perdido, apenas pode ser uma ficção.
XLII. Por fim, importa referir que o depoimento dos militares da GNR não merecem qualquer credibilidade, pois ambos referem que “na estrada” ou “caminho de terra batida” era possível circular com uma viatura ligeira sem tração e que até já lá tinham passado com a viatura de serviço que apenas tem tração às duas rodas da frente, isto mesmo quando confrontados com as fotografias denominadas “doc” 3 a 8 e que foram juntas na segunda cessão de julgamento. Neste sentido vide o trecho de minutos 06:15 a 06:30 do depoimento de GNR2 e ainda o de 08:20 a 09:00: “Juíza: E portanto, esta do documento nº 3 é a tal estrada de areia.
Testemunha: Sim senhor.
Juíza: E uma viatura normal consegue andar nesta estrada?
Testemunha: Consegue perfeitamente. Perfeitamente.
Juíza: Aqui continua, documento nº 4, é a mesma estrada?
Testemunha: É a mesma estrada.
Juíza: Tem mesmo muita areia.
Testemunha: Mas garanto-lhe a si que passa que nós passamos lá com as nossas viaturas ligeiras.
Juíza: Quais são?
Testemunha: Skoda, é um superb que nós temos e passamos lá várias vezes e passam lá viaturas ligeiras. É areias, mas não é aquela areia que digamos que os carros não circulem.”
Repare-se no tom de voz da Mma. Juíza quando diz “Tem mesmo muita areia!”, denotando surpresa e dúvida em relação à afirmação da testemunha quando confrontada com as fotografias.
Neste sentido, vide ainda o depoimento de GNR1 nos minutos de 13:19 a 13:53.
XLIII. Ademais, o facto de ser possível circular na “estrada” onde o arguido supostamente circulava também foi desmentido pelas testemunhas T3, T1 e T2. Neste sentido, vide o depoimento da T3 entre os minutos 07:27 a 07:39:
“Adv: e os outros carros também circulam por lá, os restantes trânsitos?
Testemunha: Carros com atração total, carros ligeiros não, não há hipótese, tudo só viaturas com tração 4x4 como queiram chamara.”
Ainda o depoimento de T1 entre os minutos 09:02 e 09:16:
“Test: Camiões quando é para tirar a madeira, camiões com tração às 4.
Adv: Tipo á camiões com tração às 4.”
Neste sentido, vide, por fim, o depoimento de T2, aos minutos 11:21 a 12:23:
“Adv: E passam lá carros com frequência?
Testemunha: Só jipes e pessoal de trabalho.
Adv: Porquê jipes?
Testemunha: Porque é…
Adv: Por que tipo de solo é composto esse caminho?
Testemunha: É areia. Areia, raízes, aquelas raízes das árvores. É um caminho muito ruim pronto.
Adv: Então e se eu pegasse num veículo com tração à frente dava para passar lá?
Testemunha: Ficava logo lá acarvado. E mesmo da entrada do alcatrão para o caminho de areia, para o aceiro, aquilo chama-se um aceiro, aí ficava logo com o carro apoiado se não tiver altura fica logo apoiado.
Adv: Ai tem que ser um carro mais elevado.
Testemunha: Tem que ser um carro mais alto, por que se não apoiado, aquilo tem a valeta e pronto, depois faz um buraco e o carro fica logo apoiado e portanto um jipe que é mais alto ele passa, agora carro ligeiro não fica logo lá a patinar. Um carro sem tração fica lá logo a patinar, aquilo é areia solta.”
XLIV. Também assim, os depoimentos dos militares da GNR se mostram desfasados com a realidade, chegando a ser fantasiosos e parciais uma vez que é manifesto que um veículo ligeiro, com tração apenas a duas rodas, possa circular pelo “caminho” apresentado nas fotografias já referidas.
XLV. Assim, se se não provasse que o arguido circulava na estrada municipal sem número, sempre teria circulado numa “via pública”, pois que supostamente o “caminho” era circulável pela maioria dos automóveis, de acordo com a versão dos militares da GNR.
XLVI. Por isso é que faltaram à verdade dizendo que qualquer veículo circulava nesse suposto caminho e até “perfeitamente”, quando as fotografias desmentem de forma inequívoca essa versão por completo.
XLVII. A testemunha GNR1 procurou logo justificar que no caminho o arguido estaria no “domínio público”, apesar de ninguém o ter questionado sobre esse tema até então, o que revela logo uma forte parcialidade e vontade de defender o auto e a acusação que o mesmo desencadeou. Vide os minutos 08:40 a 09:30 do depoimento de GNR1:
“Testemunha: Eu sou bom condutor.
Adv: Não, mas ele podia não ser. Nesse caso, se eu vejo um obstáculo ou um veículo que se aproxima do meu lado direito a minha tendência é afastar-me para o lado esquerdo não é? Ou pelo menos por precaução desvio-me, o senhor diz que não…
Testemunha: O Sr. Dr. está a colocar em causa se o senhor efetivamente entrou na faixa de rodagem.
Adv: Eu não estou a colocar em causa, eu estou é perguntar-lhe a si…
Testemunha: Ele entrou com a frente da viatura no alcatrão. Não é isso também que está em causa, mesmo no caminho de terra batida onde ele circulava é domínio público, embora seja…”
Atente-se para a parte final do trecho supratranscrito em que a testemunha GNR1 acaba por dizer que o arguido circulava no caminho de terra batida que seria domínio público, dizendo que não estaria em causa o facto de ele ter ou não entrada com a frente da viatura no alcatrão.
XLVIII. Se dúvidas houvesse sobre a categorização do suposto “caminho” vide o mapa constante do documento 50 junto na segunda cessão de julgamento, confrontando-o com os documentos 1 a 7 juntos com a contestação.
XLIX. Da análise dos documentos referidos, e “caminho”, que na verdade é um aceiro, não pertence, tão pouco, à rede viária florestal, servindo apenas de divisão entre os talhões 44 e 45 da mata Nacional do ... Neste sentido, vide ainda a página 15 do documento nº 52 e as páginas 6, 12, 13 e 56 do documento nº 53, ambos juntos na segunda cessão de julgamento e disponíveis em http://www.icnf.pt/portal/florestas/ifn/ifn6 e http://www.icnf.pt/portal/florestas/gf/pgf/publicitacoes/encerradas/drf-lxvtej/pgf-mn-valado, respetivamente.
L. Se analisarmos os documentos 1 a 7, constatamos que o talhão onde se encontravam as testemunhas e o arguido tem cerca de 18,24 hectares.
LI. Da verificação das fotografias denominadas pelos documentos 1 a 44 que foram juntos na segunda sessão de julgamento, resulta que o local onde se encontravam as testemunha é composto por pinheiros e mato. Pelo que, é plausível que os militares da GNR não as tenham avistado e que as mesmas se encontrassem nas imediações.
Veja-se a este propósito o depoimento de GNR2 aos minutos 14:28 e
15:11:
“Juíza: Estava mais alguém presente?
Testemunha: Naquele local, as únicas pessoas que estavam presentes eram eu, o meu camarada e o senhor que está aqui.
Juíza: Nem ao longe? Não se apercebeu que tivesse mais alguém? Viu lá alguma carrinha, outro meios de transporte sem ser o trator?
Testemunha: Não. Naquele local onde estávamos não. Aquilo depois é ali uma
área de pinheiros e de mato.
Que eu tenha visualizado digamos assim nem viatura nem (impercebível). Supostamente até deviam andar, o senhor não devia de estar sozinho, não é? Mas no local, naquele local onde foi abordado não estava mais ninguém.”
Vide ainda o depoimento de GNR1 aos minutos 16:40 a 17:05:
“Juíza: Apercebeu-se da presença de mais alguém no local?
Testemunha: Não havia mais alguém no local. No local, ali naqueles metros próximos. É possível que houvesse alguém a fazer o corte de madeiras, é uma distância considerável, não era visível.”
LII. Assim, a Mma. Juíza entendeu que, por os militares da GNR não terem visto mais ninguém no local, para além do arguido, as testemunhas T1 e T2 não estariam no local, mas são os próprios militares da GNR que dizem existir essa probabilidade.
LIII. Mais, resulta das regras da experiência que para efetuar o corte de madeira num lote com cerca de 18 hectares, em que é necessário dividir tarefas, sejam necessários vários trabalhadores.
LIV. Considerando o mato e as árvores existentes no local, é mais do que provável que se encontrassem mais trabalhadores nas imediações onde o arguido foi abordado.
LV. Considerou ainda, o tribunal a quo, que seria estranho as testemunhas T1 e T2, ao darem conta de que o arguido havia sido abordado pelos militares da GNR, não abordarem os mesmos, o que para nós parece-nos perfeitamente normal.
LVI. Talvez uma pessoa instruída e que desempenha um cargo público e de autoridade, ao ver um colega seu ser abordado por militares da GNR procure saber o que se passa.
LVII. Porém, considerando que as testemunhas são motosserristas, com pouca instrução, para eles as autoridades são sinónimo de problemas e de aborrecimentos.
LVIII. Pelo que, seria normal as pessoas normais não se aproximarem do arguido aquando da abordagem pelos militares da GNR, de forma a evitar problemas e aborrecimentos, como se disse.
LIX. Da sentença consta ainda que, as versões da testemunha T1 e T2 eram totalmente coincidentes nas horas e nas distâncias, o que suscitou fortes dúvidas acerca da veracidade dos seus depoimentos.
LX. Sobre esta afirmação não podemos deixar de dizer que não é verdade, desconhecendo-se a que se refere a Mma. Juíza.
LXI. Aduziu ainda o tribunal a quo que a versão da defesa seria totalmente contrária às regras da experiência comum e da normalidade.
LXII. Por fim, a Mma. Juíza referiu que lhe parecia irrelevante a natureza do contrato de trabalho do arguido, o talhão no qual era cortada a lenha e a natureza, composição e destino da estrada da mata, mas tais factos são essenciais para analisar de forma critica os depoimentos prestados pelas testemunhas e perceber o contexto em que os factos se desenrolaram.
LXIII. Em nosso entender, o tribunal decidiu descredibilizar o depoimento de T1 e de T2 apenas porque estes entravam em contradição com aqueles que serviam à condenação, isto é, com os depoimentos dos militares da GNR GNR1 e GNR2.
LXIV. O depoimento das testemunhas GNR1 e GNR2 não oferecem qualquer credibilidade, pois contêm várias afirmações que não correspondem manifestamente à verdade, denotando uma total falta de imparcialidade naquilo que disseram em sede de julgamento.
LXV. Pelo menos, tais contradições no depoimento deveriam levar o julgador a duvidar da veracidade dos factos relatados pelas referidas testemunhas.
LXVI. Ao decidir como decidiu, o tribunal violou o princípio da presunção da inocência e do “in dubiu pro reo, decorrente do nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, sendo que, como já tinha formulado o seu juízo logo de início, o julgador não conseguiu aperceber-se das várias contradições presentes no discurso e conteúdo dos depoimentos das testemunhas referidas e com os documentos.
LXVII. Pelo que, na dúvida devia o tribunal a quo ter decidido a favor do arguido, dando-se como não provados os factos constantes da acusação, em especial os constantes dos artigos 3º a 6º dos factos provados na douta sentença,
LXVIII. É notório que, face à prova testemunhal produzida e aos documentos constantes dos autos, existe uma claríssima dúvida razoável de que o arguido praticou os factos de que foi acusado e pelo os quais foi condenado, sendo que tais factos deviam ter sido dados como não provados.
LXIX. Posto isto, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, sindicamos que o tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP.
LXX. Assim, deve ser revogada a sentença recorrida e o arguido absolvido.
LXXI. Por fim, diremos que, o arguido havia sido condenado na pena acessória de proibição de veículo a motor pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal.
LXXII. Atendendo a que pena acessória de proibição de condução foi aplicada na sequência da prática do crime referido no artigo anterior e que este tem como elemento objetivo que que o facto tenha sido praticado na via pública, somos do entendimento que, a proibição de condução de veículos a motor apenas é válida também na via pública.
LXXIII. Deste modo, para que o arguido pudesse ser condenado pela prática do crime de violação de imposições e proibições, necessário é que tenha conduzido veículo a motor na via pública, o que não aconteceu.
LXXIV. Mesmo que se desse como provado que o arguido se encontrava a manobrar o braço mecânico ou grua do trator, também não se podia considerar que o mesmo se encontrava a conduzir o veículo em causa, até porque, como resulta do depoimento da testemunha T2 (minutos 2:40 a 03:13), o trator encontrava-se imobilizado e com as “sapatas no chão”.
LXXV. Também assim, não devia o arguido ter sido condenado, por não se encontrarem preenchidos os factos típicos da norma incriminadora.
Nestes termos e nos demais de direito, cometeu o tribunal a quo erro notório na apreciação da prova – al. c) do nº 2 do artigo 420º do C.P.P. – devendo ser alterada a matéria de factos 3 a 6 considerados provados na sentença para não provados, nos artigos 431º do C.P.P.
Consequentemente, deve a sentença ser revogada e o arguido absolvido dos crimes de foi acusado e condenado.”

3. Admitido o recurso, veio o Digno Magistrado do Ministério Público apresentar resposta em que pugna pelo seu não provimento e formula as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Foi efectivamente provado quer os elementos objectivos, quer subjectivos do tipo legal de violação de imposições, proibições ou interdições;
2. Os factos foram correctamente julgados, sendo que o recorrente apenas põe em causa a livre convicção do julgador e o princípio da imediação”.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer em que acompanha a posição tomada pela Digna Magistrada do Ministério Público da 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.
6. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre agora decidir.
*
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:
- Erro notório na apreciação da prova.
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto provada, a consequente modificação daquela decisão e necessária absolvição do recorrente.
- Violação do princípio in dubio pro reo.
*
2. A sentença recorrida.
2.1. Na sentença proferida pelo tribunal a quo foram dados como provados os seguintes factos:
Da Culpabilidade
1. No processo abreviado n.º 351/15.0GCPBL, a correr termos na Secção Criminal, J2, da Instância Local de Pombal, Comarca de Leiria, o arguido AA condenado no dia 13 de Janeiro de 2016, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com a condição de entregar a quantia de €200,00 à Santa Casa da Misericórdia de Pombal, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses.
2. O arguido procedeu à entrega da sua carta de condução ao supra referido processo, para iniciar o cumprimento da pena acessória em que ali havia sido condenado, no dia 19 de Fevereiro de 2016.
3. No dia 04 de março de 2016, pelas 16h50m, o arguido, vindo de uma estrada da mata, introduziu o tractor agrícola de matrícula ---, da marca Valtra, T130, na Rua ---, em ---, concelho da ---, que liga --- a ---, em ---, ocupando com a sua frente metade da faixa de rodagem, tendo depois, ao aperceber-se da presença da viatura policial, recuado a viatura de volta para a estrada da mata de onde vinha.
4. O arguido agiu de firma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que sobre si impendia o dever de não conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses após a entrega do seu título de condução, em cumprimento da pena acessória que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo abreviado supra referido.
5. Não obstante, o arguido conduziu veículo motorizado nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, violando com essa sua conduta uma proibição determinada por sentença criminal, a título de pena acessória.
6. O arguido sabia, pois, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Da determinação da sanção
7. O arguido foi condenado, por sentença de 09/01/2007, transitada em julgado em 24/01/2007, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €7,00, pela prática, em 30/12/2006, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.
8. O arguido foi condenado, por sentença de 18/03/2010, transitada em julgado em 26/04/2010, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €9,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses pela prática, em 19/07/2009, de um crime de condução perigosa veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1 do Código Penal.
9. O arguido foi condenado, por sentença de 24/08/2009, transitada em julgado em 31/01/2001, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €7,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses pela prática, em 09/08/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.
10. O arguido foi condenado, por sentença de 13/01/2016, transitada em julgado em 12/02/2016, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com a condição de entregar a quantia de €200,00 (duzentos euros) à Santa Casa da Misericórdia de Pombal, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses pela prática, em 29/08/2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.
11. AA nasceu na Ucrânia, onde viveu até aos 25 anos de idade, altura em que, em busca de trabalho e melhores condições de vida, decide imigrar para Portugal, onde já se encontra há 16 anos.
12. Concluiu o 8º ano de escolaridade, sem retenções, após o que realiza um curso de formação na área de manobrador de máquinas.
13. Em Portugal, fixa residência inicialmente em Leiria, onde exerce a profissão de manobrador de máquinas e motosserrista.
14. Há cerca de dez anos, o arguido regressou à Ucrânia, com a finalidade de contrair casamento com a sua namorada – ---, de quem tem um filho – ---, com 9 anos de idade, que frequenta o 4.º ano de escolaridade, na escola de ---.
15. Após ter trabalhado por cerca de 14 anos em Leiria, o arguido foi contratado por uma empresa da ---, para exercer funções de motosserrista e manobrador de máquinas, funções que exerce por conta da mesma entidade patronal há cerca de 3 anos, auferindo 650 euros mensais.
16. É considerado um trabalhador exemplar.
17. O arguido altera residência, juntamente com a esposa e o filho de ambos para a ---, onde residem numa casa arrendada, desde há cerca de três anos, pela qual pagam 200 euros mensais.
18. Após já ter trabalhado na por conata da empresa “---”, a esposa encontra-se actualmente desempregada.
19. No meio em que se insere o arguido é referenciado como educado, respeitador, trabalhador e muito dedicado á família, não sendo conotado com qualquer tipo de comportamento desadequado.
20. Do ponto de vista do seu funcionamento pessoal, AA apresenta capacidades e competências para avaliar e distinguir condutas do ponto de vista normativo.
21. Encontra-se preocupado e ansioso com o desfecho da presente situação processual.”

2.2. Por sua vez, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:
“i. Na data e hora aludidos em 3 o arguido encontrava-se apenas a manobrar o braço mecânico do tractor agrícola aí identificado.
ii. O que fazia a cerca de 20 metros da Rua ---, num aceiro da Mata Nacional do ---, entre a referida rua e a linha férrea.
iii. A deslocação do tractor de e para o aludido local foi sempre realizada por T3.”.

2.3. A sentença recorrida apresenta a seguinte motivação da decisão de facto (transcrição):
“O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, a qual, cotejada com as regras da experiência, se revelou suficiente em ordem a, para além de qualquer dúvida razoável, dar como provados os factos acima mencionados.
O arguido optou por se remeter ao silêncio, não prestando declarações, pelo que valorou o Tribunal quer a prova documental junta aos autos, quer a prova testemunhal produzida em audiência.
Assim, para prova do constante de 1 e 2 valorámos 39 a 90 e de fls. 98 e 99.
Já os militares GNR1 e GNR2 confirmaram o teor do auto de notícia, tendo ainda esclarecido que, efectivamente, por manifesto lapso, foi remetida uma cópia aos serviços do Ministério Público (fls. 5 a 7), antes de o mesmo ter sido assinado pela testemunha GNR2, o que sucedeu nesse mesmo dia no original (fls. 31 e 32).
Invoca o arguido a invalidade do auto de notícia, porquanto se verifica uma divergência entre o teor de fls 4 a 7 (assinatura apenas do autuante) e o auto de notícia de fls 30 a 32 (assinatura do autuante e de uma testemunha), desconhecendo-se qual será o documento original.
Ora, sem prejuízo de melhor entendimento, não se vislumbra qualquer invalidade do auto de notícia, muito menos quaisquer dúvidas acerca da sua veracidade ou genuinidade, ou ainda sobre qual dos documentos é o original. Na verdade, parece-nos claro que, nestes autos, apenas existe um auto de notícia, que é o de fls. 30 a 32, que se mostra assinado e carimbado, sendo os demais meras cópias que foram prematuramente tiradas antes do aludido documento estar completo, como decorre com clareza dos depoimentos dos militares inquiridos.
Nos termos do artigo 243.º do código de Processo Penal “1 - Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem: a) Os factos que constituem o crime; b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido; e c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos. 2 - O auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar. 3 - O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, e vale como denúncia. (…)”.
Efectivamente do aludido preceito legal decorre a obrigatoriedade de assinatura do auto de notícia pela entidade que o levantou. No entanto, desde logo se salienta que o auto de notícia (quer a cópia remetida aos serviços do Ministério Público, quer o original) se mostra devidamente assinado pelo agente autuante (“entidade que o levantou”), sendo certo que o auto original, que é o que deve ser valorado e assume valor probatório, se mostra também assinado pela testemunha GNR2.
Sendo certo, ademais, que a existir qualquer vício se trataria, nos termos dos artigos 118.º, 119.º 120.º e 123.º todos do código de Processo Penal, de mera irregularidade, que só determinaria a invalidade do acto quando arguida pelo interessado nos 3 dias subsequentes àquele em que foi notificado para qualquer acto do processo, ou intervindo em algum acto nele praticado. Considerando que o arguido foi notificado da acusação, do despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento, apresentou contestação e só no início da audiência de julgamento, já com a referida irregularidade sanada, a arguiu.
Afigura-se-nos, assim, que inexiste qualquer invalidade do auto de notícia, nem tão pouco se suscitam dúvidas acerca da sua autenticidade. Não obstante, sempre se salientará que pouca relevância assume tal questão já que, como passaremos a explicar, a motivação do Tribunal adveio, essencialmente, da prova testemunhal produzida.
Assim, como começámos por esclarecer, os militares da GNR GNR1 e GNR2 deram conta de que estavam em serviço normal de patrulha, circulando na rua ---, em ---, concelho da ---, que liga --- a --- , quando se depararam com o arguido, que conduzia o tractor agrícola. O arguido surgiu à direita dos militares, vindo de uma “estrada de mata”, tendo introduzido a frente do tractor na estrada municipal, introduzindo-se na faixa de rodagem, tendo GNR2 referido até que o tractor ocupou metade da faixa de rodagem da direita, na qual circulava o veículo dos militares, comportamento típico de quem pretendia atravessar a estrada municipal, por forma a entrar na continuação da estrada da mata, do outro lado da estrada municipal.
Mais esclareceram que, ao aperceber-se da presença do veículo da GNR, o arguido deixou descair o tractor, fazendo-o recuar de novo para dentro do caminho de onde vinha, comportamento que lhes causou estranheza, uma vez que, à velocidade a que seguiam, o arguido teria tempo de atravessar a estrada municipal.
Deram ainda conta da forma como fizeram inversão de marcha mais à frente, mantendo sempre contacto visual com o arguido, que nunca saiu do tractor, tendo abordado o mesmo, que se identificou com título de residência.
Depuseram os Senhores militares de forma isenta e absolutamente desinteressada, sem que se consiga vislumbrar qualquer fundamento para que se ponha em causa tais depoimentos, cuja credibilidade não foi abalada pela demais prova produzida.
Na verdade, a testemunha T3, gerente da pessoa colectiva entidade empregadora do arguido, deu conta de que no referido dia saiu pelas 16h30m tendo deixado o arguido a descarregar madeira no tractor, sem que houvesse qualquer necessidade de o mesmo movimentar o tractor. No entanto, não estava no local quando apareceu a GNR, pelo que o seu depoimento não mereceu especial relevância.
Por outro lado, as testemunhas T1 e T2, colegas de trabalho do arguido naquele período de tempo, pareceram-nos claramente parciais, procurando eximir o arguido de qualquer responsabilidade. Veja-se que ambas as testemunhas referem estar a trabalhar no local em apreço na data e hora dos factos, estando ambos a “juntar” madeira, ao passo que o arguido, no tractor, descarregava madeira. Ambas as testemunhas se encontravam a cerca de 50 metros do arguido, que estava a 20 metros da estrada municipal. Ambos referem que às 16h30m a patroa (T3) se ausentou e às 16h50m chegou a GNR, referindo T1 ter visto apenas um militar, ao passo que T2 viu 2. Nenhum deles se apercebeu da chegada dos militares, mas ambos garantem que o arguido não movimentou o tractor. No entanto, apesar de se terem apercebido da presença dos militares, da abordagem dos mesmos ao arguido, que inclusivamente foi conduzido ao posto da GNR, nenhum deles se aproximou, perguntou o que se passava, se era preciso alguma coisa, tanto que nenhum dos militares presentes se apercebeu da presença de qualquer outra pessoa nas imediações… Conduta no mínimo estranha, considerando os factos em questão, sem olvidar a total coincidência de horas e distâncias, o que, considerando o lapso temporal já decorrido (quase um ano), nos suscita fortes dúvidas acerca da veracidade de tais depoimentos.
Sendo ainda certo que não podemos deixar de salientar que a versão aqui aflorada pela defesa, de que os militares, em patrulha, terão saído da estrada municipal, entrando na estrada da mata, para depois abordar o arguido, que estava apenas a movimentar o braço mecânico do tractor, sem locomover o mesmo, se mostra completamente contrariada pelos depoimentos dos militares intervenientes, bem como se afigura totalmente contrária às regras da experiência comum e da normalidade.
Por outro lado, sem prejuízo de melhor opinião, parece-nos totalmente irrelevante a natureza do contrato celebrado pela entidade empregadora do arguido, o talhão no qual era cortada lenha, a natureza, composição e destino da estrada da mata, uma vez que o que está em causa na acusação é a condução pelo arguido na rua da estrada municipal. E essa conduta do arguido resulta, na opinião da signatária, absolutamente confirmada pela prova testemunhal produzida em audiência.
Mais teve o tribunal em consideração o teor do certificado de registo criminal do arguido, emitido em 16/01/2017, a certidão supra aludida, cuja condenação não se mostra ainda inscrita no certificado de registo criminal e ainda o teor do relatório social junto aos autos.
Relativamente aos factos não provados, os mesmos resultam ostensivamente contrariados pelos factos provados.
Não foram tomados em consideração os factos conclusivos ou irrelevantes para a boa decisão da causa, aqui se incluindo a alusão aos meios de prova.
Do mesmo modo, não foram considerados os juízos meramente conclusivos nem as referências meramente jurídicas, a apurar em sede própria, em face da análise factualidade provada”.
*
3. Apreciando.
Como é sabido, a decisão sobre a matéria de facto é susceptível de ser sindicada por duas vias: por um lado, no contexto mais restrito dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP e, por outro, no âmbito da impugnação ampla regulada no artigo 412.º, n.os 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
No presente caso o recorrente faz assentar a sua posição em ambas as vias indicadas, ao invocar que a decisão quanto à matéria de facto provada enferma do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e ao impugnar factualidade provada que no seu entendimento não é sustentada pela prova produzida nos autos e que indica na motivação do recurso que interpôs.
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3.1. Tal como os restantes vícios elencados no citado normativo, o erro notório na apreciação da prova deve resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não podendo, pois, estender-se a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte da decisão. Cf. Germano Marques da Silva, op. cit., pág.324, e Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., págs.84-85.
Neste contexto, conforme se assinala no Acórdão do STJ de 20-04-2006, o erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do referido normativo “consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova”. Aresto proferido no processo n.º 06P363 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
No vício do erro notório está em causa, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente o que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à prova objecto de apreciação, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
In casu, o recorrente sustenta que o tribunal a quo incorreu no referido erro quando deu como provados os factos constantes dos pontos 3 a 6 da sentença recorrida, por ser notório que face à prova testemunhal produzida e aos documentos constantes dos autos existe uma claríssima dúvida razoável de que aquele praticou a conduta de que foi acusado pela qual foi condenado, consubstanciada na condução de veículo a motor na via pública, sendo que tal factualidade devia considerar-se como não provada.
Para tanto transcreve os segmentos dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento que no seu entendimento sustentam o desacerto da decisão tomada quanto à matéria de facto, sendo tal prova a base para a verificação do vício decisório que diz existir relativamente à factualidade dos citados pontos 3 a 6 da sentença recorrida.
Verifica-se, pois, que ao suscitar o apontado erro notório na apreciação da prova o recorrente se ancora, no essencial, em fundamentos que extravasam os limites da sindicância prevista no citado artigo 410.º, n.º 2, remetendo para um juízo sobre a valoração da prova produzida em audiência feita pela 1.ª instância que é próprio do mecanismo consagrado no artigo 412.º, n.os 3, 4 e 6 do CPP e do qual nos ocuparemos mais adiante.
Ainda assim, sempre se dirá que da análise do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, não se detecta qualquer erro ostensivo que evidencie o desacerto da opção tomada quanto à matéria que o tribunal considerou provada.
Com efeito, na fundamentação quanto à matéria de facto dada como assente, acima transcrita (cf. 2.3.), o tribunal a quo elencou as razões da valoração que efectuou, identificando a prova testemunhal que relevou na formação da sua convicção e indicando os aspectos de tal prova que conjugadamente o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade impugnada, bem como assinalando de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade reconhecida aos depoimentos das testemunhas GNR1 e GNR2 e retiram relevância probatória aos depoimentos das testemunhas T3, T1 e T2.
Temos, assim, que do quadro descrito na motivação quanto à matéria de facto provada e do teor global da decisão recorrida não se verifica qualquer erro na valoração probatória resultante da violação das regras da experiência comum que seja patente aos olhos de qualquer observador que lê a decisão, pelo que forçoso se torna concluir que a sentença recorrida não padece do vício de erro notório na apreciação da prova invocado pelo recorrente.
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3.2. Alega também o recorrente que a prova em que se baseou o tribunal a quo não permite considerar demonstrados os factos constantes dos pontos 3 a 6 da sentença recorrida, no sentido de que aquele realizou a condução de veículo a motor na via pública.
A pretensão assim deduzida inscreve-se no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, regulada no artigo 412.º, n.os 3, 4 e 6 do CPP, em que o recorrente invoca razões de ordem probatória que no seu entendimento impõem decisão diversa da que se consignou nos invocados pontos da factualidade provada.
Neste caso a sindicância não se limita ao texto da decisão e estende-se à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites resultantes do que foi fornecido pelo recorrente, em cumprimento do ónus de especificação estabelecido nos n.os 3 e 4 do citado artigo 412.º
Não se trata, contudo, da realização de um novo julgamento, como se o da 1.ª instância não tivesse ocorrido, antes constituindo um remédio jurídico destinado a dar resposta às situações em que a prova produzida impõe decisão diversa da alcançada.
Como sublinha, pois, o STJ, em Acórdão de 12-06-2008, embora a sindicância da matéria de facto operada através da impugnação ampla se debruce sobre a prova produzida em audiência de julgamento, “há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação”. Aresto proferido no processo n.º 07P4375 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
In casu, o recorrente identificou de forma concretizada os pontos de factos que considera incorrectamente julgados e especificou as provas que no seu entendimento impõem decisão diversa da recorrida, expondo as razões que, segundo ele, levam a tal decisão diversa, sendo que no corpo da motivação e nas conclusões fez indicação das referências da gravação efectuada no sistema Citius dos depoimentos das testemunhas GNR1 e GNR2, T3, T1 e T2 e transcreveu os segmentos que considerou relevantes, pelo que foi dado cumprimento ao ónus de especificação previsto no artigo 412.º, n.os 3 e 4 do CPP, nos termos acima enunciados.
Conforme resulta da posição assumida no recurso, as razões da divergência do recorrente em relação ao que concluiu o tribunal a quo prendem-se com a diferente valoração da prova produzida, sendo que aquele pretende substituir a sua própria convicção à que foi alcançada pelo tribunal que julgou a causa.
Sucede que nesta matéria vigora o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, nos termos do qual, salvo existência de prova vinculada ou tarifada (como é o caso da pericial, face ao valor que lhe é reconhecido no artigo 163.º, n.º 1 do CPP), o tribunal decide quanto ao mais de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.
Livre apreciação que, embora não sujeita a regras legais que pré-determinem o valor das provas, tem se traduzir “em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”. Cf. Acórdão n.º 1165/96 do Tribunal Constitucional de 19-11-1996, disponível na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>.
Daí a relevância da fundamentação (neste caso de facto) que obrigatoriamente deve constar da sentença, nos termos previstos no artigo 374.º, n.º 2 do CPC e que em sede recursória permite tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido em tais decisões (os fundamentos), elemento essencial para a avaliação que lhe cumpre efectuar.
Tendo ainda presente que, em matéria de prova testemunhal e por declarações, a imediação e a oralidade que caracterizam a actividade da 1.ª instância permitem o contacto directo do julgador com os elementos de que tem de extrair a sua convicção (no caso o arguido, o assistente e as testemunhas) e fornecem importantes contributos para a formação da convicção baseada na livre apreciação que conduz ao resultado probatório vertido na decisão.
Pese embora a sindicância da matéria de facto pelo tribunal de recurso se funde no mesmo princípio da livre apreciação da prova, certo é que a análise efectuada com base na audição das declarações e depoimentos gravados não permite apreender os elementos percepcionados no apontado contexto de imediação e que revestem importância no processo de formação da convicção do julgador (os aspectos da comunicação não verbal como a postura mantida ao longo das declarações ou depoimentos, as reacções comportamentais de quem depõe ou de outros, presentes em julgamento, as hesitações, as pausas, os gestos, as expressões faciais, os olhares, em suma, “as particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir” Cf. Acórdão do STJ de 29-10-2008, proferido no processo n.º 07P1016 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>. ).
Por isso, a credibilidade e o valor que a 1.ª instância atribuiu a certas declarações ou depoimentos, na medida em que se inscrevem num resultado de imediação sujeito à livre apreciação, só deverão ser objecto de censura pelo tribunal de recurso quando ficar demonstrado que a opção tomada viola as regras da experiência comum (ou seja, que exprimem o que sucede na maior parte dos casos sendo, mais precisamente, regras extraída de casos semelhantes) consideradas válidas e legítimas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico e, portanto, dotadas de razoabilidade. Cf. Acórdão do STJ de 19-12-2007, proferido no processo n.º 07P4203 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>: “(…) a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. A sua aplicação concreta está, sem dúvida, fora de qualquer eventual controlo, mas a legitimidade daquela regra da experiência como norma geral e abstracta poderá eventualmente ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade como âmbito estritamente do juiz da 1.ª instância está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas, legítimas, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico”.
Ou, como se diz no Acórdão do STJ de 12-09-2013 Acórdão do STJ de 12-09-2013, proferido no processo n.º 150/09.8PBSXL.L1.S1 e citado no Acórdão do STJ de 11-06-2014, proferido no processo n.º 14/07.0TRLSB.S1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>., “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.
Assim, a impugnação decisão tomada pela 1.ª instância em sede de matéria de facto não se destina a suprir ou substituir o juízo que apoiado na imediação aquele tribunal formulou sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade a reconhecer às testemunhas. Os erros que o tribunal de recurso é chamado a remediar referem-se antes a situações em que, nomeadamente, a 1.ª instância ignorou determinado meio de prova (o que é diferente de não o valorizar por falta de credibilidade) ou considerou provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer a eles aludem, ou então afirmam o contrário. Cf. Acórdão da Relação do Porto de 10-05-2017, proferido no processo n.º 324/14.0SGPRT.P1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
Em suma, como atrás já foi referido, para a procedência da impugnação e consequente modificação da decisão de facto, não basta que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida [artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP], pelo que, como se conclui no Acórdão do STJ de 19-05-2010, “o uso pela relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve, portanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”. Aresto proferido no processo n.º 696/05.7TAVCD.S1 e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>. Cf. ainda o Acórdão desta Relação de 15-12-2016, proferido no processo n.º 55/15.3GCMBR.C1 e também disponível no mesmo sítio da Internet.
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Revertendo ao caso dos autos, o recorrente vem sustentar que foram incorrectamente julgados provados os factos constantes dos pontos 3, 4, 5 e 6 da sentença recorrida, sendo que, no essencial, invoca que os depoimentos dos militares da GNR, GNR1 e GNR2, em particular quando confrontados com os depoimentos das testemunhas T3, T1 e T2 e com os documentos juntos com a contestação e na audiência de julgamento, não permitem suportar a demonstração da referida factualidade.
Ora, a Relação ouviu o registo gravado da prova indicada pelo recorrente, ou seja, os depoimentos das testemunhas GNR1, GNR2, T3, T1 e T2 (cf. artigo 412.º, n.º 6 do CPP) e, diga-se desde já, da sua análise à luz do que vem invocado na impugnação feita no recurso não resulta qualquer elemento que imponha decisão diversa da que o tribunal a quo proferiu relativamente aos aludidos factos provados.
Isto tendo presente que a sindicância que cumpre realizar visa remediar erros de julgamento revelados pela sua demonstração objectiva e não se destina a substituir o juízo que, apoiada na imediação e no exercício da livre apreciação, a 1.ª instância formulou sobre a prova produzida, juízo esse que, como já assinalou supra, apenas deverá ser objecto de censura pelo tribunal de recurso quando objectivamente ficar demonstrado que a opção tomada viola as regras da experiência, face aos concretos aspectos suscitados na impugnação deduzida pelo recorrente.
Tal como indicou no exame crítico da prova efectuado na motivação, em que expôs as razões das opções tomadas em sede probatória, o tribunal a quo formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas GNR1 e GNR2, em conjugação com o auto de notícia de fls.30 a 32, cujo teor aqueles confirmaram.
Assinalando o julgador que os referidos militares depuseram de forma isenta absolutamente desinteressada, sem que se consiga vislumbrar qualquer fundamento para que se ponha em causa os respectivos depoimentos, cuja credibilidade não foi abalada pela demais prova produzida, passando depois a explanar as razões da reduzida relevância ou então da pouca credibilidade dos depoimentos das testemunhas T3, T1 e T2.
Aqui chegados, e tendo em vista os concretos aspectos suscitados na impugnação deduzida pelo recorrente, cumpre referir o seguinte:
a) Os factos constantes dos pontos 3 e 5 da matéria provada apresentam a seguinte redacção:
“3. No dia 04 de março de 2016, pelas 16h50m, o arguido, vindo de uma estrada da mata, introduziu o tractor agrícola de matrícula ---, da marca Valtra, T130, na Rua ---, em ---, concelho da ---, que liga --- a ----, em ---, ocupando com a sua frente metade da faixa de rodagem, tendo depois, ao aperceber-se da presença da viatura policial, recuado a viatura de volta para a estrada da mata de onde vinha.
(…)
5. Não obstante, o arguido conduziu veículo motorizado nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, violando com essa sua conduta uma proibição determinada por sentença criminal, a título de pena acessória”.

A este respeito sustenta-se no recurso que os depoimentos dos militares da GNR GNR1 e GNR2, em particular quando confrontados com os relatos das testemunhas T3, T1 e T2 e com os documentos juntos com a contestação e na audiência de julgamento, não permitem suportar a demonstração da referida factualidade, apontando-se àqueles dois depoimentos contradições e inconsistências que lhes retiram qualquer credibilidade, o que no mínimo deveria levar a duvidar da veracidade do que foi dito pelas referidas testemunhas.
Vejamos, pois.
Na linha do que já referimos supra, o tribunal a quo reconheceu credibilidade aos depoimentos das testemunhas, enunciando as razões que fundamentaram tal valoração, de forma lógica, racional e com base em dados objectivos, ancorados nas regras da experiência.
Ora, os concretos segmentos dos depoimentos das testemunhas T3, T1 e T2 que vêm indicados no recurso, assim como a prova também aí elencada, não são de molde a impor sentido diverso do que foi adoptado na sentença recorrida, ao considerar demonstrado que o arguido realizou a condução descrita nos pontos 3 e 5, com base nas razões que expôs na motivação aduzida na decisão, ancoradas fundamentalmente nos depoimentos das testemunhas a que reconheceu credibilidade e cujo teor suportou a demonstração da mencionada factualidade.
De referir que as alegadas vicissitudes na elaboração do auto de notícia e posterior comunicação ao Ministério Público foram devidamente esclarecidas com os depoimentos prestados, conforme se mostra explanado na motivação da sentença recorrida, não se verificando os vícios de conteúdo ou de forma suscitados no recurso e sem que se detectem as desconformidades de relato ali também apontadas. No fundo, como refere o tribunal a quo, o que está em causa na acusação é a condução pelo arguido na rua da estrada municipal e essa conduta resulta (absolutamente) confirmada pela citada prova testemunhal produzida em audiência, elemento que, por sua vez, vai ao encontro da indicação feita do auto notícia de que aquele foi detectado a circular com o tractor agrícola matrícula --- na via pública.
Por outro lado, conforme foi explicitado pela testemunha GNR1 [cf. circa 08m18s a 09m04s do respectivo depoimento gravado] e resulta do teor dos documentos n.os 1 e 2 juntos pelo arguido e constantes de fls.202 e 203 (fotografias do troço da estrada municipal em questão), a faixa de rodagem em causa apresenta uma berma com largura bastante (a testemunha atrás mencionada indicou cerca de um metro a um metro e meio de alcatrão fora da linha indicadora da estrada, o que se revela consentâneo com o que pode observar nas sobreditas fotografias) para albergar a entrada da parte da frente do veículo conduzido pelo arguido na citada estrada municipal sem que tal demandasse o desvio da viatura policial para a faixa da esquerda, para além de que não colide com o teor do esclarecimento da testemunha GNR2 de que o arguido entrou “até mais ou menos a meio da faixa de rodagem” por onde circulava a viatura da GNR e que ainda antes de esta passar aquele fez marcha atrás para o caminho de onde vinha quando entrou na estrada municipal [cf. circa 16m07s a 16m27s do respectivo depoimento gravado], não se detectando aqui, pois, qualquer desconformidade com as regras da experiência que ponha em causa a prova assim considerada pelo tribunal a quo e imponha decisão diversa da que este tomou.
Acresce que a circunstância de as duas testemunhas não terem fornecido uma informação absolutamente coincidente quanto à distância que percorreram na viatura em que seguiam até efectuarem inversão de marcha para ir ao encontro do arguido e do tractor tripulado pelo arguido tripulava [cerca 50 metros e antes da ponte sobre a auto-estrada A8, segundo GNR1, “se calhar” 20 metros, de acordo com o referido por GNR2], não é de molde a sustentar a inveracidade suscitada no recurso, uma vez que se trata de um aspecto em que não é exigível que a referência seja precisa e coincida em absoluto, quando no essencial da sua materialidade o relato efectuado por ambas as testemunhas não apresenta inconsistências que devam relevar à luz da normalidade das coisas e das regras da experiência.
No que respeita ao invocado “contacto visual interrupto com o arguido”, para além do que a imediação permite no caso sustentar e que esta Relação não se encontra em posição de questionar [bem patente, aliás, na elucidação fornecida pela testemunha GNR2 através de gestos e de outros elementos de linguagem não verbal que é possível depreender a circa 18m27s a 18m45s e 19m14s a 19m20s do seu depoimento gravado], há que atentar ao contexto em que se deu a observação em causa, mormente ao movimento associado à inversão de sentido de marcha efectuado pela viatura em que seguiam os militares da GNR, o que leva a concluir que a explanação que aquelas testemunhas prestaram em sede de audiência de julgamento não contende com as máximas da experiência, antes se revela consentânea com a mesma.
Por último, no que concerne às observações feitas em torno da areia que faz parte da estrada da mata referida no ponto 3 e que no recurso é fundamento de mais uma alegada incongruência que inquinaria a credibilidade dos depoimentos dos militares da GNR, conforme referiu o tribunal a quo na motivação da sentença recorrida, a natureza, composição e destino daquela estrada da mata afigura-se totalmente irrelevante, uma vez que o que está em causa na acusação é a condução pelo arguido na rua da estrada municipal, a qual resulta absolutamente confirmada pela indicada prova testemunhal. Ainda assim, sempre se dirá que os trechos dos depoimentos prestados e das interpelações feitas pelo julgador, indicados no recurso, não espelham a dinâmica da audiência de julgamento, na sua globalidade, sendo que dela não se retira a invocada postura de inverdade por parte dos militares que depuseram e que no entendimento do recorrente impunha decisão diversa da tomada na sentença recorrida. Aliás, no que respeita à “interpretação” que o recorrente faz do tom de voz utilizado pela Mma. Juiz na questão colocada à testemunha GNR2 (cf. conclusão XLII do recurso), importa referir que a convicção objectivada na motivação da sentença recorrida se revela contrária a um tal sentido dubitativo, o que claramente se pode retirar da globalidade dos depoimentos prestados e de concretos momentos da inquirição que o julgador conduziu e em que este assinala a informação prestada pelas testemunhas de que não obstante a areia ali existente é possível a circulação de viaturas ligeiras [cf., v.g., circa 19m02s a 19m25s do depoimento gravado de GNR1 e circa 08m23s a 09m11s do depoimento gravado de Pedro Filipe Pereira, com referência aos documentos n.os 3 e 4 de fls.204 e 205, exibidos à testemunha aquando da sua inquirição], sem suscitar reservas quanto à plausibilidade do assim referido.
Temos, pois, que os depoimentos das testemunhas que o tribunal a quo considerou credíveis pelas razões explanadas no aludido exame crítico da prova, confirmam a consistência da versão considerada demonstrada, levando justificadamente a que julgador desse como provados os factos acima referidos, sendo que nada na valoração que o mesmo fez da apontada prova apresenta qualquer desconformidade com as regras da experiência comum, mostrando-se, ao invés, devidamente sustentada em elementos lógicos e racionais que foram objectivados na decisão recorrida, sem que os elementos probatórios indicados pelo recorrente imponham decisão diversa da ali alcançada.
Tais elementos invocados pelo recorrente e o fim que com eles pretende alcançar caem no âmbito do juízo de credibilidade efectuado pela 1.ª instância que não compete ao tribunal ad quem sindicar, a não ser que a opção tomada se revele desprovida de qualquer razoabilidade e contrária às regras da experiência comum.
O que, como vimos, no caso não se verifica, encontrando-se o exame crítico concretamente efectuado pelo julgador dentro de critérios de normalidade e revelando justificada razoabilidade, pelo que inexistem razões para na presente sede recursória se proceder a qualquer tipo de censura, nada havendo a alterar quanto à indicada matéria que deste modo se deverá manter nos referidos ponto 3 e 5.
b) Por outro lado, os factos constantes dos pontos 4 e 6 da matéria provada apresentam a seguinte redacção:
“4. O arguido agiu de firma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que sobre si impendia o dever de não conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses após a entrega do seu título de condução, em cumprimento da pena acessória que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo abreviado supra referido.
[5. Não obstante, o arguido conduziu veículo motorizado nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar, violando com essa sua conduta uma proibição determinada por sentença criminal, a título de pena acessória.]
6. O arguido sabia, pois, que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal”.

A factualidade que respeita ao elemento subjectivo do conhecimento de que sobre o arguido impendia o dever de não conduzir veículos a motor pelo período de 9 meses após a entrega do seu título de condução, em cumprimento da pena acessória que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo abreviado referido no ponto 1 resulta demostrada pelo teor da própria sentença proferida no citado processo, cuja certidão se mostra junta a fls.71 a 90, conforme indicado na motivação, na qual não só foi aplicada a sobredita proibição como consta que aquele foi advertido que se conduzir durante o período de proibição pode incorrer na prática de um crime de violação de proibições, nos termos do artigo 353.º do Código Penal, sendo certo que, conforme se provou sob o ponto 2, o mesmo procedeu à entrega da sua carta de condução para cumprimento da pena acessória em 19-02-2016.
Quanto à restante factualidade de índole subjectiva e, portanto, do foro interno ou psicológico do arguido, indicada nos mencionados pontos da sentença recorrida, a sua sustentação probatória obtém-se por via de prova indirecta, ou seja, extrai-se de factos do foro externo ou objectivo, em termos de estes só serem racionalmente explicáveis como consequência normal e típica do correspondente propósito, constituindo, pois, uma sua manifestação exterior concludente que permite uma tal demonstração indirecta.
O que pressupõe que a factualidade conhecida permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não directamente demonstrado, por via de um procedimento lógico de indução, apoiado nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que determinados factos são a consequência de outros, tendo presente que a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indirecta pressupõe uma consistência apta a validar a inferência efectuada. Assim, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, de 12-08-2015, disponível na Internet em <http://www.tribunalconstitucional.pt>.
Com efeito, os factos do foro externo ou objectivo que foram dados como provados e que respeitam à anterior condenação do arguido em que lhe foi imposta a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses, cujo cumprimento aquele iniciou em 19-02-2016 (cf. pontos 1 e 2), em conjugação com a condução realizada em 04-03-2013, nos termos apurados no ponto 3, constituem base factual directa bastante para concluir no sentido da demonstração por via indirecta da mencionada matéria relativa ao foro interno do agente.
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Em síntese conclusiva, verificamos que a apreciação probatória efectuada pelo tribunal a quo e que o levou a considerar demonstrada a factualidade constante dos indicados pontos 3, 4, 5 e 6 não padece de qualquer erro de julgamento que na presente sede recursória fundamente a modificação desta matéria de facto, sendo que as concretas provas indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da alcançada no acórdão recorrido.
O valor que o tribunal a quo atribuiu à prova consubstanciada nos depoimentos das testemunhas GNR1 e GNR2, que entendeu serem credíveis e que sustentaram a decisão de considerar provada a sobredita factualidade, assenta em critérios lógicos e racionais e no uso de regras da experiência, não havendo no caso fundamento para questionar a sua validade e legitimidade, pelo que o princípio da livre apreciação da prova foi correctamente observado, justificando a opção tomada em relação aos referidos pontos de facto sindicados que assim se devem manter nos precisos termos em que foram formulados na sentença recorrida.
Improcedendo, por conseguinte, a impugnação da matéria de facto deduzida no recurso.
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3.3. Como é sabido, o in dubio pro reo constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o non liquet em matéria de prova seja valorado a favor do arguido.
Em sede de recurso, o uso feito do princípio in dubio pro reo afere-se pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo que quando daí resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido, se impõe concluir que ocorreu violação daquele princípio.
Ora, lida a sentença recorrida, em particular o que nela se escreveu quanto à motivação de facto, não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – quanto aos factos constantes dos pontos referidos no recurso e que a partir desse estado tenha considerado os mesmos demonstrados.
Aliás, na aludida motivação o tribunal a quo não só indicou indicar as razões que de modo lógico, racional e coerente justificam a opção probatória que tomou, como assinalou que a análise crítica do conjunto da prova produzida, em cotejo com as regras da experiência, permitiu concluir, para além de qualquer dúvida razoável, pela demonstração dos factos que deu como provados.
Não se detecta, pois, qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na sobredita motivação, antes nela se manifesta a convicção segura baseada na indicada prova, pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória que o mesmo efectuou e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo.
Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
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3.4. Considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos em que o foi pela 1.ª instância, conclui-se que os factos provados preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação de proibições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal, por cuja prática foi o arguido condenado, nada havendo a apontar quanto ao enquadramento jurídico a esse respeito efectuado na sentença recorrida.
Por sua vez, a pena aplicada – oito meses de prisão cuja execução foi suspensa pelo período de um ano –, respeita os critérios estabelecidos nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, sendo que as operações de determinação da medida da pena observaram um correcto procedimento, indicando e sopesando todos os factores relevantes para a dosimetria concreta, a qual foi fixada dentro dos parâmetros estipulados na lei e sem que se verifique violação das regras de experiência ou desproporção da quantificação efectuada Cf. Acórdão do STJ de 14-05-2009, proferido no processo n.º 19/08.3PSPRT e disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>., não merecendo, pois, qualquer censura a decisão tomada pelo tribunal a quo.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 8 de Maio de 2018
(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

Helena Bolieiro (relatora)
Brízida Martins (adjunto)