Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
339/08.7TBSRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CHEQUE
RECUSA DE PAGAMENTO
BANCO
DECLARAÇÃO
EXTRAVIO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 32º DA L.U.S/CHEQUE. ACÓRDÃO DO STJ UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2008, DE 28/02/2008
Sumário: I – Não sendo obrigado cambiário, já que não intervém na relação cartular (de emissão de cheque), o Banco (sacado) está obrigado perante o sacador ao pagamento do cheque nos termos da convenção que celebrou com o depositante (titular da provisão).

II – Esta obrigação tem os contornos do artº 32º da L.U. s/Cheque, segundo o qual “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação”, sendo certo que, se não tiver sido revogado, “o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo”, que é de oito dias, contados da data indicada como da emissão.

III – Revogar um cheque é a declaração do sacador ao Banco para que não o pague, mau grado o mesmo já ter entrado em circulação, sendo diversas as justificações que o sacador pode fornecer ao Banco para que não efectue o pagamento de um cheque por si emitido apesar de dispor de fundos para o efeito.

IV - O STJ tomou posição no sentido de pôr termo à controvérsia gerada na jurisprudência e na doutrina sobre a responsabilidade dos Bancos que recusem o pagamento de cheque apresentado dentro do prazo legal, com fundamento em ordem de revogação do sacador, através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008.

V – A circunstância de se considerar em vigor a 2ª parte do corpo do artº 14º do Dec. nº 13.004, de 12/0171927, não implica necessariamente a responsabilidade civil do sacado, decorrente da recusa de pagamento, nas situações em que o sacador declara a ocorrência do extravio do cheque.

VI – A revogação e o extravio de um cheque são realidades distintas que não se confundem, o que implica que se não possa aplicar a este (ao extravio) as consequências da revogação do cheque.

VII – A declaração ou simples informação de extravio de um cheque por parte do seu sacador torna lícita a sua recusa de pagamento pelo Banco sacado, constituindo uma justa causa para essa recusa, não configurando qualquer acto ilícito que gere a obrigação de indemnizar.

VIII – A informação de “extravio” prestada pelo sacador ao banco constitui motivo explícito bastante e sério para que este recuse o pagamento sem que lhe possa ser oposto que em face da eventual falta de provisão deveria exigir daquele maior informação por haver uma forte probabilidade de se não haver verificado essa anomalia.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial de Soure, “A....”, pessoa colectiva nº...., com sede na ...., instaurou acção declarativa de condenação que segue a forma do processo sumário contra o réu “Banco B...”, com sede na....., peticionando a condenação deste a liquidar à autora quantia não inferior a € 27.243,42, sendo € 26.666,97 de capital e € 576,45 de juros, acrescida dos respectivos juros legais vincendos até efectivo e integral pagamento.

Como causa do referido pedido, alegou que é portadora de três cheques, que juntou aos autos, no montante de € 8.309,07, € 9.468,28, e € 8.889,62, respectivamente, sacados por C...., sobre o réu Banco B..., os quais apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo, foi pelo banco recusado o seu pagamento com indicação “motivo extravio por mandato, do banco sacado”, de que resultou prejuízos para a autora no referido montante.

Regularmente citado o réu, contestou por excepção e por impugnação. No primeiro caso, invocando as excepções da ilegitimidade da autora e da prescrição do direito de demandar o réu. Por impugnação, alegando que a singular indicação no cheque como “beneficiário” de “ A...” viola as recomendações de Boas Práticas de Utilização dos Cheques, já que não permite extrair que se trate da autora “A....”; que nem todos os cheques foram apresentados a pagamento no prazo legal de oito dias referido no art. 29º da LUCH, pelo que a recusa de pagamento pelo banco réu era lícita; a recusa do pagamento dos cheques foi legítima porque fundada em justa causa (extravio); não cabe ao banco o ónus da prova da inexistência do motivo do não pagamento dos cheques, mas sim à autora.

Conclui, em síntese, que não pende sobre si qualquer dever de indemnizar a autora pois que: a) com ela não celebrou qualquer negócio e não é parte na relação cartular (responsabilidade contratual); b) não cometeu qualquer facto ilícito, pois foi lícita a recusa porque fundada em justa causa, conforme declarado no verso dos respectivos cheques (responsabilidade civil extracontratual).

Proferido despacho saneador que conheceu das excepções, julgando-as improcedentes, foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizado julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a acção “parcialmente procedente, e em consequência condeno o réu “Banco B...”, a pagar à autora “A....”, o valor de de € 26.666,97 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e noventa e sete cêntimos), acrescido dos juros vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento (cfr. arts. 804º, 805º, nº2, al. b), e nº3, 806º, todos do Cód. Civil e Portaria nº291/03, de 08/04, de 08.04)) à taxa legal de 4%.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o Réu concluindo que:

[……………………………………………]

Não se encontram nos autos contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

O tribunal de primeira instância considerou provada seguinte matéria de facto:

[…………………………………………….]

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a questão suscitada pela recorrente é a de saber se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito para que seja condenada no pedido, impugnando também a matéria de facto quanto à resposta dada pelo tribunal a quo ao ponto 16 da base instrutória.

Começando a apreciação do recurso pela impugnação da matéria de facto

[…………………………………………………….]

Quanto à decisão de direito.

Neste domínio a recorrente sustenta que não se encontram verificados nos autos os pressupostos da sua responsabilidade por facto ilícito e que, designadamente, não existe nexo de causalidade entre o facto e os danos porque competia à autora demonstrar e provar que na conta do sacador havia fundos necessários para o pagamento dos cheques, o que não aconteceu, não existindo pois conduta culposa da Ré que teve justa causa para recusar o pagamento.

Discute-se na presente acção a recusa do Banco réu em pagar os três cheques identificados, durante o prazo de apresentação a pagamento, alegando que o sacador daqueles os revogou com justificação em extravio.

A sentença recorrida considerou, blasonando-se de fundado no entendimento do acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº4/2008 (Diário da República I A de 4 de Abril de 2008), que não era permitido à recorrente recusar o pagamento e que tal recusa constituía um acto ilícito e culposo.

Apreciando esta questão de saber se o banco sacado pode recusar o pagamento do cheque dentro do prazo de apresentação a pagamento quando o sacador tenha revogado o título com a informação de extravio, temos em primeiro lugar presente que o cheque é “titulo cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele inscrita.” (Prof. Ferrer Correia in “Revista de Direito e Economia”, IV, n.º 2, 1978 - Julho - Dezembro, 457).

Embora não sendo obrigado cambiário, nos precisos termos da dogmática da relação cartular, e do disposto na Lei Uniforme Relativa ao Cheque, já que não interveio naquela relação nem subscreveu o título, o Banco está obrigado perante o sacador ao pagamento do cheque nos termos da convenção que celebrou com o depositante (titular da provisão) e esta obrigação tem os contornos do artigo 32 da Lei citada, segundo o qual “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação”, sendo que, se não tiver sido revogado, “o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo”, que é de oito dias contados da data indicada como da emissão (artigo 29).

Revogar um cheque é a declaração do sacador ao Banco para que não o pague, mau grado o mesmo já ter entrado em circulação, sendo diversas as justificações que o sacador pode fornecer ao banco sacado para que não efectue o pagamento de um cheque por si emitido apesar de dispor de fundos para o efeito. Desde a ocorrência de um desapossamento dos módulos de cheque por preencher ou já preenchidos, até à simples ordem de cancelamento tentando evitar o pagamento por razões que se prendem com o negócio subjacente à relação cartular todas estas situações cabem na designação de revogação ou revogabilidade do cheque[1].

Tendo o STJ decidido através do acórdão uniformizador 4/2008 que “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil.”,tal significa inequivocamente que tomou uma posição no sentido de pôr termo à controvérsia que sobre essa matéria se havia instalado na doutrina e na jurisprudência, sendo reflexo dessa controvérsia o número de votos de vencido que constam dessa decisão[2].

Num resumo breve sobre a discussão referida, o entendimento de que o portador de um cheque não tinha direito de acção nem cambiária nem de responsabilidade civil por facto ilícito contra o sacado que obedecendo a recomendações posteriores do sacador, o não paga no prazo de apresentação era sustentando por Abel Pereira Delgado[3] em anotação ao art. 32 da Lei Uniforme, remetendo para um acórdão do STJ, e tinha o apoio doutrinário de Ferrer Correia, tendo este Professor e Almeno de Sá, em parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XV-1990, tomo I, pp. 40-56, defendido que o portador de um cheque não tem direito de acção contra o Banco sacado que se recusa a pagá-lo dentro de prazo de apresentação, seja com fundamento em responsabilidade civil de natureza contratual, como a fundada em cessão de créditos, seja com fundamento em responsabilidade extracontratual, como a emergente de violação da lei, por considerarem, neste âmbito, que a Lei Uniforme sobre Cheques revogou tacitamente todo o art. 14.º do Decreto n.º 13004, cujo regime os referidos autores consideravam «frontalmente contrário ao sistema da L.U. e designadamente ao disposto no art. 32.º, que assenta na ideia de não vinculação do sacado perante o portador».

O mesmo entendimento sustentava a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, anterior ao acórdão uniformizador n.º 4/2000, de 19-01-2000 (publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 40, de 17-02-2000), e continuou a sustentar posteriormente a esse acórdão uniformizador, como decorre do acórdão do Supremo Tribunal[4], de 16.09.2001, declarando que «O contrato do cheque representa um meio posto à disposição do titular da provisão de aceder aos fundos depositados. Os sujeitos da relação jurídica do contrato do cheque são, assim, o sacador e o Banco sacado. O beneficiário do cheque é estranho a esta relação, pelo que não tem qualquer direito de acção contra o sacado.»

A revogabilidade do cheque, apesar do artigo 32.º da Lei Uniforme, era o entendimento maioritário na jurisprudência e na doutrina, referindo-se como exemplos significativos os acórdãos da Relação do Porto, de 21.12.89 e 5.4.90, publicados na Colectânea de Jurisprudência, Tomo 2, pág. 237, respectivamente, e o da Relação de Lisboa, de 5.4.90, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo 2, pág. 227, bem como a posição de Filinto Elísio favorável à revogabilidade nestes termos: «... o sacado em nenhuma hipótese é responsável quer haja ou não justa causa. Ele está ao serviço do sacador, único protagonista que conhece e com quem contratou, e enquanto não houver preceito a responsabilizá-lo não pode sofrer as consequências desfavoráveis de qualquer acto impensado ou mal pensado do sacador.»

A irrevogabilidade durante o prazo da apresentação a pagamento, susceptível de levar à consequente responsabilidade do sacado (banco), era já defendida por Adelino da Palma Carlos[5], vindo essa posição a ser assumida na jurisprudência pelo acórdão da Relação do Porto de 24.04.1990, onde se colocou em questão a jurisprudência dominante, que negava a possibilidade de o banco (sacado) poder ser responsabilizado pelo tomador (portador do cheque), ao abrigo dos princípios gerais da responsabilidade civil por acto ilícito (art. 483.º e seguintes CC), com fundamento na circunstância de o delegado português à Conferência de Genebra ter proposto sem êxito que se aditasse à LU, de acordo com o nosso direito então vigente (art. 14.º, alínea 2.ª do Dec. n.º 13 004), que o sacado, ao recusar o pagamento do cheque no decurso do prazo de apresentação com fundamento em revogação, respondesse por perdas e danos.

Desmerecendo o argumento dominante de que não havia qualquer dever do sacado para com o portador do cheque, considerando o banco mero depositário das quantias do sacador, não lhe competindo mais do que obedecer às ordens que este lhe dava, esse acórdão em referência contrariava ainda a doutrina que considerava revogado o artigo 14.º n.º 2 do Decreto n.º 13 004 «por conter princípios incompatíveis com a Lei Uniforme», concluindo que «Incorre em responsabilidade civil para com o portador do cheque o banco que deixa de o pagar com fundamento na sua revogação apesar da apresentação apagamento se efectuar dentro do prazo legal».

Na doutrina, a irrevogabilidade foi também sendo defendida, v.g., por José Maria Pires faz na obra citada[6], com a fundamentação de que: «… pela convenção do cheque, o sacado obriga-se perante o sacador a pagar ao beneficiário por ele indicado. Desta convenção, em si mesma, não resulta para o beneficiário qualquer direito sobre o sacado. Não é um contrato a favor de terceiro. No entanto, o instrumento pelo qual o sacador vai exercer o seu direito também não é um instrumento qualquer, apenas regulado pelas partes, antes está sujeito a um regime jurídico legalmente imperativo.»

Na jurisprudência, a tese de que o banco que, acedendo a solicitação do sacador sem justa causa, se recusa a pagar um cheque apresentado dentro do prazo legal, viola os arts. 32º da LUCH e 14º, 2ª parte, do Decreto nº 13.004, de 12.01.1927 e responde pelos danos causados ao portador legítimo, foi sendo também defendida ainda em momento anterior ao Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2000, de 19-01-2000 (publicado no D.R. nº 40, Série I-A, de 17-02-2000), e pela Relação do Porto, nomeadamente nos acórdãos de 18-03-2003, 19-02-2004 e 20-11-2007, proferidos respectivamente nos Processos n.º 0121360, 0430270 e 0725169, citados na Apelação n.º 3892/08 - 2.ª Secção.

Na sua fundamentação, o citado Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2000 deixa definitivamente aberto o caminho para a responsabilização do sacado (banco), perante o tomador (portado do cheque), nas situações em que a instituição financeira recusa o pagamento com fundamento da revogação efectuada durante o prazo de apresentação à cobrança, ao declarar em vigor (não revogado pela LU), a segunda parte do corpo do artigo 14.º do Decreto n.º 13 004, que tem o seguinte teor: «… No decurso do mesmo prazo (de pagamento) o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento do cheque com fundamento na referida revogação».

Nos fundamentos de tal conclusão, para contrariar a ideia da relatividade decorrente da natureza contratual da convenção de cheque, o assento refere expressamente que «… a acção de perdas e danos a que alude o preceito em análise não tem como fundamento a violação do contrato de cheque nem o incumprimento de qualquer obrigação cambiária do sacado. Ou seja: nem o sacado é demandado como obrigado cambiário nem o fundamento da sua responsabilidade reside na violação de uma relação jurídica que, entre ele e o portador, já estivesse estabelecida antes de se produzir o facto gerador da responsabilidade. Logo, a referida acção não colide em nada com o princípio de que o sacado não responde perante o portador, nem como obrigado cambiário, nem por incumprimento do contrato de cheque.»

Como dissemos, pretendendo por termo a esta polémica, o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2008, em que se funda a sentença recorrida decidiu, como já antes se mencionou, que uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no art. 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1.ª parte do art. 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos arts. 14º, 2ª parte do Dec. nº 13.004 e 483º,nº 1, do Código Civil..

Este sentido decisório não dispensa esclarecimentos, sendo o próprio texto do acórdão que adverte para a circunstância de “os casos de extravio, furto, outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, muitas vezes referenciados como justificando a respectiva revogação, não estão contidos no âmbito de previsão do artigo 32º da LUCH, como vimos.

Segundo José Maria Pires, citado no acórdão uniformizador a este respeito[7], no caso de extravio ou qualquer outra forma de “ilegítima apropriação” «… o que está em causa não é a revogação - o sacador proíbe o pagamento por considerar inválido o seu saque. Logo, não o revoga, porque a revogação pressupõe a validade do acto que por esse efeito, se extingue».

A circunstância de se considerar em vigor a segunda parte do corpo do artigo 14.º do Decreto n.º 13 004, como o fizeram os acórdãos uniformizadores citados (Assento do STJ 4/2000 e Acórdão de 28.02.2008), não implica necessariamente a responsabilidade civil do sacado, decorrente da recusa de pagamento, nas situações em que o sacador declara a ocorrência do extravio do cheque como exemplarmente se referiu no acórdão de 16.06.2009 do TRL, no Processo n.º 5479/07.7TVLSB.L1-1, in dgsi.pt, sumariado como «… pedindo-se o não pagamento de um ou mais cheques, com base em extravio, o banco deve abster-se de proceder ao seu pagamento, sem que para isso tenha de desenvolver diligências aferidoras da veracidade do motivo invocado. (…) Um caso destes não afronta o disposto no ainda vigente artigo 14.º, 2.ª parte, do Decreto n.º 13 004, de 12-1-1927, que responsabiliza civilmente o banco que se negue a pagar um cheque, no prazo de apresentação, com fundamento em revogação.».

Verificamos assim que a revogação e o extravio são realidades distintas que não se confundem, o que implica que se não possa aplicar a este (extravio) as consequências daquela (revogação), sendo certo que no Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2008, a responsabilidade civil extracontratual do banco sacado se funda numa dupla violação: i) da segunda parte do corpo do artigo 14.º do Decreto n.º 13 004 - que se refere à recusa de pagamento baseada na revogação pelo sacador; ii) da primeira parte do artigo 32.º da LU - que se refere também à revogação pelo sacador no prazo de apresentação.

E revertendo ao caso em decisão, observamos que não houve, nesse sentido, revogação do cheque por parte do sacador, no prazo de apresentação para pagamento, como aconteceria se nele constassem as indicações de «cheque revogado por justa causa” ou «cheque revogado”, mas sim declaração de extravio o que torna a sua recusa de pagamento lícita.

Podendo ser designada de fórmula tabelar, a declaração de extravio resume em si a expressão inconfundível e concreta de uma perda, de um desapossamento que não carece de mais menção alguma para que se configure como justa causa revogatória da ordem de pagamento que conste dos cheques.

Não se tendo alegado (nem provado) nos autos a existência ou não de provisão na conta sacada poderíamos terminar aqui a decisão do presente recurso considerando que não ficaram demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, o da ilicitude, argumento que é de todo decisivo.

Porém, por uma questão de rigor, e ainda que sem interferência na decisão de recurso assumida, poderia perguntar-se se este entendimento deveria sofrer alguma inflexão quando a declaração revogatória do cheque com justa causa, v.g. com a declaração de extravio, seja realizada relativamente a uma conta sacada que não dispõe de fundos para efectuar o pagamento.

Dando sentido à possibilidade de o banco sacado recusar o pagamento do cheque nos casos de justa causa e exigindo-se que a recusa tenha por base indícios sérios, afirma Evaristo Mendes[8]: «Seja como for, para o sistema de protecção assim concebido ter verdadeira efectividade prática - e foi essa a intenção do legislador - o requisito dos “indícios sérios” deve ser interpretado de modo exigente, considerando, portanto, como ilícita a recusa de pagamento sempre que o Banco não demonstre estar na posse de elementos dos quais resulta uma forte probabilidade de se haver verificado uma das mencionadas anomalias.».

No mesmo sentido, Alberto Luís[9] defende que “a obrigação do pagamento do sacado frente ao portador é uma obrigação ex lege, já que não nasce de um negócio jurídico, porque nenhum pacto une o portador ao Banco sacado. A responsabilidade do Banco, em caso de não pagamento injustificado do cheque, é, pois, de natureza extracambiária e abarca as perdas e danos produzidas pelo incumprimento do pacto de disponibilidade. E o não pagamento será injustificado se o Banco sacado acatar a ordem de revogação do seu cliente e em consequência não pagar, tendo fundos para isso, o cheque que lhe for apresentado dentro do prazo de apresentação.»

Como se observa, quando se questiona a possibilidade de não pagamento do cheque pelo banco, está sempre presente a ideia de o motivo da recusa ser injustificado e que esse pagamento poderia ser realizado porque a conta dispunha de fundos.

Porém, se a conta sacada se encontra sem provisão quando o cheque é apresentado a pagamento (no prazo referido no art. 29 da LURC) o que perguntamos é se o banco deve fazer constar a recusa de pagamento com base no extravio que o sacador lhe havia participado ou se deverá fazer constar (também) a falta de provisão retirando desta um indício de injustificação, contraditória com a informação de extravio por parte do sacador.

Estando ainda no domínio da apreciação da licitude/ilicitude da conduta do banco ao recusar o pagamento[10] o que importa é verificar se em face da informação de extravio prestada pelo sacador, no sentido de inutilizar a ordem que o cheque constitui, o banco pode conformar-se com ela ou se deve diligenciar pela verificação da existência de fundos.

Recordando a enunciada natureza do cheque como ordem imediata e incondicionada, dirigida a um banco no qual o emitente tem fundos disponíveis, para pagar a quantia nele inscrita, lógica e cronologicamente, antes da verificação de existência ou não da provisão, objectivamente, o banco tem de apurar se existe invocação de qualquer justa causa de recusa.

Em nosso aviso, mesmo que não exista provisão na conta sacada, se a invocação de justa causa respeitar os indícios sérios antes protestados não se poderá argumentar que a falta de provisão é suficiente para que a justa causa se transforme em revogação injustificada que responsabiliza o banco.

A informação de “extravio” prestada pelo sacador ao banco constitui motivo explícito bastante e sério para que este recuse o pagamento sem que lhe possa ser oposto que em face da eventual falta de provisão deveria exigir daquele maior informação por haver uma forte probabilidade de se não haver verificado essa anomalia.

Temos por certo que os casos de extravio, furto e todos os outros de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque dizem respeito à validade do saque e a esta é indiferente a existência ou não de fundos uma vez que aquela anomalia impede em qualquer caso que o cheque seja tido por regular. Mais concretamente, o extravio, o furto ou outra justa causa de desapossamento dos cheques tanto pode ocorrer quer os módulos digam respeito a uma conta com ou sem provisão, sendo que em todos estes casos se tem como pressuposto da justa causa de revogação que os títulos não tenham sido postos em circulação pelo sacador. Assim, não cremos que a eventual existência de fundos na conta sacada deva servir para distinguir um procedimento diferente por parte do banco quando lhe é comunicada a irregularidade do saque por se afirmar, v.g., que os cheques foram extraviados ou furtados.  

Veja-se que recusando o pagamento por falta de provisão o banco fica investido na obrigação de notificar o sacador para regularizar a situação nos trinta dias seguintes (depositando as quantias que os cheques titulavam ou entregando-as directamente à Autora - artigo 1-A do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28/12, aditado pelo Decreto-Lei n.º 316/97 de 19/11) e, também, na de comunicando a situação ao Banco de Portugal. Porém. Se o não pagamento tem por base a revogação com justa causa o banco não tem de cumprir essas obrigações uma vez que ela impede definitivamente a reutilização do cheque, com eventual, nova e ulterior, apresentação a pagamento numa altura em que a provisão já existisse.

Esta diferença de regime faz perceber que em face de uma justa causa invocada pelo sacador para o pagamento ser recusado, causa essa que questiona a legalidade e validade do próprio saque, fica comprometida a ordem de pagamento, o que torna irrelevante a verificação e a consequência da falta de provisão, pondo em movimento um procedimento diferente do que ocorreria se apenas existisse a falta de fundos.

Em conclusão, não seria correcto o banco certificar a falta de provisão em vez do cancelamento do cheque por extravio porque esta verificação prefere àquela nos termos sobreditos e cobre previsões naturalísticas diferentes, da mesma maneira que não seria correcto ao mesmo tempo o banco certificar o extravio e a falta de provisão uma vez que em face da informação do primeiro o que teria era de canelar o pagamento do cheque com esse fundamento não podendo proceder nos termos em que procederia nos outros casos de falta de provisão.

É lógico que estando o banco perante uma informação expressa de extravio, furto ou outra justa causa de revogação que anula a ordem de pagamento que consta do título apresentado a pagamento, não possa notificar o sacador que informou a anomalia para proceder ao provisionamento da conta para que o cheque “anomalizado” viesse afinal a ser pago.

Obviamente que a nossa reflexão se circunscreve aos deveres do Banco e nesta sede o que importa, como vimos, é apurar tão só a diligência que esta entidade deve usar quando lhe seja comunicado o extravio ou o furto, sendo alheia a esta problemática a questão de o sacador prestar essa informação com falsidade que o banco desconhecesse sem lhe ser censurável esse desconhecimento.

Ora, como sustentamos, a simples informação de extravio prestada pelo sacador basta para o banco recuse o pagamento do cheque, constituindo uma justa causa para essa recusa, não configurando qualquer acto ilícito que gere a obrigação de indemnizar.

Nas alegações de recurso o recorrente sustentou que para lá da ausência de demonstração da sua culpa faltaria sempre nexo de causalidade entre o prejuízo da Autora e a conduta do Banco porque a conta sacada não tinha provisão e, assim, existiria sempre prejuízo independentemente da conduta do Banco, não tendo o Autor logrado fazer prova em contrário.

Tendo-nos já pronunciado pela improcedência da pretensão da autora com fundamento na não demonstração da ilicitude da conduta da Ré, estando deste modo prejudicado o conhecimento da existência de danos e do nexo de causalidade entre o eventual facto ilícito e aqueles, diremos, ainda que por apontamento, que não foi alegado nem ficou provada a existência ou não de provisão na conta sacada (facto que só foi afirmado pela recorrente nas alegações de recurso) o que seria razão para que a problemática da relevância dessa eventual falta de provisão não pudesse ser conhecida.  

Contudo, quando a saber se quando esteja demonstrada a ilicitude da conduta do banco (o que no caso não ocorre) a falta de provisão da conta sacada faz soçobrar o pressuposto do nexo de causalidade e os danos, fundando-nos no acórdão do STJ de 2-2-2010 já citado, sublinhamos que estando no âmbito da responsabilidade extra contratual, cujos pressupostos devem ser alegados e provados pelo lesado, podendo apenas a culpa resultar de presunção legal, “ex vi” do n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil, a autora não deve limitar-se a alegar que o seu dano é o constante das quantias tituladas pelos cheques por estes não terem sido pagos mas deve sim alegar o dano real, isto é, que os cheques só não lhe foram pagos pelo ilegal cancelamento.

Como se diz no acórdão antes mencionado referindo-se ao portador do cheque “cumpria-lhe esse “onus probandi”, como constitutivo do seu direito – n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil – também alegando que em ulterior momento, e se cumprido pelo Banco o artigo 1.ºA do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, a conta seria provisionada, as quantias lhe seriam pagas, directamente, pela 1.ª Ré, ou, finalmente, se perante a eventualidade de inclusão na listagem a que se refere o artigo 3.º daquele diploma, a sacadora procedesse ao pagamento.

Se tal tivesse alegado e provado, o seu dano seria, indiscutivelmente, o montante dos cheques, a suportar pelo Banco.”.

Concordando com que ao autor/portador do cheque cabe o ónus de alegar o dano real cremos no entanto, afastando-nos do sentido que parece ser defendido no segmento do acórdão citado no parágrafo anterior, que essa alegação e prova não terá de ser a de que se cumprido o mecanismo legal do art. 1-A do DL 454/91 a contaria seria provisionada e as quantias lhe seriam pagas mas sim de que poderia ser provisionada e tais quantias lhe poderiam ser pagas, da mesma maneira que não será de exigir a alegação e prova de que perante a eventualidade da inclusão na listagem a que se refere o art. 3 daquele diploma a sacadora procederia ao pagamento mas sim que poderia procede.

Uma exigência que obrigasse, para verificação do pressuposto da existência real do dano, a uma alegação e prova de futuro pagamento efectivo em caso de revogação ilícita de cheques sobre uma conta sem provisão, cremos que equivaleria a tornar impossível essa prova ou, pelo menos, a torná-la dependente da prova da solvabilidade do sacador o que coincidiria, afinal, por outra via, a atribuir o efeito de relevância negativa a uma causa virtual, mas com o argumentário segundo o qual, o que faltava era a alegação e a prova de que se o banco não tivesse revogado ilicitamente os cheques, o portador viria a ser pago efectivamente.

O acórdão, na sua parte final, ao defender que nos casos em que se argumente que ainda que não fossem cancelados, o não pagamento dos cheques sempre ocorreria por falta de provisão, não se verifica a relevância negativa de qualquer causa virtual, mas antes a sua irrelevância (como é a regra), acrescenta que “só assim não seria se demonstrado que, sem o facto operante (cancelamento dos cheques), o pagamento seria efectuado na sequência da notificação ao sacador da comunicação ao Banco de Portugal, ou de ulterior apresentação a pagamento, sendo idêntico o seu dano. (cf., v.g., os artigos 491.º, 492.º, n.º 1, 493.º, n.º 1, 616.º, n.º 2, 807.º, n.º 2 e 1136.º, n.º 2, todos do Código Civil)”.

Se bem o entendemos (ajudados pela leitura desses preceitos), pretende-se significar que não obstante se aceitar a irrelevância negativa a causa virtual que se consubstancie na alegação de que a falta de provisão obsta ao pagamento, ressalva-se essa relevância quando se faça a demonstração de que se não ocorresse o cancelamento dos cheques o pagamento viria a ser efectuado na sequência da notificação ao sacador da comunicação ao Banco de Portugal, ou de ulterior apresentação a pagamento, sendo idêntico o seu dano.  

Não cremos no entanto que assim seja.

Em semelhantes situações, isto é, quando o autor não alegue e prove que se o banco não tivesse revogado os cheques ilicitamente poderia eventualmente vir a obter esse pagamento, aceitamos que o fundamento para exonerar o banco da obrigação de pagamento radicará na falta de demonstração de um pressuposto da responsabilidade civil, qual seja a existência de dano, e não na relevância negativa da causa virtual, que só excepcionalmente existe. Porém, esta relevância/irrelevância merece um apontamento mais circunstanciado.

A propósito da relevância negativa da causa virtual, resumindo-se nesta designação a questão de saber se o autor da causa real pode exonerar-se da obrigação de indemnização, no todo ou em parte, invocando a causa virtual que produziria o mesmo dano, escreve Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª ed., págs. 636/637): “Reconduzindo o problema a uma questão da causalidade, há que apurar se a causa real pode considerar-se efectivamente causa do dano, sendo certo que ele sempre se produziria em resultado da causa virtual. E a resposta é a de que a referida causalidade existe. A causa virtual não possui a relevância negativa de excluí-la, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano: sem o facto operante o lesado teria dano idêntico, mas não aquele preciso dano.

Daí que exista, em princípio, a obrigação de indemnizar.

Assim se conclui no domínio da causalidade.

Todavia, encarando o problema noutro plano, o de isenção ou atenuação da obrigação indemnizatória, verifica-se que pode, excepcionalmente, ser tomada em linha de conta a circunstância de que o dano viria a produzir-se como consequência da causa virtual ou hipotética - que nessa medida apresenta relevância negativa (arts 491, 492, nº1, 493, nº1, 616, nº2, 807, nº2 e 1136, nº2, do C.C.”.

Em todos os casos citados nesses preceitos, que sendo excepcionais não comportam aplicação analógica, para a produção do dano concorrem não só o facto (presumivelmente culposo) da pessoa em princípio responsável, mas também o facto de terceiro ou um facto acidental, (abalo sísmico, explosão de coisa perigosa, etc,).

São estas circunstâncias que justificam o tratamento excepcional que a lei lhes concede[11].

Tendo presente este enquadramento legal na hipótese que nos interessa, entre a revogação dos cheques operada pelo Banco que constituísse facto ilícito (situação que no presente recurso não ocorre) e o seu não pagamento (dano) existiria nexo causal: aquele seria causa adequada deste.

Convocando o ac. do STJ de 15 de Março de 2005, no proc. 05A380, in dgsi.pt., onde tal questão foi tratada a propósito de uma revogação ilegítima de cheque no prazo de apresentação a pagamento lê-se que: “Para se evidenciar que a revogação é causa imediatamente apta a produzir o dano, basta atentar que se a conta sacada tivesse saldo na data da apresentação a pagamento dos cheques, o dano ter-se-ia produzido, do mesmo modo que se produziria, mesmo que a conta não tivesse provisão suficiente.

A revogação dos cheques é, por si só, causa adequada do dano, ainda que, posteriormente, ocorresse um outro facto susceptível de conduzir ao mesmo resultado, pois este outro facto (inexistência de fundos) não está legalmente previsto como causa susceptível de suplantar a outra.”.

Como anteriormente referimos ao considerarmos a regularidade do saque como uma questão que antecede, no conhecimento do banco, a da verificação da falta de provisão, também aqui, nesta outra sede do nexo de causalidade, consideramos que o cancelamento do cheque e a consequente recusa de pagamento por parte do banco com base em revogação ilícita tem teve como consequência necessária o não pagamento dos títulos, “de tal modo que a sua revogação ilícita foi adequada à produção do dano e, por isso, não pode ser afastada a causa real do dano, prevalecendo a causa virtual, pois o caso dos autos não se enquadra nas situações excepcionais previstas na lei em que esta prevalece sobre aquela.”- ac. STJ cit.

Isto mesmo é também sustentado no texto do acórdão uniformizador 4/2008 quando, problematizando a verificação do nexo causal entre o dano e o facto culposo se a conta sacada não se encontra provisionada, quando os cheques são apresentados a pagamento, afirma por expresso que em casos de revogação ilícita, uma vez que do contrato de cheque resulta apenas para o Banco a obrigação de pagar cheques regularmente emitidos e desde que a conta se encontre provisionada, o Banco verificando que essa falta de fundos existe, o que deve é certificá-la e não aceitar a revogação, precisamente por ser ilícita. Ao aceitar ilicitamente a revogação dos cheques (uma vez que apresentado a pagamento no prazo legal) “impediria que se verificasse o facto que implicava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos 30 dias referidos no artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 316/97 e comunicação ao Banco de Portugal, o que, na prática, impediria o portador de usar um meio de pressão sobre o devedor que a lei lhe confere, sendo utópico presumir que este disponha de património que garanta solvabilidade.

Aliás, a falta de provisão na data da apresentação a pagamento de cada um dos cheques não é equivalente a falta absoluta de provisão. Se o cheque apresentado a pagamento fosse recusado por falta de provisão, nada nos diz que o cheque não pudesse ser novamente apresentado a pagamento e obtivesse provisão.”.

Em resumo, procede a Apelação com fundamento em ser lícita a recusa do banco recorrente em proceder ao pagamento dos cheques, com justa causa resultante da informação de extravio.

E sumariando a decisão nos termos do disposto no art. 713 nº7 do CPC fixa-se que:

 - Constitui justa causa de recusa de pagamento dos cheques por parte do banco, no prazo de apresentação dos mesmos a pagamento, a ordem de revogação dos mesmos pelo sacador com informação de “extravio”.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, julgar improcedente a acção e absolver a ré/recorrente do pedido.

Custas pela recorrida.


[1] Paulo Olavao Cunha, In Cheque e Convenção de Cheque, p. 578, considera que a expressão revogabilidade não permite depreender que esteja necessariamente em causa uma situação de revogação ilícita, sendo que para se concluir pela revogabilidade do cheque basta que o sacador consiga evitar o pagamento, ainda que tal constitua um ilícito.
[2] Sobre a cronologia dessa controvérsia, vd. Paulo Olavo Cunha op. cit. p. 600 a 620, onde não se dá ainda notícia do acórdão Uniformizador nº4/2008 do STJ e José Maria Pires,  O Cheque, Rei dos Livros, pág. 104, 105.
[3] Lei Uniforme Sobre Cheques Anotada, 4.ª Edição, pág. 185.
[4] Proferido no Processo n.º 01A1330, disponível em http://www.dgsi.pt
[5] Revista da Ordem dos Advogados, n.º 6, pág. 449
[6] O Cheque, Rei dos Livros, pág. 104, 105
[7] Vd. op.cit. p. 107/108
[8] O actual sistema de tutela da fé pública do cheque», Direito e Justiça, separata, vol XIII, 1999, t. I, p. 228

[9] “O problema da responsabilidade civil dos Bancos por prejuízos que causem a direitos de crédito”, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 59.º, n.º 3, Dezembro de 1999, p. 902
[10] A questão pode ser também abordada a propósito do nexo de causalidade entre o facto e os danos, como se encontra referido no acórdão uniformizador 4/2008 e no ac. STJ de 2-2-2010 in dgsi.pt, valendo aqui para problematizar a obrigação de ressarcimento banco perante a existência de um causa virtual que seria a de, mesmo existindo ilicitude na recusa do banco os danos não resultariam desta, por faltar aquele nexo, mas antes da falta de provisão.
[11] No mesmo sentido da irrelevância negativa da causa virtual, ressalvados alguns casos excepcionais de culpa presumida, podem citar-se: Antunes Varela , Das Obrigações em Geral, Vol. I, págs. 639 e segs e 954 e segs ; Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 7) ; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 418 e segs.