Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
422/13.7TBLMG-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: ENTREGA DO IMÓVEL ADJUDICADO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.861 Nº 6, 863 Nº 3 CPC
Sumário: 1.- No âmbito dos artigos 861º, nº 6 e 863º, nº 3, do Código de Processo Civil, são requisitos para a suspensão da execução, da entrega da coisa:
(i)Tratar-se da casa de habitação principal do executado;

(ii) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução;

iii) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente a doença aguda que sofre a pessoa que se encontra no local e a coloque em risco de vida com a realização da diligência.

2.- Doença aguda significa doença súbita e inesperada, por contraposição a doença crónica. Ela tem um curso acelerado, terminando com a convalescença ou a morte em menos de três meses. Por isso a lei exige que o atestado médico diga a duração provável da crise.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

O executado L (…)  pediu a suspensão da execução, no que respeita à entrega do imóvel adjudicado, alegando dificuldades económicas e problemas de saúde das pessoas que compõem o seu agregado familiar e habitam aquele.

O adquirente do imóvel, o “ N (...) ”, alegou contra a pretensão, dizendo que não estão preenchidos os pressupostos legais para a suspensão. O mesmo disse a C (...) .

Por despachos de 09.03.2016 e 26.04.2016, o tribunal recorrido convidou o Requerente a esclarecer a composição do agregado familiar referido, a sua situação de saúde e a juntar os documentos pertinentes.

Conferido novo contraditório sobre a alegação e a documentação, o Tribunal recorrido indeferiu a pretensão, nos seguintes termos:

“Como o tribunal teve oportunidade de explicitar, tratando-se de entrega de casa de habitação principal do executado, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento, o Agente de Execução deve comunicar previamente o facto à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes e a execução pode ser suspensa nos termos previstos no n.º 3 do artigo 863.º do Código de Processo Civil, ou seja, pode ser suspensa se a desocupação da habitação puser em risco de vida pessoa que se encontre no local, por razões de doença aguda, devendo esta circunstância estar documentada por atestado de médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução (artigo 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil). A Sr.ª Agente de Execução comunicou as dificuldades de realojamento dos executados à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes, assim cumprindo a obrigação que emana do artigo 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil. Os executados não juntaram atestado médico que comprove que a desocupação da habitação põe em risco de vida pessoa que se encontre no local, por razões de doença aguda, e que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, pelo que não se verificam os pressupostos da suspensão da execução ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 863.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 861.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.”


*

Inconformado, o Executado recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não procedeu a uma decisão justa e legal ao proferir o despacho de indeferimento de suspensão da execução.

2. A decisão recorrida configura uma decisão errada existindo erro grosseiro na apreciação da prova documental apresentada.

3. Entendeu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que o executado, ora recorrente, não juntou atestado médico que comprove o risco de vida com a desocupação do imóvel.

4. Ora não podemos concordar com tal conclusão, pois resulta claramente dos atestados médicos juntos aos autos que o executado sofre de taquicardia, doença cardíaca.

5. O facto de poder ter de abandonar o lar de uma vida inteira agrava ainda mais o seu estado de saúde, indo parar várias vezes ao hospital com alterações do ritmo cardíaco, como resulta dos atestados médicos juntos aos autos.

6. Constam dos atestados médicos juntos aquando do pedido de suspensão da execução e da desocupação do imóvel, todos os problemas de saúde do executado.

7. O Meritíssimo Juiz, salvo devido respeito, não valorou como lhe competia a prova documental junta aos autos.

8. Os atestados médicos juntos comprovam o estado de saúde do executado, que é de alguma forma preocupante.

9. Acresce que o executado, tem a sua mãe a cargo, de 89 anos de idade, que com ele reside, e que também tem problemas de saúde.

10. Para além disso, resulta da prova documental junta, o executado encontra-se desempregado, não auferindo qualquer rendimento que lhe permita procurar um local para arrendar e ali viver com a sua esposa, e a sua mãe, em menos de um mês.

11. O executado usou uma faculdade que a lei lhe dá de pedir a suspensão da execução e de desocupação do imóvel exactamente porque não dispõe de outra alternativa, e não por um capricho seu, provando os problemas de saúde através da junção de atestados médicos.

12. Ora, se o Meritíssimo Juiz entendia que os atestados médicos apresentados não eram suficientes para demonstrar o estado de saúde do executado deveria ter notificado o executado para apresentar um atestado mais pormenorizado.

13. Ao invés preferiu proferir despacho de indeferimento da suspensão da execução.

14. Acresce ainda que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo notificou a Ilustre Agente de Execução para ter em consideração o disposto no art. 863.º n.º 3 do CPC, o que não foi tido em conta.

15. Assim, entende o recorrente que preenche os requisitos legais paraque seja deferida a suspensão da instância e consequentemente da desocupação do imóvel.

16. Espera assim o recorrente que Vªs Exªs julguem procedente a apelação e seja revogada a decisão recorrida, determinando-se, em consequência o deferimento da suspensão da execução e de desocupação do imóvel.


*

O “ N (...) ” contra-alegou, defendendo a correção do decidido.

*

            A questão a resolver é a da verificação do preenchimento dos requisitos para a suspensão da execução, nos termos dos artigos 861º, nº6 e 863º, nº3, do Código de Processo Civil.

*

Os factos provados são os seguintes (embora não destacados pelo tribunal recorrido, estão documentados):

Em 07.03.2016, o executado L (…) pediu 60 dias para desocupar o imóvel, alegando que vive com o filho, “por motivos de saúde”. Juntou atestado da Junta de Freguesia a confirmar a residência.

Entretanto, a Agente de Execução susteve a entrega do imóvel, constatando que a mãe do executado L (…), M (…), apresentava problemas decorrentes da avançada idade.

Esta Senhora tem 90 anos de idade e apresenta incapacidades e dificuldades várias não concretizadas.

O tribunal convidou o requerente a esclarecer e a documentar a composição do seu agregado familiar e os seus problemas de saúde.

O executado L (…) apresenta episódios de ansiedade, com taquicardia (na ida à urgência de 02.08.2016, aquele “veio agitado e ansioso por se ter chateado com uma pessoa nas compras”); também apresenta sinais depressivos; encontra-se medicado.

Os executados L (…) e mulher estão desempregados.

A Sr.ª Agente de Execução comunicou as dificuldades de realojamento dos executados à Câmara Municipal e à Segurança Social local.


*

Na execução, para a entrega da coisa (artigo 861.º do Código de Processo Civil, doravante CPC), diz-nos o nº 6 desta norma:

“6 — Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”

O artigo 863.º referido (Suspensão da execução) determina naqueles nº 3 a 5:

“3 — Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda.

“4 — Nos casos referidos nos n.ºs 2 e 3, o agente de execução lavra certidão das ocorrências, junta os documentos exibidos e adverte o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar

ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante.

“5 — No prazo de cinco dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento da suspensão e a imediata prossecução dos autos.”

Segundo a lei, são requisitos para a suspensão em questão:

(Ver acórdão da Relação de Évora de 21.02.2013, proc. 2055/06, em www.dgsi.pt.)

1) Tratar-se da casa de habitação principal do executado;

2) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução;

3) Apresentar-se atestado médico que indique fundamentadamente a doença aguda que sofre a pessoa que se encontra no local e a coloque em risco de vida com a realização da diligência.

Doença aguda significa doença súbita e inesperada, por contraposição a doença crónica. (Ver Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, CE, 2013, páginas 1061 e 1148 e seguintes, com anotação de jurisprudência.)

“As doenças agudas são aquelas que têm um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte em menos de três meses.” 

“As doenças agudas distinguem-se dos episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições.”

“Uma doença crónica é uma doença que não é resolvida num tempo curto, definido usualmente em três meses. As doenças crónicas são doenças que não põem em risco a vida da pessoa num prazo curto, logo não são emergências médicas.” (http://pt.wikipedia.org/wiki/doença aguda, doença crónica)

Como a lei pressupõe uma doença aguda, que se define num prazo relativamente curto, ela exige que o atestado médico diga a duração provável da crise.

E como a lei pressupõe uma doença aguda, no caso de doença crónica, mesmo que a diligência coloque em risco de vida o ocupante da casa, fruto de uma ansiedade agudizante, aquela não é justificativa da sustação da entrega da coisa.

            Por seu lado, “a depressão pode ser episódica, recorrente ou crónica. A falta de tratamento adequado leva a que a depressão se torne numa doença crónica ou seja, o

doente não entra em remissão.” (http://saude.sapo.pt/bem-estar-e-emocao/artigos-gerais/o-que-e-a-depressao.html)

            Por fim, relativamente às hipóteses colocadas, “a taquicardia traduz-se num aumento da frequência cardíaca. Ela pode ser de origem fisiológica ou devida a alguma doença”. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Taquicardia.)

                Considerando este enquadramento, podemos verificar que os referidos requisitos legais, relativos à saúde das pessoas que se encontram no local, não estão preenchidos na situação em julgamento.

Como assinalou a decisão recorrida, não foi apresentado (apesar do convite ao esclarecimento) qualquer atestado médico que indicasse uma doença aguda.

O convite do tribunal ao aperfeiçoamento não significa que aquele se substitua à parte na alegação dos factos essenciais.

Como resulta dos documentos médicos, o executado L (…) apresenta episódios de ansiedade, com aumento da frequência cardíaca, não se provando que tais sintomas sejam decorrentes de doença aguda.

Também os seus sinais depressivos, mesmo que episodicamente agudizantes, não o colocam em risco de vida.

Nenhum dos documentos médicos, não pressupondo uma qualquer doença aguda, define uma duração provável da crise.

Fosse válida a justificação do executado, seria a situação crónica e teria uma duração indefinida.

O executado, considerando o seu pedido de 60 dias em 07.03.2016, vem protelando indevidamente a entrega da casa há mais de um ano.

E esta casa não foi do requerente, pertenceu ao filho dele, também executado.

            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Coimbra, 2017-07-12

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 António Carvalho Martins

 Carlos Moreira