Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO VALÉRIO | ||
Descritores: | AMEAÇA AGRAVAÇÃO NATUREZA DA INFRACÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA - 2º JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 155º, N.º 1, AL. A), DO C. PENAL | ||
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Sumário: | O tipo de crime de ameaça agravado, p. e p. pelo art.º 155º, n.º 1, al. a), do C. Penal, tem natureza pública. | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1- No 2.º juizo de média instância criminal de Aveiro-Comarca do Baixo Vouga, no processo acima identificado, foi, em audiência de julgamento ( cfr fls 171 ss ), proferido despacho judicial homologando a desistência de queixa relativamente a um crime ( entre outros ) de ameaça agravada p.p. nos arts 153.º-1 e 155.º-1 do CodPenal. 2- O magistrado do Ministério Público na 1.ª instância recorre, concluindo deste modo : A actual redacção do n° 2 do artigo 153° reporta-se, exclusivamente, à descrição contida no n° 1 desse mesmo art° 153°. 0 artigo 155°, que, ora, prevê o tipo-de-ilicito de ameaça agravada, não contém qualquer critério que faça depender de queixa o respectivo procedimento criminal nem existe no CodPenal qualquer norma que estabeleça a natureza semi-pública da previsão e punição contidas nesse art° 155°. Na falta de norma expressa que indique que o procedimento criminal depende de queixa o crime tem natureza pública. À semelhança do que ocorre corn diversos outros tipos-de-ilicitos penais previstos no CodPenal , a forma simples/base assume natureza semi-publica e quando agravados/qualificados passam a ter natureza pública. 0 que, aliás, no caso em apreço, foi intenção clara e expressa do legislador. Intenção essa que se revela coerente porquanto a agravação do tipo-de-ilicito de ameaça se reporta às mesmas circunstâncias que qualificam o tipo-de-ilicito de coacção grave/qualificada, previsão essa que sempre esteve contida no art° 155° e cuja natureza pública nunca foi questionada. E tanto mais clara foi a intenção legislativa de conferir natureza pública ao crime de ameaça agravada que o legislador não fez integrar no corpo do anterior n° 2 do art° 153°, que previa a forma qualificada do ilicito de ameaça, as circunstâncias que qualificavam o tipo-de-ilicito de coacção. Antes pelo contrário, revogou o anterior n° 2, passando o anterior n° 3 a n° 2, e passou a integrar, de forma autónoma, a previsão agravada do ilicito de ameaça no corpo do art° 155° sem fazer depender o procedimento criminal de tal previsão de queixa. Não faria sentido que o legislador pretendesse manter a natureza semipública do ilicito penal de ameaça agravada e seguisse a técnica legislativa de revogar o anterior n° 2 do art° 153°, autonomizando a previsão qualificada desse ilicito e deixando de fazer depender de queixa o procedimento criminal através de preceito expresso, em vez de, pura e simplesmente, alterar e/ou acrescentar a previsão do anterior n° 2. 3- O Exmo PGA nesta Relação, acompanhando o recurso, pronuncia-se pela procedência do recurso 4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência. 5- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do presente recurso, tal como vem definido nas conclusões do recurso, traduz-se únicamente em saber se o crime de ameaça agravado tem natureza pública ou semi-pública e, portanto se, respectivamente, não admite ou admite desistência de queixa . No que agora interessa, o despacho recorrido tem o seguinte teor : « (...) em relação ao crime de ameaça imputado ao arguido (...) consideramos que a situação a que alude a alinea a), do n° 1, do art° 155°, tal como aliás resulta da epigrafe de tal artigo,.apenas se traduz numa agravação da moldura penal do crime base ( o do art° 153° ou do art° 154°), não constituindo a situação de tal alinea urn novo tipo legal de crime. Considerando assim, que o art° 155°-n°1, alinea a), apenas se traduz numa agravação da moldura do crime base e sendo o crime base-neste caso, o do art° 153°, n°1, de natureza semi-pública (c.f.r. o n°2 do art° 153° ), consideramos nós que será relevante a desistência da queixa agora apresentada no que tambérn diz respeito ao crime de ameaça (...) ». Importa, para decidir agora a questão , confrontar os regimes em causa O art 153º, na redacção anterior, tinha a seguinte disciplina : « Ameaça : 1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - O procedimento criminal depende de queixa » Por sua vez, dizia o art 154.º : « Coacção : 1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível (...) » E o art. 155º estabelecia : « Coacção grave : 1 - Quando a coacção for realizada: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea j) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. 2 - A mesma pena é aplicável se, por força da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se » (Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro) Já após a reforma de 2007 o art 153.º do CodPenal tem a seguinte redacção : « Ameaça : 1 — Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniaisde considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano oucom pena de multa até 120 dias. 2 — O procedimento criminal depende de queixa » E o art 155.º enuncia : « Agravação : 1 — Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º ( este o crime de coacção ) forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez ; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão até dois anos oucom pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º . 2 — As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qualo mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se ». É inquestionável e inquestionado que na vigência do Código Penal, na versão anterior à revisão de 2007 ( DLei nº 400/82, de 23/9 e na versão revista do DLei nº 48/95, de 15/3 ), o crime de ameaça agravado ( previsto no artigo 155.º-2 do CP na versão original e no artigo 153.º- 2 na versão de 1995), eram de natureza semi-pública, e portanto dependiam de queixa do respectivo ofendido/queixoso, e assim era admissivel a respectiva desistência de queixa --- o que resusltava desde logo do n.º 3 do art. 153 ( « o procedimento criminal depende queixa ». E tal conclusão extraí-se do facto de anteriormente à reforma de 2007 ( Lei nº 59/2007, de 4/9 ) a forma qualificada do crime de ameaça, que consistia na circunstância de a ameaça ser com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, estava enunciada na mesma norma que previa a forma simples ou base do tipo legal. Por outro lado, tal natureza decorria da própria técnica legislativa usada, em que a enunciação da possibilidade de queixa se referia tanto a ameaça simples quando ao mesmo crime agravado Mas com a reforma do CodPenal o crime de ameaça agravado ou qualificado passou a ter outra natureza ( pública, logo insusceptível de desistência de queixa ), pois enquanto o crime base ( art 153.º ) manteve a natureza semi-pública no nº 2, o mesmo já não acontece com o crime de ameaça qualificado, já que no actual artigo 155.º não se faz qualquer referência à dependência de queixa para o procedimento criminal). Quer dizer, de modo pensado o legislador quiz consagrar a anterior agravante do crime de ameaça num crime autónomo ( no art 155.º- 1-a) ). E como bem refere o Ac RP, de 15-9-2010 ( proc. n.º 354/10.0PBVLG.P1, em www.dgsi.pt) « Tais circunstâncias (agravantes que, no caso do nº 1, revelam “um maior desvalor da acção”, reportando-se quer ao crime de ameaça, quer ao crime de coacção, traduzem um acréscimo da ilicitude em relação ao tipo base ou fundamental. Nessa medida, verificando-se qualquer das circunstâncias agravantes previstas no artigo 155 do CP, após a reforma de 2007, o crime de ameaça ( ou de coacção) passa a ser qualificado (...). De resto, não existe qualquer outra norma a conferir a natureza de crime semi-público (ou a fazer depender de apresentação de queixa o procedimento criminal) no caso de se verificar a agravação prevista no artigo 155 do CP, na versão de 2007 ». Neste mesmo sentido se pronunciaram, por exemplo : Ac RP, de 29-9-2010, proc. 162/08.9GDGDM.P1, www.dgsi.pt ; Ac RP, de 1-7-/2009, processo nº 968/07.6PBVLG.P1 ; Ac RP, de 6-1-2010, processo nº 540/08.3TAVLG.P1; Ac RL, de 13-10-2010, proc. n.º 36/09.6PBSRQ.L1, em www. dgsi.pt ) Tem por isso inteira razão a conclusão do MP recorrente quando refere que « (...) Não faria sentido que o legislador pretendesse manter a natureza semipública do ilicito penal de ameaça agravada e seguisse a técnica legislativa de revogar o anterior n° 2 do art° 153.°, autonomizando a previsão qualificada desse ilicito e deixando de fazer depender de queixa » + 6- DECISÃO : Pelos fundamentos expostos : I- Concede-se provimento ao recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituido por outro que designe data para julgamento relativo ao crime em causa II- Sem custas. - Paulo Valério (Relator) Frederico Cebola |