Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/10.4TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 06/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 387º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 98º-B, 98º-C E 98º-D DO CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (REDACÇÃO DO DL Nº 295/09, DE 13/10).
Sumário: I – A nova acção de impugnação do despedimento individual encontra-se prevista no Código do Trabalho de 2009, mas depende da revisão do CPT (artº 14º da Lei nº 7/2009), a qual ocorreu com a publicação do Dec. Lei nº 295/09, de 13/10, que entrou em vigor em 1/01/2010.

II – As normas do CPT, com a redacção dada por aquele diploma aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor (artº 6º do D.L. nº 295/09).

III – A nova acção de impugnação do despedimento (artº 387º Código do Trabalho) é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal.

IV – O artº 387º CT de 2009 apenas entrou em vigor em 1/01/2010.

V – A impugnação judicial de um despedimento verificado antes de 1/01/2010 segue a forma de processo comum, regulado nos artºs 51º e segs. do CPT, ainda que essa impugnação venha a ser deduzida após essa data.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A..., residente ...., veio opor-se, através do processo especial previsto nos artigo 98-B e ss do CPT (na redacção do Dec. Lei 295/09 de 13/10) ao “despedimento” promovido por B..., LDA, com sede ... tendo para o efeito apresentado o formulário a que alude os artigo 98º-c e 98º-d do Cód.Proc. Trabalho, aprovado pela portaria1460-C/09 de 31/12 


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II – O requerimento inicial apresentado através do referido formulário foi indeferido liminarmente através de decisão com o seguinte teor:

“ A..., residente ..., veio, através do formulário instituído pelos artigos 98°-C e 98° D do Código de Processo do Trabalho, na versão adoptada pelo Dec. Lei nº 295/2009 de 13/10. em conjugação com a Portaria nº 1460-C/2009 de 31/12, opor-se ao pretenso despedimento que alegadamente lhe foi imposto sociedade, B..., Lda, com sede na..., juntando, para o efeito, a declaração escrita que esta lhe entregou, datada de 15/01/2009 na qual consta, para o que aqui interessa, o seguinte texto: "Tem esta n/ carta a finalidade de participar que não pretendemos renovar o contrato de trabalho que celebrámos consigo, que termina no dia 18 do corrente mês .. , ".

Pede, pois, que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento.

Sucede que, do nosso ponto de vista, este não é o processo próprio para satisfazer a pretensão da requerente.

Com efeito, a acção de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento foi instituída pelo Código de Processo do Trabalho, na versão adoptada pelo Dec. Lei n° 295/2009 de 13/10, para ter lugar, nos termos do nº1 do artigo 98º-C, quando, "nos termos do artigo 387º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, .. ",

Ora, o citado artigo 387° do Código do Trabalho, na versão adoptada pela Lei n° 7/2009 de 07/02, apenas entrou em vigor no dia 01/01/2010 (cfr. artigo 14 n° 1 dessa mesma Lei e artigo 9° n° 1 do Dec. Lei n° 295/2009 de 13/10).

Portanto, não pode aplicar-se a situações, como a que está em apreço, que se passaram antes de o mesmo estar em vigor. Pela simples razão de que a lei em vigor à data do alegado despedimento da requerente não lhe conferia o direito que ora pretende exercitar.

Acresce que também não temos como certo que a comunicação da empregadora da requerente se inscreva em qualquer uma das hipóteses previstas no citado artigo 98°-C, n° 1 do C.P.Trabalho actual. Cremos mesmo que não. A citada comunicação, com efeito, embora possa vir a ser qualificada jurisdicionalmente como uma decisão de despedimento, não o é formalmente. E assim, do nosso ponto de vista, também não se enquadra nas hipóteses previstas no citado preceito legal.

Em suma: há erro na forma de processo. E, a forma adoptada também não permite o aproveitamento do processado para a forma de processo adequada, que é a comum, pois que esta última tem início com uma petição inicial, que não existe no caso presente.

Em conformidade com o exposto, pois, decide-se indeferir liminarmente o requerimento inicial, declarando nulo todo o processado e absolvendo a sociedade requerida da presente instância (artigos 199° nº2 202°, 206° nº2 e 288° nº1 al. b) do C.P.Civi1).

- Custas pela requerente, considerando-se para o valor da causa o disposto no art° 12° nº1 al. e) do RCP.


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III – Inconformada veio a autora apelar, alegando e concluindo:

[…………………………………………….]


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Ordenou-se a citação da sociedade requerida nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 234º-A do Cód. Proc. Civil, mas esta nada disse.

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Recebida a apelação o Exmo PGA emitiu douto parecer no sentido de que deve ser mantido o julgado porquanto, no seu entendimento, a “requerente utilizou um meio processual inadequado, faltando a alegação de factos bastantes para a continuação do processo como comum declarativo, pois o requerimento apresentado não contém os elementos de facto que permitam bem decidir o litígio, tendo em conta as possíveis soluções de direito”.

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A requerente respondeu a este parecer, voltando a pugnar pela revogação da decisão recorrida.

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IV – Considerando os elementos que constam dos autos, com interesse para a decisão, dão-se por assentes seguintes factos:

1. Com data de 16 de Julho de 2007 a requerente e a sociedade requerida celebraram um contrato de trabalho que denominaram de “a termo certo”, pelo período de seis meses, com início em 16 de Julho de 2007 e cessação em 16 de Janeiro de 2008, que “vigorará pelo prazo estabelecido em razão de um acréscimo excepcional da actividade empresa, nos termos do legislado no artigo 129º nºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho”.

2. Com data de 15 de Janeiro de 2009 a sociedade requerida enviou à autora a carta do seguinte teor:

Assunto: Participação de despedimento / Juncal 2009/01/15

Exmª Senhora:

Tem esta n/ carta a finalidade de participar que não pretendemos renovar o Contrato de trabalho que celebrámos consigo, que termina no dia 18 do corrente mês.

Agradecendo toda a colaboração que nos prestou, informamos que na referida data processaremos as remunerações devidas, as quais pagaremos assim que o nosso fundo de maneio permitir”.

3. A presente acção deu entrada em juízo no dia 8 de Janeiro de 2010.


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V - Do Direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões que importa resolver são as seguintes:

1) Saber se ocorre a nulidade de sentença.

2) Saber qual a espécie de forma de processo que deve ser utilizada.

Da nulidade:

Alega a recorrente que se verifica a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Cód.Proc. Civil.

Independentemente de saber se, de facto, se encontra verificada a invocada nulidade[1], há desde logo a assinalar que a arguição da nulidade da sentença não teve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artº 77º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho (na redacção do DL nº 295/09 de 13/10)[2]expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).

Como se sabe, a referida norma do Cód. Proc. Trabalho encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer. Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade” (v., por todos, Ac. Relação do Porto e 20-2-2006, in www.dgsi.pt. proc. n° 0515705 e jurisprudência ali citada).

O Ac. do Tribunal Constitucional n° 304/2005, DR, II Série de 05.08.2005 confirma esta doutrina: em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.

Por conseguinte, uma vez que o procedimento utilizado pela ré apelante, para a arguição da nulidade da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, considera-se extemporânea a arguição da nulidade.

Da forma de processo:

A nova acção de impugnação do despedimento individual encontra-se prevista no Cód. do Trabalho/09 mas dependente da revisão do Cód. Proc. Trabalho (cfr. artigo 14º da Lei 7/2009 que aprovou aquele código), a qual ocorreu com a publicação do Dec. Lei 295/09 de 13/10 que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 (artº 9º nº 1 deste diploma.

As normas do CPT, com a redacção dada por aquele diploma aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor (artigo 6º do Dec. Lei 295/09)

Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, “no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia -se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento” (artigo 98º-C nº 1 do Cód.Proc. Trabalho.

Assim, conforme refere Albino Mendes Batista “in” “A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Cód.Proc. Trabalho”, Coimbra Editora, Reimpressão, págªs 73 e 74 “a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, ficando fora do âmbito desta impugnação outras situações que o dito autor enumera e entre as quais figura a situação “em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade” o que é, precisamente, o caso dos presentes autos.

Na verdade, as partes celebraram um contrato de trabalho apondo-lhe um termo certo.

A empregadora, pese embora na carta que enviou à autora tenha mencionado que estava a participar um despedimento, o que efectiva e realmente quis foi operar a caducidade do contrato de trabalho ao referir na missiva que “tem esta n/ carta a finalidade de participar que não pretendemos renovar o Contrato de trabalho que celebrámos consigo, que termina no dia 18 do corrente mês”

A autora entende que a sua empregadora não podia fazer cessar deste modo o contrato de trabalho por este se ter convertido em contrato sem termo em razão da falta de concretização do motivo justificativo da aposição do termo[3], configurando a sua atitude um despedimento ilícito desde logo por não ter sido precedido do respectivo procedimento disciplinar (v alegações a fls 169.)

Ora, como acima se disse não é para estes casos que foi gizado o processo especial previsto nos artigos 98º-B e ss do Cód. do Trabalho, pelo que devia a autora ter lançado mão do processo comum.

Não tendo feito, conforme se lê na decisão sob censura “há erro na forma de processo. E, a forma adoptada também não permite o aproveitamento do processado para a forma de processo adequada, que é a comum, pois que esta última tem início com uma petição inicial, que não existe no caso presente”

Por isso bem andou o tribunal “a quo” em indeferir liminarmente o requerimento inicial, declarando nulo todo o processado e absolvendo a sociedade requerida da instância.

Mas ainda que, por hipótese, se entendesse que se está perante um despedimento assumido formalmente enquanto tal, ainda assim, a forma de processo adequada seria a comum e não a especial; e isto porque o “despedimento” foi, no caso em análise, comunicado por escrito antes de 01/01/2010.

A questão foi, muito recentemente, objecto de análise e decisão por parte da Relação de Lisboa no acórdão proferido em 19/05/2010 no processo 397/10.4TLSB.L1-4 consultável em www.dgsi.pt/jtrl, com o qual concordamos e para o qual remetemos para uma melhor compreensão permitindo-nos, no entanto, transcrever o seguinte excerto:

(..) -O art. 387.º do Código do Trabalho de 2009 apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010 e, consequentemente, que o art. 435 n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 vigorou até 31 de Dezembro de 2009;

- A acção de apreciação judicial do despedimento a que se reporta o mencionado art. 387.º, é a que se mostra regulada nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho resultante da revisão que este sofreu através do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10;

- O novo processo especial de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento regulado nos mencionados artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho revisto, só é aplicável aos despedimentos cujo procedimento se inicie após a entrada em vigor da legislação que procedeu à revisão desse Código, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010;

- A impugnação judicial de um despedimento verificado antes de 1 de Janeiro de 2010, segue a forma de processo comum, regulado nos artigos 51º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, ainda que essa impugnação venha a ser deduzida após essa data.

É verdade que, certamente movido por respeito pelo princípio geral de aplicação imediata das normas de natureza adjectiva, o legislador que procedeu à revisão do Código de Processo do Trabalho estabeleceu no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13-10 que «As normas do Código de Processo do Trabalho com a redacção dada pelo presente decreto-lei aplicam-se às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor». No entanto, tendo em consideração, não só o elemento teleológico – a ratio legis ou razão de ser das normas face à finalidade que, através das mesmas, o legislador procura alcançar – mas também o elemento sistemático – o conjunto das normas anteriormente enunciadas que, regulando a matéria em causa, devem ser observadas na perspectiva da unidade do sistema jurídico que integram – elementos que nós, enquanto intérpretes da aludida disposição, não podemos deixar de levar em linha de conta, temos de concluir que o princípio que dela emerge tem, necessariamente, de ser objecto de uma interpretação restritiva, limitando o seu aparente alcance e reduzindo-o a proporções que se nos afiguram compatíveis com a vontade real do legislador, já que na interpretação daquela norma à luz dos aludidos elementos, não podemos deixar de concluir que o legislador, na sua expressão literal, disse mais do que o que efectivamente pretendia.

Na verdade, se bem atentarmos no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei 295/2009, verificamos que o legislador, quando refere, a determinado passo, que: «Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT (…), cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual» (sublinhado nosso), acrescentando, logo a seguir, que «Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT», sem dúvida que nos leva a concluir que pretende que a referida acção, com processo especial, se aplique apenas aos despedimentos ocorridos a partir da data de entrada em vigor deste artigo 387.º do actual Código do Trabalho, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010.

Por outro lado, analisado o conjunto das normas legais que, anteriormente, enunciámos, na perspectiva da unidade do sistema que integram, não poderemos deixar de concluir que a conjugação das mesmas só faz sentido se concluirmos como concluímos que a nova acção de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento individual, prevista nos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo de Trabalho revisto, só é aplicável ao despedimento individual, cujo procedimento se tenha iniciado após a entrada em vigor da legislação que reviu este Código de Processo, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2010, o que leva, de imediato, a extrair a conclusão de que a impugnação de despedimento ocorrido antes desta data, mesmo que deduzida após a mesma, tem, necessariamente, de seguir a forma de processo declarativo comum prevista nos artigos 51º e seguintes desse mesmo Código de Processo”.

Assim, e também por esta razão, a decisão impugnada sempre seria de manter, o que se decide.


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VI Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da decisão recorrido.

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Custas a cargo da recorrente

[1] Conforme se assinala no Manual de Processo Civil de A. Varela e outros, 2ª edição, págªs 686 a 691 “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”

E no que se refere à nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do arº 668ºa fundamentação de direito da sentença “contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”.
[2] Que manteve, sem alteração de substância, a redacção anterior a este Dec. Lei .
[3] V. artigos 141º nº 1 alíonea e) e nº 3 e 147º nº 1 alínea c) do Cód. do Trabalho/09.